Chapter 1: Um dia tranquilo
Chapter Text
.Vi.
Londres. 1921.
Aquele dia era para ser um dia tranquilo.
Mas malditos aqueles que se seguram no conforto ou segurança na palavra tranquilo. Malditos os que acreditam na palavra esperança. Ignorância é uma benção, não é mesmo?!
Batidas foram ouvidas do lado de fora. A mulher permaneceu de olhos fechados como se buscasse o silêncio. No cômodo onde se encontrava, os primeiros raios de lua já adentravam. Ela acreditava que se permanecesse com os olhos fechados por tempo o bastante, quem quer que tenha batido na porta esqueceria dela. Ou pelo menos ela desejava que isso ocorresse. Mas não. Não hoje. Aparentemente.
Novas batidas do lado de fora da casa.
Não se sabe quantas batidas ocorreram até que finalmente a mulher deixou cair a colher que estava entre os dedos e repousar no prato a sua frente. Um longo e profundo suspiro saindo de suas narinas. Um incômodo crescente dentro do próprio peito. A sopa estava ainda morna entre os dedos. Havia preparado minutos antes e para a conclusão do ritual, havia a necessidade apenas que ela consumisse aquele líquido apetitoso. Uma deliciosa sopa de ervilhas. A mulher sabia, no entanto, que se fosse atender quem quer que seja do outro lado da porta, o alimento a sua frente esfriaria. Isso a angustiou.
Tanto cuidado para preparar a sopa. E iria ser desperdiçado. Ela sentia isso.
Ela ponderou.
Desistiu quando ouviu pelo que ela imaginava ser a décima batida na sua porta. Levantou-se, dizendo rispidamente entre os dentes:
- Já vou, já vou. Jesus!
A mulher passou a mão sob os cabelos curtos. Ajeitou-os para trás, dando um longo suspiro. “Era pra ser um dia tranquilo”, falou como um mantra. Levou os dedos até a maçaneta do pequeno conjugado que morava. As batidas ecoavam de modo incômodo: talvez pelo fato que a casa possuía poucos equipamentos para abafar o som que era emitido no local. Talvez pelo simples fato que a madeira da porta era vagabunda o suficiente para não gerar isolamento. Ela imaginava que era uma mistura dos dois fatores, no entanto.
De qualquer forma, a pergunta fica no ar, conforme a mulher abre a porta para o visitante inesperado. Ou indesejado. Escolha qual melhor caber.
A figura na frente dela não deveria ter mais que um metro e meio. Usava roupas esfarrapadas, uma camiseta de linho simples, porém suja. As calças eram listradas e terminavam na altura dos joelhos. Era um jovem rapaz. Se a mulher pudesse dizer ou deduzir, o moleque a sua frente deveria ter ao máximo uns 15 anos. O rosto entregava isso: as feições eram simples, sem nenhuma marca de expressão que pudesse dizer o contrário da dedução prévia. Os olhos amendoados, animados. Os cabelos desalinhados como os dela, curtos, apesar de estarem devidamente presos dentro do boné que usava. Tinha marcas no rosto, algumas cicatrizes. A mulher não conseguiu deixar de abrir um breve sorriso: se identificava com o menino a sua frente. Devem ter vivido situações de vida semelhantes. Onde para sobreviver precisaria oferecer um soco ou outro.
Os pensamentos foram interrompidos no momento pelo menino:
- Vi? Você é Vi?!
Ela fez um sim com a cabeça. Olhou sobre o ombro: o prato de sopa aos poucos esfriava. “Merda”. Ouviu barulho vindo de um dos quartos ao final do corredor da pequena casa. Em seguida, um movimento de um cômodo para outro. Ela, então, adiantou dois passos para fora da casa e fechou a porta atrás de si. Não queria ninguém com acesso a sua casa. Ou espionando quem ou o que ela fazia nas suas horas vagas. O que ela possuía ou deixava de possuir. Se tem uma coisa que Vi aprendeu nesse tempo todo de vida é que as pessoas usam como moeda de troca os segredos da vida privada. Ela não vai dar esse prazer à tais pessoas. Já basta saberem onde ela vive. O que a incomoda incrivelmente. Mais detalhes são desnecessários.
- Sim. E você?
- Não importante. – O menino bufou brevemente. Ele puxou um pequeno papel de dentro do bolso. Amassado. Entregou na mão da mulher a sua frente. Em seguida mordeu o próprio lábio, apreensivo.
Vi abriu o papel com cuidado. Antes de ler, encarou o jovem a sua frente. Em seguida voltou a ler.
Vi,
Preciso de sua ajuda.
O menino lhe indicará o caminho.
Pow.
Vi suspirou e puxou de dentro do bolso o relógio de bolso. Já estava tarde, atravessando as 19 horas de seu relógio. Seja lá o que Powder queria no momento poderia esperar, certo? Ou pelo menos ela acreditava que sim. O menino ainda a encarava interessado, esperando alguma reação da mulher a sua frente. Vi adiantou os passos um pouco mais, passando pelo corpo do mirrado garoto a sua frente e olhou para a noite acima de si. Fechou os olhos praguejando baixo. Então, murmurou em seguida:
- É muito longe daqui?!
O outro foi até a fronte da mulher, fazendo um não com a cabeça. Ele puxou de dentro do bolso algumas moedas e disse em seguida:
- Metade para trazer o papel e metade para levá-la até ela. Foi o que ela disse.
Vi riu para si. “Maldita exploradora de crianças”, pensou. Disse em seguida, voltando a abrir a maçaneta da porta:
- Me dê dois minutos. Irei pegar as minhas coisas. Fique aqui, eu já volto.
O menino voltou a dar uns passos para trás, interessado. Vez ou outra balançava entre as pernas para ver o movimento que vinha de dentro da casa, mas Vi bloqueava com o corpo. Cansado da tentativa de extrair algo sobre a mulher a sua frente, ele apenas virou-se para ela recostando-se no poste movido a óleo quente a sua frente. Pôs-se, então, a esperar.
Já a outra em um movimento rápido apenas entrou dentro da sala da casa que residia.
- Quem é que estava à porta? – Veio uma voz, sonolenta, de dentro do corredor.
Vi olhou sob o ombro como se ponderasse se tratava do assunto aqui ou se levava a mulher a sua frente para dentro do quarto. “Seguro morreu de velho, hum?”, pensou consigo e adiantou os passos até a mulher e pegou-a pelo braço – não violentamente, apenas firme o suficiente para guiá-la - e puxou em direção ao quarto. Fechou a porta atrás de si, levou a mulher até a cama e sentou-a. Em seguida foi até uma escrivaninha, abriu uma gaveta tirando uma pistola Colt.
A mulher tensionou os ombros, puxando as cobertas da cama mais para si. Olhou a volta vendo Vi andar pelo quarto com um pouco de pressa.
Já Vi depositou a Colt em um coldre na altura das costelas e puxou, em seguida, um paletó que estava no armário a sua esquerda. Foi ela que cortou o silêncio que permanecia no quarto:
- Minha irmã. Está pedindo ajuda. Não sei ao certo, mas não tenho certeza se volto. Talvez seja melhor você ir.
A outra se levantou da cama. Fechou o cenho e aproximou-se de Vi, tocando-a no ombro. Virou-a para si e murmurou:
- Assim? ‘É melhor você ir’? Eu... eu pensei que...
Vi virou-se então para a outra e levou a mão até o rosto. Ela não sabia muito bem lidar com situações como esta: ter que dizer a outra pessoa que seja lá o que ela teve na noite anterior não significava muito. Que essas noites nunca significavam muito. E que não significavam há muito tempo em nada demais.
Entorpecida.
Sentimentos eram algo raro no dicionário de Vi. E ela evitava-os como Diabo fugindo da cruz. E ter alguém tentando discutir relação neste momento, quando ela tinha em mente a sua irmã. Powder havia a procurado depois de tanto tempo..., isso a deixava ainda mais incomodada. Discutir relacionamento agora estava fora de cogitação. Não era o momento. Então a coisa mais sensata que ela pode fazer foi:
- Entenda, o problema não é você. Sou eu.
Idiota.
Mas ela acredita que talvez as palavras tenham sido suficientes. Pelo menos pelo momento. Pois a jovem a sua frente apenas tirou a mão do ombro de Vi e virou-se de costas, indo em busca das roupas que estavam jogadas sob o chão do quarto. Praguejando para si, Vi ajeitou o suspensório e saiu do quarto acreditando que a jovem não estaria mais ali quando ela retornasse. Se Vi algum dia retornasse, é claro.
Cada dia ou noite é uma roleta russa. Adormecer é uma benção. Ver o dia amanhecer, outra.
Enquanto atravessava a cozinha / sala daquela pequena casa, Vi observou a pequena tigela com sopa que havia preparado com tanto carinho (não foi com tanto carinho assim). Foi até ela e pegando-a, jogou-a desmedidamente na pia da cozinha. Vendo aquele líquido escorrer pelo ralo. A tigela fria em mãos. Ouviu xingamentos baixos vindo do quarto. Pensou consigo que talvez quando voltasse, a mulher não mais estaria ali. Mas talvez – e com razão – alguns dos objetos pessoais também não estaria também. Ou estariam quebrados. Roleta russa, como Vi imaginava. Tentou não se aprofundar no pensamento enquanto via a água limpar o conteúdo da tigela de comida de suas mãos. O viscoso líquido verde.
Deixou o utensílio de lado e voltou a atenção até a maçaneta. Abrindo-a, viu novamente o garoto mirrado na sua frente. Parecia que estava apreensivo para conseguir seja lá o que ainda faltava para receber de sua irmã. Fechando a porta, olhou para o céu escuro de Londres e disse em seguida mais para si do que para o menino a sua frente:
- Hoje era para ser um dia tranquilo.
***
.Powder.
Quando Powder acordou naquele dia, ela nunca pensou que ao chegar logo cedo no escritório, encontraria seu sócio suando em bicas, tentando desesperadamente adentrar no local onde ela trabalhava. Ela viu pelo menos umas duas vezes ele bater com força na porta do local com o ombro. Powder ajustou a alça da bolsa que levava a tiracolo e com passos vacilantes aproximou-se dele, perguntando:
- Chuck? Você.... Você tem a chave! Para que está batendo na porta assim?
Chuck, no entanto, pareceu que ao ouvir o próprio nome saiu de um próprio transe e deu um pulo para o lado, de sobressalto. Olhou para a mulher a sua frente: belas tranças em tom de azul, roupas simples: calça, um pequeno sapato Oxford, uma blusa de linho simples. Ela o encarava num misto de surpresa e incomodo. Ele suava. Levou a mão até a própria boca e em seguida olhou a sua própria volta. Deu uns passos para frente da menina e murmurou baixo:
- Eu... Powder, eu perdi... – Ele riu sem jeito. Powder deu mais uns passos para trás, assustada. Ele continuou andando em direção ao espaço pessoal da jovem. Ele pegou-a pelo braço, segurando-a perto de si. O semblante dela, no entanto, ficou sério. Incomodado. Ele, sem jeito, soltou-a e voltou a dizer. – Me desculpe. Eu... Eu... Eu perdi minha chave. Precisava pegar algumas anotações. Não sei se você lembra daquele contrato que pegamos há algumas semanas? Eu fiz algumas anotações... – Ele suspirava perdido em pensamentos.
Powder o encarava sem saber como reagir. Se ela pudesse enquadrar o sócio naquele estado, Chuck claramente poderia se dizer que estava sob efeito de algum entorpecente. ‘Ópio? Não... Ele parece paranoico’. Ela ponderou as próximas palavras. Não queria lidar com um companheiro de trabalho violento.
Não que ela não soubesse se defender. Sua irmã a ensinou o que era preciso para se defender quando crianças e ela tinha também alguns truques na manga para qualquer pessoa com a intenção errada. No entanto, a pessoa a sua frente era não apenas o seu sócio, mas alguém que ela considerava um amigo. Se ela pudesse de alguma maneira evitar que a situação escalonasse em algo indevido, melhor. Foi então que ela passou por Chuck, aproximou-se da porta do escritório e tirando o molho de chaves, abriu o local. Disse em seguida:
- O objeto do... era senhor Smith? Era esse o nome dele?
Chuck praticamente empurrou Powder de lado antes de avançar escritório adentro, indo em direção a uma estante com diversos documentos e pastas. Ele escaneou com os olhos atrás dos óculos circulares que usava em seu rosto por alguma palavra que fizesse sentido entre os diversos casos que eles examinaram nos últimos tempos.
Powder adentrou pouco tempo após Chuck, colocando a bolsa na própria mesa. Sentou-se numa cadeira e voltou a observar o amigo a sua frente.
- Chuck? É o senhor Smith?
A menina poderia se dizer abençoada: o escritório que ela havia hipotecado faz alguns meses estava indo em uma situação bastante favorável. Ela nunca imaginou que quando fosse abrir um antiquário / loja de penhores ela teria tido tanta procura pelos seus serviços. Cabia Chuck, seu sócio, o papel de avaliar as peças e dar-lhes os preços com base no seu valor. Já Powder não apenas executava essas pequenas tarefas mas também oferecia o serviço de restauração ou mesmo de explorar o potencial dos itens que lhes eram depositados. Havia mesmo situações em que cabia ela a consertar os itens. E ela era realmente boa no que fazia.
Ela amava o que fazia. E o que ela fazia permitia que pudesse “brincar” com os itens que lhes eram entregues de tal modo que o lado inventor da menina era constantemente estimulado. Algo que a agradava bastante. Isso e o fato que Chuck não se importava em ficar com o trabalho mais moroso e cansativo da dupla. Lidar com os clientes, papéis e burocracia do negócio. Ao contrário, parecia que o homem se mostrava mais interessado com o papel de controlar tudo que catalogava do que a menina. Então não é de se admirar que Powder tenha ficado devidamente surpresa em ver o sócio naquele estado ao chegar durante à manhã no escritório.
- Chuck... – Ela voltou a falar. – Por que esses documentos são importantes? Você está me assustando...
Ele não falou nada. Ao contrário. Ele passou a puxar pastas e mais pastas de um escaninho que eles usavam e começou a jogar ao chão.
Powder não era a pessoa mais organizada do mundo, mas tudo tem limite.
- CHUCK!
O homem arregalou os olhos, voltando-se para ela. Novamente: saiu do transe dos pensamentos que o atormentavam. Virou-se para a menina e disse:
- Sim. Doutor Smith. É ele. Ele é o arqueólogo. O homem que me trouxe aquela peça... Onde ela está?
Powder deu de ombros. Murmurou baixo:
- A peça foi catalogada como não mecânica. Não é a minha especialidade. Por isso não toquei nela. – Powder passou a mão no rosto ponderando novamente as palavras. – Por que é tão importante essa peça? Pensei que só os documentos são suficientes.
- Será que entraram aqui? – Ele olhou a volta. Foi até a janela. Inspecionou com cuidado. Colocou o nariz no batente da janela. Passou os dedos no quadro do local. Voltou a olhar para a porta. Foi até a maçaneta. Olhou para Powder e disse. – Devem ter roubado. Merda. Merda. Merda. Merda.
E começou a xingar algumas vezes até andar envolta de si incessantemente. Powder, que até então, se sentou na cadeira, ajeitou os documentos dentro da própria bolsa e puxou alguns itens para si, levantou-se e aproximou-se do amigo. Tocou-o no braço e murmurou baixo:
- Hey... tá tudo bem. Vamos encontrar a peça... Quem está procurando por ela? Doutor Smith?
E em seguida um riso. Um riso alto vindo do homem a frente. Em seguida fez um não com a cabeça. Murmurou baixo para si
- Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.
Durou um momento. Para Powder aquilo parecia reflexos de uma noite mal dormida do homem a sua frente. Não tentou se alongar ou fazer sentido no que ele pronunciava. Antes que ela pudesse fazer sentido naquilo tudo, o homem novamente atravessou o local, entrando no espaço pessoal de Powder e pegou-a pelos ombros. As pupilas dilatadas, a cara em total pânico. Ele murmurou baixo:
- Eu preciso sair daqui. Preciso sair de Londres. E eu sugiro que você fuja se eles vierem atrás de você.
- Atrás de mim? Quem?
- Eles.
Antes que ela pudesse pressionar por maiores informações, no entanto, o homem a soltou e saiu apressadamente de dentro do escritório, deixando uma Powder sem reação e sem respostas.
Deparando-se com as folhas caídas a sua frente, bagunçadas e alguns itens devidamente jogados de canto, o olhar da menina caiu sobre uma pequena caixa embrulhada ao canto.
O estalo em sua cabeça veio em seguida: sim, há duas semanas, um homem de estatura baixa, cabelos bem alinhados brancos e uma barba que poderia ser confundido como uma morsa ao invés de um homem os visitou. Ao vê-lo, Powder podia entender que o velho cheirava a riquezas. Que ele era de alto status. Que era poderoso. Se Powder pudesse pôr a cabeça para ponderar por mais instantes, o homem parecia levemente incomodado quando os visitou. E bastante interessado em solucionar fatos sobre uma peça que recentemente esteve sob posse.
Chuck, no momento, com seu sorriso em rosto, no entanto, não se importou com nada disso. Chuck estava feliz com o resultado do escritório e achava que um arqueólogo de peso poderia dar ainda maior renome ao local onde trabalhavam. Por isso, mal questionou o interesse ou motivações da velha morsa. Doutor Smith deixou com eles uma bela peça. Uma estátua que parecia moldada em alguma pedra preciosa. Jade? Powder não sabia. O Doutor havia dito que retornaria em algumas semanas para tentar obter maiores informações e quais os potenciais custos do objeto. E se Chuck solucionasse fatos sobre a história do produto, melhor.
A menina foi até a caixa. Desembrulhou a caixa e abriu-a com cuidado. Arregalou os olhos ao vê-lo. A bendita estátua de jade. Cerrou os olhos vendo os entalhes no objeto e a estrutura do objeto: seja lá quem havia moldado, tinha um péssimo gosto. Parecia um pouco como uma figura marinha com tentáculos como de polvo no rosto. Garras em mão. Powder tentava ler a inscrição que estava entalhada na parte inferior, mas sem muito sucesso. Fez um não com a cabeça e olhou para a porta aberta atrás de si. Mas Chuck havia partido. Powder se perguntou se Chuck realmente precisaria da estátua para fazer seja lá o que ele necessitaria. Mas ele partiu. Sem a estátua.
-
Foi no início da noite, no entanto, após passar o dia no escritório, que Powder ouviu o barulho do telefone situado no canto aposto de sua mesa. Em 1921 não era a coisa mais comum as pessoas terem telefones para conversarem entre si. Já havia sido algo inesperado para Powder poder financiar uma linha para si. Mas como já dito: os negócios estavam indo devidamente bem. Apesar disso, havia surpresa em receber uma ligação à essa hora. Ela observou o pequeno metrônomo a sua frente e em seguida se levantou. Foi até o aparelho e murmurou:
- Alô?
Uma voz feminina a respondeu:
- Falo com a senhorita Wick?
- Sim. Exato. Quem gostaria...
- Por gentileza, vou conectar a ligação.
“É claro, dã. A telefonista”, pensou Powder.
Um instante.
Parecia uma eternidade, no entanto, para Powder. Quando a ligação realmente foi conectada, a jovem imediatamente reconheceu a voz de seu sócio.
- Chuck, é você?!
Alívio e confusão passaram pela cabeça dela, imediatamente. Uma ligação em 1921 não era algo barato. Mas isso era pergunta para outra hora. Ela estava mais interessada em saber o que havia acontecido e onde exatamente o homem estava. Antes que ela pudesse declarar que a peça estava sob a posse dela, ele a cortou dizendo:
- Powder. Eles me acharam. Não tenho muito tempo. Por favor, vá até Doutor Smith. Ele saberá o que fazer. Me desculpe... Eu...
Antes que ele pudesse concluir seu pensamento, a ligação foi imediatamente cortada. Powder fitou por alguns instantes o objeto de comunicação entre os dedos sem reação. Se ela estava assustada durante a manhã, agora ela realmente parecia apavorada.
A paranoia começou a subir ao mesmo tempo que ela andava envolta do pequeno escritório. Observou de canto de olho para o objeto sob a sua mesa. A maldita estátua de jade. Foi até a janela e procurou figuras escondidas nas sombras. Fez um não com a cabeça e imediatamente puxou para si o objeto motivado de Chuck e a própria bolsa, saindo correndo do local.
Tudo a sua volta, de repente, pareceu estranho.
-
A casa que Powder vivia era confortável. Sua irmã havia oferecido o próprio local para que morassem juntas, mas ela optou por ter o próprio local. Dizia para si mesma que queria ganhar algum controle sobre a própria vida e deixar a irmã seguir o próprio destino, também.
Essa decisão, no passado, criou uma ruptura que até hoje Powder leva consigo. Não ter Vi por perto... foi desolador por muito tempo.
Powder afastou os pensamentos do passado.
Que contradição, contudo, é estar agora encolhida envolta das cobertas olhando aterrorizada para todos os cantos do quarto a procura “deles”. Seja lá quem Eles são. Parecia quanto mais aquela estátua ficava com ela, mais ela se mostrava opressora. E isso a incomodava profundamente.
Ela precisava de Vi. Ela precisava da sua irmã para que lhe dissesse que vai ficar tudo bem e que nenhum mal se acometeria a ela.
Na cabeça de Powder ela pensava: “Será que o garoto simplesmente vai embora com as moedas que lhe dei?” Ele não tinha obrigação nenhuma mais com ela. É obvio que ele vai fugir com o dinheiro que já ganhou. É melhor. Ela teria feito o mesmo quando mais jovem, quando também estava na mesma condição que o menino. Ela olhou novamente envolta. A ansiedade a corroía como um ácido na altura do estômago. Ela deveria ter ido ela própria até a casa de Vi. Mas tinha medo do local onde a irmã vivia. Não é como se tivesse morando em algum bairro mais seguro. Não. Apenas que onde Vi vivia era um dos piores locais da cidade de Londres. E isso a deixava mais apreensiva com base no que Chuck falou a ela horas atrás. Já havia mais de minutos que havia passado e nada do menino. Ou Vi.
“Ela não deve vir. Eu mesmo que quis me afastar para buscar uma independência. Eu não voltaria. Eu não ligaria depois que me afastei. Merda”.
Ela se levantou. Foi até a cozinha na tentativa vã de preparar um chá para acalmar os nervos. No momento que levou os dedos até o bule, ouviu algumas batidas na porta de casa. Apreensiva soltou o objeto e imediatamente foi até um pequeno armário que havia na sala conjugada à cozinha. Levou os dedos até a pequena arma que se encontrava na gaveta do móvel. Envolveu o revólver na mão. Apontou o bocal da arma em direção a porta. Respirou fundo, tentando engolir qualquer tipo de resquício de medo para não afetar na sua capacidade de tiro. O tiro tinha que ser reto. Não haveria tempo para falhas. Antes que tomasse alguma atitude, no entanto, ouviu atrás da porta:
- Pow... sou eu.
Quase que instintivamente a menina deixou de lado a arma, colocando-a novamente no local previamente estabelecido. Correu em direção a porta e abriu em um só movimento. Viu o rosto da mulher a sua frente: alta, com seus 21 anos de idade, 1.80 metros de altura, rosto com marcas de cicatriz em seu lábio e na sobrancelha. Os cabelos curtos, em um tom rosa que contrasta bem com a roupa que veste. Ela poderia passar como um grande figurão da máfia, mas era apenas a sua irmã. A sua incrível, imponente e musculosa irmã.
Powder não pensou muito ao correr em direção aos braços abertos da outra, abraçando-a fortemente. Murmurou enquanto sentia aos poucos os olhos começarem a marejar:
- Eu não sabia a quem recorrer... eu... eu não queria atrapalhar...
Vi puxou ainda mais Powder contra o corpo. Powder sentia as lágrimas saírem mais violentamente conforme sentia o conforto do abraço da irmã. Foi Vi que quebrou o silêncio ao perguntar a menina:
- O que diabos aconteceu? Foi algo no trabalho? Alguém te fez algo...?
Powder sentiu enquanto abraçava Vi o coldre da arma que a irmã carregava. Ela tensionou ao sentir o objeto na altura dos braços. Sabia que a arma era uma necessidade no ramo de atividade da irmã, mas isso não deixava de incomodá-la. Temia, vez ou outra, pela vida e segurança de Vi. Mas a outra era cabeça dura o suficiente para não discutir sobre as escolhas da vida uma de outra. Powder se esquivou do abraço da irmã, dizendo:
- Chuck. Ele... Vi... ele estava estranho mais cedo. Assustador, que seja. Ele estava atrás de um objeto. Um objeto que recebemos para avaliar há duas semanas. Ele falava em alguma conspiração. E à noite... – Ela começou a tremer. Vi aproximou-se e colocou a mão no ombro da menina, dando um pequeno aperto, assegurando-a que ela estava segura ali. Pelo menos ali, junto à irmã. Então ela continuou. – Acho que algo muito errado pegou Chuck. E eu não sei, Vi. Ele havia dito que seja lá o que estava atrás dele viria atrás de mim. Eu estou surtando. Algo está errado. E eu...
Vi olhou a sua volta e em seguida fechou a porta ao entrar dentro da casa. Foi até as janelas e fechou as cortinas. Verificou os lampiões dos cômodos e reduziu as diversas iluminações do local para apenas uma. O processo durou cerca de 10 minutos.
Powder permanecia olhando-a com cuidado. Passava uma mão sobre o braço como se quisesse se “auto” acalentar de qualquer mal. “Para minha irmã estar assim, é por que tudo isso é ruim, né?”, ela pensava. Ela martelava o pensamento que talvez estava trazendo mais uma pessoa para essa merda de problema. Talvez uma pessoa que ela amava mais que tudo para toda essa loucura. “Que burra, por que fui chamá-la?!”. Ela foi cortada uma segunda vez dos pensamentos, ao ouvir a irmã dizer:
- Pow! Você está me escutando?
Ela apenas assentiu com a cabeça. Lágrimas já secas no canto dos olhos.
Vi deu um meio sorriso para ela e murmurou baixo:
- Eu não vou deixar nada te acontecer. Por hora, eu fico contigo aqui. Cuidamos uma da outra, ok? Amanhã vemos o que faremos.
Powder aproximou-se da irmã e levou os dedos até os dela, segurando-os firme. Murmurou baixo:
- Vi? O que foi que eu me meti?
Chapter 2: Ordem, sangue e carne
Summary:
Um crime ocorreu no hotel no centro da cidade.
Uma força policial é levada ao local.É hora de Caitlyn Kiramman se provar para Grayson e os restantes dos colegas.
Notes:
Alguns importantes detalhes:
1. Esse capítulo já possui algum tipo de descrições de violência, sangue, etc. Nada muito explícito - por enquanto -, mas fica o aviso, é claro.
2. Resolvi colocar à frente de cada parte do capítulo sob a perspectiva de quem estou narrando. Acho que ajuda a entender de quem são os sentimentos que as vezes estão sendo falados. Pois haverá pontos de vistas de quase todo mundo.
3. Eu ia escrever uma fic bem realistica, onde palavras como sexismo e homofobia eram ainda bastante presentes. No entanto, quando parei para pensar, acho que não valia o esforço e definitivamente não acho saudável compactuar com isso. Por isso, nada disso na história. Acho... se não estou enganada, que esse é o único capítulo que eu estava tentando dar hints que seria dessa maneira. Não alterei o texto apenas por achar precisaria mudar muita coisa no que vem por aí. Por isso, deixei como está.
4. Antes de começar o capítulo acho também importante falar a tradução das frases cthutlulescas que escrevi no capítulo anterior (Isso tem sido a parte mais divertida :P). Então:A frase do capítulo anterior: Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn é a frase mais clássica do livro de H.P Lovecraft e que significa "Em sua casa em R'lyeh, Cthulhu morto espera sonhando".
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
.Caitlyn.
A palavra mais preciosa no dicionário de Caitlyn é ordem. E ordem é algo que a menina leva a risca em absolutamente tudo que faz. Então não é de se admirar que naquela manhã de sexta feira, durante a metade da manhã ela estaria ali, naquele departamento de polícia fazendo aquilo que ela faz de melhor desde que entrou na academia policial: ordenando documentos. Fichando todos os casos. Organizando os casos que chegaram, os que estão sendo concluídos, os que estão sendo arquivados.
Absolutamente tudo. Os dela, os dos outros. Ela controlava tudo.
Ordem.
- Cait? – Uma voz tirou-a dos envelopes à sua frente. A frente da jovem encontrava-se um homem bem apessoado, aparentes 30 anos, alto de uns 1.90 de altura, cabelos pretos bem alinhados. Usava um jaleco branco que lhe dava um ar quase como de um doutor. Tinha os olhos claros, pele morena, bronzeado. Um sorriso que junto à aparência do homem a frente parecia ter saído de comercial de cigarros que Caitlyn vê constantemente enquanto toma seu café da manhã, nos jornais. Ele continuou a dizer, após um momento enquanto ela o observa. – Estão te dando de novo essa trabalheira? Se quiser eu posso falar...
- Não. – Ela disse imediatamente o cortando. Em seguida se levantou, indo até o lado do jovem e pegando-o pelo braço. Disse baixo próximo ao rosto dele. – Jayce... em primeiro lugar, eu não me importo com organizar os arquivos... Em segundo, isso me dá uma chance em entender o tipo de crimes que o precinto cuida normalmente. Me ajuda a aprender mais. Por fim... – Ela dá uma batida com o próprio ombro no homem ao seu lado. – Mostrar trabalho me coloca no bom humor de Grayson. Então... não precisa falar com ninguém por mim. Sou grandinha o suficiente para entender até que ponto estão tentando me explorar ou não. – Ela deu um meio sorriso. Suspirou. Apesar de mostrar-se confiante normalmente, as pessoas sim tentavam usar dessa vantagem da mania de perfeição da menina para tentar explorá-la. No entanto, ela evita ao máximo se incomodar. Tudo que ela fazia realmente a ajudava a entender um pouco melhor dos casos que chegava ao local. E Grayson sim parecia ter se apegado a ela com o passar dos meses desde que ela assumiu o posto como policial. Então... até o presente momento: está tudo bem.
- Bom... se você diz. Seu velório. Se chegar algum dia de manhã e ver seu corpo seco de tanto trabalhar. – Ele riu levemente, olhando à volta. Mordeu o próprio lábio pensativo. Em seguida voltou a dizer. – Então... quais os planos? Brunch mais tarde? Ouvi falar de um café e já convenci Viktor a tentar experimentar. Adoraria que pudesse vir conosco. – Ele segurou a mão dela de modo entusiasta. Animado como sempre ficava. – Por favor?
Ela ponderou as palavras do outro. As opções, na sexta feira sempre envolviam os encontros com o melhor amigo, Jayce ou ir até a mansão dos Kiramann e passar longas horas ouvindo sua mãe reclamar das suas opções de vida. Quando posto sob perspectiva a escolha residia obviamente na primeira opção. Ela disse em tom de brincadeira:
- Minha agenda recentemente esvaziou e posso atender a esse compromisso.
- Há. Por isso que você é a minha pessoa favorita.
- Tirando eu e o Viktor, quem sobra mesmo?
- Cala a boca, Kiramann, eu sou extremamente popular.
- Entre o círculo de 3 pessoas que você conhece na vida?
- Vai se ferrar. E são 5, para ser justo.
As amenidades foram trocadas. E era sempre assim: Jayce vez ou outra chegava até a mesa de Caitlyn e permanecia por cerca de meia hora antes de retornar até o escritório aos fundos do precinto. O homem foi contratado há alguns anos por Greyson para integrar o corpo de legistas do local juntamente com Viktor. Apesar da profissão ter um tom macabro: servir para investigar potenciais causas de mortes ou crimes, Jayce tornava-o menos sufocante. Sempre aparentava de bom humor mesmo diante dos acontecimentos que ocorria. Isso de algum modo até mesmo impressionava Caitlyn que até então não sabia ou conseguia lidar muito bem com a morte. Com o significado de morte. Ir até o necrotério do departamento gerava um incômodo. Uma angústia na mulher. Uma sensação de opressão de ver uma vida ceifada e outra pessoa virando-a, abrindo-a com o objetivo de lhe dar sentido. “Por que você morreu? Qual foi o motivo? Quem lhe causou isso?”. Talvez por isso que Caitlyn amava mexer com os documentos. Pois o que mais odiava é quando o corpo que jazia no necrotério não falava. Não dava indicações do porquê estava ali. E ele ia pro vazio, para o esquecimento sem respostas. Como um indigente.
Nesse aspecto Viktor era o parceiro perfeito de Jayce. O que Jayce tinha de falante, simpático, Viktor era centrado, quieto. E mesmo assim, mesmo contra todas as possibilidades, os dois se davam incrivelmente bem. Havia uma cumplicidade e uma capacidade inimaginável do intelecto entre os dois homens. Parecia como se a cabeça de ambos estivesse ligada por um fio invisível: com os pensamentos de um sendo concluídos pelo outro.
Era quase alienígena.
E mesmo assim perfeito. Belo.
Por muitas vezes Caitlyn se perguntava por que Jayce a convidava sempre para comer os brunchs ou jantares com os dois outros homens. Se questionava, pois, apesar de estar integrada “muito bem, obrigada” com ambos, eles pareciam mais interessados em conversar entre si do que praticar conversa fiada com Caitlyn.
Mas... Estamos em 1921. O mundo ainda os via como...
Caitlyn é cortada dos pensamentos quando ouve do escritório a sua direita a voz de Grayson. A mulher se encontra sob o batente da porta de entrada do seu escritório, como sempre imponente. Caitlyn imediatamente se afasta de Jayce e se prontifica a ficar em posição de sentido, enquanto escutava a sua comandante do precinto.
- Atenção, pessoal. Temos um chamado. Hotel Burgleir. Vou precisar de todos vocês. Absolutamente todos vocês. – Ela escaneia com o olhar a todos ali no local. Vendo que alguns parecem despercebidos da voz da comandante, ela então aumenta o tom. A voz rouca e preponderante retumba no ambiente, deixando todos os outros policiais apreensivos. – ABSOLUTAMENTE TODOS, ouviram? Kiramann, Jayce: tragam Viktor. Precisamos de um especialista no local também. Temos um corpo no local.
“Ótimo. Mais um corpo.”, pensou Caitlyn, suspirando, desanimadamente. Um corpo significava desordem. Caitlyn definitivamente não gostava dessa palavra.
Jayce talvez tenha algum tipo de sexto sentido, pois antes de recuar até o escritório do legista, ele levou a mão até o ombro de Caitlyn e lhe deu um pequeno aperto, assegurando-a que estava tudo bem em “não estar bem”. A mulher apenas sorriu de volta ao amigo e disse baixo:
- Está tudo bem. Eu estou bem. – Não, ela não estava. - Vá, eu te encontro lá fora.
Ele confirmou com a cabeça e seguiu em direção ao escritório ao final do corredor.
-
Era nesses momentos que Caitlyn agradecia aos céus ou qualquer entidade celestial por ter escolhido a profissão que havia assumido há alguns meses. Era quando via sua comandante a sua frente, falando palavras de comando de forma imponente.
Veja bem, ela estava em plena Londres de 1921. Igualdade entre gênero era algo ainda tão longe de ser alcançado que assustava ver Grayson ainda assim a frente de todos aqueles homens. Ela não pedia respeito. Ela tirava deles. E isso que tornava a admiração de Caitlyn ao ponto de endeusar a outra mulher. Pois ela fazia acontecer mesmo diante de tanta injustiça no mundo onde ela vivia até então. Caitlyn também não tinha de fato o que reclamar: sua família assim como muitas pessoas a sua volta eram a frente do seu tempo. Isso a deixava com um misto de ansiedade de poder ser tão grandiosa quanto as pessoas que orbitavam à ela, mas também dava um incomodo em seu estomago de não atender as expectativas daqueles que tanto gostava.
Caitlyn aproximou-se daquele prédio imenso: era um hotel de luxo na via principal e que costumava abraçar grandes aristocratas da cidade. Se a mulher puxasse da memória por alguns instantes, ela poderia jurar que seus pais já vieram aqui para tomar algum café ou algum brunch com outros amigos políticos. E ela veio, é claro, à tiracolo. Mas devido ela não se lembrar prontamente do hotel, talvez, a vinda ao local tenha sido há tanto tempo que não mereça lembranças carinhosas por parte da menina.
Isso ou o fato que seus pais também não se interessavam em trazê-la em eventos políticos toda vez. E ela era agradecida à eles por isso.
Grayson mantinha-se em pé, em frente ao batente de entrada do hotel. Continuava com a voz rouca, dando ordem de comando para os outros oficiais do precinto. Vestia no momento um belo sobretudo sobre os ombros e mantinha um belo quepe na cabeça, olhando a sua volta. Após alguns minutos professando palavras para seus subordinados, puxou de dentro do seu bolso uma cigarrilha e colocou um cigarro entre os lábios. Ao deparar o olhar sob Caitlyn, deu um sorriso e fez um movimento com a mão para que a jovem se aproximasse. O que Caitlyn imediatamente o fez.
- Senhora, no que posso ser útil?
- Estou velha demais para isso, Kiramman.
- Senhora? – Retornou a pergunta a menina.
Ela levantou o olhar. Grayson tinha feições firmes: Nariz concavo, olhos bem focados, num tom esverdeados. Maxilar bem-marcado. Algumas marcas de expressão que condizem com o “estar velha demais”. Os cabelos com alguns fios aparentes acinzentados que corroboram com as afirmações e as linhas de expressão. Ela suavizou a ver a expressão de Caitlyn de confusão e acendeu o cigarro, tragando um pouco da intoxicante fumaça. Murmurou baixo em seguida:
- Os homens vão ficar aqui no térreo. Vamos tentar controlar a multidão. Esse hotel é bem visado e uma morte não é boa publicidade. Leve Jayce e Viktor para o sétimo andar. Quarto 77. Preciso de informações sobre o ocorrido. Quem fez, quem é o homem, quanto tempo ele está ali etc. Tudo o que puder tirar dessa... – E ela levou o dedo na altura da testa de Caitlyn, o que a fez corar levemente. – ...cabecinha sua. Consegue isso para mim?
- Claro, senhora. Imediatamente.
Caitlyn apenas virou o rosto suavemente, olhando sobre o ombro para Jayce e Viktor, que observava a interação entre as duas. Ela virou-se para Grayson e sorriu tentando evitar demonstrar o potencial desconforto que toda a situação trazia. Ela gritou para os dois homens atrás de si:
- Jayce, Viktor, comigo. Quarto 77.
E eles a acompanharam.
-
Uma coisa que as pessoas não falam sobre mortes como as que ela teria que lidar em alguns instantes: o cheiro.
Quando Caitlyn se deparava com algum corpo que necessitasse de sua atenção e que fosse levado até Jayce, normalmente o corpo já tenha sido preparado pelo homem e por Viktor, de modo que o cheiro forte e ferroso havia sido totalmente trocado pelo cheiro de formol. O cheiro dos bálsamos com o intuito de evitar o aroma de carne podre no ar. Entre ambos os cheiros, o ferroso e o formol, Caitlyn claramente preferiria o segundo. Era enjoativo? Sim, claro. Mas pelo menos não oferecia a opressão inicial de que o que estaria por vir seria tão assustador quanto o cheiro que entrava em suas narinas.
Foi Caitlyn que deu os primeiros passos no corredor do sétimo andar, rumando em direção ao quarto 77 do local. Havia resquício ainda de algumas pessoas sendo “escoltadas” para fora do andar para qualquer tipo de investigação ou interrogatório que ainda restasse. O olhar de alguns homens e mulheres para Caitlyn a deixava cada vez mais apreensiva com o que estava por vir. Os oficiais que escoltavam esses patronos apenas faziam algum movimento de reconhecimento entre eles, sem esboçar ou professar palavra alguma.
O ambiente, era opressor. O silêncio, não era bem-vindo. Estavam todos, inclusive os policiais, desconfortáveis.
A porta do local estava aberta. Escancarada, até. O quarto é incrível. Espaçoso e se não fosse pelo motivo de estarem ali – para tratar de um assassinato – Caitlyn poderia perder-se na beleza do empreendimento. Havia uma linda cama situada no canto direito, mal tocada. Seja lá quem contratou o quarto, não tinha ainda ido para cama ou mesmo pensado em tocá-la.
Do lado esquerdo, havia uma pequena namoradeira, uma mesa de canto com algumas flores bem depositadas em um vaso. Havia também uma porta que Caitlyn imaginava que dava para o banheiro do quarto de Hotel. Da posição que a mulher se encontrava no momento, contudo, ela só conseguia ver a borda da bela banheira do local.
Talvez fosse o belo local que se encontrava. Talvez fosse a tentativa vã da mente querer se afastar dos pensamentos do assassinato que deveria tirar algum tipo de sentido, mas quando ela deu um passo a frente, para dentro do quarto, foi quando uma avalanche de sentimentos a arrebatou: ela só conseguia ver parte das pernas do homem há alguns metros há frente. Fora isso, ele estava coberto por um lençol fino. Lençol esse que já se encontrava empapado de sangue. O cheiro estava forte, extremamente ferroso. Uma longa e grande poça de sangue estava envolta do corpo e escorria até o tapete que quase cobria a superfície do quarto inteiro. O tapete era gigantesco. E não passou incólume de ser alcançado pelo sangue.
Foi instintivo. Ela não queria demonstrar emoção naquele momento.
Ordem.
Maldita ordem.
Ela deu um pequeno pulo, levando as mãos a boca, demonstrando um sutil susto. Viktor estava um pouco atrás dela, de modo que foi a mão dele sobre seu ombro que a impediu de sair dali e buscar ar. O homem atrás de si era uma incongruência ambulante: apesar de franzino, movido por uma pequena bengala na mão direita, ainda assim mantinha um olhar firme, seguro de si. A mão ainda firme no ombro da mulher. Ele sorriu com cuidado e disse:
- Tudo bem, até hoje me incomoda um pouco. Se puder ser gentil e me deixar passar, posso tentar tirar do seu colo a obrigação de ver ou lidar com o corpo. – Ele virou-se para o outro homem e com um sorriso, disse baixo. – Jayce, por favor, me acompanha?
Jayce puxou sutilmente Caitlyn de lado, mãos na altura do braço, e fez apenas um movimento com a cabeça, dando algum tipo de segurança a mulher. Ambos os homens adentraram no quarto, indo com cuidado até o corpo. Retiraram o lençol tentando de alguma maneira evitar manchar ainda mais na poça de sangue.
A expressão de confusão trocada entre eles conseguia deixar Caitlyn mais ansiosa. De tal modo que ela começou a dar passos vacilantes em direção aos dois homens. Conforme ela se aproximava, ela entendia exatamente o motivo da suspeita e confusão entre eles.
O corpo estava de bruços. Costas completamente expostas. Usava uma calça que Caitlyn pudesse descrever eram de alguém que vive de pouco. “Não possui tantas posses, então, como poderia...”, Caitlyn pensou.
- Olhe a roupa... as calças dele. – Ela disse hesitante. – O linho dela não é de boa qualidade. Ele não possui tantas posses. Então como conseguiu... – Ela olhou a volta no quarto. – Como ele conseguiu fazer a contratação desse local? Uma diária desse hotel deve custar uma boa fortuna.
Jayce e Viktor olharam entre si e deram de ombros.
Mas é claro que isso não era o mais estranho do homem. Não. O que era estranho era que as costas estavam completamente despeladas. Tiraram um pedaço de uns 30 centímetros de pele das costas, deixando-o em carne viva. Talvez a poça de sangue tenha sido do ferimento? Caitlyn não conseguiria precisar pois ela não era a legista do trio.
Em adendo, quando nada poderia ser mais estranho do que um homem despelado no chão a sua frente, havia também marcas no chão a frente daquele corpo, centímetros a frente. Hieroglíficos estranhos que ela em todo o seu tempo de estudo nunca viu escrita tão estranha. Um alfabeto extremamente alienígena.
Jayce parece que percebeu a confusão no olhar de Caitlyn, pois ele foi até a maleta que carregava e tirou uma câmera fotográfica. Abriu o compartimento da mesma, verificando o filme. Fez um meneio com a cabeça para que Viktor se afastasse do corpo para ter alguma posição para registrar algumas fotos dos símbolos estranhos. O outro apenas fez o que foi solicitado.
O barulho das fotos sendo tiradas tirou Caitlyn do seu próprio curso de imaginação. Ela quebrou o silêncio entre os três:
- Viktor, por gentileza, verifique os bolsos do homem. – Ela de igual modo deu um 360 no local à procura de objetos pessoais que o homem possa ter abandonado.
Viktor abaixou-se com cuidado, levando a mão até o bolso do homem, tateando por objetos ou algo que ele pudesse ter consigo. Olhou para Caitlyn e fez um não com a cabeça. A mulher, então, afastou-se, olhando a sua volta. Procurava qualquer marca, qualquer coisa que pudesse fazer sentido naquilo tudo. Se perguntou em voz alta para que os outros dois ouvissem:
- É estranho... Não há marcas de pés. Para uma poça desse tanto, eu imaginava que o assassino pudesse ter deixado alguma marca de sapato. Mas nada. – Ela foi até a janela. Viu-a aberta e encarou a rua abaixo. Olhou do lado de fora e murmurou baixo. –
Não... não é possível. Estamos no sétimo andar.
Em seguida voltou a caminhar pelo quarto olhando para o teto, chão e móveis. Foi em direção ao banheiro e pela primeira vez em algum tempo permitiu-se olhar no espelho: Caitlyn estava cansada. Com a aparência realmente cansada. Passou pela sua cabeça que talvez tenha que passar mais alguns minutos se dedicando a uma limpeza de pele ou maquiagem durante a à manhã, pois os 22 anos dela parecem que estão pesando mais do que imagina. Havia pequenas marcas de olheira abaixo dos olhos azuis. Os cabelos da mesma cor, lisos, pareciam um pouco desalinhados. Ela rapidamente arrumou-os para pelo menos aparentar apresentável. Suspirou fundo fechando os olhos por segundos. Onde ela vai tirar alguma coisa desse homem? Talvez seja hora de ir até a recepção e perguntar quem recebeu o homem ou quem tinha alugado o quarto.
Ao abrir os olhos, talvez por sorte ou o foco retornado ao rosto cansado da oficial, Caitlyn percebeu uma pequena mancha de sangue. Sutil, como se tivesse sido rapidamente limpa. Ela olhou para a mancha e viu abaixo dos seus pés também marcas como se alguém tivesse tentado limpar mais marcas de sangue.
- Ele cobriu o rastro... – Murmurou para si Caitlyn e viu o caminho que o rastro seguia até um pequeno compartimento de ventilação situado atrás da banheira que havia lhe chamado atenção em primeiro lugar. Ela disse um pouco mais alto para os outros dois homens. – Jayce, Viktor, verifiquem se ele possui algum pano, toalha com ele, por favor.
Ela foi até o duto de ventilação que estava selado por meio de uma pequena grade. O trabalho que ele fez para fechá-la foi talvez insuficiente. Ele prendeu a grade em apenas um dos quatro pontos de acesso. Talvez o homem já estivesse ferido? Talvez motivado pela dor que deveria estar sofrendo com as costas expostas? O que Caitlyn sabia era que a grade apenas se encontrava presa por um parafuso. A oficial conseguiu facilmente desentarraxar o parafuso e retirar a grade.
Ela teve sua busca interrompida com a voz de Jayce do quarto, dizendo:
- Cait, ele está sim com uma toalha sob o corpo dele. Boa dedução.
Ela voltou a sua busca. Havia ainda coisas que ela precisava investigar ali. Levou os dedos até uma pequena bolsa, de tal modo que ela a retirou de dentro do duto de ventilação e com um lenço próprio, usou-o para abrir e vasculhar os itens que ele havia abandonado.
Dentro da pequena bolsa havia itens pessoais do homem: um maço de dinheiro. Algumas poucas libras de modo que corroborava com a questão de que a vítima não tinha realmente muito dinheiro. Havia um pequeno cartão de visita escrito “Antiquário Wick”, com o endereço do local e um telefone. “Interessante”, pensou Caitlyn. Ela colocou o item dentro do bolso da calça que vestia. Havia um pequeno caderno de anotação e que possuía como se fosse relatos de um diário. Folheando as páginas, Caitlyn percebeu que enquanto as primeiras pareciam devidamente ordenadas, os últimos registros pareciam puro caos. Palavras jogadas sem completo sentido. Com palavras como “Vigiado. Eles. Ryleh”. Caitlyn olhou para o quarto atrás de si, pensativa. “Máfia? Alguma máfia específica? Por Deus, no que esse homem estava se metendo?”.
O último objeto que havia na bolsa era um pequeno papel dobrado em 4 partes. Dentro dele escrito:
C.,
Quarto 76.
Traga a peça.
S.
Caitlyn arregalou os olhos. Quarto 76!
Imediatamente levantou-se e correu em direção ao corredor, no lado oposto. Quarto 76. Foi até a quarto indicado e abriu-o com um encontrão. Por sorte, a porta não estava trancada, de modo que ela abriu sem maior dificuldade.
Caitlyn puxou o lenço que levava em mãos a boca sentindo o cheiro do quarto anterior – o 77 - também se apresentar aqui. Cerrou os dentes ao ver mais dois corpos. Ambos na mesma situação do anterior.
Diferentemente da situação do corpo anterior parecia que o corpo desses dois estavam dispostas de modo mais... ritualístico?!
Caitlyn olhou sob o ombro e percebeu que ao sair do quarto em estampido foi seguida por seu melhor amigo, Jayce. Ele fez o mesmo movimento de tampar o nariz com o cheiro de sangue. Jayce afirmou certa vez que quanto mais coagulado o cheiro de sangue fica, pior o cheiro. Talvez esse seja o caso. Caitlyn só podia imaginar. Foi ele que cortou o silêncio entre os dois:
- Merda... Precisamos avisar Grayson.
Caitlyn confirmou com a cabeça. Murmurou baixo:
- Isso... Isso definitivamente é maior do que a gente imaginava.
Notes:
Como sempre, quaisquer interações ou conversas são bem vindas. E feedback também.
Pode me abordar no twitter que não mordo :D
@NieleAElfa
Chapter 3: Perseguições à noite
Summary:
Após Powder reportar todo o caso para Vi, cabe a irmã mais velha ajudá-la a lidar com tudo isso.
No entanto, o que espera por ela talvez seja algo muito maior com que ela saiba lidar.
Notes:
Ow Boy...
Então, vamos às considerações:
1. Nesse capítulo tem cenas leves de violência e sangue. Novamente, nada bem exagerado, mas o aviso como sempre está dado. :D
2. Por fim, acho no capítulo anterior não teve nenhuma frase cthulhulesca. Talvez por que entre todos os personagens que estão nessa história, Cait é provavelmente a única que não se perderia para insanidade. Aliás, se eu escrever em algum momento ela falando alguma palavra ou frase de Cthulhu... é que o negócio foi para a caralha e não há salvação para nenhum personagem. Enfim, ela vai ser o farol para os outros. Puxando-os para que não cedam aos horrores de "Cthuchulu".
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
.Vi.
O dia seguinte tinha sido um completo tormento para Vi.
Talvez com razão.
Sexta feira, a manhã pelo menos, passou voando e ela simplesmente não sentiu. Tudo isso pois se encontrava tensa demais – olhando para as janelas, para as ruas, buscando pontos cegos na rua. Ela não tinha tempo para fazer qualquer coisa ou ficar de conversa fiada com Powder. Não. Seja lá o que sua irmã havia se metido, exigia completa atenção de Vi. E foi como a sexta feira da lutadora começou e se alongou em sua plenitude.
Vez ou outra Vi ia até a janela e buscava novamente por figuras escondidas em becos. A vizinhança que a sua irmãzinha havia se mudado era mil vezes melhor do que o beco escuro que Vi tinha escolhido como moradia, mas ainda assim o perigo espreitava em ambas as residências. Após a grande guerra, a pobreza era um assunto comum então é normal não se sentir seguro em qualquer local de Londres. Isso é, à exceção dos poucos bairros ricos da cidade. Nesses bairros havia a polícia. Havia... segurança.
Mas isso não era o pior para Vi. O pior era o desconhecido. De não saber exatamente onde estava se metendo ao ter aceitado lidar com o problema da irmã.
Powder também mantinha em segredo detalhes do que diabos estava perseguindo-a e à Chuck. Seja lá o que ela se meteu, Vi sabia pouco. Mas sabia o suficiente. Sabia que seja lá o que deixou sua irmã aterrorizada daquele tanto, Vi não mediria esforços para trazer calma ao coração da menina. Seja lá o que tiver que fazer para alcançar isso, é claro. Era perfil da mulher de cabelos rosas: agir primeiro, pensar depois.
Para não dizer que ela em momento algum não saiu da casa de Powder, no meio da tarde ela vestiu as suas roupas normais, botas que usava constantemente – suas preferidas – e foi até o quarto da irmã.
Foi uma situação estranha ver a irmã, no entanto, debruçada de bruços, olhando para aquela maldita estátua. Parada, como se estivesse em um transe. Como se estivesse apagada da realidade. Admirando aquele objeto.
Maldita estátua.
Vi julgava, sim, o objeto à frente da irmã mais nova.
Pois até onde ela sabe, o motivo de tudo isso foi essa maldita estátua. Um objeto de jade, de muito mal gosto: com tentáculos, garras e seja lá o que aquilo era. Inscrições de um idioma que Powder disse que não era conhecido por ela. E a irmã mais nova, aparentemente, parecia obcecada com o objeto. Pois todo o momento que tinha livre, lá estava ela: olhando o objeto, virando-o, dedilhando sob as inscrições que a peça de jade possuia. Isso quando Vi não pegava Powder falando com ele.
Mais e mais papéis ficavam envolta dela com detalhes, esquemas, desenhos. Frases sem sentido e mais enigmas.
Não era saudável, Vi sabia. Mas pelo menos estar empolgada em fazer sentido àquela estátua tirava a cabeça da sua irmã da paranoia de estarem sendo seguidas. De estarem sendo perseguidas. Ou de achar que havia alguma entidade estranha tentando lhes fazer mal.
Bom... Vi acreditava que era melhor que a lutadora lidasse com isso pelas duas, pelo menos por enquanto.
- Pow... – Ela tentou falar com a outra, ainda segurando a maçaneta da porta do quarto. – Eu preciso dar uma saidinha. Coisa de alguns minutos... Você vai ficar bem?
Ela não a escutou.
Merda, isso vai ser difícil.
Vi deu alguns passos para frente. Foi até a cama. Sutilmente tocou no ombro da irmã.
Era algo engraçado: Powder sempre cedia com o toque certo. Com o carinho certo. Vi e a irmã poderiam não se entender em muitos assuntos, inclusive sobre suas escolhas de profissão; no entanto quando se tratava do carinho entre uma pela outra, o toque era essencial para demonstrar por meio de pequenos afetos o que as palavras as vezes não permitiam alcançar. Então ao sentir os dedos da irmã mais velha sob o braço, Powder rapidamente retirou o olhar daquele objeto e encarou-a. Os olhos azulados sob os acinzentados de Vi. Como Vi amava o olhar de carinho da irmã.
Tudo valia a pena quando ele sentia a admiração da menina no olhar.
Vi sorriu e levou os dedos até o rosto da irmã. Afagando-os, voltou a dizer:
- Preciso sair uns minutos. Vai ficar bem?
- Por que sair? Deveríamos ter tudo aqui. A gente tem tudo aqui. Pra que você precisa sair? Podemos esquecer disso por um instante... – Ela se levantou de onde estava e saiu da cama, olhando a sua volta. – Eu posso ir contigo. Podemos ficar juntas.
- Hey... acalme-se. – Vi também se levantou de onde estava sentada, na beirada da cama, e voltou a tocar na irmã. Segurou-a firme nos ombros. Nada que fosse machucá-la. Apenas para assegurar-lhe que estava tudo bem. – Eu não devo ficar mais de alguns minutos. Preciso verificar pelo menos os moleques e os jornais da cidade. Preciso saber se existe algo sobre Chuck na rua. Se alguém o viu. Além do mais, preciso avisar à Joseph que ficarei afastada do... – Ela suspirou, fechando os olhos. – Preciso avisar que não irei trabalhar por alguns dias. Sabe como é... Se não, não serão só... – Ela apontou com o queixo para aquela estátua maldita e murmurou. – Eu também tenho pessoas que não gostariam que eu sumisse sem avisar. Por isso preciso avisar que ficarei afastada alguns dias, ok? – Ela parou, buscou fôlego e continuou. – Pow, novamente. Não demorarei mais que alguns minutos.
- Vi... – Powder mordeu o lábio inferior, como se ruminasse algum pensamento em sua cabeça. Em seguida encarou a irmã mais velha. – Acha que Chuck está bem? Será que não seria interessante entrarmos em contato com esse tal Doutor Smith? – A mais nova pensou por mais um tempo. E então disse a frase mais absurda que ela poderia dizer no conceito de ambas. – Talvez a polícia?
Vi riu.
E em seguida ficou séria.
Oh... Ela tá realmente falando sério.
Vi ponderou as palavras por minutos. Escaneou o quarto. Fez um ‘não’ com a cabeça e voltou a dizer:
- Não. Polícia não. Definitivamente não. – Ela falou imediatamente. Em seguida continuou. - Façamos o seguinte. Irei buscar na lista telefônica por Doutores que possam ser esse homem. Não creio que deva ter muitos. De repente nos desfazermos dessa peça seja suficiente para livrarmos de seja lá quem sejam essas pessoas de nosso pé. Mas um motivo para precisar sair por algum tempo. – Ela voltou a encarar os olhos azuis da irmã. – Me diga: está tudo bem pra você?
Powder considerava a pergunta. Parecia extremamente incomodada de ser abandonada, mas contra qualquer julgamento apenas confirmou com a cabeça e soltou-se da irmã mais velha. Voltou a dizer:
- Por favor, não demora.
- Nunca.
-
- O jornal de hoje? Mas já está quase no final do dia. Por que... – Um moleque de uns 13 anos, maltrapilho, coçava a cabeça considerando o pedido da mulher à sua frente. Segurava embaixo dos braços um punhado de jornais que ainda não haviam sido vendidos. Contra qualquer julgamento, no entanto, lá ele estava perguntando por que alguém compraria jornais quando o dia já se encontrava finalizado. Praticamente finalizado, pelo menos.
- Não reclama, caralho e me vê os jornais, moleque. – Praguejou Vi com a paciência cessando rapidamente. Bem rapidamente. Principalmente pelo questionamento do menino à sua frente. Ela jogou a ele algumas moedas e em seguida abaixou-se para pegar o maço de papel com as manchetes diárias do jornal. A gazeta londrina normalmente divulgava acidentes ou quaisquer tipos de acontecimentos em Londres e nas extremidades da cidade: os acontecimentos de maior relevância iriam aparecer no jornal local. Era uma certeza. Então... caso exista algo que valha ser mencionado, provavelmente estaria divulgado no folhetim.
Ela escaneou o papel por informações. Ataques. Qualquer coisa que fizesse sentido diante dos acontecimentos da noite anterior. E do dia atual, é claro.
Absolutamente nada.
Vi não sabia de fato se isso a deixava mais tranquila ou mais nervosa: tranquila pois isso oferecia à Powder e à Ela uma chance. Uma pequena chance de que Chuck talvez ainda estivesse vivo e bem e talvez tenha feito apenas uma brincadeira – de mal gosto, diga-se – em Powder. No entanto, o sentimento que ainda permanecia na barriga de Vi era o completo oposto. Que seja lá o que aconteceu com Chuck tenha sido tão estranho que nem mesmo os jornais desejavam divulgar. Ou que tenham escolhido ignorar por enquanto.
Ela torcia na realidade que a sua suposição residisse na primeira opção. Pela segurança dela e da irmã mais nova.
Após perder alguns minutos com as gazetas do dia, Vi seguiu em uma caminhada em direção à sua casa. A ‘sua’ casa. Não a casa de Powder. A casa que abandonou no dia anterior. Uma caminhada que poderia ter sido feita por alguns 10, 15 minutos durou, no entanto, quase o dobro.
O motivo? Pois não queria ser seguida ou indicar a localização da sua residência ou de seus empregadores.
Pois é, o objetivo não era realmente ir para casa. O que ela deixou lá são apenas algumas roupas e coisas que não tornam uma casa um ‘lar’. O que ela deixou lá foram apenas objetos funcionais. De sobrevivência.
Então, ela usou como justificativa ir para casa, mas o foco realmente era ir até Joseph.
Veja bem, Vi não gostava de ser posta em caixinhas. Ser estereotipada: você é isso, você é aquilo. No entanto, ao se olhar para ela, qualquer um poderia dizer: Vi claramente é uma pé rapada. Uma zé ninguém. Uma capanga pura e simplesmente. Estar só, ainda quando criança, juntamente com a sua irmã e à mercê da sociedade, provoca isso numa pessoa: não havia o que fazer, ela precisava ir atrás de trabalhos. Mas a grande guerra provocou uma grande recessão no País, de tal modo que a marginalização foi evidente. Por sorte, Vi sempre gostou de acertar um soco ou outro nas pessoas que lhe irritavam. E isso atraiu olhares de grandes chefes da máfia. Nada tão estereotipado quanto as gangues que começaram a surgir no Estados Unidos. Mas, ainda assim, gangues em Londres tinham um aspecto distinto das que se instalaram no outro país inglês: enquanto nos Estados Unidos havia uma busca por dominação territorial, até mesmo o controle do mercado de bebidas, em Londres as gangues tinham o objetivo apenas de intimidar e impor a presença nas castas menos abastadas. Havia a questão territorial, é claro. Mas como Vi sempre dizia: 'Vocês lidam com a parte cabeça do negócio, eu fico só com o bater'.
Quando Vi saiu na noite anterior para encontrar-se com Powder, ela não tinha pensado bem em uma vestimenta adequada para a visita à sua irmã mais nova. Aliás, se vestir bem para rever sua irmã não era o foco principal quando ela decidiu ir até Powder. No entanto, com o objetivo de se manter apresentável para Joseph, seu chefe, Vi se sentia um pouco malvestida. O que de alguma maneira lhe subia um arrepio na espinha: Ele mantinha uma política um tanto estrita de elegância em primeiro lugar.
Eles ainda eram pé rapados. Mas eram pé rapados bem vestidos.
Havia uma reputação neles. E a elegância e as boas vestimentas eram bem-vistas.
No entanto, no atual momento que ela tem sobrado do dia, a roupa que estava usando no momento parece, pelo menos, quase suficiente: Uma calça marrom simples, sem fios soltos. Era uma calça comprada recentemente. Suspensórios no mesmo tom que a calça. O utensílio bem ajustado sob uma camiseta de linho. Usava um coldre preso firme na altura das costelas de modo a manter sua Colt bem próxima do peito. Para que não mostrasse a arma a plena vista, Vi mantinha um longo sobretudo de tom marrom sob os ombros, com as golas devidamente levantadas de modo a evitar mostrar os detalhes da tatuagem que carregava até a altura do seu pescoço. Perdida em seus pensamentos, ela foi surpreendida ao ser abruptamente puxada pelo braço.
Instintivamente, a mulher soltou-se e girou sobre os pés, empurrando o potencial agressor em direção a parede do beco que havia sido arrastada. O braço firme na altura do pescoço do homem foi o suficiente para que o outro falasse imediatamente ao sentir a garganta ser comprimida:
- Vi! Acalme-se, sou eu!
A mulher afrouxou o braço da garganta do homem a sua frente e em um único movimento tirou o boné do rosto de Mylo que parecia de alguma maneira recobrar o fôlego da interação anterior. O homem recuou um pouco para a frente, ficando com a cabeça entre os joelhos e levou os dedos ao pescoço, tossindo desconfortavelmente. Vi colocou o boné de Mylo, ajeitando os cabelos rosa confortavelmente dentro da indumentária. Ela sorriu levemente enquanto dava uns passos para trás, esperando o outro se recompor. Então ela disse, após ver o rapaz se recuperar:
- Isso é por fazer um péssimo trabalho em tentar me conter. E um pior trabalho ainda em me assustar desse jeito. O que diabos está fazendo me seguindo?
- Joseph estranhou você não ter aparecido hoje cedo. – Ele recostou as costas na parede oposta da mulher a sua frente e sorriu brevemente. – Distraída hoje? Você costuma ser mais perceptiva em ver pessoas lhe seguindo.
Ela faz menção em dar ao outro um murro no ombro, apenas evitando a conexão do punho na clavícula do homem por centímetros. Ele reagiu fechando os olhos esperando por algo. Quando ela voltou a se recostar na parede oposta, se afastando, ele dá um longo suspiro aliviado: pelo menos a brincadeira foi bem recebida. Normalmente Mylo recebia alguns tapas ou murros quando tentava provocar Vi. Quando ele conseguia tirar algo dela, tirá-la do sério, para ele, parecia uma vitória. Vi o observou por minutos e em seguida disse:
- É. Podemos dizer dessa maneira. Que estava distraída. – Ela voltou a olhar para o corredor do beco onde estavam. Perguntou em seguida. – Havia outros que Joseph mandou para me buscar? Ou ele apenas escolheu mandar o mais palerma entre nós?
Ok. Talvez não tenha sido uma vitória para ele.
Mylo resmungou entre os lábios:
- Ah para... Você é especial para ele. Mas nem tanto para enviar uma frota para entender o porquê você faltou o trabalho. No entanto... – Mylo começa a falar em sussurros. – Não imagine a minha surpresa ao ver que você passou a manhã na casa de Powder. O que diabos você quer com ela, hein? Não foi ela que...
Vi o fitou sério por mais de alguns segundos. Ele parou de falar. Ele sabia demais.
Ainda que confiasse plenamente no menino a sua frente, naqueles olhos proeminentes, cabelos desalinhados agora sem o boné... Sim, ela confiava nele. Mas havia algo de difícil trato no ramo em que eles trabalham. A palavra certa é ressalva. Talvez ele merecesse metade de uma verdade.
- Ela pediu para que fosse vê-la. Aparentemente problemas entre ela e o sócio. Para ela me chamar, você sabe... provavelmente ela buscava por alguma segurança. Resolvi vir e passei a manhã com ela. Fim da história.
- Hummm... – Murmurou Mylo pensativo. Vi esperava ou pelo menos desejava que Mylo não forçasse a barra mais sobre o assunto do que ela já o disse. Talvez a sorte estivesse do lado dela hoje, pois ele apenas continuou. – Ok. Mas você sabe que ela vai te descartar assim que ela resolver esse assunto, né?
- Eu não me importo.
- Deveria.
- Mais algum conselho, Mylo? – A paciência da mulher parecia aos poucos cessar. Novamente. Não gostava de falar sobre Powder com Mylo. O rapaz a sua frente ainda mantinha rancor diante da irmã mais nova: quando obteve a oportunidade de sair da vida de pequenos roubos, pequenos delitos, Powder não pensou duas vezes. No entanto, todos eles, os que restaram, não tiveram a mesma sorte. Powder esbanjava charme e genialidade. Vi e os outros, só sobrava os punhos e as sagacidades para viverem na rua. Eles não tinham o luxo de serem inteligentes como a irmã mais nova Wick. A mulher fechou os olhos tentando recompor-se dos pensamentos que vez ou outra ameaçavam em angustiá-la e julgar a irmã mais nova. Um pequeno fio de navalha que gritava a palavra “abandono” na mente de Vi. Não. Ela não daria munição para Mylo. Ela estava feliz com o papel de irmã mais velha. De protetora da jovem de cabelos azuis e tranças.
- Não. – Ele disse enquanto buscava reação de Vi. Em seguida voltou-se a outro assunto. – O que vai fazer com Joseph? Ele está perguntando por você.
Vi não sabia por quanto tempo esse assunto com Powder poderia durar. Não queria de alguma maneira ter que lidar com Joseph no momento. Ou com o trabalho. Levou a mão ao queixo ponderando as alternativas. Disse em seguida:
- Mylo. Preciso de sua ajuda. – Ela retirou as costas da parede atrás de si. Foi até o jovem e levou a própria mão ao ombro dele, apertando-o firme suficiente para intimidá-lo. Ele apenas abaixou-se um pouco engolindo seco, fazendo um sim com a cabeça. Vi tinha essa postura imponente que normalmente fazia qualquer um ceder com algumas poucas palavras ou o olhar certo. Ela sorriu brevemente. – Quero que diga a Joseph que fui comprometida. E que estou evitando ir até o galpão pelos próximos dias para assegurar que ninguém tenha acesso com quem eu trabalho. Diga que eu vou lidar com essas pessoas pessoalmente e para isso preciso de alguns dias. Que estou usando-os para investigar quem está me seguindo e... – Ela estalou os dedos na frente de Mylo para provar um ponto. - ... vou tomar conta para que quem quer que seja não fale nada, é claro.
Novamente, Vi esperou do outro que ele confirmasse e não tentasse extrapolar na curiosidade de saber mais sobre tudo isso. O que realmente acabou acontecendo, pois Mylo se afastou da parede e confirmando com a cabeça disse:
- Sabe que Joseph não ficará muito feliz. Mas acho que é suficiente para que ele não tente pressionar mais no assunto. Você vai ficar bem? Digo... vocês duas? – Mylo insinuou que Powder tinha mais importância do que Vi havia declarado inicialmente.
Vi disse em um tom mais seco que esperava falar:
- Sim. Apenas na sua conversa com ele tente tirar minha irmãzinha da sua boca. Para seu e meu bem. Odiaria ter que lidar com suas asneiras quando resolvesse meu problema.
Mylo engoliu seco. Não parecia querer arriscar o “bom humor” até então de Vi. Passou por ela, fazendo um “sim” com a cabeça e disse enquanto se afastava:
- Tome cuidado... Powder é sempre uma bomba relógio. E você sabe disso.
E ao estar afastado suficiente, passou a correr da mulher, deixando-a no beco vazio, em silêncio.
Ela sabia.
Sabia que Powder poderia ser um tanto volátil.
Merda. Tomara que ele não ferre mais a minha vida do que já está.
-
Ok.
Talvez Vi tenha mentido à Powder “um pouco” sobre a real intenção de sair de casa.
Ou pelo menos omitido alguns locais que ela precisava ir.
Quando Powder relatou tudo que ocorreu no dia anterior, desde o início do dia quando Chuck foi encontrado pela manhã, as interações e a ligação à noite, Powder deixou claro que não fez menção de retirar ou mexer em nada das suas coisas dentro do escritório. Deixou tudo como se encontrava quando saiu às pressas após a ligação de Chuck.
Isso por um lado foi bom: sair às pressas quando o sócio diz que eles estão sendo seguidos foi uma atitude correta por parte da irmã mais nova. Powder precisava imediatamente buscar um local seguro. E no momento, o local seguro era sua própria casa. Por outro lado, contudo, o escritório estava com milhares de dados e informações que poderiam ligar a irmã mais nova à casa que ela recentemente comprou, ligar Powder à irmã mais velha, à tudo que ela trabalhou até aqui, às pessoas com quem ela já lidou até aqui. Eram muitos “e se”. Vi precisaria garantir que não houvesse nenhum dado que pudesse ligar os acontecimentos da manhã de ontem às duas mulheres. Então após a conversa com Mylo, já no meio da tarde / noite, a coisa mais sensata foi ir em direção ao distrito comercial de Whitechapel.
Powder realmente conseguiu mudar de vida.
O prédio que foi escolhido para abrigar o antiquário era bonito e seguro. Apesar dos relatos de alguns saques, pelo preço e vida que Powder havia levado até então, o que ela conseguiu conquistar ao arrematar o local foi algo que Vi nunca pode ter imaginado alcançar em suas melhores expectativas. Nos seus melhores sonhos. Mas a sua pequena irmã havia o feito. E Vi ficava feliz por ela.
O frio da noite londrina foi abraçado também por uma chuva fina que começava a incomodar a mulher de cabelos rosas: em pouco tempo o corpo estaria empapado e a casa de Powder ainda era um sonho distante. Havia muito o que ser feito.
Ajustando o sobretudo sobre o corpo, a mulher adentrou no longo corredor de lojas e escritórios que havia ali.
Apesar de um grande prédio de uns 3 andares, Powder optou por um escritório no segundo andar do local. O prédio também era longo. Do ponto onde Vi estava, à sua direita havia uma escadaria que subia e varria os 3 andares do local. Além, havia um longo corredor de lojas e escritórios em cada extremidade – esquerda e direita. E ao final desse longo corredor, havia uma janela de fácil acesso para uma saída de emergência.
Vi seguiu com o olhar pelo longo corredor, percebendo que essas horas não haveria mais ninguém trabalhando. O que facilitaria o serviço que ela estava prestes a fazer. Menos olhares curiosos. Ela virou-se para a escadaria e começou o processo de subi-la em dois em dois degraus. Queria fazer isso o mais rápido possível. Ajustou mais a gola do sobretudo tentando retirar os respingos de chuva que vieram parar sob a vestimenta.
Já no segundo andar, a mulher deu uma segunda olhada para a escadaria abaixo de si. Em seguida olhou para a escadaria acima de si. Ninguém.
Ótimo. Nenhum movimento.
Entrar e sair. Fácil.
Antes que pudesse agradecer aos céus pela oportunidade e os problemas estarem pela primeira vez parando de aparecer à sua frente, ela olhou em direção ao escritório de sua irmãzinha. Movimento. Objetos sendo arremessados. Porta escancarada, papéis ao chão no corredor.
- Merda. Era só o que me faltava. – Ela murmurou para si.
Era agora ou nunca.
Vi ajustou o boné na cabeça. É um bom utensílio que ajudaria a esconder os cabelos assim como o próprio rosto. Ajustando mais a gola do sobretudo ela avançou com passos apressados até o escritório. Ao chegar até a porta, recostou-se do lado de fora, próximo à entrada do local e gritou:
- Não é nada legal você roubar um estabelecimento comercial, sabe, camarada. Principalmente de uma menina indefesa que lutou muito para ter isso tudo. – “Há. Não que EU não tenha o feito antes. Mas isso não vem ao caso”, pensou Vi. A mulher voltou a dizer. – Sugiro de verdade que vá embora antes que eu te tire aí eu mesma.
Movimento. Errático.
O que diabos está acontecendo?
Isso é um...Grunhido?
Vi virou-se para entrar no escritório, mas só teve tempo para reagir ao colocar os braços em x, em frente ao rosto, antes de ver um humanoide jogar-se contra ela com violência. O outro estava coberto com uma longa capa que ia da cabeça aos pés. A forma que ele estava vestido não dava margem de sanar a curiosidade da lutadora em momento algum. Ela não sabia ou via quem ele era. Ela sentiu todo o ar sair dos pulmões ao sentir as costas colidir com a parede aposta a porta do escritório.
- PORRA!
Antes que pudesse se movimentar, a mulher sentiu uma mão avançar-lhe na altura do rosto. Mas o ataque parou nos braços de Vi que ainda os mantinha em guarda, sobre o rosto, protegendo-se como podia. A mulher sentiu uma dor lancinante na altura do braço, unhas arranhando-lhes a pele, de tal modo que a única opção no momento foi jogar o corpo para frente, contra o outro, empurrando-o para trás. Em um único movimento, após ter encontrado algum espaço da criatura, levou os punhos fechados na altura do maxilar do humanoide, conectando. “Eu..conectei, não?”. O maxilar da criatura parecia duro. Parecia... estranho. Cerrou os dentes e não deu tempo à sorte, avançando sobre a criatura e dando mais socos na altura da barriga e cabeça da figura a sua frente. Jab Jab Direita. Gancho. Aos poucos Vi conseguia subjugar a criatura a sua frente, tomando maior controle sobre a luta.
Antes que buscasse ar ou tentasse recuperar estamina, no entanto, ela sentiu movimentos erráticos da criatura. E então sentiu os dedos do humanoide sobre a altura da barriga, arranhando-a. Novamente, unhas afiadas, ferindo-lhe a pele. Abrindo-a. Era cerrou os dentes, voltando a jogar o corpo contra a criatura, levando a mão com a palma aberta à altura da testa daquele que estava à sua frente. Tentando afastar-lhe de si. Em um movimento e com uma das mãos livres, retirou o capuz que o outro vestia. Queria olhar o rosto do maldito.
Você não vai se esconder de mim, verme.
Em todo os anos de vida de Vi, ela não estava preparada para isso: Aquilo não era natural. Aquilo definitivamente não era natural. Quem estava preso entre seus dedos, à sua frente, tinha a pele quase em um tom verde musgo. O mesmo tom de pele quando Joseph afirmava que precisariam recuperar algum corpo da Baía. Algum corpo que permaneceu em estadia com os peixes por muito tempo. Depois de alguns dias eles ficavam assim: verde. Podre. De qualquer forma, apesar do tom de pele parecer o mesmo aos dos corpos que Vi lidou antes, os olhos eram completamente distintos: Os glóbulos eram de um tom preto, sem íris. Sem pupilas. Apenas órbitas totalmente escuras. As orelhas eram pontudas. Nunca em toda sua vida, Vi viu coisa tão alienígena assim.
E dentes. Que dentes eram aqueles? Dentes pontiagudos. A criatura sibilou e empurrou-a com uma força descomunal. Vi, talvez pelo choque e surpresa, apenas deixou-se ser jogada contra a parede oposta.
- O que...? – Ela disse sem total reação.
E a criatura tinha um objetivo certo. Ela iria avançar em Vi. A lutadora sentiu a vida passar diante os olhos. “Eu vou morrer? Eu vou realmente morrer?”, pensou. Antes que pudesse reagir a tudo isso, contudo, ela ouviu passos à sua direita. Passos apressados. A criatura reagiu pulando de lado ao ver um tiro ser direcionado a ele. Urrou para a figura desconhecida como se tivesse se incomodado em ter sido interrompido. Olhou a sua volta e em seguida adentrou novamente ao escritório pulando da janela em um só movimento, estilhaçando cacos de vidro no local.
Os passos começaram a se aproximar.
E apesar de ainda estar sem reação por ter visto uma criatura. Um monstro nunca visto antes, Vi não poderia permanecer ali.
Vi precisava reagir.
A lutadora levou os dedos até a barriga que estava empapada de sangue e fez um “não” com a cabeça. Para essa terceira pessoa ter uma arma em punho e atirar assim, de duas uma: ou era alguém de alguma gangue rival. E isso não era bom para a lutadora. Ou, pior ainda, a terceira figura era um policial. Ambas as opções não lhe agradam. De tal modo que a única solução no caso foi olhar para a janela de emergência ao final do corredor.
Um plano sendo formado na mente da mulher de cabelos rosas.
Vi pode ouvir atrás de si o intruso gritar. Uma voz feminina:
- Pare já! Polícia!
“Merda”.
Ela continuou correndo atravessando a janela em um só movimento, pulando sobre a janela, estilhaçando. Praticamente uma imitação – bem menos graciosa – da criatura de segundos atrás. A mulher atrás de si deu mais um tiro – Vi entendia que era um tiro de aviso -, bem acima da cabeça de Vi. “MERDA MERDA MERDA PARA DE ME ATIRAR, CARALHO!”.
Ela não pensou que as escolhas de vida dela eram: um, pular do segundo andar em um único movimento e dois, o cano da pistola de um policial.
A escolha havia sido dada quando ela pulou sobre a estrutura em ferro da escadaria de emergência. As pernas de Vi poderiam ter sido completamente destruídas se não fosse o movimento fluído de segurar no ferro do balcão da escadaria, buscando evitar um choque certeiro das pernas ao chão do local. Havia apenas dois metros de distância do solado dos pés de Vi e o chão.
Ok. Essa distância não há problemas.
Então ela conseguiu dar uma olhada para cima, vendo de relance o rosto da oficial que a perseguia: cabelos azuis quase chegando ao tom de pretos de tão intensos que o eram. Os olhos do mesmo tom. O rosto firme, traços firmes, ainda que belos. Vi não se aprofundou em gravar em sua mente os traços da mulher, pois queria ao máximo evitar ser reconhecida. Não queria que fosse perseguida ou esbarrasse na mulher em alguma eventualidade. Levando novamente os dedos ao ferimento da barriga, Vi praguejou a própria sorte. Soltou-se do ferro, saltando a distância final. Voltou então a correr, fugindo dali.
Por sorte, a policial não voltou a atirar.
MERDA.
Notes:
É... XD
1. Nossa, como é difícil escrever cenas de ação ou cenas em movimento. Eu li umas três ou quatro vezes e até agora eu não acho que está... bom. Talvez revisite em algum momento no futuro para refazê-la ou mesmo ajustá-la.
2. Minha Vi vai ser boca suja para um caramba. Lidem com isso, guys.
3. Como eu me amarrei em criar o elo entre as duas por meio de uma perseguição. :PE novamente, feedbacks ou qualquer coisa, super bem vindo.
Se houver algum erro no texto, "mim" ajuda. Dá um toque.
Chapter 4: Fagulhas
Summary:
Após a perseguição e tentativa de encontrar informações no Antiquário Wick, Caitlyn decide, por fim, ir até a casa da proprietária do Antiquário.
Imagine a surpresa do que ela encontra lá...
Notes:
Ok!
:~ Sem avisos prévios e sem frases Cthulhulescas para serem traduzidas no capítulo anterior.
Vou deixar algumas considerações pro final.
'Simbora.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Personal Jesus - Depeche Mode
.Caitlyn.
Caitlyn permaneceu por alguns momentos parada sob o quadro da janela que dava para a escadaria de emergência. Suspirava incessantemente com o esforço físico que fez para chegar até ali em uma corrida. Não sabia se estava suando pelo esforço de correr atrás da figura que pulou do segundo andar ou pela figura anterior que parecia ter saído de um filme de terror. Se movimentava estranho e pulou em um único movimento de uma altura que teria quebrado alguns ossos.
Isso não é natural.
“Eu imaginei coisas, certo?”, pensou a policial ao voltar para dentro do imóvel e recostar as costas na parede do prédio que se encontrava. Fechou os olhos tentando recobrar os pensamentos até então.
- Ok. Deixa-me ver se entendi: - ela voltou a suspirar. O coração aos poucos voltando ao normal. -... chego ao local. São... 21 da noite? – Ela puxa o relógio de bolso. – Ok... O local indicado no cartão de visita do falecido do quarto 77. Antiquário Wick. Ao chegar ao local encontro uma briga entre dois elementos. Para minha surpresa um deles emite um barulho como se fosse um rugido. Rugido? – Caitlyn cerrou os dentes. – Eles nunca vão acreditar em mim desse jeito. Faça sentido, Kiramman.
A mulher voltou a caminhar em direção ao escritório agora devastado pela briga de agora há pouco. Papéis se encontravam no chão e a porta do local parecia ter sido arrebatada por uma força gigantesca. A porta agora jazia sob os pés da policial. Caitlyn ponderou quem poderia ou o que poderia ter força o suficiente para quebrar de tal maneira o objeto.
Por um breve momento Caitlyn imaginou que viu...Sim, ela tem quase absoluta certeza que viu dentes afiados em um dos homens. No homem encapuzado. Mas ela devia estar enganada.
Certo?
A menina pegou alguns papéis do chão, inspecionando o conteúdo. Tentando fazer sentido naquilo tudo. Duas pessoas. Uma briga. Claramente um chegou primeiro, tentou buscar algo dentro do escritório e depois foi abordado pelo outro. Outra? Caitlyn poderia jurar que a figura que pulou da janela que dava para a escadaria de emergência era uma mulher. Os cabelos definitivamente tinham um tom de rosa. Ainda que tivesse tentado esconder dentro do boné que vestia, Caitlyn acreditava que poderia identificá-la se caso ou se eventualmente se deparasse com ela. Ela acredita que sim. Ela se esforça em acreditar que sim.
Caitlyn foi até a mesa do local e dedilhou pelas gavetas. Procurando informação. Qualquer informação. Os dedos escaneando rapidamente sobre documentos. Notas detalhadas sobre itens catalogados. Endereço de patronos e clientes. Muitos papéis jogados. Muitas informações que talvez não tivessem ligação alguma ao caso.
O que estou fazendo aqui?
Eu não deveria estar aqui.
Na realidade, Caitlyn tinha uma informação adicional desde que se deparou com o corpo na manhã daquela sexta feira: ela foi até o balcão de recepção do hotel imediatamente após encontrar os corpos no quarto 76. Ao chegar ao balcão perguntou sobre os hospedes dos quartos 76 e 77. Informações sobre quem havia alugado os quartos, quem havia os visitado. Algo que fizesse sentido nisso tudo.
O que ela tirou de informação foi: bom, eram dois hospedes distintos que reservaram os dois quartos. Caitlyn havia imaginado previamente que havia sido um único hospede que teria reservado ambos os quartos: Por isso que o corpo no quarto 77 teria algum bilhete em referência ao quarto 76. Isso tornava as coisas estranhas, mas não tanto. O que Caitlyn supôs, a princípio, é que os hospedes do quarto 76 e 77 se conheciam. Bom, pelo menos uma coisa estava entrelaçada. Ou pelo menos ela espera que esteja.
Outra informação que ela pode extrair do balcão de recepção foi que o nome do hospede do quarto 76 era um grande arqueólogo e museólogo pelo nome de Doutor Ernest Smith. Ele há algum tempo tem trabalhado juntamente ao Museu de Londres trazendo peças do oriente e expondo-as para visitação. Pelo menos foi o máximo que ela sabia sobre o Doutor. Outro detalhe que ela teve de informação foi que ele reservou o quarto 76 pelas últimas 2 semanas. Mas de acordo com a recepcionista do hotel, o homem só visitou o local apenas duas vezes.
É claro. Essa é a outra informação que Caitlyn também sabia: ambos os homens mortos no quarto 76 tinham feições turcas. Doutor Smith era inglês. Ou seja, dentre todos os corpos encontrados, nenhum batia com a descrição do Doutor inglês. O que levava a crer que as pessoas que estavam no quarto 76, mortas, talvez fossem inicialmente habitantes ou hospedes do quarto 77.
E a resposta à Caitlyn foi positiva, pois o homem que deu entrada no hotel era sim turco conforme informação da recepcionista. Além, ela informou o nome que foi dado pelo hospede: Serkam Maki. Caitlyn podia imaginar, no entanto, que toda a informação que foi dada pelo hospede do quarto 77 pudesse ser falsa. Que o seu nome não fosse Serkam Maki. Nos registros policiais não havia menção e nos registros da prefeitura, também não. Apesar disso, e até o presente momento, era a única informação que tinha. E se segurou nesse dado com uma esperança renovada. As peças do quebra cabeça aos poucos sendo juntadas e postas diante de si.
O processo de olhar totalmente o escritório da antiquarista ao ponto de dar-lhe dor de cabeça durou cerca de uma hora. Ela vasculhava informações e documentos com os nomes de Doutor Ernest Smith e Serkam Maki. Absolutamente nada no retorno da pesquisa. Então, após uma hora de pesquisa, os papéis foram organizados. Os objetos foram catalogados e ela aproveitou que havia uma linha direta à telefonista para acionar a estação policial e avisar de um roubo e arrombamento no estabelecimento.
Ordem.
Oras!
Ela definitivamente não deixaria aquele local em desordem.
Provavelmente os colegas de trabalho só resolveriam a ocorrência na manhã do dia seguinte, mas Caitlyn seguia à risca o seu papel. E ela estava feliz realmente com isso.
Um papel, no entanto, chamou-lhe a atenção.
Uma hipoteca?
Um documento no nome de Powder Wick. “É claro. Antiquário Wick”, pensou Caitlyn. Uma casa foi recentemente adquirida. Há cerca de um ano.
Na cabeça de Caitlyn as engrenagens começavam a mexer, movimentar-se. O homem que estava no quarto 77 conhecia o antiquário de alguma maneira. Essa tal Powder Wick talvez o conheça. Ou tenha informações para oferecer à Caitlyn.
Caitlyn retirou o papel que encontrou na bolsa do falecido. “Traga a peça, S.”. Caitlyn poderia deduzir que o "S" no bilhete deve ter lidado com alguma peça juntamente com essa Powder Wick. E que o cadáver no quarto 77 provavelmente foi devolver o objeto para alguém que Caitlyn poderia jurar que o "S." na carta seja de Smith. Doutor Smith.
Ok. Toda essa informação faz sentido até agora.
Doutor Smith era alguém com algum renome na comunidade. Caitlyn tinha certeza que já ouviu o nome dele ser mencionado nos jantares com seus pais. Mas como era sobre assuntos que não interessavam à policial, ela optou sempre por ignorar o tópico. De todo modo, a policial sentia que não fazia sentido ir atrás do Doutor neste exato momento para obter informações. Querer buscar sentido nas motivações prévias ou os últimos atos dele: ações como “por que ele alugou o quarto 76?” e que “peça era essa que estava tão interessado que enviou uma carta ao homem do quarto 77”. Homens ricos como o Doutor Smith buscariam advogar que Caitlyn não estava com jurisdição para simplesmente retirar informações no meio da noite. E ele estaria absolutamente certo.
Já Powder Wick, no entanto, era outro caso. Powder Wick era alcançável. Era uma civil, alcançável. E ter tido o antiquário saqueado ajudava-a mais em perseguir essa linha de ação. Justificar que está buscando informações sobre um ataque ao estabelecimento da jovem Wick cria uma oportunidade à Caitlyn. E isso é suficiente.
Motivada por respostas, Caitlyn anotou o endereço. Powder Wick receberia uma visita da policial ainda essa noite.
***
.Vi.
Vi entrou com força na casa de Powder, fechando a porta atrás de si. Não demorou mais de meia hora para voltar do Antiquário até a casa da irmã mais nova. Estava sentindo aos poucos a consciência esvair-se do corpo. Quanto sangue perdeu? Esse era um pensamento que as vezes passava pela cabeça dela. Fez um “não” com a cabeça e em seguida levantou o olhar. Encontrou o da sua pequena irmã, assustada. Ela tremia. Parecia como se em transe ao ver Vi ensopada com o próprio sangue. Vi deu um pequeno sorriso sentindo as pernas vacilarem.
Antes que caísse ali mesmo, viu abraços finos e ajudarem a apoiá-la para que não desmontasse ao chão. Foi Powder que quebrou o silêncio dizendo em tom de profundo desespero:
- VI! O que aconteceu? Porque... Quem fez isso?
Vi apoiou as costas na porta atrás de si e levou a mão ensanguentada até o ombro da menina a sua frente. Murmurou baixo:
- Você ainda guarda gaze? Ainda consegue fazer curativo? Vou precisar da sua ajuda para fechar isso aqui... – E retirou a mão que mantinha até então na altura da barriga, tentando conter o sangramento do local. – Pow... eu não vou conseguir me manter acordada por muito tempo. Eu preciso... Agora! Agora!
Powder arregalou os olhos e em seguida soltou-se de Vi, correndo para a cozinha. Vi foi com grande esforço até o sofá da sala e sentou-se, deitando a cabeça no encosto do móvel. Fechou os olhos e murmurou para si:
- Eu podia só dormir um pouco...
- Vi! – Gritou Powder do corredor, indo em direção a irmã mais velha, colocando-se a frente dela, sentada a uma mesa de centro. – Não desmaia, por favor!
A mais velha voltou a focar o olhar na irmã. A menina pequena a sua frente. Viu marcas vermelhas abaixo do rosto. Marcas de alguém que chorou recentemente. Vi sentia-se culpada: ter ido até o escritório de Powder foi um erro. Não só deixou a irmã mais ansiosa como também conseguiu ser ferida no processo. Ferida por seja lá aquilo que a atacou. Ele não era natural. Ele não era humano. Ele tinha dentes. Ele...
- VI! – Powder pegou-lhe a mão e apertou-a firmemente. – Eu preciso que você fique acordada.
- Me desculpe. Eu não queria ter te abandonado.
A menina aproximou-se da lutadora. Colocou a testa na da outra e murmurou baixo:
- Você nunca me abandonou. Nunca. Mas por favor, nunca mais diga que vai sair por minutos e... fica horas longe daqui. Eu... eu pensei... – ela começou a tremer. A mais velha tocou-lhe nos mãos, procurando lhe oferecer conforto.
Então ela fechou os olhos por instantes. Pareciam horas. Por fim, a lutadora murmurou:
- Eu não queria ter te preocupado, Pow. Eu estou bem, eu prometo. É apenas um pequeno ferimento. E eu preciso que você esteja firme, pois você vai me ajudar a fechá-lo. – E olhou na altura da barriga. – Você vai ter que me ajudar a fechar isso aqui.
- Merda. – Disse a outra extremamente receosa. A voz mantinha um timbre de quem parecia realmente insegura em fazer qualquer coisa relacionada ao ferimento na barriga.
- É... E... Traga a sua bebida mais forte. Porque vai ser uma merda mesmo.
***
.Powder.
Powder estava tendo um dos piores dias de sua vida.
Se não bastasse sua irmã ter saído mais cedo, em busca de informações sobre Chuck ou mesmo para resolver problemas que a menina não queria se envolver – afinal gangues, Mylo e Joseph não era mais o tópico favorito de Powder; aquela estátua também a perturbava: continuava a não fazer sentido. Aliás, nada realmente continuava a não fazer sentido. Ela se questionava se alguma coisa fazia sentido.
Powder também lutou contra a curiosidade e o desejo de sair na tarde da sexta-feira em busca de uma biblioteca universitária: talvez nos livros ela pudesse encontrar exatamente à que alfabeto aqueles símbolos entalhados significavam. Que civilização pertencia àquela estátua. E que criatura era aquela representada. Nunca tinha visto algum animal assim antes na fauna dos livros que teve acesso na escola.
A cor verde também lhe chamava a atenção. Era linda. De um modo estranho, a estátua era linda.
E o pior: a estátua parecia que agia de um modo estranho contra Powder. As vezes a menina achava que a estátua estava a convidando. Para o que? Ela não sabia.
Powder poderia jurar que ela ficou por meia hora olhando a estátua sem mexer um músculo. E só depois dessa meia hora que a menina percebeu que não tinha feito absolutamente nada nesse meio tempo. Ficou apenas ali, absorta. Sem pensamentos. Sem reação. Sem nada.
Tudo extremamente estranho.
Instigante.
Estranho.
Mas ela não se permitia parar de investigar o objeto de jade.
Tomada por uma insegurança gigantesca ao ver aquela estátua sugar-lhe os minutos do dia, Powder se levantou da cama onde o objeto ficava e foi até a cozinha. Partiu para realizar outras tarefas que de algum modo tirassem sua cabeça do objeto. Evitar a estátua novamente. Pelo menos por algum tempo.
E para ser justo, ela até conseguiu ocupar o tempo com pequenos afazeres domésticos: limpar a louça, preparar alguma comida para quando a irmã retornasse, limpar a sala. Tudo isso lhe dava uma sensação breve de normalidade. E ela se sentia feliz de fazê-lo.
Ajudava, também, o fato de lembrar que a irmã logo retornaria. E que fazer esses pequenos afazeres trazia lembranças de quando Powder e Vi moravam juntas. Antes da compra do antiquário. Gostava de lembrar que antes a dinâmica entre ambas era semelhante: Vi ia trabalhar e Powder podia ficar junto aos livros, estudando, construindo coisas ou com a normalidade da vida doméstica.
Era uma boa lembrança.
Mas essa sensação durou pouco tempo. Pois a tarde deu adeus e a noite deu seu ar de graças. Com o passar das horas, Powder permaneceu próximo à mesa de jantar, mastigando incessantemente as unhas dos dedos, pensando que algum mal poderia ter ocorrido à irmã.
- Ela disse que voltaria em alguns minutos. Já faz horas. O que diabos está acontecendo? – Ela murmurava para as vozes na própria cabeça, como se quisesse ter alguém com quem conversar. - Vi? - Ela murmurou para o vazio da casa.
E o nervosismo deu lugar às lágrimas que começaram a sair ao pensar que tinha ficado enfim sozinha. Não havia Chuck, não havia Vander, não havia ninguém. Não havia a melhor pessoa da vida dela. Não havia Vi.
Powder não sabia por quanto tempo chorou ou por quanto tempo esperou. Mas parte de todo esse nervosismo se cessou quando viu a porta se abrir em um rompante e adentrar a irmã mais velha.
Ela imediatamente sorriu aliviada.
Esse sentimento durou segundos, contudo.
Para a surpresa da menina, a irmã estava empapada de sangue. Então o medo virou pânico. Algo precisava ser feito e a irmã precisava da sua ajuda. E Powder se martelava pensando o que poderia ser feito para ajudar a irmã mais velha.
A questão é: Powder nunca foi uma enfermeira. Quem sempre cuidou dos ferimentos de Vi quando eram menores foi Vander. Após, quando Vi passou a trabalhar para Joseph, no entanto, essa função foi trocada por Mylo ou mesmo o próprio Joseph. O homem aparentemente pegou um carinho predatório na irmã mais velha. Powder servia, na maioria das vezes, como apoio moral para Vi. Os dedos da mais nova entrelaçavam nos da mais velha e o choro da menina de tranças parecia criar mais força para que Vi continuasse lutando pela própria vida.
E foi assim até o presente momento.
Powder não sabe por quanto tempo ficou assim naquela noite junto à Vi. Em uma oração desajeitada, esperando que a irmã ficasse bem.
Enfim... lembranças do passado.
A troca de curativos foi... confusa. Bagunçada, pode-se dizer assim. Powder tremia como vara verde inserindo a agulha na barriga de Vi - carne sendo repuxada conforme o objeto pontiagudo entrava - que protestava enquanto mordia uma pequena toalha de rosto. Além, vez ou outra, a irmã mais velha cuspia o pano dentre os dentes e tomava um gole generoso do uísque que Powder tinha em casa. Isso enquanto a menina mais nova continuava a ministrar a agulha na barriga de Vi, tentando porcamente fechar o ferimento que a irmã possuía.
O que foi estranho nisso tudo, contudo, foi que Powder parecia particularmente interessada em inspecionar as marcas que ocasionaram tudo aquilo. Ela chegou a perguntar à Vi quem a atacou, onde aconteceu o ataque, mas Vi apenas permanecia xingando e revezando entre a bebida e o pano. Após um tempo, enquanto terminava o processo de sutura da ferida, a irmã mais velha disse sucintamente que havia ido ao escritório procurar por informações e evitar que “eles” as encontrassem. Disse que “algo” a atacou e correu imediatamente quando viu a polícia tentar abordá-la. Fugiu antes que pudesse ser fichada ou algo assim.
“Algo”.
Algo.
Algo.
Algo.
Martelava na cabeça de Powder. Como um canto da sereia ela mordiscava o próprio lábio interessada em buscar informações mais detalhadas da irmã. Mas conteve-se quando viu o olhar agonizado de Vi. Ela suprimiu o interesse até tudo ficar mais calmo. Ela perguntaria quando tudo estivesse calmo.
O procedimento de limpar a ferida da irmã e fechar o ferimento na barriga durou cerca de 20 minutos, no máximo. Mas, apesar de confuso e desajeitado, o procedimento ajudou a mais velha ver mais um dia raiar, pelo menos. A cor da face na mais velha começava a retornar ao rosto. Isso acalmou Powder de uma forma arrebatadora. Odiaria ter que levar a irmã mais velha a um hospital. Isso é, se ela conseguisse levar Vi em primeiro lugar. Por enquanto, contudo, tudo estava ok.
A lutadora levantou-se após alguns minutos, coração retornando ao ritmo normal, murmurando para a Powder:
- Preciso recuperar um pouco a energia. Posso usar seu quarto? Tentar descansar um pouco?
Powder fez um “sim” com a cabeça. Quase se pegou indo em direção a um abraço na irmã mais velha, mas conteve-se quando a outra segurou-lhe pelo ombro, sorrindo. Talvez Vi queria assegurar que a menina não lhe abrisse os pontos recém suturados. Vi aproximou-se da menina e beijou-lhe na testa. Powder murmurou baixo:
- Eu... Eu estou feliz de que esteja bem, Vi...
- Eu também, Pow. Eu dormirei apenas por alguns minutos. Por favor, desligue o máximo das luzes. Verifique as janelas e controle a porta. Me avise imediatamente se caso alguém se aproxime. Eu já volto.
Ela adentrou ao corredor em passos vacilantes. Na menção de Powder ajudá-la, Vi levantou a mão fazendo um “não” com a cabeça. Powder acatou. Vi sumiu em seguida dentro do quarto e o silêncio então reinou no local.
Powder imediatamente se pôs a fazer aquilo que foi instruída a fazer: ajustar as lamparinas para evitar olhares curiosos. Demonstrar que não havia pessoas em casa. Chegou as janelas com cuidado a procura de pessoas que pudessem estar mais interessadas que o normal nas duas irmãs Wick. Aproveitou as tarefas dadas pela irmã e limpou a garrafa de uísque assim como o sangue que estava no chão. Jogou ambos na pia da cozinha, suspirando.
Foi um longo dia.
E talvez fosse ainda maior, pois assim que terminou de realizar essas pequenas tarefas, ouviu batidas do lado de fora da casa. “Mas... eu... eu acabei de checar as janelas!”. A menina imediatamente inspecionou o relógio de bolso: “O que? Mas...eu... Não passou appenas 10 minutos? O que eu fiz pelos últimos 20 minutos?”, ela pensou. O tempo. O tempo parecia... plástico. Ela sentia aos poucos perder a noção do tempo, pois ela poderia jurar que Vi havia ido dormir faz 10 minutos atrás. E, no entanto, havia passado 30.
Novamente, ela sentia perder a noção do tempo.
A batidas continuavam. Ela deu alguns passos para trás, olhando a volta. “O que eu faço, o que eu faço?”. Abraçou o próprio corpo como se quisesse buscar algum amparo e conforto com os próprios braços. “Devo acordar a Vi? Devo fingir que não existe ninguém no momento? Eu... Eu preciso tomar alguma posição. Merda”.
- Senhora Wick? Por favor. É a polícia. Eu vi uma lamparina acessa. Sei que existe alguém em casa. Preciso urgentemente falar com a senhora.
Powder olhou para o pequeno facho de luz que havia na sala de estar. “Você tinha um trabalho. Por que diabos você ferra com tudo?!”. O suor começava a se formar na testa. “Será que ela é policial mesmo? Pode ser algum ‘deles’ que Chuck falava. PORRA!”, voltou a pensar a menina. Era uma espiral. Ela estava afundando. Estava aos poucos afundando.
- Senhora Wick, por favor. Aconteceu um acidente hoje cedo. Você é uma das poucas pessoas que pode fazer sentido nisso tudo. Posso vir amanhã, mas acabei de vir de seu escritório em Whitechapel. Ele foi totalmente saqueado. Seja lá quem o fez, procura informações que talvez você possua. Quero realmente lhe ajudar.
Durante as ministrações em Vi, a irmã mais velha afirmou de uma policial. Powder ponderou as possibilidades. Powder definitivamente não confiava em oficial algum. Mas com Vi deitada em sua cama e com a potencial possibilidade de atacarem ela e Vi, a quem ela poderia recorrer? Sem contar que Powder acreditava realmente que a mulher do lado de fora pudesse de alguma maneira trazer sentido no desaparecimento de Chuck.
Ou talvez a ajudar em relação a estátua e no papel do Doutor Smith.
Indo contra todo seu instinto inicial e o pedido de Vi de não envolver a polícia, a menina de tranças azuis deu passos vacilantes para frente e abriu a porta.
***
.Caitlyn.
Quando a porta se abriu, Caitlyn não imaginava que do outro lado da madeira a sua frente encontraria uma menina. Ela não deveria ter mais que 19 anos ou 20 anos. Era mais baixa que Cait, o que não era difícil, com Caitlyn superando os 1,85 metros. Ainda assim a surpreendia que uma menina jovem daquela estivesse responsável por um antiquário em Whitechapel.
Na cabeça de Caitlyn e relembrando a face do falecido do quarto 77, Caitlyn ponderou duas conclusões: ou o homem era apenas um cliente que deixou ou lidou com a jovem a sua frente ou era algum parente, marido ou mesmo parceiro no antiquário do local. Se caso o antiquário tenha mais de um ano, por exemplo, Cait assumiria que o homem encontrado no hotel seria parceiro da menina, pois empreendimentos assim não eram estabelecidos sem a assinatura de um adulto. Ou de um homem. Caitlyn seguiu nessa conclusão pelo momento.
Caitlyn também percebeu outros detalhes na figura a sua frente: usava roupas simples, robes que poderiam indicar que ela permaneceu o dia inteiro naquela casa. Imediatamente a policial descartou que a menina tenha algo a ver com a briga entre as duas figuras há algumas horas. Descartou por dois motivos, é claro: o primeiro pois a altura da lutadora não batia com a da menina. Segundo pois a menina não teria fugido de Caitlyn sabendo que ela estava no direito sobre algo que a pertencia: o antiquário.
- Boa Noite, Senhora Wick... - Caitlyn testou as águas ao dirigir-se para a menina. - Powder Wick, eu suponho, certo? - A menina confirmou com a cabeça. Caitlyn deu um passo para frente. A menina a sua frente se mantinha com os pés firmes na entrada, impedindo a passagem da oficial. - Chamo-me Caitlyn Kiramman. Sou policial do distrito de Londres. Eu posso entrar? Será melhor se falarmos sem os olhares de curiosos. - Ela olhou a volta.
As roupas de Powder não eram a única coisa que chamava atenção de Caitlyn, contudo. A menina estava com marcas sob os olhos que poderiam indicar que chorou em algum momento do dia. Olhos cansados. Além, os dedos da mão estavam em um tom vermelho, como se tivessem feito esforço necessário pelas últimas horas. O cheiro de álcool estava forte no local. “Uísque?”, pensou Caitlyn.
A policial buscava traços de alcoolismo na menina a sua frente, mas não encontrou nenhum. O que poderia indicar que exista outra pessoa no local. Caitlyn levou isso em consideração. Powder rompeu o silêncio, questionando-a:
- Kiramman, certo? Me desculpe o ceticismo, oficial... Mas que porra você está fazendo na casa de um cidadão às... - Ela verificou o relógio de bolso. - ... 11 da noite? Não acho que está no seu horário de trabalho. Ou está?
Caitlyn foi pega de surpresa pela abrupta rispidez na voz da menina. A postura dela também mudou. Talvez o nervosismo que Caitlyn sentiu da garota no início da conversa deu lugar a uma espécie de antagonismo. Mas a policial tinha um objetivo e sem pestanejar, apenas disse:
- Você está correta na sua afirmação, senhora Wick. Foi um dia longo e queria tirar dos meus ombros os problemas que foram me apresentado hoje pela minha comandante. E no momento você é a única pista que eu tenho para fazer sentido a tudo. Por isso, peço pelo menos a sua colaboração. Algumas perguntas e saio de seu pé. - Ela engoliu seco ao despejar tudo isso na menina. Mas precisava tentar convencer a outra a cooperar. Ela continuou. - Veja... Eu acabei de sair do seu estabelecimento em Whitechapel. E ele foi completamente revirado. - Caitlyn buscou no olhar da menina algum reconhecimento. Alguma reação. E... nada. “Interessante... Ela sabe que ele foi saqueado. Ela já sabia dessa informação.”, pensou a policial. Voltou a continuar. -... e você pode me perguntar o que eu fui fazer em Whitechapel e por que o interesse em ir até seu antiquário. Veja bem... - Caitlyn estava pisando em ovos aqui. Queria evitar dar maiores informações, então tentou manter o mais sucinto possível na sua descrição. -... hoje cedo minha comandante solicitou que fossemos ao Hotel Burgler, no centro de cidade. Lá, para a nossa infelicidade, encontramos um corpo. - E pela primeira vez Caitlyn pode ver uma reação no olhar da menina. Olhos arregalados. Aos poucos ficando marejados. A policial deduziu que essa informação era nova para a garota. Ela continuou. - O homem não tinha identidade, documentos pessoais, mas possuía um cartão do seu antiquário. E por isso visitei seu estabelecimento na noite de hoje. Por enquanto você é a minha única esperança de tentar identificar o homem. - Essa parte é claramente uma mentira. Ela ainda possuía a informação de Doutor Smith. Ela resolveu, contudo, deixar isso de lado. Pelo menos por enquanto. A policial tirou do bolso um desenho feito por Viktor mais cedo com detalhes faciais do homem. Ela poderia ter solicitado as fotos que Viktor tirou do morto mais cedo. Mas entendia que não era adequado apresentar a um civil. Não enquanto ela estava em processo de investigação.
Assim que a garota pegou os papéis entre os dedos, a sua expressão de antagonista se suavizou e ela começou a tremer. Fez um “não” com a cabeça, claramente nervosa. Parecia perdida. Caitlyn tentou levar a mão até ela como para lhe dar um suporte, mas recebeu um tapa e uma encarada. Era uma mistura de confusão e raiva estampada no rosto dela que a oficial não sabia como reagir. A menina murmurava palavras que Caitlyn não conseguia entender pois eram como pequenos sussurros. Lágrimas caíram do olho da garota. Powder voltou a encarar de modo firme a mulher a sua frente e perguntou:
- Ele sofreu?
Caitlyn não respondeu. Powder entendeu isso como um sim. A policial voltou a perguntar:
- Você o conhece? Ele é quem, senhora Wick? É seu parceiro...?
- É senhorita, Wick. - Disse secamente a outra. - O nome é Chuck. Chuck Hevergrass. É meu sócio. - Ela levou os dedos aos cabelos negando com a cabeça. - Isso não deveria ter acontecido...
Caitlyn olhou para a pia da casa disposta à sua frente. Tinha alguns utensílios domésticos e... sangue? A policial voltou a encarar a menina. Firme. Ela estava escondendo mais do que havia dado à oficial. E isso a incomodava. Era hora de pressionar.
- Senhorita Wick, você está só? Eu realmente preciso entrar para poder lhe dar maiores informações sobre o caso. Poderia me dar passagem? - Ela pressionou querendo buscar maiores reações do olhar, das mãos, da postura da menina. A linguagem corporal de Powder era um enigma para Caitlyn. E ela estava objetivada a desvendar a menina.
A policial deu um passo para frente, impondo-se diante da garota que parecia abatida pela informação da morte do sócio, de tal modo que apenas recuou com um pouco de receio. Antes que pudesse adentrar no salão principal da casa, no entanto, viu uma figura sair do corredor do imóvel, semblante fechado. Pés firmes no chão, deixando-se claro a própria presença.
- Não. Ela não está só.
Caitlyn arregalou levemente os olhos. Quase que instintivamente levou a mão até a pistola no coldre da cintura. Recuou alguns passos e evitou realizar o movimento de tocar na arma pois quem era intrusa no momento era a própria policial. Ela engoliu seco registrando a presença da mulher que agora aproximava de Powder Wick. Cabelos rosas, olhos de um tom azul que quase aproximava-se de um acinzentado. Olhos belíssimos e expressivos. Ela era um pouco mais baixa que Caitlyn. Cerca de apenas alguns centímetros à menos. Ombros largos, musculosa. Usava roupas frescas pois o aroma que ela exalava era de sabonete. Os cabelos estavam úmidos, penteados para trás com cuidado. Ela tinha algumas pequenas cicatrizes no rosto. Caitlyn se viu perdida nos detalhes da face da outra. Era bela. Exótica. Por um momento ela se viu esquecendo o caso que a motivou aqui. Ela estava mais interessada em querer entender quem era aquela mulher e por que ela... mexia tanto consigo. Ela engoliu seco, dando mais um passo para trás, tentando se recompor. Disse meio sem jeito:
- Me desculpe, Senhorita Wick... eu não sabia que tinha companhia. - Ela puxou do bolso o documento de identificação. Olhou da menina de tranças azuis e a outra, de cabelos rosas, e continuou. - Eu... eu... eu me chamo Caitlyn. - E deu um breve sorriso. “Por Deus, mulher, se recomponha”.
Powder olhou sobre os ombros vendo a outra mulher se aproximar e praguejou baixo para si. Cerrou os dentes e disse baixo:
- Eu... Você não precisava...
Mas a menina menor foi cortada pela outra. A voz.
Nossa. A voz.
- Claramente ela estava te intimidando, Pow. Achei que precisaria de apoio. - E voltou a encarar a oficial. Caitlyn voltou a colocar os documentos no bolso e engoliu seco. O olhar da outra era angustiante. Era opressor. A policial – ainda que mais alta que a mulher de cabelos rosas – parecia, no momento, pequena diante da outra. A mulher à frente de Caitlyn continuou. - Powder tem razão: você está bem fora do seu horário de trabalho, policial. Eu sugiro de verdade que vá para casa e esqueça desse encontro. Esqueça de nós.
- Oi? - Caitlyn foi pega de surpresa. – Como assim? - Apesar de impactada pela presença da outra, ela não deixaria ser intimidada desse jeito pela outra. Cerrou os dentes perguntando. - Você me desculpe, mas quem é você? O mínimo que eu espero é um nome. Não vou ser...
- Violet. Violet Wick. - Ela olhou de lado para a menina de tranças azuis. - Sou irmã dela. - Deu um sorriso debochado e em seguida cruzou os braços. - É suficiente informação para você, policial?
Irmã.
Ah... Que bom.
Quer dizer...Oi?!
Argh, por que estou feliz com essa informação?!
Recomponha-se, mulher.
Caitlyn arranhou a garganta. A Caitlyn adolescente estava dentro do corpo da Caitlyn policial e ela perdeu-se por alguns segundos na mulher bela à sua frente. Minuto passado, contudo, a policial retornou. Ela ainda buscava saber informações sobre o caso. E foi então que ela percebeu: nos braços cruzados da mulher de cabelos rosas havia uma faixa que corria do braço até o antebraço. Uma faixa trocada recente. A blusa que ela usava também estava solta na altura da cintura, e Caitlyn poderia jurar que havia curativos na altura da barriga também.
A lutadora. A lutadora que vi mais cedo.
“Que resiliência é essa? Com os ferimentos que eu sei que ela levou... Ela deveria estar caída numa sarjeta à essa hora. Não em pé... e bem!”, pensou Caitlyn.
- Violet... – Ela testou as palavras. Soavam bem nos seus lábios. A outra a observava atentamente. Ergueu a sobrancelha ao ouvir o primeiro nome nos lábios da oficial. Caitlyn continuou a falar. – Eu imagino que para o antiquário de sua irmã tenha sido saqueado é por que seja lá o que o... – ela buscou na memória. – Chuck Hevergrass, certo? Eu imagino que Chuck tenha se metido em algo e seja lá o que essas pessoas queriam com ele não ficaram satisfeitos com seu trabalho. E que irão buscar em... – Olhou entre as duas. – Em qualquer pessoa ligada ao Antiquário. – Caitlyn foi mais firme. – vocês realmente podem estar em perigo... Se me deixarem entrar e...
- Kiramman, certo? – A policial deu um breve sorriso. O sorriso durou pouco tempo. Pois Violet fechou o cenho e avançou uns passos passando pela sua irmã, praticamente controlando a entrada da porta para a sala. Disse baixo, porém firme. – Entenda uma coisa: eu e minha irmã não temos nada a ver com seja lá isso que você está se envolvendo. Se você veio avisar que o antiquário foi saqueado, ótimo. Mais uma vez a cidade de Londres fodendo a nossa vida. Já temos essa informação por parte de você. Você já fez o seu papel. Agora eu sugiro que pare de nos assediar e vá embora. Somos vítimas aqui, não é mesmo? Então nos deixe em paz que amanhã lidamos com o escritório e vamos a prefeitura ou a polícia obter informações sobre isso. Enquanto isso não ocorrer, eu e minha irmã queremos dormir. Pode nos deixar em paz? – Ela reforçou a última palavra. Disse tão baixo que quase soou sibilante.
Caitlyn deu uns passos para trás, fechando a cara. Queria forçar novamente uma conversa com a outra parte, mas parecia que a lutadora a sua frente estava irredutível pela linguagem corporal que emanava. A policial deu uma nova olhada em Powder que olhou para o lado evitando encarar Caitlyn. Por fim, ela suspirou dizendo entre dentes:
- Você é teimosa demais... Eu só quero... Ok. Ótimo. Faça do seu jeito. – A voz saiu um pouco mais exaltada do que queria, seu sotaque mais marcado.
Girou entre os calcanhares e, por fim, saiu dali.
Inconformada com a resistência inicial da lutadora.
Mas, por hora, tudo seguia de acordo com o que imaginava: já tinha conseguido informações suficientes.
Notes:
Ahá, quando eu estava começando a escrever essa Fic, essa foi a primeira cena que eu já tinha imaginado na minha cabeça. Como seria o encontro com as duas. E devo admitir que sempre imaginei que haveria um pouco de fagulhas e inimizade inicial entre elas. Mas tudo se acerta depois. Eu acho. Ah... sei lá. XD
Eu preciso dar uns avisos:
1. Eu sempre gostei de escrever, trabalhar, fazer enfim qualquer coisa com música. Por isso e motivada a dar uma incrementada, todo capítulo vai ter uma música. Talvez a música tenha mais significado do que se imagina? Talvez. Vá saber. :P
2. Eu resolvi realmente estabelecer uma rotina de publicação. Vou publicar os capítulos nas segundas e sextas. Pelo menos enquanto eu tenho me organizado dessa maneira. Caso algo mude, eu aviso.Como sempre, qualquer feedback... fiquem a vontade me mandar por aqui ou pelo Twitter. :D
Segue seu coração, xovem. Segue seu coração /o/
Chapter 5: O convite
Summary:
Após a visita da policial na noite passada, as irmãs Wick precisam lidar urgentemente em relação à estátua.
Caitlyn, contudo, encontra uma grande oportunidade.
Notes:
Ahoy!
Sem avisos nesse capítulo. Sem palavras ou algo que possa causar desconforto.
Talvez o único desconforto que você vai sentir é meu carinho narrativo por um personagem.Simbora :D
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: The Fool - Overcoats (É do seriado Dickinson :D)
.Vi.
Elas não dormiram bem.
Vi sabia o motivo de não ter acordado mal: talvez pela perda de sangue que sofreu no ataque daquela criatura – era uma criatura, certo?! Definitivamente uma criatura. A lutadora acordou com uma incrível dor de cabeça. Isso somado ao fato que havia agora um policial que estava na cola dela e de Powder.
Porra! Era só o que me faltava.
A mulher que apareceu ontem parecia – e Vi sentia isso – ter a melhores das intenções, mas ainda assim era uma policial. A lutadora tinha que ter cuidado. Polícia era um alerta vermelho para Vi. Quanto mais longe, melhor. Talvez não tenha sido uma ideia ruim avisar para Mylo que não iria ao trabalho nos próximos dias. Odiaria ter que “lidar” – palavras de Joseph - com a oficial. Seria, no mínimo, um desperdício a morte de uma linda mulher, imaginou Vi.
Controle-se.
Ela é sim bela.
Mas...Controle-se. Apenas por alguns segundos.
Hormônios controlados, Vi também acreditava que sua irmã também não teria dormido bem. No caso, diferentemente das motivações da irmã mais velha, Vi acreditava que Powder estava pesando mais do que necessário na morte de Chuck. Talvez Powder se sinta culpada pelo fato que o homem tenha a buscado ajuda na manhã e não tenha encontrado a estátua. Não que ela tenha culpa direta da morte dele. Apenas... Talvez a irmã mais nova ache que poderia ter feito mais, escondido ele. Impedido dele ser encontrado. Procurado com ele pela estátua de jade. Vi não sabia exatamente como a mente da sua pequena trabalhava. Mas sabia que Powder estava se culpando. Que ela achava que Chuck não teria morrido se ela tivesse cuidado mais do sócio.
Vi, no entanto, estava aliviada. Se odiava pelo sentimento, mas ainda assim, aliviada. Pois correu na cabeça - por alguns momentos - que se a situação fosse um pouco diferente, quem estaria morta teria sido sua irmã. E isso era difícil demais de suportar. Apenas do pensamento passar na cabeça lhe causava calafrios. Era insuportável.
Não é que Vi fosse insensível à morte de Chuck. Já teve alguns encontros com o homem e ele parecia alguém que era agradável de se manter uma conversa. Porém, entre ele e a irmã, ela não teria o que pestanejar: sua irmã vinha em primeiro lugar. Então Vi estava aliviada. E iria manter esse pensamento para evitar que caia na espiral que os problemas ainda não acabaram para as irmãs Wick. E que ainda precisariam lidar com o problema “estátua”.
Então após o café da manhã em silêncio, foi a lutadora que puxou conversa com a irmã mais nova:
- Pow... – Ela levou a mão até a da menina e segurou com carinho. A outra deu um sorriso e retribuiu o carinho. – Eu sei que é um dia merda. Sei que a notícia foi uma merda. Mas a gente precisa tomar uma providência. Eu não sei ao certo se aquela policial vai retornar ou não. Eu preferiria que não. – Mentira. Ela continuou. – De qualquer forma, a gente precisa tirar isso de nosso colo. Essa estátua precisa ir embora. O quanto antes, entende?!
Powder olhava para o próprio prato a sua frente. A xícara vazia. Parecia ruminar as palavras e os pensamentos. Vi apertou-lhe a mão com firmeza como se assegurasse a menina no presente. Como se quisesse manter Powder presente. A irmã mais nova murmurou:
- ... eu estou perdendo a noção do tempo, Vi.
- Hum? O que? – Perguntou a lutadora. Olhava-a com a expressão preocupada. – Como assim?
Powder buscou o olhar de Vi. O olhos da mais nova estavam marejados. Ela voltou a dizer baixo:
- Ela está me chamando.
- Ela quem?
- Eu... – Ela abaixou o olhar. Parecia com vergonha. Vi se levantou e abraçou a irmã. Powder se recolheu no abraço da irmã mais velha. -... precisamos tirar sim a estátua de perto de mim. Ela não tem me feito bem.
- Ok. Ótimo. Estamos em acordo sobre isso. – Vi beijou o alto da cabeça da irmã mais nova. Afagou-a nas costas e murmurou. – Você tem alguma informação sobre o dono? O cara que deixou a estátua em primeiro lugar...? Você mencionou brevemente ontem. Doutor Smith, certo?
Powder fez um “sim” com a cabeça ainda no peito da irmã mais velha. Nada mais precisava ser dito. Vi puxou-a, colocando o rosto no mesmo nível da irmã, encarando-a. Powder, motivada pela segurança que a irmã mais velha oferecia voltou a dizer:
- Ele trabalha no museu. É tudo que eu sei. Talvez... Seja interessante procurá-lo por lá?!
Vi confirmou com a cabeça. Beijou novamente a testa da menina e disse firme:
- Vamos. Quanto antes resolvermos isso, melhor.
***
.Caitlyn.
Diferentemente das duas irmãs, Caitlyn dormiu excepcionalmente bem.
Quer dizer, não é como se a sua vida fosse um mar de rosas. Ou como se ela ainda não tivesse muitos problemas com que deveria lidar. O caso sendo um deles. Não. Ela ainda precisava crescer na carreira e provar-se capaz para a sua família. O quanto antes, melhor. Mas o que ela sentiu durante o dia de ontem foi uma profunda excitação: em menos de algumas horas conseguiu identificar um dos corpos que foi levado ao legista, conseguiu identificar a mulher que enfrentou um potencial saqueador do antiquário e fez a ligação entre as três figuras: o homem Chuck, a família Wick e o Doutor Smith.
O que Doutor Smith quis dizer no papel que entregou à Chuck sobre “a peça”? Só Deus sabia. Ou as irmãs Wick, é claro.
Ainda assim, antes de sair da casa de seus pais, Caitlyn já via em retrospecto o dia anterior como um sucesso.
A casa onde a policial residia era belíssima: dois andares, uma bela escadaria central, uma infinidade de quartos que Caitlyn se perguntava por que os pais haviam construído uma residência tão luxuosa e grandiosa em primeiro lugar. Era imensa (demais) para as três únicas pessoas que residiam ali. Caitlyn poderia dizer facilmente que havia quatro vezes mais serviçais do que reais habitantes na residência dos Kiramman. Antes, a policial se irritava com o show off da riqueza. Atualmente, contudo, ela escolhe apenas ignorar esse fator da vida dela.
O que irritava mais à policial, no entanto, era a soberba as vezes da mãe.
Quando Caitlyn se perguntava o porquê de ela ter casas, empreendimentos tão majestosos, a matriarca retrucava.
E para o desconforto da policial, a mãe vez ou outra acabava oferecendo como resposta: “Ora, Caitlyn, apenas por que podemos”.
Não é como se Caitlyn não tenha aproveitado a vida e as benesses de ter nascido em uma vida luxuosa. Não. Definitivamente não. Caitlyn era sim privilegiada. A policial apenas não sentia prazer de “ostentar”. Ela se conformava apenas em ter conforto. Não desejava a parte luxo.
Duas palavras distintas no conceito da policial: Conforto e Luxo.
Então imagine a surpresa de seus pais quando ela afirmou que gostaria de ser uma policial ao invés de seguir na carreira política.
Foi quase um escândalo em tabloide. Isso é, se a matriarca dos Kiramman não tivesse intervindo no jornal e impedido a manchete de sair no folhetim.
Veja bem: Não é como se a policial não fosse boa em retórica ou mesmo se impor em festas que a família sediava para angariar fundos para alguma campanha. Não. Ela era uma oradora nata. Seria perfeita para qualquer cargo político. Ainda assim, Caitlyn gostava de colocar a mão na massa. Gostava de estar resolvendo as situações à distância de um braço. De conhecer onde os problemas ocorrem de verdade. A realidade. E não por de trás dos panos.
Foi uma longa batalha até a aceitação de sua mãe para largar dos negócios da família, não seguir na carreira política ou na carreira de “sorrir e acenar” para festas. Eventualmente, porém, seus pais aceitaram a nova profissão de Caitlyn. E os ânimos e o silêncio sepulcral que emanava nas manhãs antes de ir para o trabalho virou pequenas palavras e amenidades trocadas entre o trio durante os cafés da manhã que os Kiramman realizavam.
E para Caitlyn... era o suficiente.
- Cait? – A policial ouviu a voz suave, porém grave de seu pai. – Querida, você está radiante hoje. Algo aconteceu no trabalho? Grayson irá finalmente lhe oferecer uma promoção? – Ele riu suavemente. Caitlyn deu um sorriso para si. Como ela amava seu pai. Sempre tão atencioso e animado. Era contagiante. Se ela pudesse, ela exporia tudo que ela tem dentro do peito ao homem. Pois ele era isso: um excelente ouvinte. O melhor ouvinte. – Então... pode nos dizer algo?
A mãe, Cassandra, a observava atentamente. Tinha entre os dedos longos uma xicara de chá. A pequena fumaça que emanava do utensílio chegava as narinas da matriarca de tal modo que ela apenas sorvia vez ou outra o aroma, fechando os olhos. E voltava o foco na filha. Como sempre, analisando-a.
Era sempre assim: ela trocava poucas palavras com a policial. Não era como se não amasse a filha. Longe disso. Apenas a preocupação dela era revertida em reclamações, acusações e cobranças. E Caitlyn estava cansada da constante vigia da mãe. Caitlyn queria ousar e agir mais fora do ninho. A mãe, contudo, tinha outros planos.
- Para ser justa, Pai, sim. Aconteceu algo no trabalho. – Ela sorriu realmente excitada. A mãe deitou a xícara na mesa a sua frente, parando para ouvi-la, também. Caitlyn continuou. – Grayson finalmente me incumbiu de um caso. E pela primeira vez, sinto-me realmente na minha zona de conforto. Como se eu soubesse de verdade o que estou fazendo. As peças do tabuleiro se encaixando. Em menos de algumas horas fiz um progresso enorme no caso. Estou feliz. Realmente feliz.
O pai sorriu. Esticou a mão para oferecer a filha, que rapidamente reagiu ao movimento, colocando a própria palma da mão sobre a dele. Ele segurou-a com carinho e virando-se à Cassandra, disse:
- Está vendo? Eu disse: Não precisa se preocupar.
A outra – a matriarca – fechou os olhos, suspirando profundamente:
- Esse caso... é o caso dos três corpos no Hotel? Ouvi na prefeitura mencionarem ele. – Ela abriu os olhos. Olhos de águia sobre a filha. – Caitlyn, eu realmente acho que você deveria se afastar desse caso. O hotel é um grande empreendimento. Os olhos da alta sociedade estarão todos em cima do local. Qualquer erro da polícia cai...
- Sobre a família? – Disse Caitlyn. Cerrou os dentes. – Cai sobre você?
- Não! – A matriarca voltou a dizer. Suspirou. – Eu só não desejo que você se frustre quando as pessoas a sua volta quererem cobrar de você respostas e você não poder dá-las. Você não sabe...
- Eu sei. Eu sei muito bem. Inacreditável... – Caitlyn levantou-se, fechando o punho. – Como sempre você não confia em mim e não deseja que eu viva as coisas por mim mesma. Aliás... você nem consegue ficar feliz por uma coisa que me faz feliz!
- Cait... – Começou o pai. – Sua mãe só...
- Não. – Caitlyn cortou-o. Ao perceber que estava se exaltando, suspirou. Fechou os olhos e abaixou o semblante. – Eu... eu só pensei...
Cassandra levantou-se pela primeira vez e fez um movimento para que o marido permanece onde está. Em seguida foi até a menina e pegou-a pelo ombro, fazendo-a virar para si, encarando-a.
- Eu te amo demais para ver você se machucar. Fisicamente e emocionalmente. Desculpe-me se acabo me exaltando e sendo exageradamente superprotetora. – Ela fechou os olhos, voltando a suspirar. Voltou a comentar. – Quero apenas te preparar. A imprensa vai querer respostas rápido e a prefeitura também. Espero apenas que esteja preparada para isso.
Caitlyn encarou a mãe e relaxou nas palavras da matriarca. Deu um leve sorriso e, resignada, confirmou com a cabeça. Entendia o motivo da preocupação e apreciava o gesto. Apenas a mãe tinha sempre um péssimo jeito de demonstrar.
- Obrigada, mamãe.
O pai, Tobias, voltou a se levantar e abraçou as duas, envolvendo-as nos braços longos. Riu ao vê-las sendo esmagadas. Ao soltar, Cassandra ajeitou as vestes, virando-se para Caitlyn:
- Tive mais uma informação, Caitlyn... – A policial fechou o cenho. Cassandra desviou o olhar, voltando-se para o assento que estava previamente. Disse sem rodeios. -... o nome do Doutor Ernest Smith. Ele está envolvido?
Caitlyn foi devidamente pega de surpresa. Aparentemente a fofoca é algo que corre nos departamentos públicos de Londres. A policial voltou-se ao assento, colocando o lenço sobre as pernas, fitando os ovos mexidos a sua frente. Levantou o olhar encarando sua mãe.
- De onde você ouviu isso?
- Não importa, minha filha. Quer dizer... você não gostaria de saber. – Cassandra disse em um meio sorriso. Arranhou a garganta voltando a dizer. – O que você precisa saber, contudo, é que o nome do Doutor Smith não pode ser divulgado pela imprensa ou ser relacionado ao assassinato.
- O que? Por quê? – Perguntou Caitlyn.
- Porque financiamos... – Caitlyn arregalou os olhos, mas Cassandra suspirou. - ... a prefeitura financia as expedições que ele faz ao oriente. E até que tenhamos maiores informações, não queremos jogar o nome de uma pessoa proeminente na lama.
Caitlyn voltou a fechar os punhos. Virou os olhos, enojada. Talvez ela devesse realmente voltar a ter os cafés da manhã no quarto. Com o silêncio como convidado junto à ela. Evitava assim o gosto de bile que subia na garganta. A sensação de que havia e corria muita corrupção em Londres a angustiava. Assim como a preocupação exacerbada em manter as aparências para os mais ricos. Mas isso era uma preocupação para outra hora. Pois no momento, Caitlyn ainda tinha outro interesse. E a oportunidade acaba de ter sido dada:
- Bom... já que Doutor Smith é uma pessoa de tamanha estirpe diante à sociedade... e que você tem tanta estima pela sua presença e que sua pessoa não sofra alguma represália... talvez você consiga um encontro entre ele e eu. Sei que poderia passar por toda a burocracia de conversar com os pupilos, secretários..., mas como ele é financiado pelo escritório da prefeitura e... – Ela aponta para a mãe. - ... e minha mãe é a prefeita... talvez possa me ajudar nisso?
- Hum... – Pensou Cassandra. Tomou mais um gole de seu chá. Ela fazia isso com uma elegância que talvez Caitlyn nunca superaria. Era no mínimo admirável. A matriarca voltou a dizer. – Verificarei. No meio tempo... talvez você esteja com sorte: Doutor Smith recentemente voltou de uma viagem de Constantinopla. E havia prometido apresentar as peças que encontrou na viagem em um encontro em sua casa. – Ela ponderou as próximas palavras. Olhou para o grande relógio situado na extremidade da sala de jantar. – Eu poderia jurar que a exposição ocorrerá no domingo. Ótima oportunidade para encontrar-se com ele. E quem sabe tirar a dúvida você mesma. Você pode até mesmo ir como minha emissária.
Em qualquer outra situação, Caitlyn diria imediatamente “não, obrigada”. Um evento aristocrático? Com várias pessoas esfregando a riqueza na cara dos outros? Ostentando aos sete ventos quem é mais rico que o outro? Não. Isso definitivamente não era o passatempo favorito de Caitlyn. Mas ela sabia que pelos trâmites normais Doutor Ernest Smith estaria inalcançável por alguns dias. Cortar o processo burocrático que teria que passar por algumas horas em um evento suportável e tedioso? Parecia uma barganha suficiente. Caitlyn colocou o melhor sorriso no rosto e virou-se para encarar a mãe:
- Eu adoraria participar como sua emissária, mãe.
***
.Powder.
- Puta que pariu, esse local é gigante. – Murmurou Vi. Imediatamente se retesou, olhando à sua volta, envergonhada. Fechou a boca. Era um prédio público e algumas pessoas a observavam.
- Tem que ser, é a porra do museu, não? – Disse Powder, ajustando a alça da bolsa no ombro. Engoliu seco. O peso da estátua. Um peso imenso que carregava consigo. Era insuportável para Powder.
Ponderou por minutos antes de sair de casa se valeria a pena levar a peça para o museu. Afinal, para as pessoas que estão correndo atrás dessa estátua – ela acreditava que eram isso que ‘eles’ queriam -, o primeiro local que eles procurariam seria no museu. Ou junto com a menina Wick. Mas deixar em casa sem o olhar protetor de Powder também a incomodava mil vezes mais. Desta maneira e contra qualquer julgamento contrário, ela optou por trazer consigo a estátua. Ela voltou a falar. – Eu só espero de verdade que o Doutor Smith possa nos receber.
- Eu e você somos dois. Eu quero poder voltar a minha vida... – Vi olhou-a de lado e suspirou, colocando a mão no ombro da irmã mais nova. Complementou, em seguida. – Não que eu não esteja feliz de poder passar meus dias contigo novamente. Essa parte tem sido bem legal. E espero de verdade que possamos continuar nos vendo depois disso.
Powder corou levemente e bateu o próprio ombro no braço da irmã. Essa parte Powder realmente estava grata e feliz. Desde que comprou o antiquário, ambas as irmãs se afastaram. Em nenhum momento durante o último ano, Vi foi visitá-la. Powder sabia o motivo. Ainda assim, desejava que Vi tivesse lutado mais para estar presente na vida da irmã mais nova. Powder sabia que não havia algo a ser feito: Vi não abandonaria o seu trabalho. E apesar de Powder não se importar com a profissão de Vi, sabia do risco de manter a irmã mais velha perto de si. Havia, até hoje, uma rusga que permaneceu entre as duas. Algo que precisava ser dito. Mas as duas nunca foram boas com palavras. Então a distância chegou. E com isso o afastamento.
- Eu estou feliz com essa parte também.
Vi sorriu e voltou a caminhar até a entrada do museu. E Powder a acompanhou.
Mas paciência nunca foi uma virtude da família Wick, é claro. Pois depois de 30 minutos sentadas em uma recepção foi o suficiente para Vi começar a rodar impaciente dentro do pequeno quarto que foram deixadas. Powder mantinha-se abraçada o tempo todo à estátua, que ainda repousava dentro da bolsa. Vi praguejou entre os dentes, passando a mão pelo cabelo nervosamente:
- Por Deuses, quando vamos ser atendidas?!
- A menina que nos recebeu disse que não era a área dela e que iria passar para uma estudante. Amiga do Doutor Smith. Acho que só preci...
- Mas é MUITO tempo. 30 minutos é MUITO tempo, Pow. E se eles avisaram para à polícia? Para autoridades? E se estiverem vindo para cá? Talvez seja melhor...
- Eu sei, Vi. Mas... o que pod...
E foi então que a porta se abriu. Primeiramente, a recepcionista que havia as recebido minutos antes entrou. Timidamente ela abriu a porta completamente para que deixasse passar outra mulher. Essa, diferentemente da recepcionista, parecia uma realeza: um belo vestido que acentuava o corpo. Usava joias no pescoço e orelha. Era exótica: tinha o tom de pele como o de um ônix. Uma verdadeira beleza. Os olhos esverdeados sob cílios tão bem-feitos e aparados. Os lábios delineados perfeitamente. Com um batom que realçava os lábios, deixava-os maior. Powder sentiu-se intimidada pela beleza da mulher apresentada à sua frente. De repente se sentiu pequena e malvestida. Foi para trás de Vi como um reflexo natural à sensação que estava sentido. Parece que a irmã mais velha se sentiu impactada também pela presença da mulher a sua frente, pois ela suspirou fundo como se buscasse coragem para falar a arqueóloga.
- Bo...Bom Dia. Me chamo Violet Wick. Pode me chamar de Vi, por gentileza. A senhora...
A outra fez um movimento para a menina que havia as recebido anteriormente, a recepcionista. Fazendo uma pequena reverência com a cabeça, a garota simplesmente abriu a porta atrás de si e saiu. Já a arqueóloga virou-se inteiramente para as duas irmãs. Encarou primeiramente a irmã mais nova, esboçando um leve sorriso. Como se fosse de interesse. Em seguida olhou para Vi. Powder poderia jurar que viu... desejo no olhar dela para com a irmã?! “Mas que merda, mesmo...Era só o que me faltava...”, pensou a pequena Wick. A troca de olhares foi... intensa. Segundos se passaram sem que ninguém falasse nada. Por fim, a arqueóloga disse:
- Senhorita Mel. – Ela reforçou com a voz segura. - Mel Medarda.
Vi esticou a mão para segurar a da outra mulher. Ela segurou a mão de Vi por segundos que Powder acreditava ser mais que o suficiente. Mel imediatamente seguiu com um murmuro baixo “toque firme, Vi”. Vi sorriu levemente, sem jeito. Powder angustiada com a interação entre as duas, disse:
- Senhorita... Por mais que pudesse ficar aqui perdendo meu tempo vendo a minha irmã flertar com a senhorita... precisamos realmente nos encontrar com o Doutor Ernest Smith. Temos algo que lhe é de interesse.
Mel soltou-se de Vi e virou-se para a pequena Wick. Powder ainda abraçada a bolsa, como se tentasse do algum modo proteger a estátua. Proteger a estátua de qualquer um. Inclusive de Mel Medarda. Proteger o objeto de qualquer mal. Virou uma obsessão incondicional da menina de tranças azuis. Mas isso era preocupação para outro momento. Mel cortou o silêncio, questionando-a:
- É claro. Ficarei mais do que feliz em apresentar-lhes Doutor Smith. Você é Vi Wick – Virou-se para Vi. Após virou-se para Powder. – E você é Powder Wick, certo? Vamos por partes. Primeiro... de onde o conhece mesmo?
- Há duas semanas ele foi até meu antiquário. Em Whitechapel. Lidou com meu amigo. Meu sócio... – Corrigiu Powder. – E eu preciso realmente conversar com ele. Será que... Eu adoraria dizer que posso deixar com você o que preciso falar com ele e seguir a minha vida. Mas não. Precisa ser com ele. – Disse em tom firme. Ela precisava se posicionar naquele momento. Mostrar a importância da questão.
- É claro. – Mel olhou de Vi para Powder. Escaneava as duas irmãs com interesse. – Eu não pensaria de modo diferente. – Ela levou os dedos até o queixo. Ponderava. Ergueu uma sobrancelha como se tivesse algumas engrenagens estivessem rodando dentro da cabeça. Voltou a dizer. – Apenas temos um pequeno probleminha.
- Qual o problema? – Vi interrompeu.
- Veja... – Mel virou-se para ela, retornando o sorriso cortês para a irmã mais velha. – Doutor Smith recentemente voltou de Constantinopla. Ficou aqui apenas alguns dias organizando e catalogando algumas peças. Depois nos enviou um telegrama afirmando que estava doente. Uma gripe ou algum mal-estar, não lembro. E que precisaria de alguns dias em casa. Desde então estou cuidando das tarefas dele aqui no museu enquanto ele trabalha de casa.
- E você pode nos apresentar? Talvez irmos imediatamente na casa dele? – Vi questionou. Parecia, de repente, ansiosa. Como se quisesse finalizar, entregar a estátua o mais rápido possível e sair dali. Voltar à normalidade.
- Eu poderia fazer isso. Talvez Doutor Smith, no entanto, não fique tão feliz com a intromissão, contudo. – Disse Mel. Ela voltou o olhar para Vi. – Mas eu, modéstia parte, tenho uma ideia melhor. E que ajudaria a nós todos. Vocês acabaram, na realidade, de me dar uma ótima ideia.
Powder olhou para a irmã, que deu apenas de ombros. Foi Vi que respondeu à Mel:
- Claro. O que pudermos ajudar...
Mel foi até a lutadora, passando os dedos com suavidade no braço de Vi e murmurou baixo:
- O que acha de irmos à um evento, senhorita Wick?
Notes:
E é aí que aparece meu personagem favorito.
Eu já escrevi muito sobre ela no que está por vir.Em Arcane eu sempre tive um particular interesse na personagem da Mel.
Ela é inteligente (qualidade incrível pra mim em uma pessoa), bonita e capaz de colocar o Jayce na pontinha do pé.
De início eu peguei um pouco de angústia pois achava que ela puxava apenas pelo lado manipulativo. E ninguém curte alguém que é só babaca manipulativo. Mas logo em seguida, percebi que foi a forma que ela foi educada. Aprendeu a viver naquele mundo desse jeito.
Justifica? Não sei.
#passandopano.Sobre Cassandra, eu espelho ela muito como a minha mãe. Nossa, minha mãe é mega ultra superprotetora. E a forma de demonstrar carinho é com constantes cobranças. É o jeito dela. A gente aprende, contudo, a respeitar.
Anyway...
Sexta temos mais!:~
Qualquer feedback, pode me mandar aí.
Beijundas! :D
Chapter 6: Uma amarga transação
Summary:
Vi acaba em um encontro com Mel Medarda.
Caitlyn mostra um lado especial para a lutadora.
Notes:
Olha...
( ͡° ͜ʖ ͡°)Er... Deixa que eu explico no final.
Avisos, de qualquer forma:
1. Não há frases nos últimos capítulos. Os últimos capítulos possuem um 'q' de preparação, onde cada um está se organizando até o evento do Doutor Smith. Então nada estranho até lá. Eu acho.
2. Esse capítulo terá putaria. Eu sou boa escrevendo putaria? NOPE. Mas para pura e simplesmente para minha alegria vocês podem ler eu falhando miseravelmente nisso também. ¯\_(ツ)_/¯ . Se você quiser não ver, ou se incomoda com a forma que é narrada, eu vou te indicar onde você pode pular.
(...)- Não. Eu vim por outra coisa.
Talvez ela vá aproveitar essa noite mais do que ela imaginava.(...)Avisos dados, eu acho. Venho com mais informação abaixo. Simbora! /o/
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Crazy in Love (Remix) – Beyoncé
.Vi.
É engraçado como as coisas são.
Se hoje Vi estivesse em frente a alguém, sendo entrevistada para uma vaga de emprego, e o empregador a encarasse firme e perguntasse:
- Senhorita Violet Wick, quais são suas maiores qualidades. O que lhe destacaria dentre os demais para ter uma chance nessa vaga?
Ela poderia dizer que ela é esforçada. Ao ponto de algumas pessoas do círculo íntimo dela acreditarem que ela é cabeça dura. Cabeça dura de tão esforçada que ela era. Quando ela quer algo, quando ela deseja alcançar algo, não há pessoa ou obstáculo para ela. Tudo estava ao alcance. Desde que ela se esforçasse. Ela estuda, ela busca alternativas. Tudo isso até alcançar o devido objetivo. Esforçada seria uma excelente qualidade na hora de justificar a vaga de emprego.
Uhum. Esforçada.
Violet também era imponente. Ah, isso sem sombra de dúvidas. Em qualquer lugar que ela chegasse, os olhares – seja os curiosos ou seja os assustados – chegavam a ela com uma frequência maior do que as vezes ela esperava ou desejava. Ela sabia se impor. Quando ela abria a boca, as pessoas escutavam-na. Isso, é claro, gerava uma importância enorme a ela. Gerava um dever em saber exatamente a hora de abrir a boca. Pois as pessoas a respeitavam. Ou a temiam. Gerava também uma responsabilidade. Uma responsabilidade que por muitas vezes Vi não quis assumir. Mas hoje ela tentava abraçar e lidar com. Com Joseph, no trabalho dela, ser imponente era uma ótima qualidade.
Lidar com pessoas é realmente bem merda.
Mas...sim. Uhum, imponente.
Violet era, também, protetora. Era como um líder em qualquer local de trabalho deveria se portar. Um chefe age da seguinte maneira: quando o trabalho é bem executado, ele afirma que ele que conquistou. Por causa da ação e da coordenação dele. Quando o trabalho, no entanto, é executado de forma porca, chefe normalmente diz que foi por culpa dos seus liderados: por eles não terem seguido a intuição ou orientação do seu superior hierárquico. Mas aí está a diferença entre o Chefe e o Líder. A responsabilidade é compartilhada. As vezes até avocada para si. O líder assume os acertos da equipe e as falhas dela. Ele entende que cabe ao papel do líder guiar os liderados ao sucesso. E que a falha da equipe é uma falha compartilhada. As vezes uma falha do próprio líder em não agir da maneira correta com seus subordinados.
Líder. Uhum. Protetora também.
Outra coisa que Violet também era muito boa era em lutar. Metaforicamente ou não, Violet era uma lutadora.
Ela já deu e sofreu muitos socos da vida. Ela já perdeu a conta de quantas vezes se engalfinhou com pessoas pelas ruas de Londres. Socos dados e socos recebidos. Já teve que sair de situações de perigo e que apenas seus punhos a impediram da morte certa. Desde muito pequena Vander ensinou ela a lutar. Novamente: metaforicamente ou não. E foi assim que ela usou dos punhos para proteger Powder. Impedir qualquer mal pudesse alcançar a sua pequena irmã.
Então...
Depois de toda essa divagação, é de se imaginar que diante de tantas qualidades ou detalhes que podem destacar em Violet para que alguém se interesse nela, ela nunca imaginou que “sex appeal” fosse uma dessas qualidades.
E, no entanto, lá estava ela: sendo convidada para um encontro.
Há. Um encontro, que piada.
Mel Medarda a convidou para um encontro.
Quer dizer... junto com a sua irmã. Para conhecer o Doutor Smith. Em um evento.
Para alguns, realmente: aquilo não era BEM um encontro. Ir até o evento do Doutor Smith era apenas uma festa social e talvez Mel precisasse de uma companhia para a noite. Ok. E Violet estava “ok” com tudo isso. Com a ideia de ir a esse evento. Ela suportaria ir nessa festa de riquinhos e tomar de champanhe e comer canapés. Mas quando, antes de sair daquele pequeno escritório, mais cedo, Mel puxou-a pelo braço e disse:
- Violet. Eu precisaria ajustar alguns detalhes contigo. Poderia... – Ela encarou Violet de cima a baixo. – Poderia ir até a minha casa mais tarde? Talvez para tratarmos com mais calma esses detalhes? Depois do meu trabalho?
Então.
Isso, sim, é um encontro.
E as implicações do que esse encontro poderia oferecer...
Ok, pare de divagar.
Por um lado, Vi não queria se envolver em nada mais que orbitasse o nome do Doutor Smith. E Mel Medarda definitivamente iria contra esse objetivo. Além, odiava a ideia de deixar novamente a irmã sozinha. Principalmente depois de ter ouvido sobre Chuck e que havia pessoas atacando aqueles que tinham se deparado com a maldita estátua de jade.
Mas aí que está.
Ela precisava de alguma distração.
Qualquer distração.
Em outras situações, Vi definitivamente não teria ido ao encontro com Mel Medarda. Pela preocupação que ainda sentia pela segurança da irmã. Mas para a surpresa de Vi, e contra todas as expectativas, a polícia de Londres parecia realmente estar realizando um bom trabalho: quando elas retornaram do museu naquela manhã havia dois oficiais de baixa patente reforçando a informação que Kiramman havia dado no dia anterior: Que o Antiquário havia sido saqueado e que eles precisariam repassar detalhes e potenciais itens que foram retirados do local.
Uma espécie de inventário para avaliar os custos e perdas que Powder havia sofrido com o roubo. Para fins posteriores de reparação, é claro.
Powder pareceu se sentir mais segura - ainda que essa segurança fosse oferecida por não menos que a polícia. Ela apreciava o cuidado que eles estavam lidando com o caso.
Por um momento Vi creditou ou tinha esperança de que esse cuidado todo tinha o dedo de Kiramman em garantir a segurança das duas irmãs. Isso ia de acordo com o que ela havia falado na noite de ontem: que ela queria realmente ajudar as irmãs. Mas a lutadora tentou não focar nesse pensamento. De acreditar que a policial realmente pudesse se importar com as duas. Ela evitava sentir esperança: esperança normalmente significava frustração no ramo que Vi trabalhava.
Mas maldita seja Kiramman e sua boa alma.
Pois a maldita realmente se provava alguém que se importava.
E isso era corroborado quando, à tarde, novamente os dois oficiais apareceram, colheram testemunhos e afirmaram que deixariam uma patrulha no local pois havia a possibilidade de a casa de Powder ser atacada também. Vi ficou genuinamente grata pela presença de pessoas que “podiam” carregar uma arma e proteger a irmã de qualquer mal. Esse era o papel dela, é claro. Mas a ajuda extra era bem-vinda.
Outra grata surpresa veio próximo ao final da tarde, quando motivada pelo convite de Mel Medarda, Vi aceitou sim sair de casa. Ela chegou a deparar-se com os mesmos dois oficiais que estavam fazendo patrulha há alguns metros da porta de Powder. Os dois conversavam com uma oficial de maior patente. E Vi não precisou de mais que um olhar. Aqueles cabelos azuis quase em um tom negro de tão forte, o corpo esguio e alto. Aquelas pernas. Vi sabia a quem pertencia. Foram segundos de interação prévia, mas a mulher era como uma fotografia na cabeça da lutadora.
Caitlyn.
O nome soava confortável nos lábios.
Foi momentâneo e também espontâneo: ela sorriu ao ver novamente a oficial.
Por um momento Vi se culpou por ter sido ríspida com a jovem policial na interação prévia. Não queria ter se imposto tanto contra a boa vontade da outra de ajudar. Mas Caitlyn é uma policial. Vi, uma ladra – ou algo a mais, vamos justificar. Ela não poderia se dar ao luxo de expor muito a vida a outra. Era perigoso. Era arriscado. Principalmente para a irmã.
A policial percebeu que Vi a observava. Ela fechou o cenho, emburrando. Vi sorriu para si, sentindo-se bem de repente, e se aproximou do grupo de três pessoas que estavam há alguns metros da casa. A lutadora ergue a mão, dizendo em seguida:
- Olá oficiais. Excelente dia. Tudo tranquilo até agora?
Um dos oficiais segurou a mão da lutadora, cumprimentando-a. Caitlyn virou o rosto, evitando encarar Vi. A lutadora achou que isso a deixava mais bela. Esse desconforto com a presença dela. Não pressionou ou provocou, contudo. Um dos oficiais, um homem mais velho que Vi e Caitlyn juntas disse, sem muito animo:
- Sim. Tudo tranquilo, senhorita Wick. Acreditamos que para o dia de amanhã não precisará mais se preocupar conosco. Poderemos encerrar as investigações quanto ao roubo. E por, é claro, a escolta policial.
Caitlyn mantinha as mãos fechadas em punho. Não disse nada enquanto Vi e o oficial trocavam informações. E quando Vi decidiu seguir seu rumo em direção ao endereço de Mel Medarda, já alguns metros de caminhada, a lutadora pode ouvir passos de um sapato oxford atrás de si.
Virando-se de costas, a lutadora deparou-se novamente com Caitlyn.
- Está me seguindo, oficial?
- Não. Apenas... – ela procurava palavras. Novamente. “Fofa”, pensou Vi. A policial continuou a falar. – é procedimento padrão quando uma das pessoas que deveria estar sendo protegida sai... Cabe a nós perguntarmos aonde ela está indo. E se precisaria de auxílio. Eu posso... algum dos outros oficiais podem... Er... tentar ajudá-la com algum tipo de objeto que deseja, compras... sabe né? Ou o que seja. Eu não me importo. - Arranhou a garganta, tentando passar casual.
- Hum... – respondeu Vi, entretida. A lutadora deu um sorriso. Caitlyn imediatamente corou. – Interessante.
- Sim. – Disse sem jeito a outra mulher. Arranhou a garganta. - Então... posso saber aonde está indo?
- Em um encontro.
- Em um encontro? – Perguntou a outra, surpresa. Ela engoliu seco. Abriu a boca. Olhou para o chão e perguntou. – Poderia saber com quem? Para... para...
- Nope. – Vi aproximou-se colocando a mão nos bolsos. Ela estava praticamente a centímetros da outra mulher. E que mulher. E esse cheiro? Hum... Voltou a sorrir. – Devo preservar a identidade da mulher que estou indo me encontrar.
- Ah... Humm... – Caitlyn voltou a engolir seco. Corando. – Entendo.
- Hummm... – Voltou a fazer o mesmo som a lutadora. Em seguida tocando no ombro de Caitlyn, girou-a pelos calcanhares, colocando-a virada em direção à casa de Powder. Disse em seguida. - De qualquer forma a pessoa que você precisa se preocupar no momento é minha irmã. E eu agradeceria imensamente que você pudesse olhar ela por mim.
Caitlyn desvencilhou-se das mãos da lutadora, sem jeito. Ela ajeitou as próprias roupas e disse em seguida:
- Você está bem mais simpática hoje. Er...Eu queria ter conhecido essa senhorita Wick na noite anterior. Ela é bem mais agradável.
Vi arregalou levemente os olhos tomada pelo elogio. Foi pega de surpresa. De tal maneira que corou levemente. Caitlyn parece que percebeu isso, pois ela olhava intensamente para a lutadora. E sorriu genuinamente pela primeira vez em toda a interação até então.
Vi engoliu seco.
Ela estava flertando?
Nah. Não é possível.
- Bom Senhora Kiramman. Se me der licença, retornarei o meu caminho.
E antes que tivesse alguma retórica da outra mulher – para a tristeza de Vi –, a lutadora seguiu o seu caminho.
O que Vi não sabia, contudo, era que Mel Medarda era rica. Muito rica. Do nível dona da merda toda de Londres de rico, aparentemente. Pois conforme Vi foi processando o endereço que foi dado pela arqueóloga, percebeu que em primeiro lugar ela morava em um dos bairros mais bem importantes de Londres. Não apenas isso: a casa da mulher era uma das mais belas no quarteirão.
Não que houvesse várias. Mas, definitivamente, a da mulher se destacava.
Vi já havia se sentido malvestida na manhã daquele dia quando estavam no museu com a arqueóloga. No entanto, agora, ela se sentia oprimida pelo local que caminhava. Vez ou outra olhava sobre o ombro acreditando que algum policial a abordaria sobre o motivo de um rato de esgoto estar ali. Aquele receio que vão se questionar “Ah, uma menina dessas... Boa coisa não deve estar fazendo perambulando por aqui”.
Poderiam acreditar que ela estava avaliando ou roubando propriedades do local.
Então o dia de hoje estava sendo de várias surpresas – boas e ruins – por parte de Vi. E ela não sabia como lidar com elas. E nem sabia se a surpresa “Mel Medarda Rica pra caralho” era uma boa surpresa.
Na casa da mulher havia um belo jardim. Era uma casa de dois andares em um tom branco/bege pastel. Janelas simples, mas bem limpas. Existia um estilo rococó na arquitetura que fez Vi perder mais minutos observando a beleza do local ao invés de estar no solado da entrada da casa da arqueóloga. A lutadora ajustou a roupa por alguns instantes, colocando a camiseta de linho dentro da calça social que vestia. Bateu nas calças como se quisesse retirar uma sujeira inexistente na vestimenta. Ajustou o suspensório no corpo e penteou os cabelos para trás. Ajeitou sobre os ombros o sobretudo que cobria quase o corpo por completo. Por fim, testou o hálito colocando a mão à frente da boca – por que não, não é mesmo?! – e levou o olhar à procura de uma campainha ou sineta.
Ah... A mulher era daquelas famílias esnobe: era uma daquelas campainhas de bater com uma alça.
Argh... E eu começo a me arrepender de todos meus atos.
Uma batida. Duas batidas.
Vi se privou de bater a terceira vez.
A lutadora esperou por alguns minutos antes que a mulher – motivo pelo qual estava aqui em primeiro lugar - abrisse a porta.
E isso era surpreendente para Vi: Nenhum mordomo ou serviçal. Aparentemente, Mel Medarda se encontrava só naquela noite.
Merda. Isso não é bom. Ou talvez seja.
Merda!
- Violet. Minha querida. Que ótimo que conseguiu vir.
- Vi. – Ela arranhou a garganta. – Apenas Vi. Eu...
- Excelente. – Ela disse, sucintamente. Em seguida tocou na lutadora, girando os calcanhares. – Mas vamos.
Mel puxou-a pelo braço, fechando a porta assim que Vi adentrou na entrada da casa. Vi não se incomodava com tipos como Mel: ricos até o pescoço. Ainda assim, a lutadora definitivamente sentia intimidada com a outra mulher. A lutadora sentia as garras de Mel envolta dela. E ela não sabia se isso era algo bom ou não. Enquanto Mel mantinha as mãos no braço de Vi, guiando-a pelas mãos pelos cômodos da casa, subindo os degraus da escadaria, a mulher de cabelos rosa comentou:
- Fico realmente agradecida pela sua ajuda com Doutor Smith. Sem você eu precisaria... não sei... Você foi...
- Vi, querida. – Mel empurrou-a para dentro de um quarto que Vi poderia supor que fosse o da arqueóloga. Ela mantinha as mãos na gola da blusa de linho da lutadora. – Vamos aos termos: podemos descer as escadarias, há um delicioso refogado lá embaixo. Preparado pelas mãos caprichadas de meu chefe. Que infelizmente foi dispensado essa noite a meu pedido. Então ele não poderá ouvir seus elogios à comida dele. Iremos conversar amenidades e descobrimos que eu e você não temos muito em comum. O que é uma lástima, mas sabemos que vivemos e viemos de locais diferentes.
Vi cerrou os olhos. Cerrou os dentes. Essa conversa de repente tomou um rumo inesperado que a irritou profundamente. O sangue começou a borbulhar sob a pele. Pensou um “Controle-se. Isso é por sua irmã, certo?”. Ela perguntou:
- Ok... Então... Por que eu...?
- Mas... – Mel passou as mãos na altura do abdômen de Vi que retesou. O toque foi inesperado. Talvez indesejado pois envolvia em tocar na altura do ferimento da noite anterior. Mas Vi era uma metamorfose ambulante. E ali ela estava: uma mistura de em um momento com profunda raiva da mulher a sua frente. No outro querendo e desejando arrancar aquele vestido do corpo dela. Tudo para que ela calasse a porra da boca.
Tão linda... Pena que quando abre a boca...
Controlou-se de fazer qualquer movimento. A arqueóloga voltou a dizer no momento seguinte:
- Você não veio aqui para conversar amenidades. Você não veio aqui para se alimentar. Não o tipo de alimento que meu chefe prepara, decerto. Ou estou enganada?! – Ela engoliu seco.
Direta.
Pelo menos ela era direta.
Vi suspirou. O coração aos poucos começou a acelerar. Não queria ferrar com o acordo que tinha com a arqueóloga. Parte dela queria mandá-la enfiar o encontro com o Doutor Smith no rabo. Mas no momento ela tinha necessidades mais urgentes. Já fazia dois dias que ela não sentia lábios sobre os seus e uma mulher tem suas necessidades. A lutadora falou baixo, engolindo seco:
- Não. Eu vim por outra coisa.
Mel sorriu triunfante, satisfeita com a resposta. Vi olhou-a com cobiça. O olhar então descer na altura dos seios fartos e para nas ancas da arqueóloga. Não aguentando mais esse pequeno joguete entre elas, Mel murmurou:
- Ótimo.
E avançou até a lutadora levando os próprios lábios aos da outra.
E ainda bem que Mel tinha o beijo bom.
Ainda bem que ela beijava bem.
Pois facilitaria tudo isso que teria que suportar.
Vi agradeceu mentalmente pela oportunidade de tirar a cabeça dos acontecimentos dos dois últimos dias. Sexo era bom e ela estava feliz de poder fazê-lo com aquela mulher bela à sua frente. De tal modo que Vi ergueu-a com força e trocando de posições, colocou a arqueóloga com as costas na parede. Apertando-a com o próprio corpo.
No entanto, Vi sabia o que isso significava. E nunca deixou de ponderar e martelar essas palavras na cabeça. Pois aquilo era...
Uma transação.
Uma simples transação.
Vi passou a mão pela coxa da mulher a sua frente, passando os dedos da altura do joelho até na base da perna. Mel imediatamente enroscou as pernas envolta da cintura de Vi, que apenas roçou a pélvis buscando sentir o corpo da arqueóloga. O calor emanado pela arqueóloga.
Com uma das mãos, a lutadora levou até a altura da calcinha de Mel, que gemeu ao sentir o toque na parte sensível. Vi sentia que a mulher a fronte de si estava molhada em antecipação. Arrancar a roupa íntima da arqueóloga não foi algo difícil de realizar. E extremamente apreciado, pois Vi podia aos poucos ver a própria calça começar a molhar com o líquido de dentro as pernas de Mel.
Uma transação.
Uma transação.
Vi levou os próprios dedos da mão direita até a boca de Mel que os lambeu com languidez. Um movimento que poderia deixar qualquer cortesã com que a lutadora teve alguma noite de prazer com inveja. A lutadora imediatamente pegou os dedos lambidos pela mulher e enfiou na vagina da arqueóloga em um só movimento. O que não foi difícil, tamanha a excitação da arqueóloga.
Ela estava tão molhada.
Vi tomou novamente a boca de Mel, colocando a língua. Possuindo-a com sua língua e saliva. Isso enquanto os dedos. – sim, os dedos – ministrava um movimento errático de entrar e sair de dentro da arqueóloga. Tomando. Possuindo-a.
Com o dedão Vi permitia-se dedicar ao clitóris da outra. Era prazeroso demais ouvir os gemidos de prazer da mulher a sua frente. Sussurros pedindo à lutadora por mais. Por muito mais.
Os sussurros pedindo eram apenas calados quando Vi buscava lhe a boca novamente, tomando-lhe o ar dos pulmões.
O seu ar é meu.
O barulho molhado que era ouvido dos dedos indo e vindo dentro da vagina da arqueóloga estava deixando a lutadora em êxtase. A própria calça já dando indicativos que ela também estava preparada. Que não era uma via de mão única: ela também estava molhada. Mas isso era um problema para a Vi do futuro. A do presente estava comendo essa mulher esnobe e que pela primeira vez tinha sido calada pelos dedos da lutadora indo e vindo dentro dela.
Uma transação.
Apenas isso.
Ela poderia, ainda assim, aproveitar daquela transação, certo?
E foi o que ela fez.
Minutos indo e vindo começaram aos poucos aquecer o meio das pernas de Vi, que continuava a beijar Mel em toda a superfície de seu pescoço, percorrendo-o com a língua.
Ela sentiu aos poucos o movimento da vagina da arqueóloga começar a se contrair, algo que insinuava um orgasmo prestes a ser professado.
Quando a mulher a frente de Vi gemeu ao ouvido da lutadora e pressionou o corpo pra baixo sentiu o ápice do orgasmo se arremeter em si. Os dedos lambuzados da lutadora permaneceram no ritmo por um tempo até cessarem. Permaneceu naquela posição, com os dedos dentro da mulher, corpo pinado à parede. Ela ainda esfregava-se buscando conforto e calor no corpo da arqueóloga. Mel ofegava após o orgasmo. Vi sentia o peito da mulher erguer e abaixar conforme ela buscava ar para si. Mel murmurou próximo ao ouvido de Vi:
- Eu... você... nossa...
- Quem disse que eu acabei? – Disse a garota de cabelos rosados dando sinais da voz rouca, em excitação.
Erguendo-a nos braços, Vi levou-a até a cama e jogou-a sem prévia preocupação. Aquele não era o momento certo – era uma transação - ou a pessoa que mereceria cuidado por parte da lutadora.
Mas parece que Mel também não se importava em como era tratada. Talvez, pelo olhar que ela dava para Vi, ela até apreciava a rispidez que a lutadora oferecia. Mel mordeu o próprio lábio encarando a outra atentamente. Murmurou baixo:
- Você ainda está com muita roupa.
- Eu sei. E pretendo mudar isso. – E aos poucos tirou o sobretudo e o coldre do peitoral. Mel não pestanejou ao ver a arma na altura da costela da lutadora. Talvez já esperasse quem Vi pudesse ser. Talvez ela até desejava isso em primeiro lugar. Ter na cama algum rato de esgoto. Menos mal. Menos uma preocupação. Após colocar com cuidado as armas ao chão, começou a desabotoar a camisa de linho. Botão a botão. Ia tomar o próprio tempo. Ou pelo menos desejava aproveitar. Ela tinha tempo, certo?
Não é por que é uma transação que ela não poderia aproveitar do seu tempo, certo?
Mas então... existe aquela mulher a sua frente. Odiosa. Mas tentadora, ainda assim. Esnobe. Deliciosa.
Tudo.
Tudo ao mesmo tempo.
Tamanha a languidez que quando a arqueóloga abriu as pernas se apresentando completamente a Vi... A lutadora havia perdido a própria batalha contra seu autocontrole.
O que ela estava fazendo ao seu tempo, o que ela queria tomar seu tempo, rapidamente começou a ser feito de modo errático, apressado. Ela retirou as calças rapidamente e subiu sobre ela, ficando com o rosto entre as pernas da mulher de ébano.
Ergueu o olhar como se buscasse confirmação.
Ela não precisou ouvir o convite. A vagina dela pulsava molhada o suficiente.
Esse era o convite.
Abaixando a boca até os grandes lábios dela, ela passou a língua por toda a extensão da vagina da arqueóloga.
O gemido de aprovação da outra foi suficiente.
Talvez ela vá aproveitar essa noite mais do que ela imaginava.
-
O orgasmo veio para as duas.
Vi imaginou que o prazer teria sido uma via de mão única e que seja lá que Mel Medarda preparava para si não envolveria em dar prazer para Vi. Surpreendentemente, Mel Medarda faz um excelente sexo oral também.
Er... Ok.
Algumas horas depois de aproveitar uma à outra, Vi permanecia deitada de costas na cama daquela mulher que havia conhecido logo cedo. Inesperado? Talvez. Ainda assim...
Inacreditável.
Ela nunca em vida havia imaginado que em todos os seus sonhos estaria dormindo com uma dessas riquinhas da alta sociedade.
E cá estava eu. Com ela.
O cheiro era agradável. Ela cheirava à uma fragrância forte. Não enjoativo. Mas ainda assim não encaixava para gosto pessoal de Vi. A lutadora não sabia explicar realmente o porquê. Parecia deslocado. Era estranho. O silêncio manteve-se no ambiente por alguns instantes. Vi permaneceu por alguns momentos olhando o teto do quarto. Eventualmente, a arqueóloga se ergueu da mobília e foi até mesa de escrivaninha do local. Sentou-se, nua, sem se importar com os olhares que Vi ainda depositava nela.
Ah, ela é linda. Isso é inegável.
Mel olhou-a sobre o ombro e ergueu a sobrancelha, perguntando:
- Vi, querida. Eu suponho que você não tenha roupas melhores dos que essa que veio me ver, certo?
E o charme, então, vai pela janela.
Ow maldita.
Ow vontade de enfiar a cara dela no asfalto e arrastar. Gentilmente, é claro.
Tudo gentilmente.
Era como se Vi tomasse um soco no estômago ao sentir o tom que a outra diz.
Malditos ricos filhos da puta.
A lutadora permaneceu a olhando por alguns segundos. A vontade de mandar ela se foder estava entre os lábios. Ela fechou os olhos procurando de alguma maneira controlar as palavras. Ela ainda tinha um objetivo que era conseguir encontro com Doutor Smith. Ele era importante. E Mel Medarda ainda que seja uma completa imbecil iria lhe entregar esse encontro. Engolindo todo cuidado e educação, ela disse por fim:
- Não. Tirei minha melhor roupa para vir aqui. Vir vê-la.
Vi não sabia o que sentir quando Mel virou-se para ela. A lutadora poderia jurar que viu um olhar diferente na outra mulher. Pela primeira vez: Seria pena? Vergonha? Mel fez um não com a cabeça dizendo em seguida:
- Eu não... – Ela foi até a gaveta e retirou um maço de dinheiro. Jogou-o na superfície da cama e continuou. – Não precisamos tornar isso estranho, Vi. Eu preciso que você vá para esse endereço. – Mel puxou um papel da escrivaninha, uma pena e redigiu um endereço no papel. – É onde atualmente o Doutor Smith vai realizar sua exposição. É uma recepção com apenas convidados a dedo. O traje é à caráter e preciso que você e sua irmã estejam apresentáveis. – Ela fechou o semblante firme. – Você me entende?
Vi suspirou, já buscando as roupas do chão. Vestiu-as tentando evitar trocar olhares com a outra mulher. Terminou em poucos minutos de colocar o suspensório, coldre e sobretudo. Puxou o maço de dinheiro para si, ensacando-o no bolso voltando a dizer:
- Entendo perfeitamente, Mel. E não. Não tornarei isso estranho.
Mel se levantou da cadeira e foi até Vi, ajustando a gola do sobretudo da lutadora. Bateu levemente nos ombros dela limpando uma poeira inexistente. Encarou a outra fixamente. Buscava palavras. Então a arqueóloga suspirou profundamente perguntando em seguida:
- Você sabe o que isso foi, certo?
Uma transação.
-
Se ela não tivesse tido um excelente orgasmo, o caminho de volta pareceria como se fosse o caminho da vergonha. Pois era assim como ela se sentia ao ver as luzes dos lampiões que iluminavam a cidade de Londres aos poucos começarem a iluminar a cidade a sua frente. Era comum: Pequenas crianças faziam esse trabalho à noite. Londres não se importava com o trabalho infantil. Ou a exploração infantil, decerto. Após a grande guerra, Londres se portava cruel com muitos e o aumento do trabalho infantil e o feminino pode ser considerado uma benção ou uma maldição. Vi ainda se perguntava em que situação ela se encaixava. Ou em qual Powder estaria. Enquanto alguns viam como oportunidades. Outros viam como pura e mera exploração.
Ao ver o lampião da casa de sua irmã, no entanto, Vi esqueceu rapidamente do que havia acontecido nesta noite e de todas as lamentações que fazia no caminho para casa. Trabalho infantil ou feminino? Pouco importava.
Foda-se.
Sua irmã tinha o trabalho e o negócio dela. Ela saiu da vida de crimes e tinha algo só para ela.
Ela era feliz.
Sua irmã era feliz.
Vi por um momento, então, observou a casa de Powder e sentiu o peito se comprimir. Foi como se tivesse sido arrebatada de repente por uma sensação pequena. Lá dentro das vísceras. Uma voz suave na altura do ouvido murmurando para ela algo. Um sentimento dentro de si. Parecia que queria buscar algo nela. Pescar um sentimento que vez ou outra Vi sentia. E essa voz perguntava:
“Eu sou feliz?”
Foi automático.
Foi alienígena.
Ela não sabia se esse sentimento se deu por ter se sentido explorada por Mel.
Ainda que tudo que ela vivenciou nas últimas horas ela tenha aproveitado... ela sentiu-se de repente usada.
Foi estranho para Vi ver os olhos ficarem marejados e sentir algumas lágrimas nos olhos se formarem. E algumas lágrimas começarem a cair, pois teimavam a não ficar escondidas dentro do globo ocular.
Ela instintivamente levou a mão até o rosto.
“Eu já fui feliz?”
A tristeza deu lugar a outro sentimento horrível: inveja.
Powder pode escapar da vida de merda que Vi viveu a vida inteira. A lutadora? Não.
É por isso que Mel Medarda só a vê como uma transação. Porque você não pode sustentar nem uma roupa boa para um encontro.
Isso martelava em sua cabeça.
Voz maldita cobrando seu preço.
Mas então...
Então havia uma outra voz. Uma voz...suave. Que puxou Vi para a realidade:
- Senhorita Wick?!
Vi voltou a realidade com um longo suspiro. Virou-se e tentou novamente limpar o rosto que poderia ainda ter resquícios das lágrimas que caíram segundos atrás. Atrás da lutadora estava o corpo esguio da oficial que conheceu ontem. A lutadora olhou para a policial a sua frente com surpresa. Vi, então, levou a mão até o bolso buscando o relógio que levava consigo:
- Oficial?! São 23 horas. O que ainda está fazendo aqui?!
A mulher de olhos azuis e cabelos no mesmo tom parece que foi pega de surpresa, pois gaguejou falando:
- Ah! Não se preocupe. A guarda passou rápido! Além do mais... – Ela buscou palavras. Vi a observava com curiosidade. Caitlyn continuou. – Grayson, minha chefe só deixou fazermos guarda por apenas um dia. Um dia termina à meia noite. – Ela deu de ombros, arranhando a garganta.
Vi arregalou os olhos. Suavemente para não deixar tão na cara o quanto estava surpreendida pela ação da policial a sua frente. Tamanha dedicação. Por que?. Queria agradecer a ela. Queria abraçá-la. E não sabia por que esse sentimento se abateu dentro de si. Mas queria. Queria abracá-la e dizer ‘Obrigada’. ‘Obrigada por ser uma das poucas pessoas que se importa com pessoas como eu’. No entanto, a lutadora se conteve. Disse em seguida, com um sorriso. A voz, ainda que embargada, tentava ser o mais descolada possível:
- A polícia precisa de mais pessoas como você, Cupcake.
- Hã? Cupcake?
Vi não iria dizer o porquê.
Por que cupcake?
Porque você é a menina mais doce que eu conheci .
Mas Vi não era de expor nada. E Caitlyn ainda era uma policial. Ela se conteve em responder:
- Desculpa. Pensei alto. – Suspirou fundo. Abriu um sorriso e voltou a encarar a mulher a sua frente mais atentamente. Ela usava um casaco de linho que não a aquecia em nada e uma calça com blusa simples. Os tons declaravam que era apenas um uniforme policial simples. Vi cerrou os olhos observando-a tremer. Era sutil e levemente, mas ainda assim, a mulher tremia. Tentava parecer elegante e não mostrar o desconforto do frio, mas ainda assim estava presente. Pelo andar da noite, provavelmente fazia uns 5 graus - facilmente - no horário e no local que estavam. Tirando o sobretudo sobre os ombros, Vi colocou-o sobre o ombro da oficial à sua frente que apenas sentiu os ombros ficarem extremamente duros. Talvez diante do gesto, Caitlyn tenha ficado enrubescida. Vi riu do jeito que ela se apresentava e complementou. – Oficial...Está congelando aqui... Por isso, até meia noite, faça companhia a mim. Lá dentro. – E apontou para a casa de Powder.
- O que?! – Disse a outra, sem jeito. – Não, Senhorita Wick... Eu...
- Vi. – Vi sorriu. Caitlyn parou de falar e ficou apenas a encarando. Em seguida a lutadora continuou. – Me chame apenas de Vi. É suficiente. E vamos. Você vem comigo. Agora.
Dando as costas, Vi voltou a caminhar em direção à casa de Powder. Tirou o molho de chaves do bolso, abrindo a porta. Ouvir as batidas do sapato marrom, Oxford, atrás de si indicava que Caitlyn a seguia. A lutadora sorriu para si, usando a palma da mão para abrir a porta de entrada e imediatamente deu um passo ao lado para dar espaço à Caitlyn adentrar.
- Já volto. – Disse Vi, entrando em seguida à Caitlyn, fechando a porta atrás de si e rumando em direção ao corredor aos quartos. – Vou verificar se está tudo bem com Powder e já volto.
Caitlyn confirmou com a cabeça. No instante seguinte, caminhou até uma pequena namoradeira e sentou-se. Vi a observava atentamente. A policial estava incrivelmente constrangida e isso estava esboçado em todo seu rosto. Vi se perguntava se isso a deixava mais bonita. A garota de cabelos rosas fez um “não” com a cabeça e foi até ao quarto de Powder.
Alívio deu ar às próprias feições ao ver que a irmã de cabelos azuis estava adormecida na cama confortavelmente. Uma pequena coberta cobria o corpo. O movimento do peito indicava que era um sonho leve, sem registros de pesadelos. Isso – essa visão – deixava o coração de Vi menos pesaroso.
Suspirando como se tirasse um peso de dentro do peito, Vi adiantou alguns passos e aproximando-se do corpo da menina a sua frente, deu um suave beijo na testa dela. Afagou-lhe os cabelos e murmuro baixo:
- Estou aqui, Pow. Pro que precisar.
Quando a lutadora se levantou para sair do cômodo viu Caitlyn no batente da porta da entrada do quarto. Observava atentamente a interação entre as duas irmãs. Vi pensou em ralhar com a policial que novamente “enfiava o nariz onde não era chamada” com frequência e que acabou não fazendo exatamente aquilo que foi pedido em fazer. Teimosa. Mas não importava. Caitlyn tinha o coração no local certo. Além do mais a lutadora escolheu apenas se levantar da beirada da cama e aproximar-se à centímetros de Caitlyn.
A menina foi pega de surpresa de tal modo que deu alguns passos para trás, afastando-se da porta do quarto, recostando as costas na parede. Engoliu seco, percebendo o erro de ficar espionando a vida alheia e passou a fitar o chão. Vi queria soltar alguma palavra ríspida, mas apenas disse com um baixo:
- Venha. Podemos conversar às sós na cozinha. Minha irmã precisa dormir. E... – Ela disse. – Ela não precisa de guarda para que a vejam dormir, sabe... – E ergueu a sobrancelha.
Ela confirmou rapidamente com a cabeça.
Vi, enfim, relaxou e sorriu, negando com a cabeça.
Maldita Kiramman. Você tem sorte que é fofa. Ok, fofa é diminuir. Você é muito fofa.
De qualquer forma, Vi precisava deixar Powder em paz.
A menina realmente PRECISAVA dormir.
Por que?
Por que era bizarro: Vez ou outra durante o dia, Vi observou a irmã olhando para um ponto qualquer no quarto e falando palavras que ela nunca ouviu antes. E emendava com múrmuros. Como se entoasse algo. E meia hora depois voltava a sua versão normal, sorrindo e alegre. Carinhosa. Quando Powder havia dito ontem que ela estava perdendo a noção do tempo, ela não imaginava que fosse algo assim. Mas sim: as vezes Powder estava aqui. As vezes... não mais.
- Eu não queria...- Caitlyn emendou assim que entrou na sala, vindo após Vi. – Droga... eu só faço...
O coração de Vi, então, se enche novamente. É apertado por tamanho cuidado daquela outra. “Como ela consegue?”. A lutadora vai até o armário abaixo da pia e puxa uma chaleira simples. Enche-a de água e coloca sobre o fogão a gás. Após alguns minutos providenciando uma água quente para um chá, Vi vira-se novamente para a policial e esboça um meio sorriso. Caitlyn retribui o mesmo sorriso sem jeito, ficando em silêncio em seguida. Vi olha para o chão, procurando palavras confortáveis para dizer à policial:
- Está tudo bem, Oficial.
- Por favor... Caitlyn. Apenas Caitlyn é suficiente. – E ela abriu um sorriso mais segura das palavras. Vi riu para si.
O silêncio poderia ser constrangedor, mas para as duas ali, parecia até agradável. Como se elas estivessem de alguma maneira aproveitando apenas a presença uma da outra. E isso era suficiente. Havia uma sensação confortável que Vi sentia na presença da policial que ela não sabia declarar bem o que era. Ainda assim, era apreciada. Era confortável. A deixava tão bem que ela só foi puxada dos pensamentos quando ouviu o chiado da chaleira atrás de si. A lutadora virou sobre os calcanhares e puxou a chaleira do fogo e depositou com cuidado o líquido quente nas xícaras dispostas a sua frente.
Era como se fosse uma cerimônia delicada que Vi realizava. Pegar um punhado de ervas aromáticas do pote, colocar sobre a água quente. Coar o líquido. Depositar um pouco de leite quente em seguida.
Tudo isso feito em silêncio e sob o olhar meticuloso da jovem atrás de si. E mesmo assim, não parecia haver nenhum tipo de julgamento por parte da policial. Se Vi conhecesse ainda mais Caitlyn, poderia até mesmo arriscar que só sentia um olhar de admiração vindo da policial. Esse sentimento somado as borboletas que teimavam a arriscar voo em sua barriga motivou Vi a perguntar depois de alguns minutos, enquanto entregava a bebida nos dedos da outra menina:
- Então... Ofici...Caitlyn. – Ela se corrigiu. Caitlyn parecia extasiada de ouvir o próprio nome nos lábios da lutadora. Vi continuou. – Quanto tempo trabalha na força?
- Hum... – Caitlyn pensou por um tempo. – Oficialmente apenas por alguns meses. Mas extraoficialmente... a comandante da força é amiga da família. Então... talvez a vida inteira?! – Ela corou. Vi a observava atentamente. – É algo que eu sempre quis fazer e... – Ela se pegou sem jeito e olhando para baixo, deu uma risada sem jeito. – Você não precisa me ouvir falando sobre horas do meu trabalho. Envolve muita papelada. Mas e você? No que trabalha?
Perigoso. Muito perigoso.
Vi não queria envolver fatos da própria vida para uma policial. Havia um conflito de agendas: ela era uma policial, algo que na profissão de Vi deveria andar em direção oposta. Ela escolheu bem as palavras ensaiadas várias vezes em frente ao espelho:
- Eu tenho uma sociedade. Parte de uma sociedade. Uma oficina mecânica no centro. – Sucinto. Apenas o suficiente.
- Hum... – Respondeu Caitlyn. As engrenagens na cabeça como se buscassem maiores informações, mas controlando a curiosidade. Tomou um pouco da bebida, fazendo um sonoro “hummmm” de felicidade com o toque do chá nos lábios. - Isso está maravilhoso. Obrigada.
Vi voltou a sorrir. O pequeno momento tenso que Vi sentia de ser avaliada cessou e ela pode apreciar aquela jovem a sua frente. O pequeno sorriso que ela dava enquanto tomava a bebida. O canto dos lábios formando aquele sorriso como se pensasse algo para si. Os dedos dela rodando a xícara entre os dedos como se buscasse conforto no calor emanado do chá. Tudo que a policial fazia parecia magnetizar a lutadora.
Paz.
- Você é ótima com sua irmã. Dá para perceber o quanto você tem um coração gigante. É quase palpável o carinho. São só vocês duas?
- Uhum... – Vi respondeu. Sorriu para si ao ouvir as palavras da outra. Não sabia discernir se vinham de coração. Ainda assim, Vi sorria de ouvir palavras de elogio para com ela. Pois era sempre tão cansativo cuidar dos outros. E não ser vista. E pelo visto, Caitlyn a via. Vi respondeu depois de um tempo. – Sim. Éramos eu e meus pais e Powder. Depois éramos apenas eu e ela. Depois fomos adotadas. E depois nós duas novamente. – Ela quis ser vaga. Ainda doía demais.
Parecia que Caitlyn entendeu isso. Pois não pressionou no assunto. Pois logo, ela voltou a perguntar:
- Então... Como foi o encontro?
Vi riu para si e ergueu a sobrancelha. Caitlyn novamente corou e voltou a encarar a própria xícara. Tomou um gole da bebida querendo se esconder diante do utensílio. A lutadora passou a mão na nuca, pensativa. Deu uns passos para frente.
Se sentia ousada. Queria cortar a distância entre ela e Caitlyn.
Será... que ela deixaria?!
Caitlyn não protestou, erguendo o olhar para a outra. Engoliu seco tentando controlar o ar que saia dos lábios. Quentes. Vi parou centímetros a frente de Caitlyn, quase sorvendo o mesmo ar que a policial. Engoliu seco. Ela poderia tomá-la ali? Agora? Mas... Seria o certo?
Não.
Não era.
Ousando fazer o certo, ela levou o dedo até o queixo da menina e traçou com a ponta dos dedos até a altura do lábio da outra. Murmurou baixo:
- O encontro não foi tão bom quanto imaginava. Aliás, foi longe de ser como eu imaginava... – Engoliu seco. O coração batendo forte. Vi permaneceu olhando os lábios de Caitlyn antes de disser como em um sussurro. –... No entanto isso aqui é muito melhor do que eu poderia pedir do meu dia.
Atenção.
Ela queria ser “percebida”. E Caitlyn em menos que uma hora providenciou isso.
Apreciada.
Ela se sentia apreciada.
Caitlyn estava hipnotizada. Vi queria sentir os lábios da outra. Queria ver se o gosto era tão doce quanto a própria menina o era. Como se saído de um transe, no entanto, Caitlyn deu uns passos para trás, colocando a xícara no balcão da mesa de centro e disse:
- Eu... Eu fico triste que seu encontro não tenha sido tão bom... E... – Ela arranhou a garganta voltando a dizer. – E feliz porque minha companhia lhe cause algum tipo de conforto.
Vi riu erguendo as mãos como se rendesse ao jogo de gato e rato e voltou-se para o balcão, pegando a própria bebida. Caitlyn voltou a pegar a própria xícara. A lutadora levou a xícara a própria boca e tomou alguns goles antes de voltar a dizer:
- Com os dias que tenho tido, Caitlyn, fico feliz com a distração, contudo. Então pelo menos fique com meu agradecimento pela companhia.
- Vi... – Caitlyn começou. Voltou o olhar para a xícara como se buscasse coragem no líquido a sua frente. Em seguida continuou. – Eu quero realmente ajudar você e Powder... mas pra isso você precisa confiar em mim. E eu sei que vocês não me contaram tudo o que passaram. Eu sei...
Vi ergueu o olhar e parece que tudo a sua frente se desfez.
A voz, pequena e sussurrante, voltou a dizer ao pé do seu ouvido:
Ela não se importa.
Eu sou um caso policial apenas.
Ela está ali apenas para investigar. E não por que se importa.
A menina adorável com quem a lutadora estava flertando até agora pouco foi substituída novamente pela policial Caitlyn da noite anterior. Era irracional a raiva que surgiu dentro do âmago de Vi: não é como se Caitlyn tivesse culpa ou não estivesse fazendo o seu papel. Não é como se ela tivesse ofendido Vi com as palavras professadas. Ainda assim Vi cortou-a, dizendo rispidamente:
- Desculpe, policial. Hora do interrogatório acabou. Se já acabou com seu chá, pode sair.
- Vi, olha... eu não queria... Eu apenas estou tentando...
- Tudo bem. - Ela jogou a própria xícara na pia da cozinha e foi até Caitlyn, retirando a xícara da outra, que deu uns passos para trás. A policial disse um “Ai”. Andou um passo para o lado, assustada.
Talvez fosse a noite, talvez fosse apenas reflexo de algo que Vi não identificava. Mas parecia que Caitlyn tinha realmente se ofendido com o jeito que Vi agiu contra ela. Pois os olhos estavam marejados. O que fez Vi imediatamente sentir-se estúpida por ter sido ríspida em primeiro lugar. Envergonhada de repente pela última interação, Vi voltou a se aproximar de Caitlyn murmurando um “me desculpe eu...”. A policial apenas esquivou-se, jogando o sobretudo de Vi que estavam sobre os ombros de lado, em uma cadeira, e disse rispidamente caminhando até a saída:
- Não se preocupe. Eu sei o caminho da rua. De novo.
- Cait...
- Não.
As torres de igreja anunciavam.
Meia noite.
A batida da porta, firme e seca, foi a última coisa que Vi ouviu naquela noite.
Notes:
Essa, apesar de não parecer, é uma fic CaitVi, tá? :P
É só que eu gosto de um slow burn forte. Bastante conflito.
E como tem história para um caramba por vir, não faz sentido todos ficarem felizes para sempre agora.Afinal, vamos combinar que a vida não é assim.
(Apesar da minha preferencia pessoal aqui no AO3 ser por fics comfortzone total HAHAHA)
Outro detalhe:
Para ser sincera eu sempre imaginei uma cena com a Mel e a Vi. E eu pensei: Foda-seeeeeee a vida, eu escrevo o que quiser. Deixa as menina se pegar. XD
E... também existe uma camada muito importante em questões emocionais que eu abordo aqui e mais pra frente.Mel Medarda continua minha personagem favorita? YEP.
Anyway, divagando, como sempre.
Beijos, até segunda. :P
Chapter 7: A preparação
Summary:
Após o encontro desastroso da noite anterior, as meninas se preparam para a festa.
Notes:
1. Sem avisos para o capítulo. 'Tá tudo em paz novamente. Eu acho.
2. Não houve frases no capítulo anterior. Então sem frases Lovecraftianas. Isso vai mudar a partir de agora. Segue comigo. :)
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: All My Life – Foo Fighters
.Powder.
- Uau... Eu sinceramente não acredito nisso, Vi. – Disse Powder, se jogando para trás. Foi abraçada por um sofá plumado e confortável. Algo que ela nunca imaginou comprar ou ter em sua casa hipotecada. Mas... "cavalo dado não se olha os dentes, né?".
A mobília era tão confortável. Tanto. De tal modo que a menina aproveitou ao máximo do móvel ao, sem cerimônia, deitar o corpo por completo no sofá enquanto fechava os olhos e buscava algum conforto em toda a situação de vida que estavam vivenciando. Ela virou apenas o rosto para a irmã mais velha, que tentava porcamente ajustar uma gravata envolta do pescoço:
- Quer dizer que a Medarda simplesmente te entregou um bolo de dinheiro e falou ‘vai lá e compra uma roupinha para você e para degenerada da sua irmã?’. Tudo isso para podermos ir nesse evento do Doutor Smith?
- Eu não faço as regras, Pow. – Disse Vi, ajeitando a gravata borboleta que teimava em ficar desalinhada envolta do pescoço. Assim que desistiu da peça de roupa, ajustou os cabelos para trás, virando-se para a irmã mais nova. A irmã mais velha esperou que Powder abrisse os olhos para encará-la. Assim que a menina de cabelos azuis encarou a de cabelos rosas, Vi pode dar um sorriso. Ela continuou o raciocínio. – Sei que não estava nos seus planos e nem nos meus ir para uma festa dessa gente podre de rica e ser exposto a esses trejeitos e roupas. Mas aparentemente depois da visita do Doutor Smith ao seu antiquário, ele mal saiu de dentro de casa. Ficou recluso desde que voltou de Constantinopla. E essa vai ser a única oportunidade para visitarmos sem passar por qualquer burocracia ou por qualquer tipo de favor mais complicado. Sinceramente? Não quero ter que pedir mais favores. Além do mais... comida e bebida de graça. Que se fodam os riquinhos esnobes.
Powder riu. Genuinamente. Gostava quando a irmã mais velha se permitia se soltar e dizer o que pensava.
Powder sabia que Vi acumulava muitas coisas dentro de si. E isso a incomodava de um tanto que ver esses relances da Vi “boca aberta” eram bem apreciados. Ela gostaria que Vi a puxasse um dia apenas para esbravejar tudo que ela estava sentindo. Todo e qualquer dor que ela acumula na cabeça e no peito. E que Powder pudesse de alguma maneira retirar todo esse peso que a irmã trás sobre os ombros.
Mas nada era assim tão fácil.
Vi não deixava ninguém entrar. Assumir esse peso. Ou pelo menos aliviá-lo.
Antes Powder entendia a personalidade da irmã e não se incomodava com isso. Ela entendia que Vi gostava de ser assim e ela simplesmente... deixava. Ou então Powder apenas se acomodava diante dos papéis bem estabelecidos: Vi era a irmã mais velha. Então cabia à ela cuidar da família. Powder não precisaria se preocupar com nada desde que Vi pudesse continuar carregando os pesos para as duas.
Hoje, no entanto, Powder se sentia sempre... largada. Abandonada. Deixada de lado. E esse incomodo foi o motivo pelo qual ela decidiu montar o antiquário e chamar Chuck para ser seu sócio. Ela queria poder fazer algo por si própria sem Vi ajudá-la ou apoiá-la caso ela caísse ou se machucasse no percurso.
Era uma boa intenção, de início.
Ainda assim, cá estava ela agora: perdida novamente e com sua irmã mais velha a ajudando a catar os cacos de si caídos no chão.
- Pow? – Vi colocou a mão sobre o ombro da menina e apertou levemente. – Está aí?
Aquele olhar.
Powder amava a irmã.
Amava muito.
Mas o olhar a incomodava. Olhar de pena. E isso estava se tornando uma constante nos últimos dias.
Vi vez ou outra tocava em Powder para verificar se a menina de cabelos azuis estava “presente”: Se ela não estava afogada dentro da própria cabeça.
Para ser justa, Powder também se preocupava consigo. Vez ou outra ela se pegava olhando para um ponto qualquer e quando observava o relógio na parede percebia que havia passado horas e horas. E ela não tinha conhecimento do que vivenciou durante esse período. Quem se apossou dela, o que ela fez. Com quem ela falou. Somado à essa angústia da sensação de não estar presente, vinha a sua irmã mais velha com aquela cara de quem quer fazer mais e mais. E isso incomodava Powder. Porque ela queria ter uma certa independência. Queria se provar melhor. Que ela conseguia ser melhor.
- Eu estou bem, Vi. Eu estou presente. – Ela fechou os olhos, pensativa. Murmurou em seguida. - Então... Eu apenas acho que Mel lhe usou. Sabe, como qualquer riquinho o faz.
- Está tudo bem.
Não está.
Powder não quis entrar em detalhes, mas ouviu na noite anterior a porta bater com força. Passos firmes da irmã andando no piso da sala – onde a irmã mais velha dormia. Viu também o semblante de uma policial se afastando de casa, na rua. Ela sumia diante das ruas de Londres. Powder sabia que a irmã havia discutido algo com a oficial, a tal princesa Kiramman. Mas não quis pressionar no assunto com Vi, pois sabia que no dia seguinte a irmã estaria bem. Que ela não se abalaria por seja lá quem for. Muito menos por uma policial.
Era uma policial, pelos céus.
Por que essa era a irmã dela: Vi não se abalava.
Então imagine a surpresa de Powder no dia seguinte quando viu a irmã em silêncio o caminho todo da casa até essa boutique. Talvez desde a primeira hora da manhã até aqui, essas tenham sido as primeiras palavras ditas pela irmã. Ainda que leves e cheia de sarcasmo, Vi ainda assim estava em uma batalha interna de pensamentos sobre os acontecimentos – seja lá quais sejam – da noite anterior. Powder, então, arriscou:
- Aquela policial apareceu ontem?
- Yep. – Vi respondeu.
Sucinta. Ótimo.
- Você não vai me contar o que aconteceu, certo? – Powder se levantou do sofá, encarando firme a irmã mais velha.
- Nope. – Vi respondeu novamente.
- Você sabe que sempre foi nós duas contra o mundo. E... eu estou aqui, não sabe? – Powder reforçou. Cerrou os dentes. Se pudesse, Powder abriria aquela cabeça dura da irmã e enfiaria essas afirmações nela. Com força, se fosse necessário.
Não precisou, contudo. Vi apenas virou-se, aproximando da irmã. Ficou com o olhar fixado para a menina mais baixa a sua frente. Em seguida deu um apertado abraço, beijando o alto da cabeça de Powder. Murmurou baixo:
- Nós duas contra o mundo. Eu sei. E é por isso que precisamos tirar esse problema. – E apontou para a estátua de jade que teimava em fazer companhia para as duas. – Precisamos tirar isso de nosso colo. Aí não teremos que lidar com festas de riquinhos. Não teremos que lidar com a polícia. Eu poderei enfim relaxar. – Ela jogou o paletó de lado enquanto uma mulher aproximava e perguntava coisas como “Gostou da cor, senhora? E esse tamanho? Posso ajudá-la a vestir. Posso vestí-la e medir o seu corpo para ter uma melhor precisão?”. Powder não entendia como Vi atraia tanto o interesse e a afeição das mulheres, mas a mulher era um imã humano. "Talvez o olhar de cachorro pidão? ". Vi parecia aproveitar, ao seu modo, a atenção dada pela atendente e, segundos seguintes, complementou, falando, virando-se para a irmã. – E após tudo isso, já pensou o que irá fazer? Vai voltar para o antiquário? Posso te ajudar a reconstruí-lo, sabe?
- Bom, de acordo com os dois policiais... eu precisaria primeiro pedir uma bonificação e uma restituição pelos danos causados ao meu patrimônio. Precisaria ir até a prefeitura... e... Ah, eu esqueci de falar! – Powder girou sobre os calcanhares, fazendo um meneio para que a atendente as deixasse novamente à sós. Vi deu um sorriso como se desculpasse pela irmã e assim que estavam à sós, Powder continuou. – É obvio que Kiramman é um nome de uma árvore genealógica extensa aqui em Londres, mas sabia que a princesinha é filha da prefeita?
Talvez falar essa última frase tenha tido um efeito imediato em Vi, pois ela imediatamente foi até a irmã e arregalou os olhos genuinamente surpresa:
- Caitlyn é filha da prefeita? Quem te disse isso?
- Caitlyn? – Powder disse com escárnio e cerrou os olhos. A cara amarga foi espontânea o suficiente para mostrar o descontentamento com a irmã a sua frente. – Desde quando a trata pelo primeiro nome?
Vi passou a mão pelo rosto, tentando desconversar, voltou-se para o espelho e experimentou um novo paletó, esse xadrez em tons vermelhos e pretos. A lutadora disse baixo, tentando mostrar desinteresse na informação, falhando miseravelmente:
- Não importa, Pow. Ela não importa. Mas como você sabe dessa informação? Você não chegou a sair de casa, certo?
- É claro que não! – Disse Powder ainda mais angustiada com essa interação. Nervosismo começando a dar o ar das graças. Mas quis manter a compostura ao dizer à irmã. – Os dois policiais me disseram quando vieram falar sobre a restituição de danos à propriedade. Que a “Caitlyn” – disse com tom de sarcasmo de tal modo que recebeu uma encarada séria da irmã. – ...iria providenciar que todos os custos do prédio sejam reparados. Qual é o problema dela, hein?
Vi olhou para o chão, fechando e abrindo o punho. Fechou os olhos dando um profundo suspiro. Powder sentia o coração começar a bater forte.
Isso é errado.
Vi?
- Vi?! – Powder encarou-a novamente. Tinha os olhos aos poucos lacrimejando. A irmã não iria defender outra pessoa. Não iria ficar do lado de outra pessoa que não Powder, certo?! Vi sempre esteve ao lado de Powder. Nós duas contra o mundo, não?! Powder só foi sentir as unhas fincarem na palma da própria mão, quando murmurou para a irmã mais velha. – Vi... Por favor...
Eu estou perdendo minha irmã?
Vi olhou-a então. Ia disser algo quando viu novamente a atendente entrando no local e dizer:
- Meu Deus, você ficou ótima com essa cor. Posso fazer apenas alguns ajustes na altura do seu peitoral? – Ela se aproximou, levando a mão até os ombros da irmã mais velha, acariciando. – Forte...
- Por Deus... Se vocês quiserem um quarto é só me dizer! – Disse Powder completamente enojada.
A mulher imediatamente deu uns passos para trás, em reação as palavras de Powder. Vi olhou a irmã mais nova sobre o ombro, deu um breve sorriso em seguida de um riso, e disse para Powder:
- Hey! Nós contra o mundo. Nada mudou.
No entanto...
...Para Powder, mudou.
***
.Caitlyn.
- Cait, meu amor, você vai fazer um buraco no chão desse jeito. – Disse Jayce enquanto observava a amiga. Ele se encontrava sentado no canto da cama de Caitlyn, na casa dos Kiramman. Era cedo, por volta das 8 da manhã. Caitlyn havia o convidado com o objetivo de passar informações sobre o caso dos Wick, do Hotel e talvez dar um pouco de apoio moral para o potencial evento à noite: a ida até a casa do Doutor. O rapaz a observava caminhar de um lado para o outro dentro do quarto vestida com um belo vestido longo em um tom azul celeste. As costas à mostra e o cabelo mal penteado e preso em um coque malfeito. Jayce se levantou, pegando-a suavemente pelo braço, dizendo em seguida. – Por favor... dá para parar por um minuto e tentar se acalmar?
- Eu estou completamente bem, Jayce! – Disse ela em um tom que claramente contradizia exatamente o que ela afirmava.
- Ahã. Claro. – Ele suspirou, voltando a se sentar na beirada da cama. – Ok. Deixe-me recapitular: você encontrou a dona do antiquário, ela está envolvida de alguma maneira com a morte?
- Não. Não tem motivo para matar o sócio. Ele era o fiador da hipoteca. E pelo que ouvi de algumas testemunhas e da família de Chuck, como era chamado, ela era uma grande amiga dele. Não foi ela que o matou.
- E sabe o que eles estavam buscando desse tal de Chuck? E o envolvimento do Doutor Smith? Sabe onde ele está envolvido nisso tudo? – Perguntou o outro.
- Sobre Chuck... Eu não sei exatamente o que ele tinha de relevante. O que imagino é que Doutor Smith deixou algo com ele. E que Chuck não tinha em sua posse no dia do ataque no Hotel. Foi morto e os assassinos foram atrás de Powder Wick para recuperar. Agora o que o Doutor Smith deixou com ela, ou por que o Doutor Smith escolheu Powder em primeiro lugar... Apenas Deus sabe... – Caitlyn suspirou, passando a mão no próprio rosto, murmurando baixo. – Eu só não entendo por que... – Ela cerrou os dentes, quase soando derrotada. – Por que ela é tão teimosa...
- Teimosa? Quem? – Perguntou Jayce.
Caitlyn corou levemente, olhando para o chão. Fez um ‘não’ com a cabeça, virando-se para o melhor amigo. Murmurou baixo:
- Ninguém. Acho que... – Ela levou a mão até a testa, massageando-a com os dedos. Angustiada, voltou a dizer. – Como você e o Viktor conseguem ser tão perfeitos um para o outro? Um finaliza a sentença, o pensamento do outro. Estão sempre apoiando e se dando bem. Não brigam...
- Ah, mas é claro que brigamos. Todo mundo se desentende em algum nível, Cait. – Jayce riu. Em seguida se levantou. Voltou até a menina e pegando-a pela mão, rodou-a. Perguntou-a em seguida. – Esse é o vestido escolhido? É um belo vestido. Se o objetivo é atrair os olhares para si, é perfeito. Quem sabe não sai do evento com uma bela moça à tiracolo?
Caitlyn riu para si. Negou com a cabeça, sem jeito. Foi até o espelho e por alguns segundos ficou se admirando. Aquele vestido realmente era belíssimo. Sua mãe sempre teve bom gosto na hora de ir em boutiques e adquirir belas peças de roupas. Ela engoliu seco, observando então a mão direita. Havia uma pequena marca vermelha – de queimadura – no pulso.
O chá estava realmente quente.
Vi foi uma completa idiota na noite anterior. Foi grossa e irresponsável. Caitlyn não queria nada mais do que ajudar. E a outra apenas se esquivou e fechou todas as portas para que a policial pudesse entrar. Os ombros de Caitlyn aos poucos começaram a dar o ar de cansaço e se encolher. Parecia que nada que ela falasse com a outra pudesse alcançá-la. Pudesse fazê-la entender que não havia malícia por parte da policial. Ela só queria ver a família das duas irmãs bem.
E agora com a vigília na casa dos Wick cessada e com o potencial encontro com o Doutor Smith... Não havia mais motivo para que Caitlyn pudesse buscar pela irmã mais velha.
Talvez, depois da última noite, ela nem quisesse também.
Era mentira.
Mas ela não iria admitir para si.
- Cait? Te perdi por um minuto. Vai ficar ou não com o vestido?
- Uhum. Ficarei sim. – Ela disse e o rapaz sorriu abertamente.
- E precisa de alguém para ir contigo? Sabe que posso servir de companhia. Além de ajudar em qualquer interrogatório. Isso e somado ao fato que sua mãe me adora.
- Minha mãe quer que case comigo. E lhe dê herdeiros. Mesmo a senhora minha mãe sabendo da minha sexualidade. Então vamos tentar não saciar a vontade dela ao irmos juntos a um evento social programado por ela.
- Há. – Ele riu. – É um bom ponto. Isso e eu gostaria de poder tirar um bom tempo e visitar Viktor. Estou realmente ponderando a ideia de morar junto a ele. Não sei se sabe, mas ele pediu alguns dias para ficar em casa. Os problemas das juntas novamente... – O semblante ficando sério por alguns segundos. Abaixou o olhar. Caitlyn foi até o melhor amigo e apertou firme o ombro dele. Ele levantou o rosto e murmurou. – Obrigado por ter conseguido tratamento no hospital de seu pai. Tem o ajudado bastante os tônicos que ele anda tomando.
Caitlyn sabia que Jayce não gostava do assunto. Evitava ao máximo falar da saúde de Viktor pois trazia a sensação estranha e mórbida de doença. A palavra doença incomodava à ambos. Então após ser proferida, era comum os dois ficarem em silêncio como se tivessem que lidar cada um à sua maneira em seu mundinho. Pensando em como agir diante de um problema sem solução. Foi Caitlyn que voltou a dizer:
- Eu espero de verdade que com o passar dos anos encontremos a cura para o que Viktor tem. Talvez... Eu soube de pessoas importantes em Viena ou Berlim na área de medicina. Posso tentar ver com meus pais...
Jayce sorriu para a melhor amiga.
- Obrigada, Cait. Eu ficaria muito feliz com a recomendação. E tenho certeza que Viktor vai ficar empolgadíssimo com a notícia.
Caitlyn sentou-se ao lado do melhor amigo. Em seguida o abraçou forte. Sentiu as lágrimas teimarem a querer sair. Mas ela não ia se permitir fraquejar naquele momento. Ela precisava ser forte por Jayce. Por Viktor. Por ela mesma. Ela então disse baixo:
- Eu sou tão feliz por ter vocês comigo... E, Jayce, eu farei o possível pelo bem de vocês, ok?
- Eu sei, meu anjo. Eu sei. - Respondeu o outro.
***
.Powder.
Estava tudo escuro. Era como se o vazio fosse um cômodo só: infinito.
Que palavra maravilhosa: infinito.
Não havia paredes ou chão envolta de si ou sob seus pés. O local estava totalmente escuro. A única fonte de luz era a emanada por si. Ela olhou para o próprio corpo. Roupas simples: um macacão de algodão. Uma blusa branca simples. Usava sapatos bem engraxados e brilhosos. Powder ergueu aos poucos as mãos da posição que estavam: cada uma do lado do corpo. Uma gosma preta escorria dos dedos. Era como se fosse um piche viscoso penetrasse em seus poros. Powder tentou sem sucesso passar os dedos na roupa.
A roupa não era suja com a gosma preta.
E nem seus dedos paravam de se sujar e se lambuzar com aquele líquido viscoso.
- Vi? – Powder chamava a sua volta. Ameaçou a dar alguns passos para frente. – Vi?! – O barulho que emanava e ela ouvia em seus ouvidos era de água. Como se ela estivesse caminhando em uma superfície ou poça de água. Conforme ela caminhava, Powder vez ou outra erguia o pé para verificar se havia umidade ou água sob seus pés. Absolutamente nada. Incomodada com tudo aquilo, ela trocou os passos vacilantes por um trote para, por fim, começar a correr. – VI! POR FAVOR! VI!
Foi quando ela ouviu uma canção ser entoada. Múrmuros desconhecidos. Um conjunto de vozes começou a soar mais alto conforme ela corria para frente. Em loop, ela ouvia a expressão:
L' nog ya, mgepr'luh ehye.
L' nog ya, mgepr'luh ehye.
L' nog ya, mgepr'luh ehye.
Powder pode sentir uma presença atrás de si se levantando. A menina virou-se e engoliu seco ao ver uma imensa criatura marítima. Aquilo à sua frente era pele? Escama? Powder não sabia discernir. Verde? Roxo? Que cor era aquela? Ela não sabia também discernir. Estava escuro. Estava tudo tão escuro.
No entanto, era tão familiar.
Ainda que completamente alienígena.
Era magnífica.
Era... casa.
Os olhos penetrantes. Emitiam sons conforme Powder observava os tentáculos que ele possuía se movimentarem em movimentos erráticos. Como se fossem braços se movimentando dentro da água. Era uma dança estranha. Os braços fortes da criatura à sua frente possuia unhas longas e por fim se estenderam em direção a garota.
O som voltou a ficar estridente.
L' nog ya, mgepr'luh ehye.
L' nog ya, mgepr'luh ehye.
L' nog ya, mgepr'luh ehye.
Foi quando Powder foi resgatada.
Trazida à realidade pelas mãos fortes de sua irmã mais velha, que a sacudia. Powder pode ouvir a expressão de pavor da irmã. A irmã mais nova arregalou os olhos, voltando a realidade, mas ainda assim produziu murmuros baixos:
- L' nog ya, mgepr'luh ehye. Eu estou indo…
- Hey, Pow… está tudo bem, foi apenas um pesadelo. - Dizia Vi, com tremor em voz. Nervosa do que havia acontecido.
Os olhos da menina mais nova estavam completamente lacrimejados. Algumas lágrimas estavam seca e marcaram no rosto da garota. Lágrimas borravam a maquiagem que a mais jovem usava. Vi e Powder haviam retornado cedo da boutique com as roupas compradas e Vi foi providenciar um farto almoço para ambas. Powder havia dito que permaneceria no quarto enquanto a lutadora preparasse a comida. Na volta da boutique, Powder pediu para que a irmã a levasse até a biblioteca municipal da cidade para buscar documentos sobre outras línguas desconhecidas. Fonéticas ou achados que pudessem ajudar a identificar as inscrições na estátua de jade. A irmã mais nova queria verificar se conseguiria tirar alguma informação da estátua antes de devolvê-la para o Doutor Smith. E para a surpresa da irmã mais nova, Powder conseguiu, de qualquer forma, reservar alguns livros sem qualquer problema e os trouxe para casa.
Ainda assim, do momento em que ela resolveu sentar-se na cama e folhear as páginas do livro, para em seguida adormecer e acordar agora assustada nos braços da irmã: Powder não sabia quanto tempo cada uma dessas coisas tomou. Powder esquivou-se dos braços de Vi – algo assim conseguiu assustar a sua irmã? - e disse em seguida para a outra, um pouco nervosa:
- Vi... Podemos ir logo para essa festa?! Eu... Eu estou extremamente cansada.
Vi a observava apreensiva. Parecia que na testa da irmã estava gritando algo como “Minha irmã está enlouquecendo. Definitivamente”. Powder não queria brigar ou se irritar com a irmã mais velha, por isso evitou conversar sobre o assunto. Ou sobre o “pesadelo”. A menina de cabelos azuis se levantou da cama e se arrastou para o banheiro. Pegou um punhado de água e lavou o rosto. Suspirou fundo enquanto sentia dois olhos observarem-na. Vi ainda estava sentada na cama de Powder, a avaliando. Powder virou-se novamente para a irmã mais velha, dizendo baixo, firme e entre dentes:
- Por favor, não vamos tornar isso estranho. Eu só estou cansada para terminar isso logo. Não foi nada demais. Vamos nos arrumar e encontrar o Doutor Smith, ok?!
- Você tem certeza de que está bem Pow pow? Eu posso pegar a estátua e levar para o cara. Você nem precisaria sair de casa. Eu posso cuidar disso para você.
- NÃO! – Ela disse mais exaltada que gostaria de parecer. “Ela é minha”. “Minha estátua”. O pensamento veio tão rápido e em seguida ele se foi. Powder as vezes se assustava com esse pensamento. Mas não iria declarar para a irmã mais velha. Isso daria mais munição para que Vi optasse por resolver todos os problemas sozinha. E Powder ainda queria entender a participação dela nisso tudo. E ela sentia que o Doutor Smith só iria dar a verdade apenas à ela. Ela estava metida nisso. Ela. Não Vi. – Vi, Chuck morreu por causa dessa estátua. Ele merece que eu veja isso sendo solucionado. Por favor, me deixa ajudar. Eu estou bem. – Era uma meia mentira: Chuck realmente foi morto por essa estátua. Mas Powder temia a falta de autocontrole de se separar da estátua. Então, enquanto pudesse adiar a separação, melhor.
- Ok. – Vi falou, derrotada. Se levantou da cama e continuou. – Se arrume, devemos chegar lá as 19. Temos tempo para fazer isso. Mas você pode tentar pelo menos comer um pouco, alimentar-se, ajeitar os cabelos, a roupa que compramos... e vamos resolver isso. Ok?! Apenas se hidrate e coma algo. Vamos precisar manter a mente afiada para esse evento. Não vamos querer problemas.
Powder suspirou aliviada com a decisão da irmã e foi até a lutadora, dando-lhe um abraço forte. Disse em seguida:
- O-Obrigada por confiar em mim. - A voz saiu um tanto quanto insegura. Ela completou. - E.. Eu realmente acho que posso servir de ajuda. Na realidade... Eu tenho certeza.
E Powder ficou feliz pois as horas passaram mais rápido após essa nova motivação e o foco em mente.
Roupas adequadas e compradas com o dinheiro de Mel Medarda foram suficientes para dar em Powder e Vi um ar nunca visto nas irmãs Wick: estavam vestidas como realezas. Uma camada que era bem distante do que elas eram de verdade, é claro, mas ainda assim era algo que elas permitiram-se aproveitar no momento.
Powder escolheu para ir ao evento com um lindo vestido de cetim. Era de um azul claro que parecia como as de nuvens em um dia claro. Usava também algumas joias simples, mas que destacava no pescoço claro da menina. As tranças características azuis ainda estavam presentes no rosto de Powder, mas para a ocasião, ao invés de estarem completamente soltas, estavam em um belo coque que deixava a menina com alguns centímetros a mais. O salto, também, complementava a altura, fazendo-a ficar quase do tamanho de sua irmã mais velha com toda com essas vestimentas. Todo o look parecia em harmonia. À exceção é claro da bolsa que Powder ainda teimava em levar consigo com a estátua de jade. Ela não tirava a bolsa com a estátua de tiracolo. Vi tentou protestar dizendo que não precisaria levar aquela bolsa, não precisaria que Powder levasse a estátua, mas a irmã mais nova estava irredutível. De tal modo que depois de alguns minutos discutindo, Vi apenas admitiu a derrota e deixou que a irmã levasse a maldita estátua naquela bolsa velha.
De todo modo, Vi também não ficava para trás em elegância: Usava um terno de fio belíssimo em tom escarlate. Havia alguns fios pretos em vertical no linho do paletó que contrastavam e davam estatura a mulher. Usava um belo colete preto por baixo do paletó que deixava pouco para a imaginação de qualquer um: o colete reforçava os músculos da mulher. Por precaução, a mulher vestiu também o coldre com as duas pistolas que usava. Repousou as pistolas com cuidado na altura das costelas enquanto observava o escrutínio da irmã. A menina de cabelos rosas apenas disse, sorrindo para Powder:
- Por precaução.
Powder entendia.
Ela sempre entendeu.
Elas contra o mundo.
Como tem que ser.
O sapato social da irmã era de um tom preto. Bem engraxado. Os cabelos de Vi, diferentemente do que normal, não estavam desalinhados caindo sobre o rosto. Estavam bem penteados para trás, dando um ar na irmã mais velha que Powder nunca havia visto. Fino. Elegante. Vi mantinha também o relógio de bolso característico. Presente de Vander. Powder engoliu seco lembrando-se do padrasto. Suspirou. Não queria mexer em feridas antigas. Voltou a olhar a irmã mais velha e deu um sorriso sem jeito. Abaixou o olhar para não transparecer tanto o constrangimento de ver o relógio. Essa não era a hora. Era a hora de resolver seus problemas. De entregar a estátua.
- Vamos? – Perguntou Powder.
Vi se aproximou da irmã e levou os dedos cheio de cicatrizes e calejados até o rosto da irmã mais nova. Afagou-a com carinho. Ela perguntou:
- Quando isso acabar... Isso... – e fez um movimento entre as duas com a mão. -...pode não mudar? Eu... estou feliz, Pow. Apesar... disso tudo.
Powder não queria que mudasse.
Ela não queria perder a irmã.
O toque dela é tão confortável. A trazia de volta de toda essa insanidade. Ela sentia medo que as coisas mudassem. Elas mudariam. Elas mudaram.
Mas ela não queria perder Vi.
Então a coisa mais sensata que podia dizer no momento foi:
- Nunca iremos mudar.
Mas promessas são para serem quebradas.
Pois depois daquela festa, tudo. Absolutamente tudo para as irmãs Wick, mudou.
Notes:
Um capitulozinho de preparação. Depois disso começa a ir tudo para a caralha.
Aliás, a partir do próximo capítulo, vou começar a fazer algumas considerações sobre o jogo de Call of Cthulhu que foi inspirado essa história em primeiro lugar.Animada para sexta feira! :D
É isso! Qualquer coisa, considerações, fiquem a vontade para mandar algo. :)
Chapter 8: O reencontro
Summary:
Finalmente o evento do Doutor Smith se inicia.
Todos, na expectativa. O que a noite os espera?
Notes:
1. Sem avisos sobre o capítulo. :) Eles vão apenas tomar uns quitutes e ir para casa tomar um cházinho verde pra digestão. lol
2. Frases, frases!
No capítulo passado, existe uma pequena frase R'Lyehian, "L' nog ya, mgepr'luh ehye", que nada mais é "Venha até mim, pessoa perdida". Algo mais ou menos assim. :~ Algum Mythos, Deus Exterior, parece que está chamando a nossa menina Powder. Se ela vai escolher ir, aí... né.Então, vamos?!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aqui: Bitter and Sick – One Two
.Powder.
A casa de Doutor Smith era belíssima. Era de um tom bege suave. Havia três andares se Powder e Vi contassem o sótão único que havia no empreendimento, no topo da casa. Era uma casa que tomava quase totalmente o quarteirão do local. Powder podia ver que o local possuía uma infinidade de janelas por cômodo, enfeitado por belas cortinas de tom amarelo.
A arquitetura, como Powder poderia imaginar, era de casas inglesas tradicionais: com telhas azuis belíssimas que davam um contraste ao tom das paredes externas do local. Era simples, mas majestoso.
O jardim do local era impecavelmente bem cuidado. Powder pode observar que havia um serviçal que parecia finalizar uma poda simples na parte externa da casa e olhava os convidados que se aproximavam com curiosidade. Permaneceu intensamente olhando para Powder.
Era... estranho.
Mas o que não estava estranho nesses últimos dias?
O céu estava já completamente escuro. Aquela noite estava mais escura que o normal. O céu preto, aos olhos de Powder, gerava uma sensação desconfortável. Pareciam tão escuro quanto ao ambiente onde Powder vivenciou aquele sonho horas antes. O desconforto à cor do céu a fez ficar meio recolhida à frente da porta do grande casarão.
Powder sentiu uma mão firme no seu ombro, murmurando baixo no ouvido da menina:
- Eu estou aqui.
Sim. Como sempre.
- Eu sei, Vi. Eu apenas... Nada. Deixa pra lá.
A iluminação que vinha das janelas indicava que a festa já estava iniciando. Antes de entrarem, as irmãs Wick perceberam que as primeiras gotas de uma chuva fina começaram a aparecer. A hora de entrar dentro da casa de Doutor Smith nunca foi tão acertada quanto agora. Elas não desejavam que tanto a maquiagem como as roupas fossem pegas pela chuva do lado de fora.
Vi pegou uma alça e bateu algumas vezes na porta. Mantinha o olhar em Powder o tempo todo. E sorria como se estivesse dando-lhe apoio moral à menina. Queria gerar confiança na mais nova.
Powder apreciava o gesto.
Ainda assim, havia algo dentro de si.
Algum... incômodo.
Algo lá dentro que a deixava desconfortável. Um sentimento fraco e que estava impregnado. Como se Vi não confiasse em Powder para fazer nada. Que ela precisaria sempre de Vi para conseguir as coisas. O incomodo de ser um estorvo para a irmã as vezes suprimia tudo de bom que ela sentia pela menina de cabelos rosas. Era uma metamorfose dentro do peito. Ela queria só achar belo o gesto da irmã. Mas vez ou outra, esse sentimento se apossava de si.
Tentando de alguma maneira empurrar os sentimentos para dentro do peito, ela apenas retribuiu o sorriso à irmã mais velha.
Alívio foi não se perder nesses pensamentos, pois no instante seguinte a porta se abriu, com um mordomo as recebendo.
- Senhoras. É um prazer. Poderia saber quem vocês são para enfim tirá-las de dentro da chuva?
- Ah... Somos convidadas da senhorita Mel Med...
Antes que Vi pudesse terminar essa frase, Powder pode ver Mel na diagonal direita de onde as irmãs se encontravam, indo em direção ao mordomo. Ela, vestida em um belíssimo e elegante vestido em tons dourados e branco, com uma generosa abertura lateral na perna. Escandaloso. Mas Mel Medarda não parecia ligar, ao certo. Usava o cabelo bem preso em um coque semelhante ao que Powder usava no momento. Um calçado dourado belíssimo fechado com apenas a ponta dando detalhes de uma unha bem pintada. Isso sem contar com o perfume que era exalado por ela, que poderia ser sentido de metros de distância. Colocando a mão no ombro do homem à frente de Powder, Mel disse:
- Por favor, elas são minhas convidadas, Bedolws. Deixem-nas entrar, por favor.
- Ah, senhorita Medarda. É claro. – E ele abriu toda a extensão da porta para que Powder e Vi pudessem entrar no antigo casarão.
E é aquela coisa: se a casa pelo lado de fora pareceria simples, por causa das cores pastéis que havia em seu exterior e sem muitos detalhes na arquitetura... a parte interna era um detalhe completamente diferente. Para Powder que trabalha em um antiquário, o local todo pareceria um grande parque de diversões. A quantidade infinita de peças mecânicas, de itens de colecionador, de objetos elétricos que Powder poderia se perder por horas estudando. Tudo isso fez Powder – pela primeira vez nos últimos dias – esquecer que estava em uma missão. Um objetivo bem definido. Ela queria de verdade esquecer dos sonhos, das perdas de realidade, dos sentimentos conflitantes para com sua irmã. Ela se permitiu sorrir animada com o pensamento que poderia pedir para Doutor Smith olhar tais peças. Tocá-las, experimentar. Brincar com elas. Vê-las funcionar.
Ele deixaria, certo?
Se eu entregar a estátua.
- Gostou de algo que viu? – Vi perguntou-a, com um sorriso, enquanto a observava.
- Ah... O Professor tem uma coleção majestosa de peças. É um grande colecionador. Imagino que para sua irmã... que é uma antiquária isso seja diversão para vários dias. – Respondeu Mel enquanto entrelaçava os braços ao de Vi, que sorria percebendo o real interesse na irmã mais nova. O sorriso genuíno foi trocado por um sorriso constrangido ao sentir as mãos de Medarda no braço de Vi. Powder poderia ver que a irmã mais velha estava levemente constrangida do ato por parte de Medarda, mas Powder viu que a irmã mais velha não recusou o contato. Mel voltou a dizer, por fim – Vi, adoraria apresentar vocês a alguns investidores no museu. Vem comigo?
- Mel... – Vi riu sem jeito, olhando a volta. – ... Você sabe que eu faço o que desejar... – A lutadora puxou a mulher de ébano para o lado e com a mão livre, puxou o braço da irmã mais nova. – Mas veja bem... temos um objetivo aqui. Powder realmente precisa ter um dedo de prosa com o Doutor Smith. Pode arranjar isso? E depois... Depois fazemos o que deseja.
Mel ergueu a sobrancelha, olhando a volta e em seguida deu um sorriso para Vi. Powder poderia ver um pequeno relance de desconforto na face da arqueóloga. Powder só não sabia se tal desconforto se dava pela resistência por parte de Vi ou se por outro motivo não aparente. A arqueóloga suspirou fundo, tentando parecer o mais gentil nas palavras a seguir:
- Meu anjo... eu ajudarei vocês duas no que quiserem. Mas no momento, vocês acabaram de chegar e não seria educado da parte de vocês irmos até o anfitrião para tratar de negócios. Interajam um pouco mais e por fim as apresentarei, ok? – Ela voltou a sorrir, virando-se e dando alguns “tchauzinhos” para outros convidados. – Vi, minha querida. No presente momento você é a minha companhia. Por isso, peço que aja como tal. Vamos?
Vi suspirou fundo, olhando para Powder como se buscasse aprovação. Powder olhou a volta. Já tinha visto o Doutor Smith anteriormente. Conhecia sua aparência. Então escaneou o local em busca de reconhecimento. Onde ele está? A irmã de cabelos azuis respondeu por Vi:
- Mel... O Doutor Smith está aqui, hoje, certo?
Mel virou-se para Powder. Vi olhou firme para a mulher de ébano. Mel deu mais um longo suspiro, a angústia de lidar com as Wick já aparente. Por fim deu mais um sorriso. Dessa vez mais falso que Powder poderia ter imaginado. Mel por fim disse:
- Sim, Powder. Ele está aqui. Apenas disse que subiria um pouco... – E ela apontou para a escadaria do local. Era uma bela escadaria central que dividia a casa em duas metades, com longos corredores para os quartos do casarão. No presente momento o grupo estava em um grande salão central. Longas mesas estavam em ambas as extremidades do salão com quitutes e pequenas taças que Powder imaginaria serem de champagne. Mel continuou o relato. - ... ele recebeu alguns convidados que chegaram mais cedo... disse que estava com uma dor de cabeça e que desceria em seguida. Ele está aqui, Powder. Isso eu posso te garantir. Apenas dê algum tempo que irei atrás dele, ok? Como disse, ele é um amigo de minha família. E meu instrutor. Tenho acesso a ele. – E em seguida ela se virou para Vi. Dessa vez como se fosse em um pedido silencioso. – Vi?
Vi novamente virou-se para Powder que apenas confirmou com a cabeça. A irmã mais velha foi até a mais nova e beijou-a no alto da cabeça de Powder. Murmurou baixo apenas que ela pudesse ouvir:
- Se você vir Smith, vá até ele. Não se importe com o que ela falou. Não confio em ninguém aqui. Só em você. Entregue a estátua e saia daqui o quanto antes. Vou tentar entretê-la o máximo que puder.
Powder enroscou os braços envolta da cintura da irmã e abraçou forte. Quão preciosa é aquela a frente de Powder. Um vínculo maior que tudo. Ela fez uma confirmação com a cabeça e se afastou em seguida. Vi fez o mesmo, indo até Mel e guiando-a na pequena multidão de convidados.
- Hey... Posso lhe oferecer uma bebida?
Powder foi pega de surpresa. Olhou de lado para onde a voz vinha. Era um rapaz negro, no momento alguns centímetros mais baixos que ela – talvez por causa do salto. Tinha o porte franzino, mas isso não significava que ele não tinha ou aparentava ter músculos. Apesar que é difícil comparar quando a régua de comparação é a própria irmã. Ele tinha os olhos castanhos intensos. Tinha um sorriso que Powder não sabia se era deboche estampado entre os lábios ou apenas charme. A menina se aproximou do outro, olhando a sua volta:
- Não me dou bem com bebida. Prefiro passar a oportunidade... - Voltou a olhar na pequena comitiva de convidados em busca do Doutor.
- Eu não me dou bem com bebida, também. Estava apenas buscando assunto. – Ele riu brevemente. Powder o acompanhou com o olhar. “Direto”, ela pensou. Ele continuou. – Me chamo Ekko, aliás. É um prazer... – Ele começou a falar, esperando que Powder complementasse com o próprio nome.
- Powder. Powder Wick.
- Ah... – Ele sorriu. – Powder. Interessante. – Ele olhou a volta. – É amigo do anfitrião ou veio a convite de alguém daqui?
- Um pouco de ambos. Conheço o anfitrião, mas não posso me dizer amiga dele. E vim a convite da minha irmã... que aparentemente tem um imã para mulheres ricas. Ela é a convidada de Mel Medarda.
- O passatempo do rico é querer entender a ralé ou abusar dela... – Disse em um tom misterioso o outro. Powder se virou para ele e o observou atenta. A irmã mais nova imaginou que por causa da frase falada, ele também não era alguém de posses. Ele se pegou olhando a ela e continuou. – Powder Wick... Claramente somos dois deslocados no meio desses ricos. O que acha de aproveitarmos dessa situação e fuçarmos o local? Não quero ficar aqui e me alimentar de quitutes. Ou do champagne. Tenho mais interesse no que o local à volta tem...
- Antes... – Powder aproximou-se mais do jovem e olhou a volta. -... O que você é do Doutor Smith? Já que aparentemente você também se considera ralé aos olhos das pessoas daqui?!
- Ah! Isso é fácil de resolver. – Ele puxou do paletó que vestia um maço de papéis. Puxou um cartão de visita e estendeu à Powder. A menina leu o cartão escrito “Benzo’s Empreendimentos – Despachante Aéreo e Fretamento particular”. Ekko sorriu abertamente, voltando o maço de cartões de visita para o paletó. – Sou piloto, senhorita Wick. Não sei se é de conhecimento, mas Doutor Smith fretou um voo particular de Constantinopla até Londres. Meu pai cuida dos trâmites legais já eu... piloto. E trabalho um pouco na parte mecânica das nossas aeronaves.
Powder então sorriu um tanto maravilhada. Era interessante o quanto o céu – assim como a cor de seus cabelos – atraia tanto à pequena. Ver alguém que podia se dar ao luxo de estar no céu e aproveitar a liberdade que isso impunha... isso trazia um alento ao coração de Powder. Ekko talvez tenha percebido o brilho no olhar da menina, pois em seguida voltou a dizer:
- Se desejar... talvez um dia eu possa te levar para voar. Teria que perguntar para Benzo..., ele as vezes consegue ser um pouco pé no saco, mas...
- Eu adoraria, Ekko! – Ela disse animada. Talvez a noite seria mais agradável que ela imaginava de início. Ela levou a mão até o braço do rapaz e puxou-o, dizendo. – Enquanto eu não tenho acesso ao Doutor Smith... talvez você possa me falar sobre a parte técnica de uma aeronave... veja bem eu posso me considerar uma inventora. E adoraria entender por dentro de uma aeronave. Na realidade...
Enquanto ela puxava Ekko para adentro do grande casarão, atravessando as grandes mesas de comida, Powder pode perceber a porta do salão de entrada se abrir novamente. Viu, então, uma alta jovem de cabelos azuis acessar o grande salão.
Ela conhecia aquela pessoa.
E para o azar da pequena Wick, essa pessoa a conhecia e à sua irmã.
Droga.
Kiramman.
***
.Caitlyn.
Caitlyn se arrependeu de ter vindo quando colocou os pés no tapete de entrada da casa de Doutor Smith. Ela quase desejou não ter batido algumas três vezes na porta de entrada e ter sido recebida pelo mordomo do grande casarão. Ela sabia que se não tivesse batido, ela poderia ter dado meia volta, vestido as roupas que ela estava mais confortável – seu uniforme, por exemplo – e resolver essas pendências quanto ao caso apenas no dia seguinte, pelos trâmites formais mesmo.
Ela amava a burocracia mesmo.
Qual seria o mal em ir pelos trâmites legais, não é mesmo?!
A roupa que ela havia admirado horas antes agora parecia alienígena e desconfortável. Queria arrancar aquela vestimenta e trocar por roupas mais confortáveis. Talvez um pijama? O coração batia mais forte: não estava acostumada a estar nesses grandes eventos da elite sem a sua mãe a tira colo. Isso acaba tornando a situação mais desconfortável. Quando ela iria nesses eventos acompanhada da mãe, a matriarca era o ponto de atenção e convergência de qualquer cidadão. Queriam buscar informações sobre a prefeitura, sobre obras, sobre o que a matriarca pretendia com Londres e amenidades. A mãe era como se fosse um farol em eventos assim. Chegava a ser assustador. Caitlyn normalmente nessas situações ficava a tiracolo, alguns metros distantes da mãe apenas observando as interações. Ela não precisaria abrir a boca, pois a palavra nunca seria dirigida para ela.
Ela não importava.
E ela estava feliz assim.
Mas a situação, no momento, era diferente. Sem a mãe para chamar atenção para si, cabia a primogênita roubar a atenção para si e ser gentil com sorrisos a todos que se aproximassem. Ou pelo menos era o que a mãe esperava dela.
Agora se ela iria fazer isso ou não...
- Senhorita? Por favor, seu nome?
Há quanto tempo aquela pobre alma estava ali tentando chamar atenção de Caitlyn, a policial mal imaginava. Ela sorriu sem jeito, ajeitando o vestido de cetim que vestia. Ajeitou com cuidado a alça da bolsa que levava sob o ombro e disse:
- Ah, me desculpe. Senhorita Kiramman. Sou emissária da prefeita. Filha dela. – Ela arranhou a garganta tentando ganhar alguma confiança. – O Senhor...
- Pelos Deuses, senhorita Kiramman. – O mordomo simplesmente abaixou-se fazendo uma longa reverência e afastou-se da porta dando passagem para a jovem Caitlyn. – Peço mil perdões por não ter lhe reconhecido. Normalmente nos eventos você fica apenas atrás de sua mãe que apenas no momento pude perceber que é você. Venha, venha... – Ele se aproximou dela, fazendo menção de pegar-lhe o sobretudo, o que Caitlyn lhe entregou de bom grado. – Fique à vontade. Doutor Smith estará extremamente satisfeito que os Kiramman puderam comparecer a pequena reunião dele.
- Excelente. – Caitlyn escaneou o local em busca da figura em questão, perguntando em seguida. – A falar em Doutor Smith, pode informá-lo que preciso conversar com ele sobre uma questão urgente? Estou à procura dele, mas até o presente momento... – E voltou a encarar o mordomo. – Seu nome...?
- Bedowls.
- Claro... Bedowls... – Ela voltou a sorrir tentando passar o máximo de amistosidade na pergunta. – Por favor, poderia informá-lo que eu tenho algo importante a tratar com ele? E que talvez a vid... – Ela pensou um pouco. “Calma... Cait, controle-se. Não vá alarmá-lo sem necessidade”. – Pode apenas dizer que eu realmente preciso falar com ele? Ele está aqui, não?
- Mas é claro, senhorita. O Doutor estava aqui até agora pouco, mas estava um pouco indisposto e teve que subir. Recepcionou apenas alguns convidados antes disso. Mas sim, informarei prontamente que a sua presença é necessária.
- Ah, excelente. Eu... – Ela voltou a olhar a pequena comitiva de pessoas no local. E imediatamente congelou o corpo com a visão na extremidade oposta do salão.
Há alguns metros, próximo a algumas mesas de quitutes e conversando com um grupo de pessoas, estava Vi. A mesma Vi que Caitlyn havia se encontrado na noite anterior. A mesma Vi que foi da pessoa mais grosseira para a mais doce. Para, em seguida, a mais grosseira novamente. Mas aquela era uma Vi ainda mais diferente: não estava com as roupas simples que usava normalmente. Não. Estava extremamente diferente: esqueça as calças simples xadrez e a blusa de linho com os suspensórios. Não, dessa vez encontrava-se extremamente elegante: Paletó vermelho com alguns fios pretos. Uma blusa e um colete que marcavam bem o corpo tão definido da mulher. Os cabelos bem alinhados para trás.
Exalava elegância e requinte.
Caitlyn odiava admitir, mas a mulher parecia saída de um filme.
Cait apenas não sabia dizer se gostava da Vi das roupas simples e ar desleixado ou a deusa que aparentava a sua frente.
O coração aos poucos se apertou. Ela teve um relance do que vivenciou na noite anterior. A mesma deusa que se encontrava a sua frente não confiava nela. Não era capaz de confiar nela. A água quente do chá que a feriu – onde ela agora coloca os dedos afagando suavemente o pulso – não é nem o mais dolorido na situação toda. É o fato que mesmo diante de tantas investidas, a mulher à sua frente não confia em Caitlyn. E a afasta em toda a situação que estão juntas. E isso a irrita. A irrita profundamente.
Pega de surpresa, Caitlyn se perguntou, contudo, o que Vi estaria fazendo ali. Não que ela fosse alguém que julgasse Vi pela sua riqueza ou falta dela... mas todos que estavam no salão, até o presente momento, eram de um status social particularmente alto. Vi, pelo que Caitlyn pode perceber das irmãs Wick, não se enquadrava entre eles.
Destoava dentre eles.
Na cabeça de Caitlyn, as engrenagens começavam a rodar:
Ela sabe mais do que diz.
Eu sabia que ela sabia mais do que diz.
Ela precisa falar com o Doutor Smith.
O que ela precisa falar com o Doutor Smith?
O que aquela figura no antiquário queria que as... Wick...tem?!
- Elas possuem algo. Elas possuem algo. – Murmurou Caitlyn.
- Senhorita? – Perguntou Bedwols atrás de si. – Posso lhe ajudar em mais algo?
- Ah! – Caitlyn murmurou sob o ombro ainda mantendo o olho em Vi. – Aquela jovem... – E apontou com o queixo. – Ela... ela é algum tipo de convidada do Doutor Smith?
Antes que Bedwols pudesse responder, Caitlyn foi pega de surpresa pela segunda vez. Pois a policial pode observar uma mulher enroscar-se em Vi. Uma bela mulher de cor negra, cabelos em um coque, aparência elegante. Se Caitlyn pudesse descrevê-la, poderia dizer que a mulher é a riqueza em ouro. Assustadoramente rica pela quantidade de joias em ouro que carregava consigo: braços, pescoço, orelha, onde qualquer um pudesse imaginar. Maquiagem que destacava as feições suaves.
Caitlyn poderia jurar que já havia a visto em algum lugar. Mer... Mer alguma coisa.
- Ah! Senhorita Wick. Sim. – O mordomo a tirou dos pensamentos. – Ela veio à convite de Mel Medarda.
- Medarda. – Repetiu Caitlyn fechando o semblante, ficando de repente séria. É claro. O encontro. É claro que o encontro de Vi tenha sido com Mel Medarda. – Claro. Mel Medarda.
Caitlyn sentiu mais o coração se fechar de angústia com aquela cena.
O que diabos Mel Medarda tinha com Vi?
- Não importa. – Disse por fim ela, com nervosismo em voz. Apertou firme os próprios punhos. – Eu vou lá.
E antes que desse alguns passos à frente, sentiu uma mão pegá-la firme. Virou-se de lado e encarou a pessoa que a impediu de seguir.
Powder.
Ótimo. Mais uma.
Ela olhou para a irmã Wick mais nova. De modo semelhante à Vi, Powder estava completamente diferente do que havia se apresentado em dias anteriores. Roupas elegantes e um vestido belo azul claro. Um belo coque feito com as suas tranças. Tinha ao seu lado um rapaz que Caitlyn imaginava ser de idade próxima à de Powder. Ele tinha os olhos amendoados. E parecia meio incerto do que estaria fazendo ali. Então vez ou outra escaneava de Powder para Caitlyn com um misto de curiosidade e receio.
- Boa Noite, senhorita. Powder...? – Ele primeiro virou-se para Caitlyn para recebê-la. Em seguida virou-se para Powder. – Não íamos...
- Sim. Logo mais, Ekko. – Emendou Powder, tentando ser o mais breve possível. Virou-se para Caitlyn e sorriu. Não era um sorriso amigável, no entanto. Parecia... forçado. Caitlyn fez o mesmo. Duas pessoas podem brincar desse jogo. Powder fechou então o semblante, dizendo em seguida. – Caitlyn Princesa Kiramman. Se eu fosse paranoica, poderia jurar que está seguindo-me e à minha irmã. Devo ir à polícia prestar queixas?
- Ah... eu poderia dizer o mesmo, senhorita Wick. – Disse Caitlyn, subindo o sangue às orelhas. – Afinal..., olhe para você. - E a língua afiada apenas soltou. - Quem parece que está deslocada do ambiente natural é você, não eu.
Caitlyn nunca, mas nunca mesmo usou do status de vida para menosprezar alguém. Quer dizer... até o presente momento.
Pois neste momento, ela estava frustrada. Angustiada e talvez com um resquício de ciúmes.
Ela estava contanto, no entanto, com o autocontrole da Wick à sua frente, pois o comentário claramente era como um tapa dado à face da outra. E ela esperava que Powder não retalhasse com violência em meio à tantos convidados.
E para a sorte dela... Powder riu, fazendo um “não” com a cabeça. Em seguida voltou a encarar Caitlyn, murmurando baixo, com um tom quase beirando à ameaça:
- Eu não pensei que houvesse sangue correndo em suas veias, princesa. Ou talvez garras saindo de suas unhas. Bom saber...
- Powder...? – Ekko tentou mais uma vez. – Por favor, vamos apenas sair daqui. – Ele se virou para Caitlyn sorrindo sem jeito. – Caitlyn, certo? Por favor, vamos apenas nos despedir e partir em caminhos distintos. Ok?
Powder levantou as mãos como se estivesse se rendendo às palavras de Ekko. Ela que respondeu:
- Ekko, por favor, - Disse com escárnio. – Eu não vou perder meu tempo com essa esnobe. Eu vim apenas alertá-la de não importunar eu e minha irmã novamente. Pois parece que é algo que ela tem tido um grande prazer em fazê-lo.
Caitlyn deu uns passos para trás. Ela bufava de raiva. Fora daqui, fora desse casarão, ela já teria dado um tapa estalado no rosto dessa menina ousada. Por que as duas se incomodam tanto com ela? Mas Caitlyn não tinha tempo para isso. Ela girou sobre os calcanhares com rumo certo: Ela tinha outra irmã Wick com quem deveria lidar. E essa noite apenas estava começando.
Notes:
Vamos lá, vamos tentar explicar um pouco como está funcionando essa Fic.
Essa fic tem como base o cenário de Londres da campanha do Horror no Expresso Oriente (Horror on the Orient Express). Em Londres, existe um plot chamado "The Doom Train" (Trem da ruína). Não vou dar spoilers antes dos acontecimentos desta fic. Mas esse cenário é bem mortal e "divertido". Eu tentei ao máximo divergir no cenário original para não ficar repetitivo para a fic. Conforme desenrolar a história aqui na festa, eu vou dando mais ideias do que pensei quando montei a história.
Outro detalhe: Queria mostrar pra vocês o monstro, criatura ou que seja que atacou a Vi no capítulo 3.
Bichão! XDVamos ver como vai ficar.
De qualquer forma, gente, qualquer feedback, comentários. Se quiserem que eu explique alguma coisa, fiquem a vontade!E não! Por favor não julguem minhas músicas depressivas. (Isso é pra você, Tácito XD)
Chapter 9: Sussurros ao pé do ouvido
Summary:
A festa é iniciada e os nervos dos investigadores está a flor da pele.
Caitlyn procura por Vi.
Será que essas duas podem encontrar um caminho comum a partir daí?
Notes:
Argh, antes tarde do que nunca. -.-
1. Bom, não é bem um aviso AVISO, mas nesse capítulo há apenas sugestão sexual. Nada demais.
2. Não houve frases de CoC no último capítulo, então, sem traduções pelo momento.Vamos então? :D
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Message - Coldplay (A letra dessa música é linda! :))
.Vi.
Todo o local era desconfortável. Vi sentia-se completamente... Não, ABSURDAMENTE, deslocada naquele ambiente. Ver todas aquelas pessoas falando sobre milhares e milhares de libras como se fosse troco de pão. Discutirem a vida de cidadãos mais pobres como se fossem fichas de poker; tudo isso fazia Vi sentir um arrepio na coluna. Ainda assim, ela permanecia esboçando sorrisos forçados para quem quiser virar a face para ela.
Isso é, quando alguém se preocupava em virar o rosto para ela. Acho que a pobreza infelizmente é algo que é sentida de longe, Vi pensou. Pois ninguém se importava realmente com ela. As vezes os olhares caiam sobre ela com o intuito que envolvia mais de curiosidade. Talvez interesse. Talvez desejo. Mas nunca com verdadeiro interesse por Vi. Pela pessoa de Vi. Ela era um pet. Pura e simplesmente. O objetivo dela era ser apenas exposta.
Que seja.
Isso é por Powder.
Então ela se voltava aos sorrisos falsos para as pessoas a sua volta. Que teimavam em buscar a aprovação não de Vi, mas daquela que estava ao seu lado.
Se Vi não queria chamar atenção para si, Mel desejava todos os olhares fossem depositados sobre ela. E ela conquistava isso sem maiores problemas, pois toda e qualquer pessoa vinha conversar amenidades com a mulher do clã Medarda. Ela era um imã dos riquinhos que estavam por ali.
Vi não conhecia e na realidade pouco se importava com qualquer pessoa dos status mais altos ou famílias mais ricas da cidade de Londres. Mas depois dessa noite ela sabia que Mel definitivamente estava entre o topo delas. Talvez ela fosse a mais rica entre as famílias existentes. Isso corroborado pelas pessoas buscando constantemente agradá-la durante os primeiros minutos do banquete que estavam tendo no momento.
Sutilmente, Mel tirou a mão que estava sobre o braço de Vi e puxou-lhe pela mão para que Vi a segurasse pela cintura, ficando em uma posição como se a lutadora à abraçasse. Ela virou-se de lado, aproximando-se o corpo da lutadora e beijando-lhe a bochecha – para suspiros e “ohhh” vindos de alguns convidados –, a arqueóloga murmurou baixo:
- Vi, meu amor, você poderia ser uma querida e pegar uma taça de champagne para mim? Sabe como é... Estou com a boca seca de toda essa interação.
Vi sabia bem que tudo isso era um jogo para Mel. Ela queria ser o centro das atenções naquele salão. Queria que fosse motivo das conversas em brunches no dia seguinte. Por isso Mel montava todo esse teatro.
E ela era boa nisso. Mel realmente era boa nisso.
A lutadora odiava ser usada para isso, mas ainda assim admirava o empenho da mulher ao seu lado. A forma que ela transformava e deixava todos orbitarem envolta de si. Pelo momento, Vi deixou-se levar pela ocasião. Deixou a mão suavemente escorrer da cintura da mulher de ébano a sua frente para a base da coluna, próxima ao início das nádegas.
Nem tão longe. Nem tão perto.
O suficiente.
Mel apreciou o gesto. Deu um sorriso.
Vi respondeu:
- Já volto com sua bebida.
Assim que se afastou centímetros da mulher, Vi parou. Buscou ar e quase não os encontrou. A surpresa que sentiu ao se deparar com aquela mulher de cabelos azuis escuros a sua frente, próxima a porta de entrada do salão. A mesma mulher que tem a perseguido ultimamente: tanto fisicamente quanto em sua cabeça. Aquele vestido lindo. Aquelas curvas de um corpo esculpido por Deus. Aquelas pernas longas...
Por Deus...
Quem fez Caitlyn Kiramman deveria ser condecorado.
Abençoada a alma que pariu essa criança.
Jesus.
Pois ela estava perfeita.
Simplesmente perfeita.
Vi não era de expor seus sentimentos, mas ao deparar-se com aquela mulher, sentiu quase que imediatamente os olhos marejarem. Engoliu seco ao sentir o coração comprimir-se dentro da caixa toráxica. Lembrou-se da noite anterior e murmurou para si:
- Por que eu teimo em machucá-la?
- Vi? – Mel tocou-a no ombro. – Meu champagne?
- Ah... – Vi voltou dos próprios pensamentos. – Claro.
A lutadora traçou o olhar de Caitlyn e viu que sua irmã interagia com ela.
- Merda.
Ela começou a andar em direção das duas. Antes que pudesse alcançá-las, viu Powder procurá-la com o olhar e fazer um suave “cuidado” com os lábios. Vi confirmou com a cabeça e voltou a encarar a mulher de cabelos azuis escuros. A policial que havia atormentado seus pensamentos nos últimos dias também a encarava. E aparentemente, no momento, o foco da policial também era ela. Pois Caitlyn veio com passos firmes e decididos em direção de Vi. O semblante fechado.
- Senhorita Wick. Olá, novamente.
Ok. Nada bom. Ela não está feliz.
Nada. Zero. Niente. Feliz.
Vi olhou para onde Powder havia ido. A irmã mais nova fez um movimento com as mãos como se dissesse que era para “enrolá-la” e saiu dentro de um corredor com um homem que Vi nunca viu antes.
Quem diabos é esse cara? Pow?!
Você vai me deixar mesmo com esse pepino?
Antes que ela pudesse tentar buscar mais entre as pessoas pela sua irmã e o garoto que estava ao lado dela, ela ouviu Caitlyn dizer novamente:
- Eu não sou invisível, Vi.
Suspirando, Vi voltou-se novamente para a mulher a sua frente. Deu um sorriso cansado.
Como ela é linda.
Até brava ela é linda.
- Me desculpe. – Vi fechou os olhos, suspirando profundamente. “Pensa com calma. Trate-a, pelo amor do que é mais sagrado, melhor”. Ela voltou a abrir os olhos encarando a mulher a sua frente. Deu um breve sorriso. – Me desculpe, Caitlyn. Eu sei que você não é invisível. Eu apenas estou simplesmente surpresa de te ver aqui. Novamente. Em menos de 24 horas.
- Hum... – Respondeu a outra, ainda com o semblante sério. Olhou a volta a procura novamente de Powder. Em seguida perguntou. – Mel Medarda? Sério?
Vi corou violentamente.
Ela viu?
- Ah! Mel... – Vi tentou imaginar uma boa justificativa pelo qual poderia estar em um evento com sua irmã e Mel Medarda. Estava suando. Definitivamente ela suava violentamente com o escrutínio da mulher à sua frente. Ela continuou. – Então... Powder ama museus. E Mel é arqueóloga. Trabalha no museu. E aí você sabe... uma coisa leva a outra.
- Ah para! Isso é mentira! Mentira! Meu Deus, Vi. Você está mentindo. De novo! – Cortou Caitlyn, com a voz enojada. – Inacreditável. Eu sou uma tola mesmo.
E ela girou sob os calcanhares e se pôs a andar, saindo dali, negando com a cabeça como se conversasse com os próprios pensamentos. Então os passos dela levaram-na à base das escadas, onde ela simplesmente sem cerimônia nenhuma fez menção de subir as escadarias do local. Como se decidida a ir em direção ao Doutor Smith. Por bem ou por mal.
Vi não queria que a polícia se envolvesse mais nessa história. Na realidade, ela desejava apenas entregar a estátua de jade para Doutor Smith e sumisse de toda essa situação sem maiores conexões com esse mundo. Então, com isso em mente, não é de se admirar que o próprio corpo começou a caminhar em direção à Caitlyn, empurrando as pessoas que teimavam a aparecer em sua frente.
- Cait, por favor...! – Ela esbarrou em um homem e ela disse entre dentes. – Hey, meu velho, cuidado onde anda. – Voltou a seguir a policial. – Cait, espere!
Mas o que mais doía em Vi não era o fato dela potencialmente se envolver mais com a polícia. O que mais doía era o olhar de profunda decepção de Caitlyn com mais uma mentira desvairada por parte da lutadora. Esse olhar matava Vi. E Caitlyn não precisou nem lhe encostar para conseguir tal proeza. Em conseguir ferir Vi.
- Cait, por favor! Eu já entendi, eu posso explicar.
- Vi? – Na sua visão periférica, Vi pode observar Mel Medarda a chamar da base das escadarias.
Vi fez apenas um movimento com ambas as mãos, como se pedisse desculpas e voltou a seguir a policial que subia os degraus da escada sem cerimônia alguma. Bedwols, que se encontrava no alto da escadaria, ergueu a mão e tentou impedir Caitlyn de subir. Tentava falar algumas palavras para que parasse. Caitlyn, contudo, ameaçava em ir em direção aos quartos. Ela apenas disse algumas palavras de ordem, firme e se escusou com Bedwols, por fim indo em direção ao corredor de quartos. Seguiu em direção ao corredor a sua direita. Com foco em seu semblante. Algo que decerto assustava Vi: a mulher era determinada. Quando metia algo na cabeça, nada a parava. A lutadora imediatamente pulou dois degraus para tentar alcançar ambos e colocando a mão sobre o ombro de Bedwols, disse:
- Eu irei conversar com ela e trazê-la de volta. Por favor, seja lá onde esteja o Doutor Smith, chame-o. Agora!
A lutadora voltou a correr para alcançar Caitlyn que parecia entretida o suficiente chamando pelo Doutor Smith no meio do corredor de quartos. Sem filtro algum.
- Doutor Smith? Por favor, eu preciso conversar contigo. – E imediatamente abria uma porta para verificar se havia alguém dentro do cômodo. Ao constatar que não havia nada, fechava a porta e voltava a caminhar. – Doutor Smith... Por favor... me chamo Caitlyn... Sou da polícia de Londres e tenho uma investigação em curso.
Na segunda ou terceira porta – Vi não estava realmente contando -, a lutadora simplesmente puxou a policial pelo braço e adentrou em um dos cômodos, trazendo-a consigo. Fechou imediatamente a porta atrás de si ao constatar que não havia ninguém ali. A mulher de cabelos rosas permaneceu com as costas recostadas na porta, como se quisesse de alguma maneira impedir a oficial de sair dali. Caitlyn permanecia olhando-a com um misto de incredulidade com raiva. Foi a policial que cortou o silêncio:
- Eu poderia lhe prender por estar impedindo uma investigação policial.
- Besteira. Você não está em uma investigação policial.
- Como você sabe?! – Ela olhou a lutadora, desafiando.
Vi suspirou, cerrando os dentes. Fechou os olhos e murmurou baixo:
- Você está de vestido, saindo à esmo dentro da casa de um civil. Se existe uma pessoa deveria ser presa é você. Você está “meio” que invadindo o local. A casa de um homem civil, indo onde não é chamada.
Caitlyn, pela primeira vez, parecia que tinha sido arrebatada por uma compreensão em sua própria face. Como se pela primeira vez tivesse entendido o que havia feito. Ela levou a mão ao rosto, falando entre dentes:
- Droga... Eu... Talvez... - Levou a mão a têmpora. - Ok. Nossa...
- É... sim. – Murmurou a lutadora.
O olhar da lutadora saiu das safiras que eram os olhos de Caitlyn e foram para as mãos da policial que ainda massageava a própria têmpora. Viu, então, uma marca singela - vermelha - na altura do pulso da mulher. Por sorte ou azar, a iluminação do local era suficiente para Vi perceber a marca na pele da mulher. Ela destoava de todo o restante. Uma marca de queimadura. Foi como se Vi tivesse reconhecido imediatamente o que aconteceu na noite anterior. Não bastasse a grosseria em que conversou com a policial no dia anterior, ainda acabou a machucando. A machucando de verdade. Como pode ser tão tola? Aquela marca era uma clara queimadura. A água quente deve tê-la ferido quando Vi retirou abruptamente, das mãos de Caitlyn, a xícara.
O coração que já estava comprimido, agora foi estilhaçado.
Se ela já se sentia mal antes. Agora se sentia pior.
- Cait... – Ela começou. – Eu sinto muito. – E ela realmente sentia. – Eu... – Ainda assim era difícil para Vi tentar se abrir para a mulher a sua frente. Ela levou a mão ao próprio rosto, massageando a têmpora. – Podemos conversar um pouco? Eu prometo não tentar mais te impedir. Mas eu quero poder falar tudo que eu tenho para falar. Se estiver disposta, eu conversarei. Sentar-me-ei... – Ela olhou à volta, percebendo que estavam em um quarto. Havia duas janelas, situadas no lado leste do cômodo. Os raios da lua iluminando o quarto. Uma bela cama com alguns quadros. Uma bela penteadeira com um armário gigantesco. Uma luminária, que apesar de ser a única fonte atual de luz do local, iluminava bem o cômodo. - ... eu me sentarei nessa cama. Você está mais que convidada a sentar comigo e me ouvir falar. Ou você pode ir, e eu não te impedirei mais. Mas você corre o risco de ser impedida também de falar com o Doutor Smith. Pela forma que agiu agora a pouco.
Caitlyn cerrou os dentes. Ainda parecia com raiva de Vi. A lutadora parecia entender que ela perdeu muitas oportunidades para fazer diferente. Vi se culpava de ter tido o primeiro relance de claridade apenas agora. Mas “antes tarde do que mais tarde ainda, certo?”. Ela sentou-se na beirada da cama, sentindo-a. Uma cama confortável. Talvez confortável demais para os padrões de Vi. Caitlyn foi até a maçaneta do quarto e ameaçou a abri-la. Vi fechou os olhos, suspirando, sentindo-se derrotada. Ao abrir novamente os olhos viu Caitlyn completamente virada para ela, à centímetros de onde a lutadora estava sentada. Ela disse rispidamente:
- Tudo? Você vai contar tudo?
Vi confirmou com a cabeça.
- Ótimo. Desembucha.
Não é como se tivesse ocorrido muito o que se falar. Foram na realidade apenas três/quatro dias para serem resumidos para a oficial à frente de Vi. Ainda assim, muito havia ocorrido nesses últimos três dias. E Vi acabou optando por contar sobre todos os acontecimentos.
Ela detalhou o pedido de ajuda de Powder. Explicou que a garota estava preocupada com o amigo Chuck que havia aparecido cedo no antiquário e que o homem havia dito que havia pessoas que o perseguia. E depois eles começariam a perseguir Powder. Comentou da ida até o antiquário e do ataque daquela criatura. Ela evitou dar detalhes no quesito criatura pois mesmo Vi não acredita em seus próprios olhos. Vi também informou também que tinha medo de envolver-se com a polícia pois acreditava que eles poderiam apreender a única ligação de Powder com Doutor Smith: a estátua de jade. Isso somado ao fato que Powder ainda não sabia quem era a pessoa responsável ou o grupo responsável pela morte de Chuck. Quem eram “eles”. Por isso que ela evitou confiar em qualquer pessoa da polícia. Ou qualquer pessoa de fora que não fosse a lutadora ou Powder.
Caitlyn parecia assimilar até bem a informação que estava sendo dada. De tal modo que ela começou a conversa com os braços cruzados, com o semblante fechado, com raiva; para em seguida começar a relaxar os ombros e parecer interessada em detalhes: que tipo de objeto era esse que as pessoas estavam tão interessadas. Qual a relação de Doutor Smith com Powder. Quando foi a última interação da irmã mais nova com o Doutor.
Vi tentava ao máximo providenciar detalhes à outra. Responder todas as questões que lhe eram dirigidas. Vamos dizer que a lutadora apenas buscava deixar de fora detalhes da própria vida que não estavam relacionadas à investigação como, por exemplo, sua profissão. Tais coisas não eram necessárias e não ajudariam em nada à Caitlyn saber.
- E isso é tudo. – Terminou Vi após ficar jogando todo tipo de informação nos últimos 10 à 15 minutos. Ficou feliz por Bedwols não ter as interrompido nesse meio tempo. Odiaria ter que conversar sobre o assunto com Caitlyn em outro lugar. O quarto ofereceu uma privacidade necessária para convencer a policial que Vi não lhe queria realmente mal. E estava disposta – pelo menos por enquanto – a ajudá-la. Vi finalizou. – Me desculpe, Cait. Eu sei que fui injusta com você. Sei que tinha boas intenções antes de ontem e ontem..., mas depois do ataque no antiquário, eu não sabia de verdade em quem confiar.
Caitlyn a observou por algum tempo. As expressões que até agora pouco estavam firmes se suavizaram. Talvez Vi tenha uma segunda chance. Uma chance de ser gentil, finalmente. Pois a mulher à frente da lutadora sorriu a primeira vez com carinho. Em seguida disse:
- Desculpas aceitas.
Vi corou com aquele sorriso. Imediatamente abriu um sorriso.
E era como se o coração, que até agora pouco estava estilhaçado, agora se reconstruía em algo acalentador. E ela estava feliz ali, naquele lugar. Naquele local, ela sentia paz.
- Q-Que bom. – A voz saiu quase em um gaguejo. – Eu fico feliz. – Foi a única coisa que pode pronunciar em seguida.
Caitlyn então se sentou ao lado de Vi e perguntou:
- Você sabe que precisa me entregar essa estátua, certo? Ela claramente trás perigo para você e sua irmã. O quanto antes podermos devolver ou perguntar dela para o Doutor Smith, melhor. Mas na mão de vocês ela oferece mais perigo do que conforto.
Vi confirmou com a cabeça. Encolheu os ombros, suspirando:
- Esses dias... – Ela engoliu seco. Não queria dar detalhes, mas parecia que agora que tinha confessado detalhes dos últimos dias com Caitlyn, tomou coragem e se pôs a dizer outros sentimentos dentro de si. – Powder... Existe algo acontecendo com ela. Como se... esse objeto estivesse sugando-a. Fazendo ela perder o tempo ou a realidade. É difícil explicar... Eu... Você deve estar achando estranho isso. Mas... É. Essa estátua tem algo estranho nela.
Caitlyn ouvia Vi atentamente, mas o olhar dela dizia tudo para a lutadora: “Você não está fazendo sentido algum, Vi. Objetos não sugam pessoas. Objetos não são nefastos. Não existe magia. Não existe coisas estranhas. São apenas objetos. Sua irmã e talvez você está louca por pensarem fora da caixinha. Isso é fora do real.”. Vi fechou o punho com força. Caitlyn não professava o que pensava em palavras, mas Vi sentia reconhecimento no olhar dela mesmo assim.
Ou talvez Vi apenas sentia isso nas próprias palavras e projetava esses sentimentos na mulher ao seu lado.
Ainda assim, mesmo diante do olhar condescendente da policial, Caitlyn ainda foi capaz de colocar a mão sobre o punho fechado de Vi. A lutadora imediatamente relaxou os músculos dos dedos, ao sentir o toque da outra mulher. Foi Caitlyn que murmurou baixo para Vi:
- Eu não... Eu não sei exatamente o que vocês estão passando... E acredite. Eu não sei no que acreditar. Mas, ainda assim, eu ainda estou aqui. – Ela olhou à volta. Viu vários quadros no local e murmurou baixo. – Acho que acabamos caindo no quarto do Doutor Smith. Preciso urgentemente inventar um pedido de desculpas para Bedwols e para o Doutor. Meu comportamento... – Ela arranhou a garganta. – Foi um pouco indevido.
Vi olhou-a de lado e riu para si. Confirmou com a cabeça para a última afirmação. Permaneceu olhando a mão da policial ainda sobre a sua. Viu a marca vermelha do pulso e com cuidado, levou a outra mão – a livre – até o pulso de Caitlyn. Acariciou suavemente no local. Tudo sob o olhar atento da policial. O silêncio era apreciado. Vi imediatamente virou o tronco para a policial e disse baixo:
- Eu nunca quis te machucar.
- Eu sei. – Respondeu quase que imediatamente a outra.
- Mas ainda assim eu acabei o fazendo.
- Sim. – Ela confirmou.
Ela levantou a mão de Caitlyn - a mão com a marca no pulso. Ela levou a mão até os próprios lábios e suavemente beijou o local marcado. Imediatamente Vi viu Caitlyn retesar os ombros, os músculos ficarem rígidos e as bochechas ficarem em brasa. Ela não se importava. Pois as da lutadora também estavam da mesma maneira. Essa intimidade que as duas estavam tendo compensava qualquer tipo de relacionamento que ela tenha tido nos últimos meses. Anos.
A palavra certa seria: Cuidado.
Caitlyn merecia todo o cuidado.
Vi sorriu ao colocar novamente o pulso da menina sobre o próprio colo. Voltou a encarar nos olhos da policial, murmurando baixo:
- Da próxima vez, eu tomarei cuidado. Eu prometo.
Caitlyn fez um não com a cabeça, ainda corada. Se mexeu ainda sentada sobre a cama, passando os dedos de uma mão sobre a marca do pulso da outra mão. Murmurou baixo:
- Você é inacreditável...
- Inacreditável seria se eu tivesse te pedido um beijo, Cait. Aí você teria toda razão de me acusar disso. Ser gentil não me faz ser inacreditável. – Ela não sabe por que falou isso. Mas sentia-se ousada o suficiente para professar que queria tanto beijá-la. Ali. Neste lugar. Ela nunca desejou tanto na vida poder beijar alguém à sua frente como o sentimento que sentia agora.
Caitlyn corou violentamente, dando uns passos para trás.
- VIOLET!
- Desculpe. – E a lutadora riu, passando a mão na altura do pescoço, ficando sem jeito de repente. – Não irei provocá-la mais.
Caitlyn riu, sem jeito. Voltou a olhar para o quarto onde estavam. Fechou os olhos como se pensasse algo. Vi ergueu a sobrancelha, a observando. Então ela viu resolução no olhar da mulher a sua frente. Ela se levantou da cama, andou alguns metros. Girou sobre os calcanhares, permaneceu segundos encarando o rosto de Vi. Voltou a caminhar em direção à Vi, ficando entre as pernas da lutadora. Levou os dedos de ambas as mãos segurando Vi de cada lado de seu maxilar. E foi como um raio percorresse a espinha de Vi com esse movimento, mas ainda assim ela permaneceu na mesma posição. A vermelhidão e o calor que subiu no próprio corpo, no entanto, começou a transparecer. E Caitlyn, pelo visto, percebeu isso, pois com um sorriso nos lábios, ela murmurou:
- Se torne inacreditável para mim, Violet.
Vi corou ainda mais: se é que era possível sentir o corpo virar um pimentão de tão vermelho. Mas ainda assim, a lutadora nunca em sua vida fugiu de algum desafio. E mesmo que Caitlyn impusesse tamanha presença, Vi ainda conseguiu murmurar baixo, deixando quase como um sussurro sair de seus lábios:
- Eu posso lhe beijar, Cait?
E a outra mulher apenas respondeu da melhor forma que Vi imaginar: descendo o tronco suavemente, cabelos azuis escuros caírem sobre os ombros da lutadora. Com os lábios suavemente roçando nos dela em um beijo que Vi apenas havia tido descrição antes nos livros.
Apenas o roçar dos lábios dela aos da lutadora parecia lhe provocar estase. Um raio passasse por seu corpo e a tirasse do eixo. Seria possível um beijo ter tamanha intimidade e provocar algo tão mágico como os melhores orgasmos que já sentiu?
Caitlyn Kiramman: Quem diabos é você?
Eu te...
Acalme o coração.
Acalme o coração.
Acalme o coração.
Vi levou a mão até a cintura da mulher a sua frente, puxando-a para perto. Os dedos pareciam ganhar vida própria, pois subiram pela espinha da mulher a sua frente e voltaram a descer, segurando-a firme na altura da coxa. Foi a lutadora que falou enquanto sentia os lábios de Caitlyn sob os seus:
- Do que você é feita para ser tão doce...?
Ela não respondeu. Ela não precisava.
As mãos dela, saíram do maxilar de Vi e foram em direção ao pescoço, como se puxasse a lutadora para si, buscando uma posição mais confortável. A dança que ela fazia com os lábios, beijando Vi continuava a deixar a mulher de cabelos rosas em completa perdição.
E se fosse só isso.
Caitlyn, no entanto, queria provocar algo ainda maior em Vi. Pois em seguida ajustou com as mãos o vestido para cima das coxas e com cuidado sentou-se no colo da lutadora. Vi não conseguiu suprimir um gemido de prazer com essa ação. Evitou perder o controle da situação, de modo que enroscou os braços envolta do corpo de Caitlyn, abraçando-a com carinho, tesão, o que quer que seja. Era uma mistura de todos os sentimentos ao mesmo tempo. E era mágico. Era simplesmente mágico.
Vi buscou novamente a boca de Caitlyn. Mas o sentimento de antes começou a mutar-se em algo novo. Era algo mais primal, mais eufórico. Vi buscou com a língua espaço para encontrar-se com a língua da outra. Era no final uma bela dança, onde as línguas das duas conversavam e sentiam o gosto uma da outra. E era maravilhoso.
- Vi... – Caitlyn murmurou assim que depois de alguns segundos buscou ar. – Por mais que isso... Hum... – A outra sentiu a mão calejadas da lutadora sobre a coxa, puxando-a mais para cima de si. – A gente precisa ir... Os convidados e talvez o próprio Doutor Smith talvez dê por falta de nós...
- Uhum... – Murmurou Vi. Mas ela não queria parar. Vi precisava de mais. Levando os beijos da boca da mulher até a altura do pescoço, sorvendo a pele como se quisesse sentir o doce perfume e gosto daquela que estava sobre seu colo. – ... apenas mais um instante. E te devolvo para sua investigação...
Vi continuava a beijar o pescoço e ombros da mulher sobre si, mas parou ao sentiu apenas a mão firme de Caitlyn segurar-lhe o queixo, fazendo-a encarar a policial e dizer de modo firme:
- Violet. Por mais que eu ame o que está fazendo... Eu preciso ir. – Ela se levantou do colo de Vi. A lutadora apenas olhou para as próprias pernas fechando os olhos. “Molhada e abandonada. Excelente”. Caiu para trás, deitando-se na cama. Caitlyn ergueu a sobrancelha para os trejeitos da outra e riu. Em seguida perguntou em tom de curiosidade. – Aliás... Isso é um ponto interessante. Em toda essa conversa que tivemos eu não ouvi você detalhar sobre isso. Por que o interesse de Mel Medarda em você? Para que ela lhe trouxe aqui?
Ow merda.
Sério, Cait? Esse assunto?
Ok...
Você sabe lidar com essa situação.
Cuidado com as palavras, Vi.
Muito cuidado com as palavras.
Engolindo seco, a outra disse:
- Ela queria um pet. Para apresentar para a sociedade. Talvez passar na manchete do jornal da manhã. Eu sei lá, vai entender gente rica.
Caitlyn cerrou os olhos. Não é como se ela aparentasse satisfeita com a resposta, mas também não parecia que tinha por que pressionar mais. Ou pelo menos Vi esperava que ela não pressionasse mais. Mas aparentemente Vi era péssima em ler as pessoas, pois instantes seguintes ela perguntou novamente:
- Então ela era o encontro que teve ontem?
- Yep. – Vi disse simplesmente.
- E foi tão ruim assim como disse para mim?
- Foi uma transação.
- Hum... – Caitlyn avaliou. – Ela é transação bem bonita.
Por que ela sempre faz isso? Jesus.
- Ok... – Vi se levantou, ajustando o paletó e a graveta envolta do pescoço. Caminhou em direção a porta do quarto. – Acho que já deu desse assunto.
- O que? O que eu disse?
- Nada, Cait. Nada.
- O que?! Eu só falei que ela é bonita.
- Ok.
Caitlyn puxou o braço da lutadora e virou-a para si. Vi a encarou um pouco cansada dessa conversa. O que elas tinham tido foi tão legal... cortado por um comentário aleatório sobre outra mulher. É incrível como as vezes a policial conseguia cortar um momento agradável com alguns comentários ácidos. Vi acreditava que a policial as vezes nem percebia que ela fazia isso com frequência. Não intencionalmente. A lutadora realmente acreditava que talvez a policial tenha vivido uma vida sempre rodeada de pessoas que vivem trocando ofensas sutis assim. Ofensas jogadas ao vento sem se incomodarem. Mel era assim também. Talvez todas as pessoas ricas sejam assim. Vi definitivamente não era uma dessas pessoas. Ela não gostava de ironias. Ela não gostava de indiretas. Foi a vez de Caitlyn dizer:
- Eu... me desculpa. Foi um comentário idiota. Talvez eu esteja sendo uma criança, é só que você está aqui comigo. E é ótimo. E ela estava lá embaixo contigo. E ela é seu par essa noite. E... Eu só queria entender isso. - E fez um movimento com a mão entre as duas.
Vi virou-se para Caitlyn e disse firme. Não para ser grosseira ou ofensiva. Apenas firme e gerar a segurança devida na mulher a sua frente:
- Cupcake. Vamos lá: Eu e Powder não temos poder como você ou pessoas como Mel. Soube que Doutor Smith estava recluso e não saia de casa. E Mel ofereceu a oportunidade para que pudéssemos encontrar com ele neste evento. Ela me convidou para casa dela e sim... Er... algo aconteceu. – Caitlyn arregalou levemente os olhos, soltando o braço de Vi. A lutadora suspirou. Isso não é bom. – Vim para casa. Usei um dinheiro que ela me ofereceu para comprar umas roupas para mim e Powder. A minha parte era vir nesse encontro vestida com as roupas providenciadas por ela e ser exposta como um cachorro. Foi isso. – Vi não queria mentir para Caitlyn. Ela tinha se prometido oferecer a verdade a policial. Não valia a pena esconder meias verdades.
Caitlyn afastou o olhar de Vi e virou de costas.
Merda.
Merda.
- Certo. – Disse Caitlyn por fim. – Precisamos ir.
Ela ajeitou o vestido que estava um pouco erguido pela interação prévia entre as duas. Com os dedos penteou os próprios cabelos e com o dedão ajeitou a maquiagem que havia nos lábios. Olhou fixamente para a porta. Começou a caminhar em direção à maçaneta com o objetivo de sair do cômodo.
- Cait...? – Vi tentou conversar. – A gente precisa conversar sobre isso?
- Não. – Ela disse. Firme. A mulher doce voltou a ser apenas a policial.
E como mágica, o coração de Vi novamente se estilhaçou.
***
.Caitlyn.
Caitlyn sabia que estava sendo irracional. Ciumenta e irracional.
Como querer ter posse de algo que nem é seu?
Caitlyn não sabia a resposta para essa pergunta, só sabia que quando Vi mencionou segundos atrás que ela havia dormido (ou pelo menos ela acha) com Mel Medarda o seu coração se recolheu dentro da caixa toráxica. Essas palavras a incomodaram mais que uma bala no peito – e olha que ela já levou alguns tiros de pistola. Então... Sim, ela tem conhecimento de causa sobre o assunto. Conhecimento sobre a dor. No entanto, estava ela agora sentindo uma dor desconhecida até o momento. Mesmo Vi andando atrás dela, tentando de alguma maneira entender o que pode fazer para solucionar ou amenizar o problema, Caitlyn parece irredutível. A policial definitivamente não quer mais conversar sobre o assunto.
Sobre algo que novamente, Caitlyn SABE que ela não tem direito sobre Vi. Vi não é posse dela.
É irracional.
É ciúmes.
E quem disse que ela liga?
A jovem de cabelos azuis escuros pegou com determinação a maçaneta, abriu a porta e saiu daquele cômodo buscando de alguma maneira controlar os sentimentos tão conflitantes dentro do próprio peito. Não é da vontade de Caitlyn ser cruel com Vi, mas ao mesmo tempo é irracional como ela tem agido perto da mulher de cabelos rosas. Aliás, todas as interações que ela tinha com a outra. Parecia que Vi provocava isso com frequência: essa quantidade de sentimentos conflitantes e infantis.
Caitlyn não era assim.
Ela NUNCA foi assim.
Então...
Ela se pegou lembrando do beijo de segundos atrás.
Que beijo delicioso.
Que beijo que permanece nos lábios da policial.
O perfume da outra ainda está presente na roupa de Caitlyn. A sensação dos dedos calejados na altura da coxa dela. Por Deuses, ela ainda consegue sentir a umidade no meio das pernas.
Ela poderia ter simplesmente continuado a beijar aquela mulher que continua atrás de si e esquecido da investigação e de tudo que anda acontecendo. Poderia pela primeira vez em muito tempo só ter aproveitado a presença de uma mulher linda abaixo de si. Poderia ter apenas um delicioso orgasmo e esquecido da irracionalidade que é estar diante de Vi.
Mas ela escolheu ter sentimentos e pensar em dever.
Ela escolheu voltar a trabalhar, voltar à investigação.
Ela escolheu pensar em Mel Maldita Medarda e seu corpo escultural e seu ouro.
Irracional.
A policial levou a mão até a têmpora.
- Maldita dor de cabeça.
Vi foi até o lado dela, e tocou-lhe o ombro. Em seguida passou a palma da mão sobre as costas de Caitlyn. Imediatamente ela fechou os olhos agradecendo o carinho. A lutadora murmurou:
- Talvez seja melhor comer alguma coisa quando descermos. Pegarei alguns quitutes para você. E esperaremos juntas o Doutor Smith, ok?
Antes que ela pudesse responder, ambas ouviram sinetas serem tocadas no salão abaixo de onde estavam. Caitlyn virou-se para Vi e disse:
- Tudo bem... Enfim, é hora. Provavelmente é algum anúncio do Doutor Smith. É melhor irmos.
Vi apenas confirmou com a cabeça e a acompanhou.
Andaram apenas alguns metros até a escadaria central do belo casarão. Bedwols se encontrava no centro do degrau mais alto. Mantinha entre os dedos uma bela sineta que vez ou outra tocava em um único movimento. Caitlyn observava, vez ou outra, sobre os ombros a mulher de cabelos rosas atrás de si, que a acompanhava.
O olhar da policial passou pela pequena comitiva de convidados. Doutor Smith ainda não se encontrava entre eles. Caitlyn se apressou em puxar Vi para descer as escadarias. Ao passar por Bedwols, passou a mão livre pelo ombro do mordomo, dizendo:
- Peço desculpas pelo meu ato prévio, Bedwols. Tentei forçar e apressar algo que não havia necessidade. Vou voltar aos convidados imediatamente.
Vi apenas reafirmou as palavras de Caitlyn com a cabeça ao passar por Bedwols, agradecendo-o com o olhar. Bedwols apenas disse em um sorriso:
- Claro senhorita Kiramman, fico feliz que o problema tenha sido plenamente solucionado. Se puder, por gentileza, descer as escadarias, estou apenas chamando a atenção dos convidados pois o Doutor Smith já será anunciado.
A dupla, Vi e Caitlyn, desceu as escadarias ficando no centro do grande salão. Em pouco mais que alguns segundos, Powder aproximou-se das duas, perguntando para a irmã:
- Onde diabos você foi?
Vi olhou da irmã, para Caitlyn e por fim para o rapaz que estava acompanhando Powder. Em seguida disse secamente:
- Poderia te perguntar a mesma coisa. – Vi olhou para Caitlyn e a policial poderia se perder naquele olhar pelo resto da vida. Tão afável, tão... E ela continua a teimar em agir de forma errada com a lutadora. Vi disse baixo. – Cait, como vamos fazer isso?
- Ah, inacreditável! – Powder abriu os braços, dizendo em um tom mais nervoso. – Eu não acredito. Você falou com ela? Você disse tudo pra ela? Para a princesinha? Sério, Vi?!
- Pow... ela pode nos ajudar... – Vi começou. – Por favor...
Antes que Powder pudesse responder, Caitlyn viu uma mulher avançar na direção do pequeno grupo que se formava em meio ao salão e puxar o braço de Vi – que ainda se encontrava preso pelos dedos de Caitlyn.
- Violet! – O tom saiu mais alto que Mel havia previsto, pois no minuto seguinte ela abaixou o tom, encarando as pessoas a sua volta. – Eu pensei que você iria pegar meu champagne. E não correr atrás... – Ela encarou Caitlyn e sorriu sem jeito. – Kiramman. A primogênita, para a surpresa de muitos aqui. Excelente. – Disse em um tom claro de sarcasmo. Caitlyn sentia isso de longe.
Vi olhou de Caitlyn para Mel. Por fim olhou para Powder, como se buscasse auxílio. A irmã mais nova apenas disse:
- Seu funeral, irmã. ‘Te vira.
- Ok... O que diabos está acontecendo? – Por fim perguntou Ekko. – Powder, o que está acontecendo? – Virou-se para a menina de cabelos azuis e tranças. – Eu não estou entendendo mais nada.
- É, quem diabos é você? – Perguntou Vi.
- Por favor, pessoal, vamos manter a calma. – Caitlyn soltou-se de Vi e olhou para Mel, tentando responder a mulher de ébano. “Calma”. – Mel... É um imenso prazer vê-la bem. Peço mil desculpas por ter tomado alguns minutos da senhorita Wick. Ela está me ajudando em um caso que estou investigando. Nada de mais. Mas tudo já foi solucionado. – Vi a encarou com incredulidade. A lutadora fechou o punho firme e Caitlyn podia perceber que seja lá o que ela falou apenas continuava a afastar ainda mais a outra dela. Mas não era o momento para pensar nisso. “Vai ter outro momento, certo? Vamos ter outro momento...”. Ela pensava – ou martelava essas palavras - como em um mantra. Parece que Mel buscou o olhar de Vi como se quisesse algum tipo de confirmação. A lutadora apenas afirmou com a cabeça, mantendo-se em silêncio, olhando para o chão. Caitlyn, por fim, virou-se para Powder e disse. – E quanto a você... Eu sei que você não gosta de mim. E está tudo bem. Eu não sou tão sua fã também. A questão é: Eu apenas quero ajudar. E deixei isso claro para sua irmã. Sei o suficiente para querer ajudar. E... – Olhou para Ekko. – E você eu não conheço, mas parece um rapaz incrível. – Ekko apenas sorriu sem jeito, olhando para Powder que suspirou rodando os olhos, cansada.
Mais uma sineta tocou.
E o silêncio tomou conta do salão.
Foi cortado segundos após, com a voz de Bedwols ressoando:
- Senhora e senhores... Doutor Ernest Smith.
Notes:
:~
Então, vamos lá:
Como eu disse lá no início dessa fic, todos personagens seguem alguns detalhes de investigadores:
1. Caitlyn: Obviamente, policial. Em CoC não há nitidamente policial, usam bastante detetive, algum investigador per se. Então ela é quase pra fins mecânicos uma detetive. Boa em armas, boa em ler as pessoas.
2. Vi: Vi é uma particularidade, pois apesar de estar estudando as campanhas e elas serem do sistema CoC, na realidade Vi foi inspirada em um arquétipo do sistema Pulp Cthulhu, que é um sistema onde os personagens tem feitos mais heróicos. Eles são mais puxado para super homens do que pessoas normais. Vi, definitivamente é o arquétipo de Capanga Contratada. Ou Thug.
3. Powder: Antiquarista. É uma profissão que é usada bastante nos jogos que eu conheço. Ela é como se fosse uma historiadora, mas que possui conhecimentos em avaliação de peças. E consegue verificar se são falsas. :D
4. Mel: Arqueóloga. É um pouco parecida com a antiquarista em algumas habilidades, mas tem um q. mais aventureiro. Normalmente os arqueólogos também possuiem habilidades de rastrear objetos, conhecimentos de línguas específicas e arcaicas.:~ Aos poucos eu vou falando os dos outros.
Chapter 10: O despelado demanda carne
Summary:
Doutor Ernest Smith faz a sua aparição.
E o caos é iniciado.
Notes:
Ahoy, marujos!
Se você está caindo aí de paraquedas, tudo bem, vamo conversar. Primeiro, alguns avisos:Nesse capítulo possui uma quantidade de descrição de gore e sangue. Fica o aviso.
Ah... há também menção a suicídio.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: I’m Tired – Labrinth , Zendaya (Euphoria é bom pra caraleo)
.Powder.
- Obrigado, meu caro amigo Bedwols. – Disse o homem no alto das escadarias do belo salão. Havia um sorriso em seu rosto. Parecia animado pela quantidade de pessoas. Por talvez reconhecer rostos de amigos, colegas de trabalho. O olhar, contudo, não ficava apenas preso aos convidados, pois, vez ou outra, parava para admirar a decoração assim como os alimentos que eram servidos para seus convidados. – Meus caros amigos... Que prazer é vê-los aqui. – Mantinha-se próximo à Bedwols, uma mão no próprio bolso da calça. A outra, tocava no ombro de Bedwols, como se usasse o mordomo como apoio. Não talvez porque mancasse. Não parecia fraco como muitos disseram dias atrás. Não parecia doente, como ele se desculpou dos compromissos. Ao contrário: parecia... saudável.
Powder o observava atentamente. É como se por segundos ela fosse resgatada para os acontecimentos de semanas anteriores, quando o viu pela primeira vez. Quando o conheceu.
- Por favor, Doutor, entre, entre.
Powder se encontrava em um canto, próximo a mesa central do antiquário. O local não estava muito diferente de quando eles compraram o local: era um tanto quanto desorganizado. Havia documentos espalhados e livros de consulta. Havia, também, três mesas. Uma central, onde havia sempre potencial discussão entre os dois sócios sobre trâmites burocráticos e dos negócios. Era ali que a parte administrativa, financeira e de gestão ocorria. Onde eles podiam avaliar os custos dos trabalhos, a relação de clientes etc. Já nas paredes opostas havia duas pequenas bancadas. Enquanto a bancada direita parecia belamente organizada. Na da esquerda, diferentemente, havia caos. Era assim que Powder trabalhava. Muitos documentos jogados, livros do mesmo modo. Era ali que o trabalho de avaliação ocorria, por fim. Era ali que era permitido, também, ela ousar e experimentar as peças, tentar consertar itens que estavam há tempo esquecidos. Esse era o maior prazer ao estar nessa profissão. Pois ela não era apenas uma antiquarista, ela era uma inventora. E gostava muito desse último título.
Naquele dia, era um dia tranquilo. Estava quente. Na mesa de Powder havia uma pequena caixinha de música. Estava completamente aberta e com alguns parafusos soltos. Ela se perdia, no presente momento, limpando o dedo sobre um dos parafusos que havia nas engrenagens do objeto. Ela ergueu a cabeça ao ver a porta do antiquário se abrir, a sineta sempre tão presente, e imediatamente, atravessando ao vão da porta, duas pessoas entraram.
Uma dessas pessoas, ela já conhecia há pelo menos alguns anos. Seu atualmente melhor amigo e sócio, Chuck. Seguido de um homem baixo. Provavelmente mais baixo que Powder. No entanto, ele não deixava de ser grande a sua maneira, pois tinha uma barriga avantajada e um vasto bigode. Parecia, sob um olhar despojado de Powder, como um bigode de morsa. Ela riu para si com essa informação. Os cabelos do homem eram brancos, estavam alinhados, mas estavam escondidos ainda por de baixo de um chapéu coco. Os olhos dele escanearam o local, interessado no antiquário presente à frente de si. Ao ver Powder, ele sorriu sem jeito, dizendo em seguida:
- Ora, minha jovem. – Ele se aproximou da garota, realmente entrando no ambiente do antiquário. - Peço mil perdões pela intromissão. Doutor Ernest Smith, encantado.
O sotaque que Powder ouvia do homem era carregado. Tinha um toque quase escocês em sua voz. Um inglês carregado. Ele sorriu tirando o chapéu e fez uma reverência com o tronco; o movimento, contudo, saiu um tanto quanto truncado: ele era impossibilitado de fazê-lo da maneira certa pois a barriga avantajada impedia-o de um movimento fluido. Powder riu, observando a cena que soava quase cômica. Chuck a observava por trás do Doutor e fez um “não” com a cabeça como se pedisse para que ela parasse. E não os constrangesse.
E ambos não podiam se dar ao luxo de perderem a oportunidade de uma boa comissão. Por isso, Powder apenas retribuiu a reverência e disse:
- É um prazer. Seja bem-vindo ao nosso estabelecimento, Doutor Smith.
Entregou a mão ao senhor, que imediatamente beijou-lhe nos dedos.
Ela pensou em rir novamente.
O bigode dele dá cócegas nos dedos.
Bom, Powder conseguia ser educada.
Às vezes.
- Ah, o prazer é todo meu. Jovem Chuck, te apresento... – E puxando da bolsa que carregava consigo, que estava próxima às próprias costelas, retirou uma bela e grande peça de jade. – Por favor, preciso de toda discrição possível no trato dessa peça. Essa peça não me pertence per se. Pertence à um grupo de pessoas que tenho muita estima. Se conseguir me ajudar a entender o que ela se trata... Muito você conseguirá e eu conseguirei se descobrirmos identificar essa peça. Se conseguirmos ligá-la à uma civilização. Talvez colombiana. Meu tempo tem sido curto, por isso, preciso o quanto antes de dados dela. Por isso... todo cuidado é pouco, entende?
Powder perdeu-se olhando para ambos os homens em silêncio. Chuck levou os dedos à estátua de jade e rodou-a, sorrindo enigmaticamente. Murmurou baixo:
- Famosos. Seremos famosos, Doutor Smith. Se o que me disseste é válido, isso aqui é uma grande descoberta.
Powder voltou a atenção à pequena caixinha de música a sua frente. Por segundos ficou com o olhar fixo na mancha preta no parafuso que segundos antes tinha retirado. Por um momento pensou que apenas seria uma mancha de óleo envelhecido e por tempo ressecado. Mas não: A mancha era oleosa. E por isso, nada velho. Nada ressecado. Apesar de passar o dedo no pequeno parafuso, a mancha ainda permanecia lá. Uma mancha preta. O mais preto que Powder viu em toda a sua vida.
Ela não sabia o quanto tempo ficou ali tentando retirar aquela mancha.
Na cabeça, vez ou outra, voltava a voz de Chuck.
Famosos.
Eles seriam famosos.
- Espero de verdade que todos vocês tenham sido bem recebidos na minha humilde casa, pois acompanhei com todo cuidado a preparação de tudo. – Doutor Smith provocou Powder o retornar das próprias lembranças. Lembranças que pareciam agora tão distantes.
- Vi... Eu preciso... Nós precisamos conversar imediatamente com ele... – Caitlyn puxou pelo braço a irmã mais velha, chamando-lhe a atenção. No entanto, devido à proximidade, Powder riu em escarno. A policial, é claro, notou o gesto e virou-se para Powder. – O que foi...?
- Você não está interessada nessa investigação. Você está interessada... – A pequena Wick deixou implícito a última parte, o que fez Caitlyn corar. Era resposta o suficiente.
- Powder, não. – Vi finalizou o assunto ficando entre ambas as mulheres. – Já deu. Chega.
Powder fez um não com a cabeça. Ela voltou a olhar para a policial que, em seguida, voltou a ficar atenta às feições do Doutor Smith. Ao discurso do Doutor. Mel também o encarava atenta. Então, novamente, como se não tivesse sofrido reprimenda prévia por parte de Powder, Caitlyn disse firme:
- Existe algo estranho. – Ela virou para Powder e voltou a dizer. – Você não sente...? Esse... – Ela buscou palavras. Parecia confusa. Permanecia com o olhar fixo em Powder. – Tente se lembrar. Esse é o homem que você se encontrou?
Powder olhou para Vi e a irmã mais velha deu de ombros, como se demonstrasse desconhecimento do assunto. A irmã mais nova fechou o semblante para Kiramman e em seguida voltou a atenção para o homem que estava à frente. Uma pequena comitiva de 30 pessoas naquele salão o escutava. A irmã de cabelos azuis olhou para Mel que parecia tentar forçar algo da própria memória em reconhecimento, agora que Caitlyn havia declarado que algo estava estranho.
Então, como um estalo, Powder pode perceber.
- Não. – Ela murmurou baixo. Olhando-o de cima a baixo. A altura não era a mesma. Doutor Smith era mais baixo. O rosto era idêntico, poderia claramente se passar pela mesma pessoa que viu no antiquário. Mas não era apenas a altura, os olhos. Aqueles olhos eram amarelados. Diferente das órbitas azuis que viu previamente em Doutor Smith. Mas quando ele abriu a boca novamente e continuou o discurso... ela soube. Não. Era teve a certeza. – Quem... – Deu uns passos para trás ao perceber que agora aquela pessoa que discursava a encarava. – Quem... é essa pessoa?
A voz.
Era carregada de um sotaque oriental. Não era em milhões de anos o mesmo som carregado escocês que escutou semanas atrás.
Então, a realização.
Aquele homem não era o Doutor Smith.
- Meus caros. – Aquele homem olhava a volta, buscando o olhar de todos os convidados para si. Parou, então, ao encarar Powder. Parecia que havia reconhecimento na figura da menina. Ele sorriu. – É inegável que muitos de vocês estão se perguntando coisas como “por deuses, porque Doutor Smith se recolheu nesses últimos dias, desapareceu de eventos e agora se encontra aqui. Aqui à frente de vocês, oferecendo este belo banquete”. – Ele desceu alguns degraus, ainda mantendo o olhar sobre Powder. – Devo dizer que fui arrebatado na minha última viagem, meus caros. Arrebatado por algo magnífico. E esse é o momento para apresentar a vocês.
A irmã mais velha quase que instintivamente aproximou-se da menor. Levou a mão até o braço da irmã mais nova, perguntando baixo:
- Pow... Ele...
- Vi...? – Murmurou a menina mais nova. Engoliu seco. O corpo, aos poucos, tremia. Estava hipnotizada pelo ambiente, pelo olhar do homem.
Powder pode perceber o ambiente de repente ficar mais gelado. Mais disforme. A irmã mais nova viu, futilmente, algumas pessoas buscarem os próprios casacos na tentativa vã de ter algo quente para se aquecer. Outros pareciam meio perdidos com o discurso do homem nas escadarias. Como se aos poucos não reconhecesse as palavras do próprio Doutor Smith. Bedwols olhou para o homem que começava a descer lentamente as escadarias diante de si e sorriu. O mordomo em seguida acompanhou o seu senhor, descendo os degraus, sem emitir qualquer som no caminhar. Diferentemente, contudo, o fiel servo aos poucos começou a falar algo bem baixo. Bem baixo de tal modo que Powder apenas pode perceber os lábios do mordomo se mexendo.
Mas ela sabia o que significa.
Ela sabia. Ela já tinha ouvido múrmuros assim antes.
Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.
- Vi? Precisamos sair daqui agora... – Ela virou-se para irmã mais velha. – AGORA.
A voz do “Doutor Smith” então aumentou como um rompante:
- Fui apresentado a algo magnífico. Mas é apenas um relance. Algo ínfimo diante daquilo que está a minha frente e precisa ser salvo. Livre. Que precisa alcançar asas e ser maior, melhor. E então eu os encontrei. Aqueles que podem me ajudar a alcançar esse voo livre. – Ele abriu os braços, no discurso. – E para serem livres, eles demandam sacrifícios. Todos nós precisamos de sacrifícios na vida. E é hora de mostrar a vocês. – O tom de voz se tornando exaltado.
De repente, saindo de dentro dos corredores do primeiro andar, Powder observou saindo das sombras vultos extremamente rápidos, pulando e ficando de cócoras sobre o corrimão que estendia em toda a extensão da escadaria, no segundo andar.
- O-O que... O que é isso? – Murmurou a irmã mais nova. Deu instintivamente alguns passos para trás, como se o corpo clamasse para fugir dali.
Powder olhou para o que era umas três, quatro? cinco? Criaturas subindo sobre os corrimões, no primeiro andar, e permanecendo escaneando a comitiva de pessoas no centro do salão. Pareciam como corvos, urubus, aves de rapina que apenas observam as presas à sua frente. Algumas pessoas ficaram assustadas com esse movimento e deram passos para trás, tentando ficar o mais próximo da porta de saída. Outros procuravam o olhar de outros convidados como se quisessem entender se aquilo era uma brincadeira de mal gosto ou algo assim.
Powder viu o olhar de Caitlyn nas figuras sobre os corrimões. Ela imediatamente buscou o olhar de Vi.
E a antiquarista entendia. Olhou para a irmã. Ela também entendia. O olhar de reconhecimento dela naquilo que estava sobre os corrimões era de alguém que já os viu antes. Já os conhecia antes.
Merda.
Merda.
Merda.
Powder viu Vi pegar imediatamente no braço de Caitlyn e disse baixo:
- Tire todas as pessoas desse lugar, Caitlyn. – Os olhos da lutadora estavam marejados, levemente arregalados, com medo. O semblante, no segundo seguinte, se morfou em profunda determinação. – Agora...! AGORA.
Powder sentiu lágrimas caírem dos olhos. Vi sentia medo. Isso era mais que suficiente para que Powder tremesse, ficasse inconsolável. Ela arfou baixo, sentindo o coração começar a bater fortemente contra o peito. Voltou o olhar para as criaturas. Estavam vestidas com longas capas pretas, mas o rosto era fácil de serem percebidos dentro de um capuz que mantinham sobre a cabeça: Os olhos opacos, sem nenhuma íris, apenas o vazio do preto em toda sua extensão. A boca abria vez ou outra e emitia um sibilar. Os dentes proeminentes e pontiagudos. A orelha pontiaguda e longa. Também não havia o nariz, e sim apenas dois pontos que indicavam a entrada de ar. Era um monstro. Pura e simplesmente.
Aquela porra era um monstro.
A menina pegou como instinto na bolsa que mantinha a estátua de jade. Disse baixo para si:
- O que tá acontecendo? O que... Quem são...
O homem riu vendo as pessoas, todos os convidados, começarem a se amontoarem na porta para sair. Tentaram em vão abrirem a maçaneta da porta agora trancada. Alguns gritavam “EU NÃO CONSIGO ABRIR. ALGUÉM FAÇA ALGO”. Outros tentavam chutar a porta, mas em vão. Era como se alguma força estivesse impedindo a saída do local. Powder ainda se mantinha no local, tremendo. Viu, então, “Doutor Smith” tirar uma belíssima adaga de dentro do bolso do paletó interno. A adaga tinha algumas joias encrustadas em seu cabo. Joias feitas de jade. A lâmina era curva, parecendo quase como uma garra. O homem voltou a subir alguns degraus. Ficou na mesma altura de Bedwols, justamente parado ao lado do homem. Ele então disse:
- O culto do despelado demanda carne. E para a sorte deles, tenho 30 peles para oferecer.
Em um movimento, o homem varreu com a ponta da adaga na altura do pescoço de Bedwols. Powder, Vi, Caitlyn, Mel e Ekko quase que instantaneamente respondendo com um “O QUE DIABOS?!” ou gritos ao verem o pescoço do mordomo ser completamente aberto de uma ponta à outra. E um jato vertiginoso banhar as escadarias do local. A pressão do bombear do coração jorrando sangue à frente dos convidados. Com uma das mãos livre, o “Doutor Smith” simplesmente colocou a mão na altura da pele abaixo do queixo daquele que foi um dia Bedwols começou a despelar ou por melhor termo, escavar a capa da face do homem, mantendo o olhar para o restante das pessoas do salão. Todos ali gritaram em horror àquela cena. Nada fazia mais sentido. Enquanto desencapava a pele do mordomo aos seus pés, o "Doutor Smith" disse entre dentes:
- Estou meio enferrujado... Demorarei um pouco para retirar a pele dele. – Fazia força com os dedos firme à derme do mordomo, puxava para cima, como se quisesse deslocá-la do crânio. Ele, então, virou-se para as cinco criaturas que permaneciam ainda observando os convidados de cima do corrimão das escadarias. – Matem todos. Ah... e não esqueçam. Tragam a minha estátua.
Em um movimento, então, as cinco criaturas pularam. Garras e dentes à mostra. E gritos eram ouvidos de todas as direções.
Lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Powder enquanto ela observava o sangue do falecido Bedwols começar a alcançar a ponta do seu calçado. A menina tremia como vara. Ela levou a mão para dentro da bolsa, tocando suavemente com os dedos na estátua de jade.
Ela buscava segurança naquele objeto. Como se esperasse que ele fosse oferecer alguma proteção.
Então, ela ergueu o olhar. Ela viu, em seguida, uma daquelas criaturas pular em sua direção, com os braços completamente abertos para estilhaçar lhe o corpo. Para recuperar a estátua que o seu mestre ansiava. Sentiu mais lágrimas caírem de seus olhos e lembrou-se de Chuck. Pobre Chuck. Por milésimos de segundos passou-lhe pela cabeça: Será que ele sofreu ataque dessas “criaturas”? Ou se foi o ‘Doutor Smith’ que o atacou com aquela adaga? Se ela teria o mesmo destino.
Ela... Ela estava cansada. Ela não queria mais nada disso.
Ela estava com medo.
Tão cansada.
Eu vou morrer.
Tão cansada.
O corpo entrou em um momento de profunda aceitação, pois Powder só conseguiu, então, fechar os olhos. Como se o corpo tivesse optado por desligar-se. E... nossa... Ela estava cansada. Tão cansada que estava na hora de abraçar a morte sem medo. Ela não tinha mais nada a perder. Se eles querem um sacrifício...
Ph ' nglui mglw ' nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn
***
.Vi.
- NÃO! – Vi gritou.
Ao perceber que sua irmã, sua pequena irmã, estava abraçando ou mesmo aceitando o ataque daquela criatura, fez Vi borbulhar um sentimento de proteção e raiva dentro de si. Ela se colocou diante da irmã e, imediatamente com um movimento conectou um jab na face daquela criatura a sua frente. O que fez o monstro cair ao chão, metros à distância da lutadora.
Vi viu sua irmãzinha arregalar os olhos, como se tivesse retornado à realidade. Deu uns passos para trás para dar espaço à irmã mais velha. Vi olhou-a sobre o ombro, séria. Como se dissesse para a irmã mais nova: Não. Não era a hora dela. Nem a de Vi. E Vi iria assegurar isso.
O monstro estava de lado, agora seu corpo levemente exposto, mostrando pústulas brancas em um corpo esverdeado. Ele estava no chão, barriga para cima, desconcertado pela força do murro previamente dado. As juntas dos dedos de Vi ferviam com o soco: estavam vermelhas em sangue. Coçavam pelo esforço. A lutadora olhou para aquela criatura voltando a se levantar, sentindo os músculos do monstro começarem a emitir um som como se fosse um “crack” enquanto voltava a ficar em posição de ataque. A criatura não andava sobre duas pernas e sim sobre as quatro patas. Ela andava de um lado e de outro, como um predador, arfando um som sibilante dos lábios:
- Bthnkor.
Tudo a volta da lutadora estava em completo pandemônio. Vi pode observar – apenas por segundos – as pessoas correndo em direção aos corredores, tentando buscar conforto nos quartos da casa, já que a porta de entrada estava completamente bloqueada. No canto do olho, Vi também enxergou uma dessas criaturas segurar a cabeça de uma mulher e simplesmente arrancá-la com uma força que ela nunca imaginou existir ou ter. A vontade de vomitar diante aquela cena era quase necessária. Mas ela não podia fraquejar naquele estante. Haveria tempo para passar mal quando estivessem fora de perigo.
Mas havia aquela força, opressora. O medo.
A violência e a facilidade que essas criaturas faziam os ataques assustava a lutadora. Era tudo completamente caótico.
Ao seu lado apenas se mantinha o pequeno grupo com quem interagiu minutos antes: Powder, Caitlyn, Mel e Ekko. O sentimento de catatonia era semelhante em todos eles. Como uma forma de se manterem seguros, o pequeno grupo formou quase que um semicírculo. Os cinco mantinham-se observando as pessoas à volta. Pessoas serem atacadas por essas criaturas; Sendo completamente estraçalhadas por elas. Sangue era jorrado sem cerimônia. Membros desfeitos. Vísceras expostas.
Mas não era momento para inércia.
Inércia os mataria.
Vi sabia que a inércia os mataria.
A lutadora puxou o paletó dos ombros e enroscando-o no braço – numa tentativa de oferecer proteção ao braço já previamente machucado por um dessas criaturas. Ela virou-se para os outros quatro e disse:
- Ekko, certo?! – Ela olhou sobre o ombro, vendo o menino confirmar com a cabeça. Ela estalou os ombros, ainda mantendo o olhar sobre aquela opressora criatura que ainda rodeava o grupo, tentando verificar como atacaria suas presas. Vi voltou a dizer. – Pegue Powder e saia daqui. Vá até algum dos quartos e tente fugir o quanto antes. Vi inúmeras janelas. Suponho que não seja difícil acessar uma e buscar a polícia. – Vi olhou para Caitlyn. – E você vai com eles. – Ela olhou para Mel também. – Vocês todos, ok?
- NÃO! – Imediatamente Caitlyn protestou. – Eu não vou embora. Eu não vou deixar...
Vi olhou-a sobre o ombro. Seriamente. Semblante fechado.
O pequeno grupo começou a se juntar. Eles observaram o movimento das criaturas subirem as escadarias, correrem em direção aos corredores. Em busca de novos corpos. Caçavam os convidados como se fossem orcas atrás de focas. Pareciam brincar com as próprias presas. O salão aos poucos ficava banhado em sangue e vísceras. Mel tremia e apenas recostou as costas na parede ao lado da porta de entrada do casarão. Chorava. E Vi não suportava ver pessoas sofrerem ao seu lado. Não queria ver o choro daquelas pessoas que estavam ali com ela. Não queria ver nenhuma delas morrer. Ela gritou em seguida:
- ESCUTEM! NÃO É HORA PARA ISSO. VÃO. EKKO, LEVE POWDER AGORA!
- Vi? – Powder pode apenas pronunciar palavras agora. – Não...
O olhar se suavizou ao ver a irmã.
Vi amava sua irmã.
Como ela amava a sua irmã.
Na realidade, por alguns momentos durante esses últimos dias ela teve sentimentos conflitantes contra ela. Pensamentos que a irmã não precisava dela. Pensamentos que talvez Powder esteja feliz sem ela. Talvez Vi esteja apenas se agarrando a necessidade de ser útil por enquanto para a irmã. E quando tudo isso acabasse... Sentimentos de inveja. Sentimentos de alguém que conseguiu escapar. Escapar da vida de merda. Powder pôde ter tido a oportunidade de fugir da vida de roubos e sujeira que a lutadora vivia. Vendo-a assim, no entanto, totalmente quebrantada e desolada. Vendo-a perdida, no entanto, doida mais ainda. E ela nunca mais queria ver essa expressão no rosto da irmã. Nunca mais gostaria de vê-la desistir da vida assim novamente.
Ela daria o mundo para que a irmã voltasse a sorrir.
E ela esperava que fosse capaz de entregar esse sorriso para a menina.
Ela apenas virou um pouco o tronco, ainda mantendo o olhar sobre aquela criatura à sua frente. Beijou a testa da irmã mais nova e murmurou baixo:
- Eu te amo... E-E eu preciso que você fique bem. - A voz saiu um pouco receosa. Embargada, até. Mas eram palavras que precisavam ser ditas.
Ela fechou os olhos por um segundo e voltou-se completamente a ficar em uma posição guardada para qualquer novo ataque da criatura. A lutadora aumentou o nível de respiração – inspiração, expiração -, totalmente ritmado. O coração batendo forte. Em seguida olhou de lado para Caitlyn que a olhava incrédula. Disse em seguida:
- Você é uma policial. Você se comprometeu em ajudar a minha irmã. Faça o seu maldito trabalho.
Ela não queria ser cruel, mas Vi nunca foi a pessoa certa com palavras. Caitlyn piscou alguma vezes como se tivesse sido apunhalada. Com o rosto incrédulo pelas palavras. Mas, ainda assim, em seguida veio resolução em seu olhar ao puxar uma arma de um coldre que tinha em sua coxa. Ela, por fim, fez um sim com a cabeça e fechando os olhos foi até Powder, fez um meneio com a cabeça para Mel e para Ekko. Com a arma em uma mão, preparada para qualquer ataque, a policial foi até Powder e puxou-a pelo ombro, ainda que a menina protestasse em choro.
Ekko ajudou Caitlyn, ao pegar Powder pela cintura, carregando-a enquanto a menina em seus braços se debatia para ser solta.
- VI! NÃO, VI!
Vi os viu se afastar, ainda sob os protestos de Powder. Com eles longe, Vi podia focar na criatura a sua frente. A criatura tirou os olhos fixos de Vi e encarou Powder. A lutadora sabia: aqueles seres estavam interessados ou mesmo fixados na estátua de jade. Esse era o objetivo deles. Powder era um farol chamando-os. Vi não permitiria, contudo.
Mas havia aquele sentimento. Um sentimento silencioso na base do crânio da lutadora. O mesmo sentimento silencioso que a atormentou no dia que se estressou com Caitlyn. Ele voltou com tudo presente.
Esse sentimento que aos poucos se agarrava em seu peito e falava baixo: ‘Mais uma vez, abandonada, hum?!’.
E Vi deveria ter se acostumado com o sentimento. Com esse sentimento. Não era a primeira vez que estava só.
Mas...
Ser abandonada não era um sentimento bom.
Ver as pessoas irem embora não era bom.
Doia.
Antes que a criatura de segundos atrás fosse atrás de sua pequena irmã, Vi avançou correndo em direção ao monstro, dando um forte encontrão, prendendo-o contra a parede. A criatura buscou ar ao sentir as costelas baterem forte contra a parede. Sibilou alto ao sentir os braços da lutadora envolta do corpo. Imediatamente Vi iniciou uma sequência de socos na criatura que urrava para a mulher de cabelos rosas.
A lutadora ainda ouvia os gritos de Powder ao longe. Aos poucos abafados pela distância, por portas, pelo vazio.
- AHHHH! – Gritou a lutadora, enquanto continuava a tentar acertar o rosto daquela criatura.
A lutadora, no entanto, subestimou a força daquela criatura inimiga que apenas jogou-a na extremidade oposta com uma facilidade inacreditável. Ela pode sentir: O gosto de bile e de sangue vindo aos lábios foi sufocante. Ela virou o tronco para baixo, vomitando o que era provavelmente o almoço e os quitutes que havia comido agora pouco. Merda. Ela ergueu o olhar vendo aquele monstro avançar sobre ela, em um só pulo.
Ela defendeu-se como podia, erguendo o braço para evitar que a mandíbula da criatura viesse em cheio em seu rosto.
Puta que pariu, no rosto não.
Deus abençoe o pano do paletó envolta do braço, pois o membro teria sido completamente arrancado do corpo se não fosse pela pequena proteção que o objeto oferecia.
Ela conseguiu novamente afastar aquele monstro de si, usando o solado do pé na altura do externo do monstro, jogando-o para trás.
Por um relance de sobriedade, Vi se pegou olhando a volta. Procurando alternativas de saída. Ou procurando outras ameaças. Querendo saber onde a sua irmã havia ido. Se ela já havia conseguido sair dali e ido até as autoridades.
Rápido.
Por favor, vá rápido.
Ela se agarrava a ideia de que qualquer hora os policiais apareceriam e tudo ficaria bem.
E ela riu dessa realização: ela nunca imaginou que estaria esperando por policiais aparecerem. No entanto, naquele momento e sem nenhuma energia em seu corpo, ela desejou que alguém viesse para auxiliá-la.
Mas isso era apenas delírios de uma menina tola.
Ela nunca teria ninguém.
Ela nunca seria ajudada por alguém.
Ela estava sozinha.
Ela sempre foi sozinha.
Sentiu os olhos ficarem marejados; viu de forma nebulosa mais duas criaturas juntarem àquela com quem a garota havia lutado segundos atrás. Por sorte ou azar, " Doutor Smith " não se encontrava mais na escadaria do local. Mas o corpo de Bedwols, com o rosto desfigurado e completamente despelado do queixo a testa, ainda jazia ali.
Aquele era seu destino.
Ter seu rosto rasgado e despelado era o seu destino.
Vi nunca sentiu medo quanto agora.
Não era o medo da morte.
Era algo diferente.
Era a violação.
A profanação.
Vi via aos poucos o salão ficar vazio, à exceção por aquelas três criaturas na sua frente. O grupo sibilando como um grupo de hienas vendo a lutadora ser uma pequena gazela prestes a ser abatida. Ela, então, se levantou, se afastou da parede que estava se apoiando até agora. Voltou a ficar em posição de guarda e limpou a boca com o ombro. Murmurou por dentes:
- Não sem uma luta. Não vão me levar sem uma luta.
E sorriu.
As três criaturas avançaram em conjunto sobre a lutadora. Uma, Vi conseguiu dar um gancho de esquerda na têmpora, fazendo-a cair de lado. No entanto, esse movimento permitiu que a guarda da lutadora ficasse completamente livre para que outra criatura avançasse com os dentes à mostra no ombro de Vi. E então, uma dentada. A dentada veio sem bloqueio algum.
- AHH! – A lutadora urrou de dor, sentindo os dentes serrilhados do monstro adentrarem à pele. – FILHO DA PUTA. – Ela empurrou-o, enquanto sentia a criatura rasgar-lhe a pele, mas ceder e cair para o lado com o empurrão. A terceira criatura, por fim, avançou em direção a canela de Vi, fazendo o mesmo movimento que a anterior, também dando uma profunda mordida na perna da lutadora, que cedeu sob um dos joelhos, ajoelhando-se. Ela empurrou o terceiro monstro, dando um uma cotovelada na altura do pescoço da criatura. Mas diferente das outras duas, aquela estava completamente presa à perna de Vi. Como um crocodilo que se gruda à presa, antes de quebrar-lhe os ossos – AHHHH! SAIA! SAIA, MALDITO!
Ela sangrava, pelo ombro. A clavícula estava banhada de um sangue que escorria sem nenhuma cerimônia. O colete preto estava agora empapado de um líquido viscoso que escorria das feridas. O tecido da calça que usava começava a formar uma poça de sangue, contida ainda, devido as presas daquela criatura ainda presa à sua canela. Apesar disso, a dor era insuportável. Ela queria tirá-lo dali. Queria tirá-lo e fugir. Eles eram fortes demais. Ela não ia conseguir. Nova realização passou em sua cabeça: ela não ia conseguir. O corpo estava começando a ceder à perda de sangue e ao esforço físico. A realidade começando a bater na consciência:
- NÃO!
Ela cerrou os dentes e começou a dar mais cotoveladas na altura do pescoço do monstro que segurava firme na altura da canela de Vi. Antes que pudesse ponderar o próximo curso de ação, instintivamente ela sentiu com esse movimento de cotovelada o coldre da arma bater nas costelas.
A arma. Maldita.
Vi, sua jumenta, a arma.
Então, a lutadora levou a mão até o coldre da arma e buscou o cabo da pistola que tinha na altura da costela. Colocando no alto da cabeça daquele monstro que sugava toda a vitalidade da mulher, Vi levou uma das mãos livres à altura do ouvido para suprimir o barulho e atirou duas vezes.
O estampido foi alto. Ensurdecedor. Seu ouvido completamente entorpecido. Nos pés da lutadora agora se formava uma gosma que ela só imaginaria ser a caixa craniana espatifada do monstro. A cabeça daquela criatura completamente estourada diante da lutadora. A mulher, ao sentir que os dentes envolta da canela cederam, apenas afastou o maxilar daquela criatura com um movimento da perna, jogando o resto do monstro de lado com a mão. Ela, então, caiu de bunda ao chão ao perceber que o esforço foi maior do que imaginava. Ela perdia sangue e estava cansada. A cabeça latejava e o cansaço parecia lhe oferecer uma vontade absurda de dormir. As pálpebras pesavam. Sentia que desmaiaria a qualquer momento.
- Porra... – Ela disse num sussurro.
Era muito sangue. Uma mistura dos dela com o da criatura.
A visão começando a embaçar. Tudo girava a volta de si.
Ela levou a mão livre a altura da canela buscando estancar porcamente o ferimento da perna. A outra mão, ainda presa no cabo da pistola mirava à esmo, à procura das outras duas criaturas que continuavam a cercá-la.
Ela não tinha mais forças para continuar isso.
Ela estava cansada.
Ela não viraria Bedwols.
Ela não iria nos termos deles.
Ela preferiria...
Ela olhou a própria pistola.
Ela iria nos próprios termos.
Então ela levantou o objeto e colocou no próprio queixo. Fechou os olhos ao sentir o cano da pistola em contato com a pele. O ferro é gelado. E ela treme. Então, ela engatilha cuidadosamente a arma mais uma vez. Tudo parece mais frio naquele momento. Vi volta a respirar de forma incontrolável para tomar a atitude mais idiota que ela poderia tomar em sua vida.
- Céus... Nossa... O que... Droga! – Cerrou os dentes, respirando ofegante. Expira, inspira. Um ataque de pânico é sentido dentro de si.
Me desculpe, Pow pow. E-Eu tentei.
Eu juro que eu tentei.
PORRA!
Dedo no gatilho. Apenas um movimento e tudo acabaria.
E tudo acaba eventualmente..., não é?
Um tiro. Dois tiros. Vi, por instinto, retraiu-se no chão, fechando os olhos com mais força. Ao sentir que seja lá onde esses tiros foram dados não a acertaram, Vi abriu os olhos. Buscou o olhar ao seu lado, se deparando com mais uma criatura ao chão, próximo à lutadora, com a cabeça explodida como uma melancia. Estava à exatos um metro da lutadora. Provavelmente se não fosse impedida pelos tiros atacaria Vi em seguida. Outra criatura, ainda viva e ‘bem’, virou-se na direção de onde os disparos haviam sido dados. Vi fez imediatamente o mesmo movimento que o animal: com o objetivo de encarar o dono dos disparos. Arregalou os olhos ao ver a mesma mulher que a tem perseguido os pensamentos nos últimos dias. Cabelos azuis escuros, olhos no mesmo tom. Semblante determinado. Os detalhes do rosto mostrando uma determinação nunca vista antes. Eram firmes. Lábios fechados como se controlasse a respiração para dar o tiro certeiro à criatura. Ela olhou apenas por um segundo para Vi. O semblante se suavizando por segundos. Os olhos com preocupação, como se avaliassem a lutadora. Vi sentia o carinho no olhar da policial, mas esse movimento durou apenas segundos. Pois no segundo seguinte, Kiramman imediatamente se pôs a encarar a criatura, arma em riste, apontando.
- Vi? Consegue se levantar? – O tom de voz da policial era visível: diferentemente da postura em sua cara e do movimento anterior – do tiro –, sua voz estava claramente abalada. Ela estava assustada com os próximos cursos de ação. Ela avaliava as possibilidades e o tom dizia que não era nada bom. – Por favor, se levante.
Vi soltou os dedos do ferimento na canela e com um esforço enorme, se pôs a se levantar. O ferimento do ombro não estava tão grande, mas também sangrava intensamente.
- Estou com poucas balas, Vi. Eu só consegui trazer um pente. E você? – Ela perguntou, tentando manter a calma na voz. Vi sentia aos poucos o rosto de Caitlyn virar como se fosse um borrão. Estava desmaiando e não sabia como reportar isso à policial. – Vi. Não desmaia aqui por favor. Eu preciso que você pegue o resquício de força que tem dentro de você. E no três, a gente corre. Esqueça a dor que esteja sentindo no momento e faça esse último esforço. Você consegue fazer isso por mim?
Vi fechou os olhos. Queria dormir. Ela ansiava por dormir. Mas a voz daquela bela mulher mantinha-lhe presente. Mantinha-lhe viva. Pelo menos até ela sangrar até a morte. Aí ela provavelmente estaria morta.
Bom...
Talvez eu não esteja tão mal assim.
Eu consigo até pensar em algumas piadas nesta situação, ela pensou.
- Vi? – Disse, em um tom mais desesperador, Caitlyn.
- Sim, Cupcake. – Ela conseguiu sussurrar. – Eu consigo.
Na realidade, Cait...
Eu não sei se consigo.
A criatura parecia que entendia o que elas falaram, pois imediatamente ele pulou em direção da lutadora que buscou – e ela não sabe de onde – forças de dentro do âmago para esquivar-se. O movimento foi desiquilibrado, mas efetivo: pelo menos pelo momento. Caitlyn deu alguns tiros em direção ao monstro, mas claramente se segurou para que não acertasse Vi por engano. Como se o objetivo fosse apenas distrair e afastar o monstro à frente da lutadora. O cheiro de pólvora da bala no ar quase pôs Vi a vomitar novamente, mas ainda assim ela se manteve em pé, centímetros da criatura.
Dando uns passos para trás, trocou um rápido olhar com a policial e se pós a correr em direção ao corredor da asa direita da casa, que estava completamente livre de passagem para as duas mulheres, não havia criatura alguma bloqueando-o. Vi olhou sob o ombro vendo Caitlyn atirar algumas vezes para trás conforme via a criatura as seguirem.
- VI, CORRE! – Caitlyn gritou enquanto acompanhava a lutadora.
- TÔ TENTANDO, CARALHO. Tenta correr com a porra da perna estourada! – Disse enquanto sentia o ombro arder como em chamas.
E ela realmente estava tentando.
No entanto, a mordida na canela ainda latejava, impedindo que ela corresse da maneira correta. Isso somado à marca no ombro que lhe gerava um desequilíbrio natural. O sangramento, é claro, não contribuía ao fator. Mais um tiro. O pente de Caitlyn já deveria estar quase vazio.
- AHHHHH, MERDA! – Gritou a lutadora.
Vi ergueu uma perna tentando alcançar um novo impulso na corrida. Talvez correr só sob uma perna geraria menos prejuízo que manter ela sobre o chão, forçando-a ainda mais. Ela corria a procura de alguma porta, qualquer coisa. Então ela se deparou: um cômodo à sua direita. Uma porta. Usando o lado (bom) do ombro que estava não marcado por ataque daquelas criaturas, a lutadora deu um forte empurrão no móvel, buscando assim rompê-lo. Vi não sabia se era o último resquício de força que tinha dentro do ser, mas a porta se abriu sem maiores problemas. Assim que adentrou no local, a mulher viu duas pessoas gritarem assustadas com a intromissão da lutadora.
Ela não poderia ser importar menos com eles dois.
Havia questões mais urgentes.
A mulher de cabelos rosas apenas deixou a porta aberta o suficiente até que Caitlyn atravessasse ela, fechando-a em seguida com um estrondo.
- MALDIÇÃO. – Ela gritou ao colocar o tronco na porta, barrando o avanço da criatura que estava sob o encalço da dupla.
Ela olhou a sua volta, assimilando o local que se encontrava: Era uma enorme sala de jantar anexada à uma cozinha conjugada. A sala de jantar tinha seus móveis levemente revirados, com a mesa de jantar girada em alguns graus e o pano que a cobria já caído de lado. O candelabro do local encontrava-se ao chão, derrubado. Os quadros, estavam da mesma maneira. Havia, como no quarto do Doutor Smith no lado superior, duas janelas na arquitetura semelhante. No canto daquela sala de jantar ainda se encontrava dois assustados convidados: Um homem baixo, pequeno, calvo, óculos circulares em sua face. Arfava assustado. Ao seu lado, uma mulher, esguia, cabelos lisos roupas simples. Talvez alguma empregada. Ou talvez uma cozinheira. Vi virou para encarar Caitlyn e observou que a policial estava verificando as balas em sua pistola.
Foram muitos tiros.
Caitlyn mostrou apenas uma bala no pente e em seguida fez um não com a cabeça. Vi sentiu uma força atrás de si: um grande encontrão na porta. “MERDA MERDA MERDA ME DEIXEM EM PAZ”, ela pensou. Ela apenas pode gritar:
- ME AJUDEM A BARRICAR ESSA MERDA DESSA PORTA. AGORA!
A palavra de comando foi dada. E ela foi atendida. Pois Caitlyn apenas correu em direção a uma gigantesca cristaleira e começou a puxá-la. Ao perceber que o móvel seria usado como barreira, as duas outras figuras adiantaram-se para ajudar à policial. Receosos de início, mas depois empenhados em evitar a morte iminente. Vi permanecia com as mãos segurando o batente da porta como se de alguma maneira quisesse barricar a porta com o próprio tronco. O sangue voltava aos lábios conforme sentia novos empurrões na porta atrás de si.
- CAIT... POR FAVOR! AGORA!
Assim que Vi viu a cristaleira à centímetros da porta, a lutadora deu um passo à frente e usando de toda a força restante em seu corpo, puxou com uma mão o enorme móvel em direção à entrada, bloqueando-a. Alguns talheres e cristais escorreram ao chão, mas o bloqueio foi suficiente para que em cerca de duas ou três esbarrões depois na porta, a criatura cessasse a tentativa de acessar a sala de jantar.
Por hora, eles estavam vivos. E bem.
- PORRA! – Vi gritou, o último reflexo de estamina em seu corpo. A lutadora expressava-se bastante por meio de xingamentos quando estava sob stress. Era a forma que ela lidava com essas situações. Fechou, então, os olhos. Por fim, ela, então, deu uns passos para trás, vendo o bloqueio à sua frente, assimilando que pelo menos por enquanto, ela ainda se encontrava viva.
E para ela... bem... isso era o suficiente.
Notes:
Continuo achando extremamente difícil escrever as partes de aventura. As partes de ação.
Mas eu sou bem idiota mesmo: por que mesmo que escolhi uma fic onde o foco seja a ação, a aventura eu não sei, mas estamos aí.
Well, parabéns para mim ¯\_(ツ)_/¯.
De todo modo, eu amo esse capítulo. Eu tenho um grande carinho por ele pois ele estabelece o início do caos que a lore de Lovecraft representa. O que o RPG de Call of Cthulhu representa. E esteja ciente: É daí pra baixo. Daí para mais e mais coisas estranhas.
Esse capítulo também estabelece uma dinâmica que vai se seguir pra sempre: a relação complexa entre Powder e Vi. E o relacionamento entre Cait e a Vi.
Se estou fazendo jus a isso, dando o tratamento correto? Aí, cara... eu num sei. XD
Chapter 11: Eu e você contra o mundo, certo?!
Summary:
Caitlyn precisa lidar urgentemente com as feridas de Vi, que agora sangra profusamente na sala de jantar.
Enquanto isso, Powder reflete sobre o distanciamento que ocorreu entre ela e sua irmã.
Notes:
Ahoy, pessoas!
1. Sem avisos sobre algum tipo de violência ou gore. Estejam safes :D
2. Frases mencionadas:
2.1. A primeira, como já havia pronunciado, é a frase clássica de Cthulhu:
Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn : "Em sua casa em R'lyeh, Cthulhu morto espera sonhando".
Em algum momento da série eu vou explicar a lore de Lovecraft. É bem confusa, mas interessante de ser discutida.
Só abraça a doideira, por que é muita.
2.2. A segunda frase, mencionada por uma das criaturas:
Bthnkor : Carne.
Por motivos óbvios, a única coisa que um Ghoul quer é carne. E ele tava em busca da carne de Vi.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Oblivion – M83
.Caitlyn.
Assim que Caitlyn adentrou naquela sala de jantar, ela foi apenas movida pela voz de comando de Vi, que continuava a sangrar violentamente. A perna estava empapada de sangue. O ombro tinha um gigantesco rasgo na pele. E a lutadora estava pálida. “Por Deus, ela está muito pálida”, Caitlyn pensou. Então foi quando a policial viu: após ajudar a empurrar a cristaleira até próximo a porta e ver a mulher de cabelos rosas empurrar com violência o móvel para frente da porta, bloqueando-a, viu-a em seguida dar uns passos para trás e urrar. Fazendo apenas a policial se recolher em si. Parte porque estava cansada. E parte porque permaneceu com os olhos sobre a lutadora, com um pouco de misto de admiração e medo quanto à resiliência de Vi.
A mulher realmente conseguia sobreviver a algumas pancadas.
O silêncio, então, após o urro, tomou a sala. Seja lá que criatura fosse aquela, não batia mais na porta tentando romper o bloqueio que Vi havia feito com a cristaleira. Havia naquela sala ainda duas outras pessoas além dela e Vi. Ambos – a mulher alta, uniforme de empregada, e o homem baixo calvo – deram espaço, dando passos para trás, receosos. Por fim, sentaram-se próximo a janela do local. Caitlyn voltou a encará-los e sorriu brevemente como se quisesse agradecer pela ajuda previa com uma expressão amistosa em seu rosto. Ela esperava que o sorriso fosse suficiente como agradecimento. Ela precisava manter as forças. Outros ataques poderiam ocorrer. Tomando fôlego dentro do peito, em seguida, viu a lutadora a sua frente. Abatida. Pálida.
- Vi... você está sangrando bastante... a gente... – Ela começou.
A outra fechou os olhos, dando mais alguns passos para trás e recostando o tronco na mesa de jantar, apoiando uma mão no tampo da mesa. Ela disse entre dentes:
- Por que diabos está aqui, Cait? Eu disse para cuidar de Powder. MERDA.
- Você nunca diz obrigada, Violet? – Caitlyn rebateu nervosamente. – Eu acabei de... Você iria MORRER!
A lutadora, que até o momento mantinha os olhos fechados tentando procurar folego, abriu-os e encarou a policial. Abriu um pequeno sorriso e disse baixo:
- Merda... Eu... Me desculpe. Me ajude a sentar. Eu preciso...
Ela não conseguiu terminar a frase. E começou a esbarrar na mesa, caindo para frente. Caitlyn imediatamente avançou alguns passos, pegando-a nos braços, apoiando o corpo pesado da lutadora com o próprio.
- Não não não. Você não vai morrer aqui, Violet. – Ela olhou novamente para as duas figuras na sala de jantar. O homem a encarava assustado pela interação entre as duas. Se abraçou como se tentasse se esconder. Estava incomodado. A mulher ao seu lado chorava copiosamente. Caitlyn sentiu o olhar ficar cada vez mais marejado. Ela levou a mão até o queixo de Vi, segurando-a, deixando a face da mulher de cabelos rosas alinhado ao seu. Ela voltou a murmurar. – Você prometeu que teria outra vez, não prometeu? Que você tentaria outra vez...? – Ela tirou o olhar de Vi para assim olhar os outros dois. – Por favor? Alguém? Ela... Por favor... – E abaixou o rosto sentindo cada vez mais lágrimas caírem dos olhos. A mulher sob si estava desacordada. Não havia mais motivos para controlar as lágrimas e o choro.
Após alguns segundos que pareciam muito mais longos com uma Vi desacordada em seus braços, Caitlyn sentiu dedos receosos em seu ombro. Ela imediatamente ergueu o rosto para encarar novamente o homem calvo. Ele ainda tremia, mas parecia mais resoluto que antes. Ao encarar Caitlyn ainda chorando, ele imediatamente retirou a mão sobre o ombro da mulher e disse baixo:
- Ela está sangrando bastante. Me ajude a colocá-la sobre a mesa. – Olhou para a outra mulher no canto, abaixo da janela. – Por favor, você conhece a casa melhor que nós. Provavelmente há panos e uma tina para água quente. Se tiver alguma faca afiada, agulhas... e, por favor, deixe o fogo acesso. Precisarei dele.
Caitlyn o observou atentamente. Surpresa, até. Instintivamente ela abraçou mais forte Vi. Olhou para o homem e perguntou:
- Você...? Quem...
- Me chamo Doutor MacFayden. Huck MacFayden. E talvez eu possa salvar a vida dela.
***
.Powder.
Quando Caitlyn disse à Powder que ela sairia para trazer Vi de volta, Powder quis realmente acreditar pela primeira vez na palavra ordem. Na palavra da policial. Na segurança que uma força policial possa apresentar em uma situação de vida ou morte, como a que estavam vivenciando no presente momento.
Powder – ou mesmo Vi – nunca confiou na polícia. A polícia era corrupta e eles nunca fizeram nada por nenhuma delas. Mas, ainda assim, a tentativa de buscar qualquer esperança no momento, inclusive na força policial, era inevitável.
A pequena Wick se pôs a lembrar-se do que havia ocorrido minutos antes, antes de Caitlyn sair do cômodo.
Assim que entraram no quarto onde se encontrava agora, Powder imediatamente se pôs em protesto dizendo que iria sair e procurar pela irmã. Que não deixaria nem por um instante Vi sozinha.
Somos nós contra todo o mundo.
Vi prometeu que seria assim.
Caitlyn fez apenas um movimento com a cabeça e Ekko estava novamente a segurando, tentando controlar o relance de insanidade e desespero que a menina apresentava ao ver a sua irmã ser abandonada. E ninguém ir atrás dela.
Então quando Caitlyn, em tom firme e decidido, olhou à volta e sentindo que o local era seguro e defensável o suficiente, foi até a Powder e disse: “Vou atrás dela. Apenas acalme-se”. Então a menina realmente acreditou. Powder realmente queria acreditar.
O cômodo que eles estavam era um escritório, bem iluminado por duas janelas na extremidade esquerda. Uma mesa central, uma cadeira, e uma bela estante recheada de livros. Não era ideal: Não era tão espaçoso para a quantidade de pessoas que estavam no local com Caitlyn, Mel, Ekko e ela própria. Mas Powder pouco se importava. Estava angustiada o suficiente para se importar com espaço. Queria apenas a sua irmã de volta.
Caitlyn avaliou o local, foi até Mel e disse algumas palavras que Powder não se importava em saber. Na realidade, ela mal se importava com as pessoas ali. Talvez apenas com Ekko. A menina de tranças azuis tentou ir em direção até a porta, mas teve os dedos firmes de Ekko envolta do pulso da menina. Ele disse baixo, como num sussurro:
- Deixe a policial resolver isso. Ela vai atrás da sua irmã e vamos sair daqui. Todos juntos.
É incrível como as coisas são: Powder havia conhecido aquele rapaz há apenas algumas horas atrás e já o sentia como alguém tão importante. E ela não sabia explicar exatamente o porque.
Dizem que experiências de quase morte provocam reações químicas que o cérebro não sabe explicar. Talvez o que Powder estava sentindo se enquadrasse nisso, pois não apenas ela estava acatando à ideia de Caitlyn de ir atrás da irmã como também estava relaxando sob a voz de uma pessoa que conheceu há pouco tempo.
Ekko parecia um rapaz bom.
Parecia, também, que se preocupava com Powder.
E isso acalentava o coração dela o suficiente para confirmar com a cabeça.
Quando Mel e Caitlyn voltaram a se aproximar de Powder e Ekko, foi Caitlyn que quebrou o silêncio:
- Certo. Eu observei, à princípio, cinco daquelas criaturas que atacaram os convidados. Eu estou na expectativa que quando retornar ao salão, elas já tenham dispersado. Talvez e para ir à procura de outros convidados elas tenham dispersado. Temos que talvez lidar com o ‘Doutor Smith’. - Ela parou, avaliando as pessoas que estavam ali. - Todos estão de acordo que aquele homem não era o Doutor Smith, certo?
Ekko fez um sim com a cabeça, incerto, porém não cabia a discordar. Mel suspirou. Disse em seguida:
- Mal prestava atenção no pobre homem. – Powder a observou. ‘É claro que não prestava atenção... a única coisa que você presta atenção é você mesma, sua palerma! Você e no seu ego gigante.’, ela pensou. Mel continuou. - ..., mas o homem que eu conhecia era a pessoa mais carinhosa que eu já vi nessa vida. Não faria mal a uma mosca.
- A voz. – Powder começou. – Doutor Smith é escocês. O tom de voz daquele homem... Era oriental. Turco, talvez? – Olhou para Ekko. – Você disse que vieram de Constantinopla... O homem que você fez o translado era esse mesmo?
Ekko fez um não com a cabeça. Ele emendou:
- Seja lá quem eu trouxe, era alguém bem mais amigável. E Bedwols estava com ele. Conversavam amenidades no trajeto todo. Não pareciam... aquilo.
- Isso não importa. – Caitlyn finalizou. – Se eles se espalharam, melhor para mim. - Powder observou a policial ajustar a pistola em pulso verificando o pente e contanto a quantidade de balas que a arma possuía. A mulher de cabelos azuis escuros voltou a dizer. – O que importa é que eu sairei, irei atrás de Vi e sairemos todos juntos desse local. E se não voltarmos em meia hora, ela olhou para a janela atrás de Powder. – Vocês...
Powder olhou para a policial esperando-a finalizar a frase. No entanto Caitlyn não disse mais nada, apenas olhou para o quarto com uma expressão de total confusão. A irmã mais nova Wick perguntou baixo “O que tá acontecendo, princesa?’’ e em seguida virou-se para onde a policial encarava. Caitlyn disse, abismada:
- Vocês estão... vendo o que eu estou vendo? Onde... onde diabos estamos?
Powder caminhou em passos vacilantes até ao quadro da janela. Desentarraxou a alça que prendia uma aba da janela à outra e abriu-a completamente, afastando as cortinas. À sua frente, apenas a escuridão. A mesma escuridão que já a atormentou em um sonho anterior. Eles não estavam mais em Londres. Eles não estavam mais no bairro mais rico de Londres. Havia apenas o breu completamente escuro a sua frente. "Onde a gente está?"A irmã mais nova Wick possuia em seu olhar um misto de surpresa, medo e curiosidade. Enfiou apenas parte da face para fora da janela e ouviu um sibilar no pé do ouvido, dizendo: "Não". Ela evitou assim colocar a cabeça toda para fora. Então, levou o dedo a uma presilha que prendia as suas longas tranças e com o objeto entre os dedos, jogou para fora da janela. O olhar fixado ainda na escuridão à sua frente.
A presilha, que saiu dos seus dedos, atravessou o quadro da janela e ao alcançar alguns metros à sua frente, simplesmente evaporou à frente dos olhos da menina.
Evaporou.
Simplesmente... evaporou.
Ela riu. Riu para si, baixo.
- O que... Vocês...? – Ela olhou para trás de si, analisando o olhar assustado de todos os outros. – Ela puxou uma caneta que tinha em sua bolsa – a mesma bolsa que carregava a estátua de jade – e arremessou novamente em direção à escuridão. E de modo semelhante, a caneta simplesmente evaporou diante do olhar dela. Ela riu. Um riso de desespero, enquanto encarava a janela a sua frente. A mesma escuridão. Abaixou o olhar e puxou a estátua de jade. O objeto, agora sob melhor inspeção, parecia emanar uma aura e brilhar sob os dedos de Powder. Os outros três ainda pareciam catatônicos à constatação da irmã Wick. Ela voltou a rir, desesperada. – HAHAHA. – Lágrimas formaram em seus olhos. Abraçou com carinho a estátua. A única coisa que fazia sentido no momento. – Estamos presos... – Ela murmurou. – Estamos... HAHAHA, estamos...presos.
E ela então caiu ao chão, chorando em desespero.
***
.Caitlyn.
As lágrimas que Caitlyn havia deixado cair por Vi cessaram. E foram muitas lágrimas, diga-se de passagem. Havia, agora, apenas uma marca suja no rosto que indicava o que ela havia passado minutos, horas, atrás desse jeito: chorando. O que restava agora era o peso da determinação de auxiliar Huck em absolutamente tudo que o homem solicitava.
- Eu preciso de mais água quente. E aqueça essa faca. Vamos precisar cauterizar o ferimento da perna. – Ele praguejava, enquanto puxava a própria maleta, retirando alguns unguentos e entregando algo na boca de Vi que Caitlyn imaginava ser uma folha de coca. – Vamos! Antes que ela entre em choque séptico!
Caitlyn corria entre a sala de jantar e a cozinha. A outra mulher, que nesse meio tempo Caitlyn descobriu que se chamava Mary, os auxiliava da cozinha, aquecendo a água, providenciando panos e todo o suporte necessário. Deus abençoe esses dois.
Algumas ervas também foram utilizadas para aplicar sobre os ferimentos de Vi. Lenha foi colocada na perna para criar sustentação e um torniquete na altura da perna da lutadora.
E seja lá quem Huck Macfayden seja, Caitlyn acreditava que ele havia sido enviado pelos céus. Pois as ações que ele tomou foram tão precisas e certeiras que a policial claramente teria visto Vi falecer em seus braços se não fosse pela ajuda do Doutor. Ou de Mary.
Alguém não queria Vi morta. Pelo menos por enquanto.
Então ao final de algumas duas horas ou mais e depois de algumas horas de tratativas médicas... A policial pode simplesmente relaxar. Caitlyn conhece apenas um pouco de medicina. Quem é o médico da família é seu pai. Então a menina conhece muito pouco da profissão. De qualquer forma, Caitlyn recostou-se na parede, buscando recuperar um pouco da energia que havia sido retirada ao executar todas as tarefas das última uma hora ou mais.
O Doutor Macfayden sorriu suavemente, levou mão até a tina de água quente e limpou os dedos, enquanto observava Caitlyn recostada ao chão. Ele virou-se completamente para ela e disse:
- O pior já passou. Ela perdeu muito sangue, mas ela vai ficar bem. É uma guerreira.
Caitlyn sorriu aliviada das palavras dele. Realmente aliviada.
E o reflexo das palavras do Doutor já começavam a aparecer: Caitlyn pode observar o rosto de Vi apresentar mais cor do que tinha quando entraram na sala de jantar, horas atrás. Ela voltou a sentir lágrimas se formarem nos próprios olhos. Ela se odiaria para sempre se Vi morresse sob seus cuidados. Ela havia prometido que iria ajudá-las – ambas as irmãs. Ela havia prometido à Powder que voltaria com Vi e que elas sairiam dali.
- Obrigada, Doutor. – Ela suspirou, aliviada. O peso sob os ombros começou a ceder. Ela fechou os olhos tentando evitar chorar mais do que já havia o feito. Voltou a abrir os olhos e sorriu para o homem. – Você foi um anjo na vida dela.
O homem se afastou rindo sem jeito, fechou os punhos e se abraçou. Ajustou os óculos circulares que tinha nos olhos, nervosamente. Olhou para baixo e fez um movimento negativo com a cabeça. Disse quase como um sussurro:
- Não. Eu sou um covarde. Todas aquelas pessoas... E eu... eu só fugi.
- Você assim como todos nós. Quem ficou para lutar... – E Caitlyn voltou a encarar Vi e sentiu o coração apertar. Em seguida levantou-se novamente. Foi até o homem e o abraçou. Caitlyn não sabia se por apenas agradecimento ou se porque ela também precisava de um abraço. Toda essa situação era completamente assustadora para a policial. Ela disse baixo. – Obrigada por salvar ela. Obrigada por mesmo não sendo sua obrigação, ainda assim tê-lo feito. E... ninguém vai te culpar ou te julgar por não ter lutado e ter buscado a própria sobrevivência. Isso não te faz uma pessoa mal. Não te faz alguém covarde... Isso só te faz humano.
Talvez tenham sido as palavras. Talvez o abraço. Mas o corpo do homem baixo e calvo relaxou sob o de Caitlyn. A policial pode sentir lágrimas nos olhos do homem. Ele só pode murmurar baixo:
- Obrigado. Muito obrigado.
***
.Powder.
Depois do surto prévio que Powder havia dado, Caitlyn novamente reforçou que precisaria ir atrás de Vi para que enfim formassem um plano para sair daquela casa maldita. Ela não sabia como. Aliás, ninguém ali sabia como. Mas Caitlyn parecia que tinha ainda maior resolução sob aquele nível de stress. Pois ela estava coordenando aquele grupo de três pessoas como se tivesse total confiança no que estava dizendo. Minutos depois de se recompor, Powder viu Caitlyn sair pela porta do escritório de Doutor Smith. Não passaram alguns segundos, quando ela ouviu um primeiro disparo. Seguido, minuto depois, por dois disparos. E mais outro. E outro. Powder viu Ekko ir em direção a porta e barrá-la com o próprio corpo, dizendo para ela:
- Caitlyn pediu para que não saíssemos. Vamos ficar aqui até termos algum tipo de notícia dela ou de Vi. Por favor, Powder. Não é hora de nos desesperarmos.
Powder fechou os olhos em frustração e voltou a atenção às janelas do escritório, ainda com o exterior completamente escuro. Ela em um momento posterior ao prévio – da presilha e a caneta – ela tentou jogar da janela para o chão, testando se o chão do local estaria pelo menos acessível. Para a surpresa – ou talvez não – de Powder, a casa encontrava-se suspensa na escuridão. A caneta que estava sobre a mesa do escritório, foi arremessada, caiu alguns metros ‘abaixo’ do chão que ficaria à casa e da mesma forma que dos objetos anteriores, evaporou-se na escuridão.
A irmã Wick avaliou, nessas tentativas, que a casa tinha um grande campo de força a sua volta. Nada poderia sair de cerca de 2 metros para frente das faces daquela casa. Se saísse desse raio, dessa distância... ‘Zap’. Realizar essas pequenas experiências pelo menos tirou a mente da irmã Wick do desconforto de esperar por notícias de Caitlyn. Powder queria fazer sentido a aquilo tudo, mas de tudo que ela já vivenciou nos últimos dias... O que é uma casa suspensa na escuridão?!
Mas nem as pequenas experiências que ela executou conseguiu-a afastar de vez ou outra falar para os outros dois:
- Elas estão demorando. Elas já deveriam ter voltado.
Minutos, então, se tornaram horas.
A curiosidade com a estrutura da casa e como ela se encontrava daquele jeito, suspensa, se morfou em frustração ao perceber que Caitlyn não voltaria. E nem a sua irmã. Ela então avaliou o rosto dos outros dois que estavam junto a ela: Ekko permanecia sentado na porta de entrada do escritório. O semblante completamente abatido. Tinha em uma das mãos uma pistola que – ao que ele afirmara – auxiliava-o como instrumento da profissão que atuava. Ela se questionava se ele potencialmente estava legalmente permitido de usar uma arma. Powder não tinha interesse em discutir sobre isso. A menina, na realidade não tinha interesse em discutir sobre nada. Ela só queria sua irmã de volta.
Mas havia outra pessoa no cômodo com eles.
Mel, nos primeiros minutos que estiveram ali, tinha a face pálida e assustada. Fazia absolutamente tudo que Caitlyn havia dito que era para ser feito como um cachorro perdido. Ao ser largada pela policial, sofreu um segundo surto – talvez por isso teve alguma reprimenda de Caitlyn na conversa que as duas tiveram horas antes. No entanto, após o tempo escorrer e as horas passarem a mulher de ébano entrou no estágio claro de aceitação. E novamente a mesma mulher que as irmãs Wick viram no dia anterior voltou a aparecer. Séria, inteligente. Ela saiu do canto que se encontrava até horas atrás e começou a buscar nos livros, na mesa do escritório algo que pudesse fazer sentido a aquilo tudo.
E maldita seja Mel Medarda, pois após duas horas de pesquisa, a mulher encontrou em um fundo falso de uma das gavetas um diário. Totalmente revestido em couro em toda a sua superfície, bem preso por uma tira do mesmo material envolta de si.
- Achei algo. – Ela disse.
Ficar ponderando as coisas não iria levar Powder a lugar nenhum, de modo que tanto ela quanto Ekko aproximaram da outra mulher enquanto ela colocava o livreto sobre a mesa, abria-o e em seguida começou a folheá-lo.
Powder viu a caligrafia bela de Doutor Smith no início do jornal se transformar em algo absurdamente desconexo e estranho aos olhos quanto mais ela lia. Quanto mais próximo ao final do jornal. Era como se ela estivesse aos poucos testemunhando alguém perder a sanidade conforme os dias se passavam. A menina virou-se para Ekko, perguntando-lhe:
- Me diga... que dia você trouxe Doutor Smith? – E se virou para Mel Medarda. – E você? Que dia foi a escavação dele em Constantinopla?
Mel folheou o jornal, deparando-se com o dia. A mulher de ébano abaixou o tronco e começou a ler o relato:
Constantinopla, 20 de março de 1921.
Tudo a minha volta é maravilhoso. A cidade é belíssima e gostaria que todos meus companheiros do museu pudessem ter acesso às maravilhas deste local. Acredito que com as descobertas feitas nossa verba para investimentos que a prefeitura está providenciando, ela aumentará. Em pouco tempo, assim, todos meus amigos e colegas poderão ter acesso às maravilhas dessa bela cidade.
Nem tudo são flores, contudo. Tive a infelicidade de discutir com alguns homens turcos durante o processo de escavação. Alguns homens diziam que o local é amaldiçoado. Outros afirmam que ‘estranhos estrangeiros’ não deveriam profanar o túmulo de
(inilegível).Muitos começaram a brigar e questionar a escavação. De tal modo que me cabe apenas agora uma pequena comitiva de três pessoas de confiança. À esses três e meu velho amigo Bedwols, a quem devo a minha vida e meu carinho.
Ao final do dia, para a minha surpresa e para amenizar o cansaço de tudo que vivenciei nos últimos dias, me deparei com a coisa mais magnífica que pude observar: uma bela estátua de jade.
Uma estátua que fiz alguns rascunhos dos quais possa analisar com mais calma, em anexo.
A estátua possui inscrições que me são estranhas e que precisaria de uma ida ou duas à biblioteca para descobrir mais. Mas pela datação e uma análise inicial, a estátua tem milhares de anos. Mas suas inscrições e a arquitetura da escavação não condizem com o objeto que tenho em mãos.
Quem será que a deixou ali?
De qualquer forma, tudo isso é inovador e irá engrandecer ainda mais o museu. Espero poder mostrar isso aos meus companheiros de profissão e juntos desvendar muito mais desse mistério.
Smith.
Mel passou os dedos pelo jornal como se ponderasse as palavras do antigo mentor. Suspirou como se pela primeira vez sentisse falta do antigo amigo de profissão. Powder não pode deixar de sentir compaixão pela mulher. Ekko passou a mão pela nuca, constrangido pelo silêncio que havia se dado no local. Perguntou:
- Vá para o registro mais recente. Talvez...
Londres, 07 de abril de 1921.
Algo veio comigo.
Tenho medo constante pela minha vida.
Levei a estátua para o antiquário para que eles pudessem fazer sentido a isso. Mas quanto mais estou longe da estátua, mais confuso e com medo eu fico.
Ela me dava conforto e segurança. Estar longe dela agora me assusta.
Sinto-me constantemente vigiado.
Bedwols não parece o mesmo. Fala palavras que não me fazem mais sentido.
Fugirei.
Mas antes preciso da minha estátua.
Eu preciso...
Cahf ah nafl mglw'nafh hh' ahor syha'h ah'legeth, ng llll or'azath syha'hnahh n'ghftephai n'gha ahornah ah'mglw'nafh.
- Após isso, uma série de desenhos estranhos. – Mel murmurou, pegando o jornal e entregando para Powder. A menina de cabelos azuis claros segurou entre os dedos o jornal o analisou. Mel fechou os olhos cansada e perguntou. – Acha que... acha que exista algo aí que possamos extrair? Que possamos extrair para sair dessa casa? Fugir daqui?
Powder ainda permanecia observando o jornal.
Queria nunca ter conhecido Doutor Smith.
Queria que Chuck nunca tivesse aberto aquela porta para que o homem entrasse.
Assim nada disso estaria acontecendo.
Ela puxou novamente a estátua de dentro da bolsa e colocou-a sobre a mesa. Olhou-a atentamente e mordeu o dedo até sentir algumas gotas saírem sangue da superfície da pele. Ela passou os dedos ensanguentados pela inscrição da estátua e de repente a estátua simplesmente começou a brilhar.
A irmã Wick apenas reagiu por impulso. Ela nem soube o que deu nela para fazer aquilo em primeiro lugar. Existia algo como se a chamasse. Como se algo estivesse clamando por ela. Pelo sacrifício dela. Enquanto tocava naquela estátua, a menina sentiu os olhos novamente marejarem. Cerrou os dentes, olhando para Mel e confirmou com a cabeça e em seguida murmurou aquilo que ouviu no sonho horas antes:
- Ahe uln, ryleh. Im wgah'nagl.
E em seguida murmurou baixo, olhos fixados na estátua:
- Eu estou em casa.
Ela parou vendo o sangue manchado sobre a estátua. Olhava maravilhada.
Então parou. Encarou o restante.
Os olhos de Powder, então, viraram completamente, ficando com a esclera completamente branca. A menina tensionou o corpo, como se estivesse sofrendo de uma convulsão. Tremia, mas mantinha o dedo sobre a estátua de jade. Ela pode ouvir gritos dos outros dois ao fundo, distantes. No entanto, ela murmurou novamente “eu estou em casa, pai”. Por fim, cansada, apenas desmaiou.
***
.Vi.
Tudo estava escuro. Tudo à volta de Vi.
Ela estava ao meio de toda uma profundeza de vazio e escuridão. Olhava à sua volta e via apenas o barulho incessante de água gotejando a sua volta. Mas nenhuma fonte de luz à exceção do que ela próprio emanava.
Ela deu alguns passos para frente em busca de reconhecimento. Seus pés sentiam que seja lá aquilo que estivesse caminhando sobre, era molhado. Viscoso.
Os passos se tornaram uma pequena corrida.
O cenário não mudava, contudo.
Após correr alguns minutos, olhou novamente a sua volta. Nada mudava. Ela não mudava. Ela buscou gritar, mas não saia som de seus lábios.
Olhou para as próprias mãos e viu marcas envolta do próprio braço. Reconhecimento apareceu em seu rosto: as mesmas marcas, mesmas inscrições que Vi viu na maldita estátua de jade.
Vi tentou em vão limpar as inscrições do corpo, sem sucesso. Voltou a olhar à sua volta.
Sentia saudades da sua irmã.
Sentia saudades de seus pais.
Sentia saudades de Vander.
Sentia saudades de Caitlyn.
E então ela ouviu um sussurro. Ela virou-se bruscamente para um lado, para o outro. O sussurro estava tão perto. Como se estivesse dentro de sua cabeça.
Quem?
Quem é você?
E o sussurro então ficou mais claro. Vi ouviu próximo ao seu ouvido:
- Wake yogor ya gof'n, ymg' yar ah nafl ph'.
E em um sobressalto, a mulher de cabelos rosas se levantou em um movimento brusco, apoiando-se na mesa de jantar. Ela sentiu duas mãos segurarem-na pelos ombros e irem em direção ao rosto da lutadora. E, em seguida, ela ouviu a voz de Caitlyn, calma e melodiosa, próximo ao rosto, falando:
- Calma...Calma... Você está bem. Está tudo bem, você está bem.
Vi buscou o olhar ao de Caitlyn, reconhecendo-a. Ela sorriu aliviada, como se um peso tivesse sido tirado do peito. Acordar e tê-la ali, perto, lhe gerava tanto alívio. Ela estava bem. Caitlyn estava bem. E Vi se sentia feliz por isso. Muito feliz.
A lutadora fechou os olhos tentando controlar o fluxo da respiração que tinha escalado ao acordar daquela maneira. Caitlyn ainda continuava a ministrar um carinho na face de Vi, enquanto buscava observar a lutadora e entender o que ela estava sentindo ou passando. A policial ouviu a outra murmurar baixo:
- Obrigada. – Vi engoliu seco e em seguida disse como num sussurro. – Obrigada por ter me ajudado antes. Me desculpe por antes. Eu não deveria... Eu fui cruel, Cait. Você foi incrível, cupcake.
E talvez essas palavras tivessem pouco peso para Vi, mas para Caitlyn, diferentemente, fez algo à mais: pois a mulher avançou e passou os braços envolta do pescoço de Vi – que protestou levemente diante de todos os machucados -, mas retribuiu o abraço da mulher de cabelos azuis. Foi a policial que falou em um tom choroso:
- Por favor... não faça mais aquilo. Eu pensei... Eu pensei...
- Eu sei. Eu sei. – A lutadora passou a palma da mão nas costas de Caitlyn, afagando-a. – Devo dizer que eu não pensava que você era tão boa na sua profissão. Você sabe atirar, Cupcake.
Ela fungou, pouco fanhosa. Murmurou em seguida ainda abraçada à Vi:
- Eu sou muito boa no que faço, Violet. E eu tinha uma boa motivação para não errar nenhum daqueles tiros.
- Sorte minha. – Disse a outra, rindo suavemente.
Tudo doía, no entanto. Todo seu corpo doía.
Mas ela estava viva. E isso era motivo suficiente para que minutos depois de estar com uma bela mulher nos braços, se afastar apenas o suficiente para olhar à sua volta. Então ela viu novamente o mesmo homem calvo que havia se deparado quando entraram na sala de jantar. E a mesma mulher de roupas simples e alta. Caitlyn corava agora ao saber que as duas figuras estavam observando a interação entre elas com olhos curiosos. Foi a policial que iniciou a conversa:
- Então... – Deu uns passos para trás, olhando para os outros dois e de volta para Vi. – Pessoal, essa é Vi... – Encarando a lutadora, ela continuou. - Vi... Por mais que eu tenha te ajudado lá atrás, quem é o responsável por você ainda estar respirando é o Doutor Macfayden e a jovem Mary. – Caitlyn apontou aos dois. – Eles ajudaram e fizeram o possível com que tínhamos. E tivemos sorte, pois o senhor Macfayden é médico especialista da Universidade de Londres. E muito bom, por sinal.
O homem fez um meneio com a cabeça e Vi refez o movimento, em tom de agradecimento. Já a mulher, Mary, sorriu com carinho para a lutadora. Vi retribuiu o sorriso, complementando:
- Obrigada. Eu... eu nem sei como agradecer...
O homem riu sem jeito, dizendo em seguida:
- Permaneça viva vai ser agradecimento suficiente, senhorita Wick. – Ele virou-se para Mary e para Caitlyn. – Foi um trabalho em conjunto que deu certo graças a sua resiliência. Seja lá à quem você cultua, o seu santo não desejava que você se fosse essa noite.
Vi o observou atentamente e sorriu sem jeito. Lembrou-se do sonho. Pesadelo, que seja.
Ela nunca se imaginou como alguém religiosa. No entanto, após aquele comentário daquele homem, Vi se perguntou quem era aquela pessoa que sussurrava coisas em seu ouvido. Em seus sonhos. Um calafrio subiu-lhe a espinha, mas foi facilmente afastado quando uma mão tocou sobre a dela, entrelaçando os dedos.
- Vi? Está tudo bem? – Caitlyn questionou, enquanto fazia carinho no alto da mão de Vi com o dedão. A lutadora apreciava o gesto. Era confortável.
- Cait... - Sorriu. Em seguida ergueu a sobrancelha como se tivesse esquecido o gás ligado. - Cait, onde está Powder? – Ela então perguntou. Todo o momento era lindo. Era especial. Mas havia algo urgente que ela precisava tratar. Sua pequena irmã estava em algum local dessa casa e ela precisava vê-la. Saber se ela estava bem. – O que aconteceu depois que eu apaguei?
O homem, Doutor Macfayden, olhou para Mary e em seguida, encarando Caitlyn e Vi, disse:
- Vamos, Mary, dar um pouco de privacidade às jovens. Vamos para a cozinha avaliar se há algo para comermos.
Abençoada seja as cozinhas conjugadas, pois assim que o Doutor sumiu juntamente à Mary, Vi voltou a encarar a policial. Caitlyn, no entanto, tinha outra pergunta para a lutadora:
- Antes de tratarmos isso... - Ela ponderou as palavras. - Eu preciso perguntar: Vi... Por que você tinha a própria pistola virada para si?
A lutadora foi pega de surpresa e corou levemente. A mandíbula ficou tensionada. "Porra. Ela viu!”. Caitlyn a observava. Como se a analisasse cada músculo do próprio corpo. O rosto de agora à pouco, carinhoso, havia mutado em um rosto preocupado, talvez incomodado. A policial completou, mais uma vez:
- O que você pretendia fazer... - O timbre saindo nervoso. - O que você acha que você ganharia fazendo aquilo?!
Vi olhou para a própria mão. A mão de Caitlyn ainda estava sobre a sua, com os dedos entrelaçados. O carinho havia parado, mas ela ainda permanecia ali. A lutadora apenas murmurou:
- Eu... – Ela queria buscar uma resposta. Mas não havia nenhuma.
- Nunca mais. – E a policial cimentou a conversa com isso. – Nunca mais tente isso novamente. Não te é permitido desistir. Nunca mais.
Vi voltou a encará-la.
Ela via respeito e cuidado nas palavras da policial.
Não existe hora melhor.
Eu preciso dizer o que sinto.
Antes que voltemos para Powder, eu preciso dizer o que sinto.
Pois parece tão intenso, Cait. Tão.
- Cait... eu...
E novamente batidas fortes na porta de saída do cômodo sobressaltaram ambas as mulheres. Imediatamente os outros dois que estavam na cozinha alcançaram as duas mulheres e o Doutor Macfayden perguntou:
- É... Isso... São novamente aquelas criaturas? Eu pensei... Isso não vai aguentar por muito tempo. – E viu a porta começar a ceder assim como a cristaleira começar a emitir um barulho estranho. – Policial Kiramman... seja lá qual for seu plano, precisamos de um agora...
Vi soltou-se de Caitlyn e tentou testar os pés novamente no chão – já que permaneceu as últimas horas deitada sobre o tampo da mesa de jantar, recuperando as forças. A dor ainda era persistente na perna esquerda, mas suportável. Ela rodou o ombro para verificar o estado dos ferimentos no local. A dor era menos aguda que a da perna. Ainda bem: ela gostaria de continuar esmurrando o seu lugar para fora daqui. O ombro se encontrava completamente enfaixado, o que gerava menor movimentação, mas ainda assim providenciava uma segurança que não abriria qualquer tipo de ponto ou sutura que possa ter levado previamente. Ela virou-se para Caitlyn e disse em um tom sério:
- Powder está bem?
Caitlyn confirmou com a cabeça.
- Eu vim porque ela quer sair daqui com você. E eu prometi a ela que a traria de volta. - Ela disse firme, mostrando-se segura das palavras.
Vi sorriu com carinho.
Levou os dedos até o rosto da mulher e murmurou:
- Tão doce.
E em seguida fechou os punhos, voltando a atenção até a porta. Ficou em posição de guarda e disse em seguida:
- Vou proteger o local enquanto puder. – Olhou sobre os ombros. – Vocês encontram uma maneira de sairmos daqui. Quebre as janelas, pulamos e encontramos uma nova passagem até Powder...
Caitlyn virou-se para a janela e engoliu seco. Vi olhou-a sobre o ombro e murmurou quase para si “Cupcake?”. A policial disse em um tom quase desolador:
- Vi... Existe algo que você precisa saber...
- O que?
Mais uma forte batida na porta do local.
E mais uma.
E mais uma. A porta cedia.
- CAIT! – Vi gritou, enquanto encarava a porta da frente de si.
Caitlyn a olhava desolada. No entanto, foi Doutor Macfayden que disse por ela:
- Senhorita Wick... estamos presos... – Ele abaixou o olhar para o chão. – A senhorita Kiramman nos avisou há algumas horas... – Ele engoliu seco, como se mastigasse algo indigesto. – Nós... Nós não estamos mais em Londres.
Notes:
Ok, disclaimer aqui:
1. No cenário que mencionei o "Doom Train", para quem não sabe, todos os investigadores são transportados para uma outra realidade, dentro de um trem em movimento. O trem ppossui tentáculos em sua extensão e não para. Ele continua a perseguir sem destino. Eu não vou entrar em detalhes o desfecho desse cenário, mas como disse, esse Arco foi muito inspirado nessa parte da Campanha do Horror no Expresso Oriente.
Diferentemente, contudo, ao invés de ser dentro de um trem, eles foram "teletransportados" para o vazio. Para uma realidade onde só havia a casa.
Eu sei que parece confuso, mas eu não vou quebrar a minha cabeça ou de vocês tentando complicar.
Outro aspecto que foi bem inspirado e não sei se vocês conhecem é o filme O cubo. É basicamente isso. Existe um cubo gigante no meio do nada. E elas precisam sair dele. É um bom filme e uma boa inspiração.
Fica a indicação, by the way.2. Eu espero de verdade que eu não esteja indo muito além da fantasia e tornado a fic muito difícil de compreensão. Se vocês não entenderem algo, por favor, não pensem duas vezes em procurar à minha pobre pessoa. Eu me amarro nisso que estou fazendo e ficarei mais do que feliz em ajudá-los a entender.
É isso,
Sexta tem mais. :D
Chapter 12: Não seja a caça, Mel
Summary:
A vida toda Mel se questionou se as pessoas se aproveitam dela.
Hoje, no entanto, ela quer estabelecer: Ela é a caça, ou é o caçador?
Powder, também, entende o valor da aceitação.
Notes:
Ahoy!
Dessa vez, não tem muitos avisos não por que tem aquele sangue básico, mas nada que já não tenha visto.
Se você tá aqui, já imagina que vai ver. :~Importante: Tivemos algumas frases no capítulo passado.
Seguem:1. Cahf ah nafl mglw'nafh hh' ahor syha'h ah'legeth, ng llll or'azath syha'hnahh n'ghftephai n'gha ahornah ah'mglw'nafh: Frase clássica também de Cthulhu, que é traduzida basicamente em "Não está morto o que eternamente jaz inanimado, e em estranhas realidades até a morte pode morrer".
Vocês não pensam na força dessa frase? Realidades é uma parada bem interessante.2. Wake yogor ya gof'n, ymg' yar ah nafl ph': Basicamente é uma conversa entre a entidade e Vi dizendo "Acorde, meu filho, seu tempo ainda não acabou".
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha ai: Get Jinxed – League of Legends
.Mel.
- Você O QUE? – O tom de voz crescente. Tomava todo o local, como se retumbasse as paredes. A voz que falava era rouca, poderosa, mas, e ainda assim, feminina. Era um timbre bonito, mas causava imponência, causava desconforto na outra parte.
- Eu apenas achei... Escute... Isso, Essa é uma boa oportunidade, mãe. – A menina abaixou o rosto. Estava sentada em um canto oposto à outra. Postura completamente rígida, olhando para o chão. Voltou a dizer. – Eu... A família se beneficiaria completamente com os achados do Doutor. E irei acompanhar de perto, pois não só ofereci investimento nas viagens, como também ofereci meu conhecimento. Minha expertise. Constantinopla é uma incógnita. Poderíamos aprender muito por meio das viagens dele. Talvez expandir nossas terras por áreas mais férteis. Mais produtivas. É uma grande oportunidade. E só conseguiríamos se eu estivesse perto dele. Entende?
A mulher no canto oposto era grande, forte, tinha uma oponência. Colocou a mão sobre o queixo pensativa. Em seguida passou a palma da mão pelo rosto, esfregando os olhos como se buscasse palavras para dizer à filha. Por fim disse:
- Criei você de modo completamente errado, Mel. Se oferecer para ajudar um mero Doutor de Museu? Gastar seu tempo ajudando-o e servindo como secretaria dele? Não percebe o quanto isso é errado? O quanto isso é uma afronta para a nossa família? Eu te criei para ser mais do que servente de homens. Para ser mais que serviçal. Te criei para ser rainha.
A menina, ainda no auge dos seus 17 anos permanecia sentada no pequeno sofá no canto oposto. Brincava com os próprios dedos, como se eles fossem mais interessantes do que essa conversa toda. Por fim, ela respondeu:
- Veja, acho que você não entendeu: Eu aprendi muito bem, mãe. – Ela olhou-a pela primeira vez, tremor na sua voz. Mas ganhou confiança no instante seguinte ao falar. – Você, toma. Tudo à sua volta, você toma. Foi assim que aprendi a vida inteira. Isso pode ter sido benéfico para você pois na sua posição, não existe alguém para julgar seus atos. Então no final, ainda que insatisfeitos, há aceitação por todos de quem você toma. Eles aprendem a aceitar porque não há espaço para escolha. – Ela pensou por mais alguns segundos. – Mas eu entendo que há outro jeito. Um jeito melhor. Eu... diferentemente de você, eu aprendi a retirar algo de alguém. É sutil. Quase indolor. – Ela então voltou a colocar os olhos sobre a matriarca. – Retirar, diferentemente, não envolve violência com a outra parte. Aliás, as vezes a outra parte deseja isso. E que modo mais sutil e inteligente é tirar tudo de alguém sem que ela saiba? É isso que me faz diferente. No seu caso, eles lhe odeiam. Pois você os tomou tudo. Eles sabem que você lhes tirou tudo. No meu caso, eles mal sabem que eles me deram. Às vezes eles até me agradecem pelo que eu fiz. Como se fosse salvadora deles. Essa é a diferença. É sutil, e talvez VOCÊ não perceba, mas ainda assim é mais sábio. E dura por muito mais tempo. Estou nesse status de vida por fazer de um modo diferente.
- Cuidado, Mel. – A mãe então virou-se para a jovem mulher de cor de ébano. Os olhos intensos. Perigosos. – Como diz o ditado: um dia é o do caçador... – e ela se afastou dentro do corredor escuro, mas não antes de murmurar. – E no outro é o da caça. Saiba bem também a diferença e o seu papel entre os dois. Pois alguém... Ah, alguém pode ver através de você.
- Me ajude a pegá-la! – Gritou Ekko, correndo até Powder e a segurando nos braços. Em seguida colocou-a no chão e disse entre dentes. – Precisamos tirá-la daqui. Esse local não está mais adequado. Precisamos nos mover ou procurar algum local para cuidar dela!
Mel voltou a encará-lo. Estava presa em lembranças de alguns anos atrás, quando a sua mãe havia a abordado sobre se juntar ao Doutor Smith. Sobre se unir ao Doutor em busca de riquezas e fama. Parecia, agora, algo tão distante que Mel se sentiu de repente velha. Cansada.
Dizer que está abatida seria quase um elogio. Ela estava esgotada. Todos os eventos das últimas hora já a haviam tirado toda a vitalidade. Ela apenas queria sentar-se e ficar ali recolhida.
Mas a voz de Ekko a trouxe à realidade de que ficar ali parada não ajudaria em nada.
Então, ela correu até Powder, checando por sinais vitais. Diferentemente de momentos atrás, a menina agora estava apenas ‘adormecida’. Parecia até mesmo em paz, Mel imaginou. A arqueóloga chegou a desejar que também estivesse dormindo em sua casa, sem se preocupar com os acontecimentos da noite que estão vivenciando. Talvez seja por isso que relembrou da mãe. Ela chegou a imaginar que talvez até ir à mansão do clã Medarda, brigar e ouvir desaforos de sua mãe tivesse sido um melhor acontecimento de sua noite ao invés de ir à essa maldita festa.
A mãe riria se a ouvisse falar assim. Ou se pelo menos pensasse assim.
Mel havia até esquecido, também, e achou idiota quando parou para pensar agora sobre os motivos de ter vindo aqui em primeiro lugar.
Por que estou aqui? Por que resolvi vir para essa maldita festa?
Ela sempre confiou nos relatos do Doutor Smith. O Doutor sempre foi extremamente atencioso e cuidadoso. Mel não sabia dizer se esse cuidado se devia ao fato que grande parte das expedições nos últimos seis anos foram financiadas pela família de Mel ou se era o perfil do homem realmente. O velho Doutor sabia cativar as pessoas e à Mel. O velho Doutor era realmente uma personalidade agradável de se conviver.
No entanto, as últimas expedições que o velho homem fez para a cidade de Constantinopla, foram estranhas para se dizer o mínimo. Doutor Smith mandou-lhe alguns telegramas dizendo que algumas de suas últimas viagens havia sugado mais do que ele imaginava. E que ficaria afastado do museu pelas próximas semanas. Isso a estranhou. Principalmente após as últimas mensagens e telegramas do velho Doutor.
Então foi natural para a mulher de ébano relembrar vez ou outra e se questionar quanto às palavras da mãe sobre o aspecto “caça ou caçador”. Mel odiaria ser a caça em qualquer uma das situações de vida que lhe forem impostas. Por isso, na primeira oportunidade que teve para visitar o Doutor – após uma dessas últimas viagens feitas -, ela assim o fez. Mas quem a recebeu no dia não foi Doutor Smith e sim Bedwols, o fiel escudeiro do Doutor. Na ocasião o mordomo havia apenas informado que o Doutor tinha pegado uma gripe e que precisaria ser afastado, mas que estaria dando uma bela recepção em alguns dias à frente. E que, é claro, ela estava mais que convidada.
Ela não pensou duas vezes em aceitar, é claro.
Dinheiro foi investido nessas expedições e Doutor Smith não tinha escolha de se afastar de Mel ou deixar-lhe sem respostas, por isso Mel decidiu que compareceria ao maldito banquete. Nesse aspecto, Mel estava na sua zona de conforto: ela sabia se portar e chamar atenção à banquetes. Isso somado ao fato que tinha planejado já vestir o vestido que usava no presente momento. Quem sabe ela poderia desfilar com uma mulher bonita ao seu lado. O que de fato aconteceu. No entanto, a ideia agora parece infantil. Tão infantil que Mel começava a se sentir mal pelo que fez passar Vi durante a noite até agora. Ou a noite anterior.
Constatar e traçar todos os seus passos até esse momento a fez perceber o quão imatura foi.
E cá estava ela com a consequência de seus atos.
Ekko novamente tocou-lhe no braço, tirando-a dos pensamentos:
- Hey, você está aí, ainda?
- Sim. – Disse ela, de modo sucinto. – Encarou Powder e em seguida disse firme. – O que precisamos fazer?
- Sair daqui. Você sabe mexer em uma arma?
Ela olhou-o atentamente. É claro que a sua mãe, a matriarca dos Medarda havia lhe ensinado a manusear uma arma. À se defender, à abusar da boa vontade das pessoas, à oprimir. A matriarca ensinou muitas coisas à Mel. Manejar uma arma foi uma delas. A mulher apenas fez um sim com a cabeça, confirmando à Ekko.
- Sim, é claro que eu sei mexer em uma arma. Do que você precisa?
O rapaz puxou a arma que havia em sua mão e colocou sobre o palmo da mão da arqueóloga. Ele voltou a dizer:
- Quando sairmos daqui eu e ela... – Ele olhou para Powder, segurando-a por debaixo dos braços. – ...estaremos completamente indefesos. Você será nossos olhos. Já esteve na casa do Doutor Smith antes? Sabe algum local espaçoso e confortável para ficarmos?
- Por favor, senhorita Medarda, sente-se.
- Obrigada. – Mel sentou-se numa bela namoradeira. Arquitetura que indicava o romantismo do século XVIII. Uma lareira estava no canto oposto onde estava sentada. O calor emanado do crepitar das chamas oferecia um conforto. – Soube que está indo mais uma vez para Constantinopla. Soube também que encontrou uma nova tumba no local. Poderia me dar maiores detalhes?
- Claro... Terei o maior prazer de lhe dar detalhes. Afinal, sou mais que agradecido pela sua ajuda em financiar mais uma expedição. – O homem abaixou-se para pegar duas xícaras de chá. E era engraçado para Mel, pois em todas as ocasiões, o homem apesar de possuir Bedwols à tiracolo, era sempre o responsável por preparar o chá dos convidados. Era como se fosse algum tipo de rotina, de ritual que ele fazia. Entregando o chá à Mel, ele finalizou. – Mas a chamei por outro motivo, senhorita Medarda. Chamei-a, pois, desejo me afastar da posição do museu e pensei que você seria a pessoa ideal para assumi-la.
- O que? Doutor... Eu? Mas eu não tenho...
- Ah, mas é claro que tem. – Ele tomou um pouco do chá e continuou. – O museu precisa de mulheres fortes como você. Mulheres em situação de poder e que podem fazer acontecer. Depois que você acessou o local...
O que? Não.
Pare de bobagens e palavras bonitas.
Você precisa apenas do meu dinheiro.
Você precisa apenas do meu status.
Você não precisa de mim.
Caça ou caçador.
Caça ou caçador.
O que ele está escondendo? Por que ele vai deixar a posição para mim?
O que você está escondendo, Doutor?
Mel sorriu. Ela se apresentava como uma estátua de mármore quando tratava de negócios. Só sorrisos e expressões plásticas. Olhou para o Doutor Smith e disse em seguida:
- Agradeço imensamente a oferta, Doutor Smith. Mas ambos sabemos o que eu e você queríamos quando aceitei financiar muitas das expedições que fazia à Constantinopla. A minha família tem particular interesse no local e deseja imensamente ter acesso à cultura do local. Às riquezas e as terras de lá. Então... por mais que eu entenda a sua vontade de me oferecer sua vaga no museu, eu, no entanto, vim com o objetivo de atender e verificar se as expectativas da minha família foram atendidas nessas expedições. Me desculpe, mas meu papel não é ser representante do museu. É ser mais.
O homem foi tomado de súbito pelo corte nas palavras de Mel. A frase saiu quase que felina, arisca. Ela ouvia a sua mãe dizer ao pé do ouvido que alguém algum dia iria ver através dela. Por isso, Mel foi extremamente direta ao ponto. Sem rodeios. O Doutor Smith, então, arranhou a garganta, pouco sem jeito, e em seguida disse:
- Claro. Claro... Irei buscar as anotações e o catálogo de documentos e informações encontradas nos últimos relatos.
- Excelente.
Caça ou caçador.
- MEL! – Ekko se pôs novamente a chamar-lhe a atenção. Colocou Powder sobre as costas, usando os braços dela cruzados envolta do pescoço, como apoio. Segurou-a firme, enquanto se levantava. – Eu preciso de você presente. Preciso da indicação de algum lugar...
- Certo. – Mel respondeu. O foco no presente novamente reaparecendo em sua mente. – Estamos no corredor da esquerda. Quando vim aqui a última vez, Bedwols me trouxe até uma sala de conveniência. Ela se encontra na extremidade do corredor. Não é difícil acessar o local. Lá possui lareira, alguns livros, sofás suficientes e se eu não estou enganada um telefone. Não sei ao certo se ele funcionaria, mas se existe um local onde teríamos acesso à fora seria por ele.
- Ótimo. Eu saio primeiro, você vem em seguida, ok?
- Certo. – Mel verificou o pente da pistola, engoliu seco e percebeu que havia apenas três balas no pente. – Tem menos balas no pente. Por que você não tem um pente cheio?
- História para outro momento... – Ele disse num sorriso. – Então... Pronto?
Ela confirmou com a cabeça e foi até a porta, tocando na maçaneta e em um movimento, a abriu, escancarando-a. Ekko saiu com Powder sob as costas e virou-se imediatamente para sua direita, iniciando o caminho em direção ao cômodo ao final do longo corredor. Mel, obviamente, à tiracolo.
A arqueóloga imaginava que seja lá que tipo de alucinação que a casa estivesse passando – afinal, o grande casarão se encontrava atualmente suspenso no ar, diante de uma profunda escuridão – fazia também os corredores e as corridas que eles andavam pelo ambiente serem ou parecerem maior. Quando ela visitou a casa de Doutor Smith ela nunca pensou que o corredor da casa dele fosse tão longínquo. Ela acreditava que isso era efeito da casa. Das forças, sejam lá quais sejam, que existissem ali.
Assim que Ekko se moveu em direção ao final do corredor, Mel foi atrás, mantendo-se apenas de costas para a porta de destino buscando oferecer proteção ao grupo que seguia junto com ela.
Mel não era uma lutadora como Vi. Não era policial como Caitlyn Kiramman, mas ela era uma raposa. E como tal, ela sabia lidar e aprendeu na sua vida a sair das situações com inteligência. Com sagacidade.
O que ela não contava, contudo, é que a situação presente não era para ser lidada apenas com inteligência, mas com instinto: pois, surgido do teto, no canto escuro do lado oposto de onde estavam indo, pulou uma daquelas criaturas que eles haviam visto horas antes.
Da última vez que ela as viu, a arqueóloga não imaginou que eles pareciam maiores e opressores quanto aquelas que se apresentavam agora – dentes afiados à mostra, garras longas e olhos completamente alienígenas. Mas cá estavam elas, surgida das sombras correndo em direção do grupo de três pessoas que tentava alcançar a porta da sala de conveniência, situado ao final do corredor.
A velocidade dos passos do grupo era menor que se esperava – pensou Mel. Afinal, Ekko permanecia carregando Powder em suas costas e a própria Mel corria praticamente de costas para proteger a retaguarda do grupo.
Um tiro foi disparado.
Mel mirava à sua frente, em direção à criatura.
Mas Mel não é uma policial como Caitlyn. Ou uma lutadora como Vi. Aquele disparo apenas acertou um ponto ao lado da criatura, provocando apenas que o animal pulasse para o lado com reflexo. Ainda assim, o monstro permanecia correndo em direção a eles. Com um único objetivo em mente: matá-los. E, é claro, recuperar à estátua que ainda estava sob posse de Powder. Na bolsa da menina.
O mais interessante – de um modo sádico, é claro -, contudo, era que o grupo alcançou sim ao final do corredor. Ekko, ainda que com Powder sobre os ombros, deu uma trombada na porta da sala, mas sem sucesso. Ele era forte, mas ainda assim tinha o corpo franzino, corpo não forte o suficiente para conseguir abrir o cômodo à sua frente. Pois o mesmo estava trancado. Ele gritou enquanto tentava novamente abrir o local, dando uma nova trombada:
- MEL! MERDA, NÃO TÁ ABRINDO!
Aquela criatura avançou com uma violência absurda, batendo em alguns pequenos móveis no largo corredor enquanto corria erraticamente. Esbarrava de forma caótica enquanto passava pelas paredes, derrubando quadros em um movimento que lembrava de um tigre ou um felino em um compartimento restrito. Em uma jaula fechada.
Mel sentiu então a vida passar praticamente diante de seus próprios olhos. Todas as decisões e ações que ela fez que resultaram nesse momento. Desde a decisão de desafiar a mãe e ir atrás de Doutor Smith. A forma que explorou e usou as pessoas ao seu bel prazer. Tudo para alcançar e estar no status de vida que hoje ostenta. Os olhares e as conversas curiosas que as pessoas falavam sobre ela, sobre a figura de Mel. A tentativa de toda e qualquer pessoa de Londres querer agradar ou conquistar um pouco da sua fortuna. O olhar de toda e qualquer pessoa acreditando que ela era a caça. Que as pessoas se aproveitariam dela.
Que poderiam tomar dela.
Mas ela era e sempre foi o caçador.
Olhando para o teto do corredor, ela pela primeira vez sentiu calma. Sentiu-se com propósito. Encarou a criatura, calculou precisamente o movimento dela. E era engraçado como as coisas são: a única coisa que ela ainda possuía no momento era a própria inteligência. E foi exatamente com ela, que ela acreditava que sairia dessa situação.
Então, apontando para um ponto fixo, um segundo disparo foi dado, arrebentando as correntes de um gigantesco lustre que estava alguns metros de distância dela. Assim que a criatura avançou abaixo do objeto, foi pinada pelo peso do lustre sobre as costas.
A criatura tentou – pelo menos em vão e pelo momento – se soltar de baixo do lustre. Um sangue pastoso e vermelho bordô começava a emanar das feridas que o lustre havia serrilhado no monstro à frente de Mel. Imediatamente ela virou-se para a porta, afastou com um braço Ekko e atirou a última bala na maçaneta da porta, estourando-a.
- Você é louca! – Gritou o outro.
- Quer ficar aqui com ele?! – Ela apontou com o queixo para a criatura atrás de si, que ainda tentava se soltar de baixo do lustre. – Fique à vontade! – Em seguida avançou, abrindo a porta e fazendo menção para Ekko entrar. Assim que os outros dois adentraram, ela fechou a porta e imediatamente virou-se para a mesa de centro do cômodo. Gritou. – Me ajude a barrá-la. Deixe Powder em um canto e me ajude a barrá-la! Agora!
Aquelas criaturas, no entanto, tinham um objetivo em mente. E agiam por impulso. Pois imediatamente antes de fechar a porta, Mel viu que o animal soltou-se do lustre e avançou em direção a eles, encontrando-se com a porta fechada. O animal, então, começou a realizar o movimento de trombar com o ombro na porta com tamanha força que vez ou outra Mel pode observar a porta se mover e parte do corpo dela adentrar dentro do cômodo. Mel tentava a todo custo manter a porta firme. Mas novamente: não forte como Vi. Nem com habilidade como Caitlyn. Já Ekko, diferentemente, tentava ajustar a mesa e falhava miseravelmente em mantê-la firme no local.
A arma nos dedos de Mel já não fazia mais sentido e foi prontamente descartada de lado. Mel vez ou outra ainda questionava a inteligência de Ekko, pois aparentemente o rapaz trouxe à um evento social uma arma com meio pente carregado apenas.
Mel sentia-se estúpida. Estúpida por tudo que fez ou passou nas últimas horas. Nos últimos meses, semanas. Ela cerrou os dentes, apoiando as costas na estrutura da porta. E se encontrava quase que resignada.
E foi quando viu uma figura sair de um canto escuro da sala de conveniência. Desde quando ele está ali? Ele estava ali o tempo todo? Ele usava roupas totalmente brancas, da cabeça aos pés. Diferentemente, os cabelos eram pretos, ajeitados para cima, porém se encontravam completamente desgrenhados no momento. Os olhos eram de um tom verde musgo. O olhar era apagado, com um grande bolsão de olheira sob os olhos. Usava um bigode, fino, que caia além da altura do queixo, ao melhor estilo oriental. Bigode chinês seria a expressão correta. Usava marcas em seu rosto. Tatuagens? Mel não sabia identificar esses padrões. Ele tinha o olhar de uma pessoa que poderia se dizer que beirava o insano. Que não parecia um convidado normal.
Ele tinha a aura tão insana que ele apenas se levantou de onde estava sentado, ao canto, e caminhou em direção à onde os outros dois estavam. Fez um movimento para que Mel se afastasse da porta. A mulher de ébano pensou em gritar-lhe “Você é louco em achar que eu vou me afastar!”, mas todos eles já tinham passado desse estágio a um bom tempo. Todos ali já estavam meio loucos, mesmo. De tal modo que ela se afastou tentando se proteger do futuro ataque da criatura. Ekko fez o mesmo, do lado oposto da porta, indo em direção à Powder, abraçando-a para protegê-la com o corpo. A criatura deu um pulo novamente como se fosse dar um bote naquele homem a frente de Mel e Ekko. O ‘estranho’ apenas ergueu a mão, fez um movimento com ela e murmurou:
- Ah'mglw'nafh, n'ghftdrn.
Mel ergueu o olhar ao perceber que a criatura simplesmente parou no ar. Como se fosse presa por uma força inexplicável. Suspensa no ar, parada no tempo. E imediatamente à isso, ela explodiu, estilhaçando-se em todas as direções.
O gore, o sangue da criatura espirrando no cômodo foi nausetante. O sangue manchando o belo vestido que Mel havia preparado para a noite deste evento. Vestido que provavelmente precisaria ser incinerado no melhor dos cenários. A face da arqueóloga coberta de sangue, sentindo parte da gosma e pele daquele ser que agora jazia no chão. Ekko arregalou os olhos, virando o rosto para Mel e para o estranho junto a eles.
O estranho permaneceu olhando o sangue esparramado no chão a frente de si por alguns segundos. Em seguida riu alto. Perdeu-se na própria risada. Por fim, virou-se então para o corpo adormecido de Powder e disse baixo:
- Olá, pequena, me chamo Draven e você me ajudará a sair daqui.
***
.Powder.
Novamente ela estava naquele local odioso.
Powder era apaixonada por cores, então estar ali, naquele local totalmente escuro a sua volta. Tomado pelo vazio... Tudo aquilo era opressor para ela.
Ou iniciou dessa maneira, pelo menos.
Ela preferiria estar em sua casa ou mesmo no antiquário, olhando os relógios, as peças mecânicas, as caixas de músicas douradas que eram entregues por colecionadores. “Você consegue consertar?”, era o que muitos clientes perguntavam. E a resposta era sempre positiva. Pois Powder era a melhor dentre todos em Londres para aquilo.
Então voltar para aquele local em seu sonho onde não havia cor, não havia luz, não havia seus objetos dourados para consertar, era angustiante.
No entanto, Powder já estava acostumada. Com o local, pelo menos. Com a situação. Ela estava começando a se acostumar com o vazio, com a escuridão. Tanto é que antigamente, ela ficaria presa em único ponto. Triste por si mesma. Se lamentando. Agora, diferentemente, ela se pôs a andar. À explorar aquele vazio. Não fazia mais sentido se lamuriar e ficar presa ali. Então, andar. Passos firmes, decididos, mas sem rumo. Caminhava sempre em frente, sem ouvir um som qualquer à exceção dos barulhos de água no sapato que usava. Mas veja: Não havia água. Mas o barulho ainda estava ali. Sussurrando ao seu ouvido. Impregnando em sua mente.
Ela ainda mantinha a roupa do evento que havia comparecido hoje. Aquele belo vestido azul. Era confortável ver pelo menos uma cor que não fosse o opressor preto à sua volta. Era um belo vestido, ainda assim. Vi comprou para ela e ela estava agradecida à irmã por isso. Vi cuidava dela...
E ela queria tanto poder ter tido uma boa noite com Vi. Voltar para casa, tomar um chá e rir de toda a loucura que vivenciaram nos últimos dias. Isso é, depois de entregar a maldita estátua. Ela se segurava à esse desejo: voltar para casa e passar os próximos dias com Vi. De repente sair para um encontro com Ekko, contar dele para a irmã. Do que conversaram durante o tempo que estiveram só. A normalidade que Powder sempre achava que um dia podia ter. Que desejava em ter. Toda essa normalidade com a irmã ao seu lado. Entregar a estátua e afastar-se disso tudo. Seria simples, não? Isso depois de se desfazer de todo aquele mal que se entranhou em suas vísceras, sua pele, seu ser.
Mas não.
Isso era apenas uma ilusão. Um sonho.
O mal já havia se apossado dela.
Estava entranhado.
Sua alma estava, agora, suja.
Suja por seja lá aquilo que vivenciou nesses últimos dias.
Se perguntou quando tudo isso aconteceu. Quando essa escuridão se apossou dela.
Foi quando Doutor Smith apareceu naquele dia no antiquário?
Não.
Foi antes.
Foi bem antes.
Vi pegou dois cones de sorvete e enquanto um, levou até a boca, dando uma bela sorvida, o outro entregou a irmã, dizendo em seguida:
- Então quer dizer que Chuck conseguiu o empréstimo? E você vai ter o seu próprio antiquário? E sua própria casa?
Powder riu dos maneirismos da irmã que parecia mais animada que o normal ao tomar aquele cone de sorvete. A irmã mais nova pegou entre os dedos o cone e começou a experimentar o doce. Fechou os olhos como se sentisse prazer no ato. Abriu os olhos e disse:
- Isso é muito bom. Nossa. – Parou, sorvendo algumas vezes à mais. – Eu nunca entendi como aqui eles conseguem fazer os melhores sorvetes. Lá no centro normalmente os sorvetes são meio sem graça... Parecem aguados. – Ela riu, dando uma ombreada na irmã mais velha. – Obrigada Vi. – Suspirou. – E sim, ele conseguiu o empréstimo. Iremos em alguns dias começar a mover as coisas para o antiquário. A casa, contudo, eu posso ir o quanto antes.
- Que ótimo! – A irmã Wick mais velha sorriu abertamente, passando uma mão livre na altura da cabeça de Powder, bagunçando-lhe os cabelos suavemente. O mesmo carinho que ela dava desde pequena. Powder nunca quis mais nada na vida. Ela era satisfeita desse jeito. Ela não queria mudar nada. Mas as coisas não são simples assim. Tudo mudaria e mudou quando Vi a perguntou. – E então... quando poderei visitar vocês? A sua casa? Eu prometo trazer comida na minha primeira visita! Talvez algum presente. O que acha que gostaria? Uma chaleira? Alguma estante? Um candelabro? – Ela riu dos objetos que começava a lembrar-se de cabeça.
Powder encolheu-se de repente. Olhou para o próprio sorvete. Viu-o aos poucos começar a derreter e a escorrer entre os dedos. Vez ou outra limpava os próprios dedos na roupa para tirar resquício do sorvete entre os dedos. Talvez o sorvete estivesse derretendo pelo sol que fazia no dia. Talvez fosse apenas uma metáfora do relacionamento dela com a irmã mais velha. Foi a irmã, então, que levou a mão livre ao ombro de Powder e perguntou novamente:
- Pow? Er... Está tudo bem? O que aconteceu?
A menina disse então:
- Na hora do empréstimo... Eles fizeram uma avaliação do meu perfil. Dos meus antecedentes. – Ela olhou para um canto qualquer, evitando o olhar de Vi. – Os homens do banco comentaram com Chuck que eu preciso me afastar... Que eu preciso ter bom comportamento. Que eu não posso ter ligações... Você sabe.
- O que? – Vi riu, primeiramente achando brincadeira. – Ligações com a máfia? Com ... Com sua vida? Com sua família? – Ao perceber que o semblante de Powder indicava exatamente isso, Vi riu em escárnio. Cimentou essas últimas palavras com uma risada como se estivesse dizendo um ‘não acredito nisso’. Ela retirou a mão do ombro da irmã, aproximando-se de uma lixeira e jogando fora o cone que até então tomava. De repente, o clima ficou desagradável. Desagradável demais entre as duas. Vi claramente não queria mais aproveitar a manhã. – Sua família é uma má reputação para você?! – O tom das palavras saiu ríspido.
- Não. – Powder disse imediatamente. Em seguida completou. – É apenas até eu terminar de pagar esse empréstimo. Sabe como vivemos numa sociedade que...
- ... se importa com as aparências. – Completou Vi, secamente. Passou nervosamente a mão entre os cabelos, ajeitando-os.
- Vi... – Ela abaixou o olhar, engolindo em seco. O sorvete todo derretido entre os dedos. De repente o doce que tinha entre os dedos parecia desagradável. E ela não desejava mais aquilo. – Eu... Se tivesse outro jeito... Talvez eu possa falar com Chuck e...
Vi suspirou fundo, fechando os olhos. Ficou por segundos dessa maneira. Levou a mão até o rosto e passando o palmo pela face limpando o que quer que tivesse na própria face. Em seguida voltou a abrir o olhar, encarando Powder intensamente. Durou segundos? Minutos? Powder não lembra. Só se lembra que, por fim, a irmã abriu um sorriso. Powder até hoje busca entender o significado daquele sorriso. Vi nunca lhe ofereceu um sorriso falso. Mas aquele também não era um sorriso feliz. Era um sorriso de aceitação. Foi um sentimento de C’est la vie.
A lutadora sorriu novamente, aproximou-se da irmã, apertou-lhe o ombro. Firme, mas seguro. Ela disse então:
- Se é a última vez em um bom tempo que a verei... Vou usar o máximo de nosso tempo para aproveitar a minha irmã, então. Vamos. Hoje precisa ser um bom dia.
Aquela foi a despedida mais amarga que Powder teve em muitos anos.
E de repente, ela estava novamente naquele local frio. Naquele local escuro. O barulho de água no solado dos seus pés, emitindo um som baixo. Incessante e irritante ao mesmo tempo. Powder não sabe por quanto tempo andou. E por incrível que pareça, as suas pernas não pareciam cansar mesmo diante de tantas horas caminhando naquela imensidão de vazio.
Se o cansaço não vinha, ela permaneceria caminhando.
E ela não sabe por quanto tempo caminhou realmente, até o momento quando começou a ouvir baixo:
- Fhtagn. Nafl'fhtagn.
- Fhtagn. Nafl'fhtagn.
E uma luz a sua frente. A primeira vez que em todos esses sonhos, havia uma luz que não era emanada por si. Uma fonte de luz que não provinha dela. Os passos vacilantes, então, começaram a andar mais apressado em busca de conforto: quem era aquela pessoa que emitia outra luz que não fosse Powder? Era confortável saber que existia alguém aqui também. Que ela não estava sozinha.
Sua visão se acostumou. A luz foi ficando mais intensa.
E ela então, quando bem perto desta luz, pode observar a sua frente uma mesa. Uma mesa de jantar.
Powder sentiu o seu rosto se aquecer ao se deparar com o semblante de sua irmã, sentada na mesa de jantar.
- Vi?! É você?!
O que ela percebeu, no entanto, foi que aquela Vi ali não se mexia. Aquela Vi ali estava presa no espaço e tempo. Diferentemente do normal, Vi não correu para se levantar e abraçar Powder, como sempre o fazia. Ela permanecia ali, como uma estátua, presa. Olhava para o seu lado esquerdo da mesa. Para uma outra figura. Powder traçou o olhar e viu que também reconhecia aquela outra figura: Caitlyn Kiramman. Ela permanecia, quase em uma cópia perfeita, na mesma posição de Vi, só que olhando para o seu lado direito. Para a lutadora.
Para qualquer telespectador ou talvez apenas para Powder, era como se a lutadora somente tivesse olhos para a policial. E a policial tinha apenas olhos para a lutadora. Elas se encaravam e os olhares eram afetuosos. Afetuosos demais. Em um nível que Powder já tinha visto ou sentido anteriormente: profunda devoção.
Era um simbolismo, Powder imaginava. Um simbolismo que Vi não tem mais olhos para outros que não seja aquela ali.
O semblante da irmã mais nova Wick se transformou em uma carranca. Um grande incomodo de ver que o olhar que a irmã mais velha lhe dava – até hoje –, que oferecia apenas para Powder, diferentemente, hoje, era dado para outra pessoa. E uma policial, ainda por cima.
- Quando foi que eu te perdi, Vi?
Ela disse antes mesmo que pensasse.
Ela não queria se sentir daquela maneira.
Mas ela não tinha ninguém.
Então a pergunta foi feita novamente:
- Quando foi que eu te perdi, Vi?
Faz tempo. Ela sabia. Talvez tenha sido naquele encontro, tomando sorvete durante a manhã. Talvez tenha sido agora: colocá-la em perigo novamente, trazendo-a novamente para os próprios problemas de Powder. Para as próprias situações que a irmã mais nova criou.
A pontada no coração que sentia ao ver aquelas duas figuras a sua frente, observando uma à outra causava enjoo em seu estomago. Queria vomitar. O sentimento predominante, no entanto, era raiva. Ela queria pular no pescoço daquela “mulher” e arrancar-lhe os olhos. Era doentio e Powder sabia. Ainda assim...
- Somos nós contra o mundo... – Ela sussurrou. – Deveríamos ser nós contra o mundo. Por que?
Mas o local não estava vazio. Havia outras cadeiras preenchidas.
Vi e Caitlyn não estavam sozinhas. No outro oposto de onde o casal de meninas se encontrava, havia a figura de Mel Medarda. Ela estava sentada, semblante sério, com o nariz empinado e imponente. Tinha em uma de suas mãos livres um espelho. Estranhamente, no reflexo do espelho, havia uma Mel Medarda com o semblante triste e abatido. Olhando para baixo. Powder sabia: assim como todos ali na mesa, Mel Medarda escondia uma máscara.
Quem era Mel Medarda sem a sua máscara? Powder apenas se permitia imaginar.
Quais eram as máscaras de Vi e Caitlyn?
Powder não sabia.
Na ponta esquerda da mesa de jantar havia uma figura nova, apresentada à Powder recentemente: Ekko. A menina de cabelos azuis e tranças sorriu com carinho ao rapaz. Ela sabia, ela sentia: Ele era bom.
Ele verdadeiramente era bom. Uma boa pessoa.
Powder queria não sentir todos os sentimentos conflitantes dentro do seu peito e aproveitar sua juventude. Sair, beber, ir a encontros. Se apaixonar.
Será que ela algum dia seria capaz de amar alguém que não a própria irmã?
A pergunta que ela faz, na realidade, é outra:
Será que ela amava de verdade a própria irmã?
Ekko encontrava-se com um prato entre os dedos. Um líquido verde dentro do recipiente. Ele olhava para o alimento com uma expressão triste. Powder encontrou a palavra entre os lábios:
- Parece... Aceitação?
Ela ouviu então uma voz do canto oposto da mesa. Apenas agora essa pessoa se fazia presente no ambiente:
- Sim, sentimento interessante esse: aceitação, menina.
Essa figura, no canto oposto à Ekko, era alguém que ela nunca havia visto anteriormente. A voz que ele sussurrou era uma voz com sotaque turco como o daquele “Doutor Smith” de horas atrás. O rosto era fino, traços marcados, mas finos. Tinha os cabelos bem alinhados jogados para trás, em um tom marrom. Os dois olhos, para surpresa de Powder, não eram olhos normais. Eram duas ametistas que a observavam atentamente. Por serem daquele formato, Powder não podia compreender as microexpressões que ele executava enquanto a observava. O homem também tinha marcas de tatuagem das pontas de seus dedos da mão até o pescoço. A garota imaginava que o corpo dele estivesse banhado de marcas. Powder conseguiu observar e imaginar isso ainda que ele estivesse usando uma longa capa preta nos braços e tronco. Ele estava sentado e em uma das mãos tinha uma taça de algo que Powder poderia imaginar ser um líquido vermelho. Talvez vinho?
- Sente-se. Você tem um papel nessa mesa.
A voz era de comando. E ainda que a garota tivesse o interesse em negar-lhe o pedido, ela sentiu uma força maior que ela lhe puxar para a cadeira ao lado de Mel Medarda. Ela olhou o prato a sua frente: semelhante ao de Ekko, ele possuía um líquido verde, convidativo e ao mesmo tempo repulsivo. O homem a observou de lado, dando um breve sorriso. Em seguida voltou a dizer:
- Foi um longo caminho até aqui. Até esse momento.
- Quem é você? – Disse Powder imediatamente. – O que quer comigo? Você que tem me provocado todos esses sonhos?
O homem a avaliou. Voltou a sorver um pouco do cálice. Todo movimento simples, calculado, sereno. Ele então disse firmemente:
- Não. Não o único. Mas sim, tenho lhe apresentado vislumbres de tudo o que você pode ter e ser. - Parou, olhou para Powder. - Sobre quem sou eu... – Ele voltou a sorrir para si. Powder achava aquilo tudo enervante. – Sou um dos antigos.
- O... – Ela tentou repetir. A força que a garganta dela se contraiu, retirando-lhe o ar, impediu que ela professasse qualquer palavra. “Que força imensa que essa pessoa possui?”, ela pensou.
- Aceitação é uma boa expressão para o que tem vivenciado em seus sonhos. Uma força que te puxa várias e várias vezes e você ainda teima em ir contra. Powder, olhe a sua volta. Essa é a vida pela qual você deseja voltar?
Ela parou o olhar na sua irmã. Sentiu os olhos aos poucos marejarem. Ela quase fez, instantaneamente, uma confirmação com a cabeça. Mas antes que confirmasse as suas intenções, ela parou.
Ela parou ao fazer o movimento.
Ela queria culpar a mesma força daquele homem em impedir-lhe de falar que queria voltar para Vi. Ela queria culpar a todos por impedir de viver feliz com sua irmã novamente. Mas a verdade era mais visceral para ela.
Ela olhou para Caitlyn e cerrou os dentes.
Ela estava mais feliz sem Powder.
Ela já estava mais feliz há muito tempo sem Powder.
Desde o dia do sorvete, Vi aceitou. Ela já havia aceitado.
Powder sempre esteve só.
Não havia nada ou ninguém para quem voltar.
Ela olhou para Ekko e a garganta se comprimiu ainda mais. Uma raiva de si. Ela queria voltar a própria vida. Ela queria sentir algo diferente.
Mas o coração dela clamava por algo diferente.
O coração dela havia aceitado.
Aceitação.
Ela olhou novamente para o homem que ainda a observava. Ela mantinha o semblante sério. Decidido. Ele sorriu como se a conhecesse. Como se a lesse. Como se ela fosse água transparente. Ele sabia da realização de Powder. Ele, então, fez um movimento com a mão livre para o prato à frente da garota.
- Permita-se. Abrace o que você pode ser. Te mostrarei coisas incríveis.
Ela olhou para o líquido a sua frente. Pegou o prato entre os dedos e ergueu-os, olhando o movimento que ele fazia. Era uma cor que ainda que Powder pudesse dizer simplesmente que era um verde musgo, na realidade era muito mais. Uma cor que não poderia ser diagnosticada em palavras. Era alienígena. Assustadoramente alienígena.
Mas familiar.
Encarando o homem novamente, ela cerrou os dentes, fechou os olhos e tomando o líquido em seus lábios, ela murmurou:
- Aceitação, não é mesmo?
A voz então, morfou-se em algo distinto, gutural, e em seguida sussurrou ao seu ouvido:
- Sim. Aceitação...
E de imediato, a menina escutou:
- Seja bem-vinda... Jinx.
Notes:
E...
É isso!
Estamos chegando ao final do primeiro arco dessa loucura que eu aceitei fazer da minha vida.
E eu gostei bastante desse capítulo por causa do olhar de Mel. É muito comum as pessoas ficarem se questionando bastante sobre quais verdadeiras intenções delas ao se aproximarem da gente. E como mecanismo de defesa, ao invés de sermos oprimidos, acabamos nos tornando opressores.
Outro aspecto desse capítulo, é claro, é a aceitação de Powder que ela está sozinha. Que no final, as neuras, as situações agora que ela precisa enfrentar, ela precisa lidar com isso sozinha.
Desde o início, para mim, a parte mais importante na hora de escrever essa fic foi o relacionamento conflituoso entre ela e a Vi. E essa cena, delas se encontrando e decidindo sobre o futuro da relação delas vai voltar com frequencia.
Por que foi onde aconteceu uma ruptura.E particularmente gostei do fato que não foi por opção de Vi se afastar. E sim de Powder. (Mas tem particularidades ali que vou explorar mais pra frente).
Anyway, segunda tem mais!
Chapter 13: Formamos uma boa dupla, cupcake.
Summary:
Vi e Caitlyn precisam lidar com algumas criaturas que teimam em aparecer à elas. Elas, por fim, precisam ainda encontrar com o resto do grupo.
Notes:
Ow Boy:
1. Avisos: Pode ter descrição de violência o suficiente para incomodar. :)
2. Havia duas frases no capítulo anterior:
A primeira: "Ah'mglw'nafh, n'ghftdrn", que nada mais é que um encantamento para que Monstros sejam explodidos. N'ghftdrn é Monstro.
A segunda: "Fhtagn. Nafl'fhtagn." que é como se fosse um convite. Espere, não é a sua hora.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Shiver - Coldplay (Pra mim, essa é uma das músicas mais lindas deles. Não sei explicar por que. Mas tem muito significado para mim.)
.Vi.
- O QUE? – Vi perguntou mais uma vez. O tom era mais alto que ela pretendia. O Doutor Macfayden se recolheu assustado com o tom de voz da lutadora. Ele procurava Caitlyn com o olhar, buscando alguma ajuda.
Já era a segunda vez que ele havia afirmado o que tinha descoberto por Caitlyn e ainda assim Vi não conseguia acreditar.
Mais uma batida forte na barricada de móveis a sua frente devolveu a atenção da lutadora à porta.
Caitlyn virou-se para a mulher de cabelos rosas, tocou-lhe no ombro e disse:
- Vi, a gente precisa... Talvez pegar outro móvel.
- Não vai aguentar. – Disse Vi entre dentes observando aos poucos a porta ruir a sua frente. – Ela puxou do próprio bolso a colt que havia usado contra aquela criatura há horas e entregou na palma da mão da policial. – Não sei quantas balas tem, mas faça bom uso delas. Você claramente sabe usá-las melhor do que eu.
- Vi... Essas criaturas... Você ainda. – Tentou raciocinar a outra mulher. Ela olhava os ferimentos da lutadora como se tentasse buscar a razão. – Você não consegue lidar com essas criaturas. A gente precisa ir embora todos nós!
- Não. – Vi cortou-a novamente, olhando-a à sua volta e em seguida para as duas outras figuras no cômodo – Mary e o Doutor. – Ela sorriu levemente e em seguida disse. – Por favor, quando eu disser... Vocês...
Mas ela não conseguiu terminar a frase.
A lutadora viu em um movimento, Mary ser pega por trás. Uma criatura havia simplesmente saído do lado exterior da janela, atrás dos dois outros hospedes daquele cômodo. Inadvertidamente, uma dessas criaturas entrou pela janela, agarrada na parede. Caminhava na parede semelhante a uma barata. Mantinha-se dessa maneira, suspenso, com Mary agarrada pela cintura. Garras afiadas fincando a pele da cintura da mulher.
O movimento foi preciso. Mesmo sobre os protestos de Mary, ela via sua pele ser maculada com as garras da criatura. As unhas feriam a cintura da mulher. Em um segundo ato, também, o monstro simplesmente abriu a bocarra e levou os dentes ao pescoço da mulher, fincando suas presas. Seguido de um “crack” no pescoço da empregada, deslocando-o. A cabeça pendia, já sem vida. Se essa cena não tivesse sido suficiente, imediatamente, a criatura puxou a cabeça da serviçal, decepando-a. Não havia mais osso, apenas a pele do pescoço impedindo de retirar a cabeça da mulher. Caitlyn apenas gritou um sonoro “Não!”. O grito foi imediatamente abafado pelo silêncio emanado pelas outras duas pessoas que ainda estavam com ela. Os olhos desesperados para aquela cena que parecia retirada de um filme de terror. Vi olhou para o Doutor e gritou imediatamente:
- CORRA! SE AFASTE DAS JANELAS! VENHA PARA O CENTRO.
E o outro prontamente seguiu as orientações dadas pela lutadora que novamente se voltou para a porta de entrada do cômodo, que agora jazia completamente estilhaçada. O acesso à sala era plenamente possível por aquela imensa criatura que deu um pulo cômodo adentro, ficando apenas à metros de distância de Vi. Ainda apresentava marcas no corpo – talvez pelas tentativas anteriores de acessar o cômodo ou talvez devido as marcas da luta prévia que teve com a lutadora. De todo modo, a criatura mantinha-se encarando a dupla de mulheres. Emanava um barulho sibilante que Vi só poderia imaginar que fosse algum tipo de comunicação com a outra criatura que ainda estava se empapando no sangue de Mary, degustando-a. Usava os dentes e língua para sugar-lhe o sangue.
Caitlyn ajustou entre os dedos o cabo da arma, verificando em um click a quantidade de balas no pente. Ela, foi até para as costas de Vi, apontando a arma em direção à criatura próxima a janela. Ambas as mulheres, ficando de costas às costas, uma guardando à outra.
Doutor Macfayden então, desesperado e sob o protestos das duas, correu em direção a cozinha, atraindo a atenção de um dos monstros, do que se alimentava de Mary. Motivado em fazer mais uma vítima, a criatura correu em direção ao cômodo conjugado.
Vi tentou chamar atenção do Doutor para que evitasse sair de longe das duas, mas sem êxito. O homem estava à própria sorte.
A lutadora então ouviu os gritos desesperados do homem vindo de dentro da cozinha, misturados à utensílios domésticos sendo arremessados. Panelas caindo no ladrilho do chão indicavam uma briga. A lutadora só poderia imaginar por alto o que acontecia no cômodo ao lado.
O outro monstro avançou, não desejando perder o alimento que estava à sua frente. Ele pulou como se fosse dar um bote, semelhante ao movimento que Mary havia recebido minutos atrás. A lutadora esquivou-se e girando sobre os calcanhares, abraçou Caitlyn e jogou-a imediatamente de lado.
Antes mesmo que ela pudesse raciocinar, Vi avançou sobre a criatura, abraçando-lhe pela altura do tronco, jogando-a em direção a parede. A lutadora pode ouvir Caitlyn gritar-lhe por seu nome. A lutadora continuava a proteger-se do ataque dos dentes e das garras do monstro à sua frente. Ouviu próximo ao seu lado direito o grito esganiçado de Doutor Macfayden: o destino do velho homem havia sido selado e Vi se odiava ainda mais por não ter feito mais por ele. Ele havia a salvado e à ela cabia amargurar mais uma potencial morte nessa casa de horrores.
Mas não havia tempo para chorar os mortos. Pois a situação da lutadora não estava também favorável: a própria bandagem da perna começava a ficar em um tom vermelho rubro. A mulher de cabelos rosas apenas imaginava que seus pontos devem estar se abrindo com a movimentação. Com a ação.
Isso não é bom.
Isso não é NADA bom.
Caitlyn gritou:
- Vi, do seu lado!
Ela só teve tempo para dar um passo para trás, pois no mesmo segundo ela observou uma criatura passar-lhe em frente aos olhos, pulando e varando o ar à frente da lutadora.
A irmã Wick imediatamente ouviu um tiro passando sibilar próximo ao seu ouvido esquerdo. Ela fez um movimento do cano da arma que Caitlyn segurava para a sua frente, observando a cabeça da criatura pinada na parede explodir e estilhaçar-se com uma grande explosão.
A outra criatura bateu – com o bote anterior e falhando em alcançar a lutadora – em um armário situado à sua esquerda. Aquele ser bestial tentou de modo desajeitado se levantar, recebendo nova bala por parte do cano da arma de Caitlyn.
Mas o monstro era caótico. Se movimentava de modo irregular de modo que a policial tentava sem sucesso acertar-lhe devidamente e alcançar o mesmo sucesso do tiro anterior. O grito gutural que o monstro fez causou arrepios na espinha de ambas as mulheres.
Vi observou uma oportunidade.
Era insano. Era completamente insano com base no que ouviu de descrição do Doutor Macfayden. Mas...
- FODA-SE.
Ela se virou para Caitlyn e ainda ofegante do esforço, sorriu brevemente para a policial. Engoliu seco.
Como ela é linda.
Merda... como ela é linda.
Droga... Para de pensar nessas coisas.
Não é hora.
Ao ver o monstro correr em direção a ela: o cheiro de sangue que escorria de sua perna indicava que aquele monstro clamava pela lutadora. Ele sentia que a mulher era presa fácil. E talvez Vi sabia que ela estava em desvantagem ali. E que ela era sim presa fácil.
A lutadora voltou a sorrir para Caitlyn, que ainda a encarava, fazendo um não com a cabeça.
- Vi...?! O que...
Vi sorriu e deu uma piscadela para a policial.
Se é pra morrer, que seja com estilo.
Ela deu uns passos para trás, e começou a correr em direção a janela. Correr de uma forma porca, pois a sua perna infelizmente a impedia o movimento perfeito. Mas ainda assim, ela conseguiu se deslocar em direção à janela. A criatura mais que prontamente deixou o olhar sobre Caitlyn e avançou em direção de Vi, correndo sob as quatro pernas e, prontamente, em posição para preparar um novo bote.
A lutadora então segurou no quadro da janela, chutando-a para abri-la completamente. Em seguida gritou:
- Hey, monstrão, não quer vir me pegar? Então venha!
Vi segurou do outro lado da janela, permanecendo com todos os membros apoiados no quadro da janela, se apoiando. Braços completamente abertos para receber o bote da criatura.
E Deus abençoe que existam neste mundo fodido as criaturas inteligentes e as burras.
Mas para a minha sorte, que Deus abençoe que me deixou uma das burras.
Pois aparentemente a criatura parecia profundamente ofendida pela provocação anterior, de tal modo que prontamente pulou para dar um bote em Vi. A lutadora pode ouvir Caitlyn ralhar-lhe do canto oposto do quarto.
- VI!
Mas Vi estava com um objetivo em mente. E cabia a ela testar. Assim que a criatura pulou, tentando alcançar a lutadora, a mulher simplesmente soltou-se de um lado do quadro da janela e girou o corpo em torno do braço firmemente preso ao lado oposto do quadro da janela. O corpo imediatamente foi jogado para o lado de fora da casa, com Vi suspensa apenas por um dos braços presos na madeira da janela e as costas recostadas na parede externa do imóvel.
A criatura varou imediatamente o vazio, novamente, encontrando o ar exterior da casa. Assim que o monstro ficou no campo de visão da lutadora, já com o tronco completamente para fora da janela, Vi usou a mão livre para buscar apoio novamente no quadro da janela e chutar as costas da criatura, dando-lhe maior empuxo para fora dali.
E então Vi pode observar.
Ela pode testar o que ela ouviu minutos atrás.
Ela pode testar que não estavam em Londres.
Que elas não faziam ideia onde estivessem.
O campo de força daquele lugar.
Pois, a dois metros à frente de onde ela estava, ela percebeu parte daquela criatura evaporar diante de seus olhos. E a parte que não foi abraçada – ou evaporada – simplesmente caiu no vazio sob os pés da lutadora.
Vi arregalou os olhos ao verificar o corpo da criatura ao cair ao “chão” do local, começou a evaporar por completo.
Isso é mentira, não?
Isso... é um sonho, não?
Foi como um momento de realização de tudo que estava acontecendo. Nada poderia ficar mais estranho. Absolutamente nada.
Como sairemos daqui?
Pow...? Onde você está?
Ela ainda mantinha-se segurando o quadro da janela, apoiando as costas do lado de fora da casa, na parede. Ouviu a própria respiração se acalmar ao sentir que o perigo novamente havia cessado. Pelo menos por enquanto. Fechou os olhos recostando as costas da cabeça na parede externa. Engoliu seco. Assustou-se, então, de repente, ao sentir uma mão na altura dos ombros. Relaxou ao saber a quem ela pertencia.
Cait.
Olhou a sua volta à procura de outras criaturas correndo pelas paredes externas. Não encontrou nenhuma.
Olhou para dentro do cômodo e viu o olhar preocupado de Caitlyn. A policial tinha os olhos completamente marejados. E respirava ofegante. Ela cortou o silêncio dizendo em seguida:
- Por favor, você pode parar de tentar se matar?
Vi riu. Em seguida usou a força do braço ainda preso ao quadro da janela para adentrar novamente no cômodo. Caitlyn deu-lhe espaço para que ela acessasse novamente o local. Assim que ela pisou novamente no chão da sala de jantar, e com a situação cessada por enquanto, sentiu então a adrenalina baixar e a dor na perna arder como nunca. Fechou os olhos tentando aos poucos suprimir o incômodo. Por fim disse a outra mulher:
- Você precisa me avisar quando for atirar, Cupcake. Toda vez que eu sinto um tiro seu passando próximo ao meu rosto eu morro um pouco por dentro. – Ela riu.
Caitlyn riu de volta.
Vi a olhou e sentiu o coração aos poucos se aquecer novamente.
Sentimentos esses que rapidamente são escondidos. Deixados dentro do coração. Sentimentos esses que veem e vão embora rápido. O cenário de destruição a volta da lutadora é um soco no estômago: Mary caída. Cabeça jazia de canto, orbitas ainda abertas, encarando com horror a todos. Uma das criaturas com a cabeça completamente estilhaçada. E pelo silêncio que existe na cozinha... Doutor Macfayden infelizmente não sobrevivera ao ataque anterior. A culpa em Vi é um sentimento inevitável. E vive aparecendo para retirar todos os bons sentimentos que ela sente ao ter Caitlyn ao lado. Ela quase se sente culpada pela risada que deu à segundos atrás.
Ela pensava que se tivesse tomado outras atitudes. Se não tivesse acessado ali, se não tivesse permitido Caitlyn lhe salvar, talvez aquelas pessoas estariam vivas. Se tivesse confiado antes em Caitlyn, talvez nem ela e Powder estivessem ali. Talvez nem Caitlyn. Como se odiava por pensar que se tivesse tomado outras atitudes, as pessoas que ela se importa estariam bem.
E ela se odiava pois era um sentimento tão egoísta. Não se importar com os outros. Se importar apenas com aqueles que estão perto de si.
Ver Mary morta há centímetros de onde ela estava a deixava completamente arrasada. Não merecia. Ela só estava trabalhando. Vi se perguntava se esse era o destino dos bons: ser destruído e consumido por pessoas poderosas como o Doutor Smith.
Caitlyn aproximou-se da lutadora e passou a palma pelo rosto de Vi, tirando-lhe dos pensamentos. Fechando os olhos e sentindo a hesitação na lutadora, a policial murmurou:
- Não é sua culpa. Tudo isso... não é sua culpa. – Talvez a expressão no olhar de Vi mostre que a lutadora é transparente no sentimento de culpa. A policial então olhou para a perna da lutadora e voltou a dizer. – Violet. Precisamos cuidar dessa sua perna. Trocar-lhe a bandagem. – Levantou o rosto de Vi, para voltar a encarar-lhe. A lutadora manteve o olhar àquelas belas esferas azuis. A policial murmurou. – Afinal, você sabe... e como eu já te disse: Preciso te levar ainda hoje para sua irmã.
Vi levou uma das mãos até sobre a mão que Caitlyn mantinha no rosto da lutadora. Segurou-a firme e levou os dedos da policial até os lábios, beijando-os com carinho. Em seguida murmurou:
- Obrigada por me salvar. De novo.
A policial corou, mas nada disse. Permanecia a encarando com carinho. Vi queria tanto poder beijá-la novamente, mas havia uma preocupação existente de saírem dali; De tal modo que ela imediatamente se recompôs dos pensamentos, se afastou de Caitlyn e ainda mancando continuou a dizer:
- Sabe qual quarto minha irmã foi deixada?
Caitlyn permaneceu alguns segundos inerte em pensamentos, olhando para os próprios dedos. Em seguida voltou a encarar a lutadora e sorriu. Confirmou com a cabeça:
- Podemos ir assim que eu fizer a troca das suas bandagens. O quanto antes, melhor. Por favor. E veja: Eu não vou deixar você sair sem trocá-las.
- Mandona.
- Há Há.
Vi olhou para a porta escancarada a sua frente. A criatura fez um estrago impossível de reparo. Nem se elas barricassem todos os móveis novamente a frente da entrada da porta impediria mais uma daquelas criaturas:
- Ok. Tudo bem. Mas façamos rápido. Pois estamos completamente desprotegidas aqui. E eu não sei quanto tempo ainda vou aguentar enfrentar essas criaturas, cupcake.
Caitlyn confirmou com a cabeça, correndo em direção para cozinha à busca de panos. O tempo urgia e Vi precisava encontrar-se novamente com sua irmã.
***
.Caitlyn.
Caitlyn nunca pensou que em uma noite começaria a se acostumar com a morte e com o cheiro ferroso que ela proporcionava. E ela se odiava por isso. Quando ela viu os corpos há dois dias – no hotel e no necrotério – ela nunca pensou que em dois dias para frente ela se depararia com isso à sua frente: Com corpos à sua volta. Com Mary caída ao chão. Com o Doutor ceifado prematuramente. Com o sangue de Vi. Com todos esses fluidos dessas criaturas.
Ela odiava o cheiro de sangue. E há dois dias, ela estaria acabada. Enojada. Passaria mal o dia inteiro por ter tido contato com todo esse sangue e gore.
Ora, naquele dia no necrotério até mesmo Viktor e Jayce se preocuparam com o estado dela no final do expediente, perguntando-lhe se precisava de um tempo para lidar com tudo isso: mentalmente e fisicamente. Lidar com três corpos mutilados teria sido demais para Caitlyn há dois dias.
O quanto mudou em dois dias.
No entanto, agora, quando colocado sob perspectiva...
Ela quis ficar o mínimo tempo possível dentro da cozinha. Ver o corpo mutilado do Doutor Macfayden foi demais para ela. Ele foi violado o suficiente. Membros e vísceras expostas. Nada que não impressione mais Caitlyn quando tratarem dessas criaturas. E ela não queria que Vi visse o homem que a salvou, morto.
Na realidade, Caitlyn queria poupar ao máximo tudo isso de Vi: as mortes dos dois – de Mary e do Doutor – parecem que pesaram profundamente na lutadora. Pois enquanto Caitlyn permanecia indo e voltando da cozinha com tina, com algum álcool para assepsiar a ferida, Vi permanecia recostada na mesa de jantar, em silêncio. Olhar fixo para o corredor à sua frente, para a porta de entrada da sala de jantar.
Talvez, contudo, o silêncio da lutadora se deva pelo fato que o ferimento na perna estava com os pontos soltos. E precisava de algum cuidado. O sangue novamente começava a escorrer das bandagens. E isso era algo que a policial precisava lidar: cuidar das bandagens da lutadora.
Mas havia algo ainda mais profundo. Mais íntimo e que a lutadora não expressava abertamente com palavras para a policial. Caitlyn acreditava que talvez... Talvez Vi sentisse cada vez mais angustiada de estar longe da irmã. Por isso se fechou, de repente. Ficando em silêncio.
O elo das duas era gigantesco. E Caitlyn pensava vez ou outra quem seria a criatura ou homem que tentaria afastar ambas. A policial admirava a ligação entre ambas. E isso gerou ainda mais empenho em tentar executar todos os procedimentos para a limpeza do ferimento o mais rápido possível.
O tempo urge e eu prometi à ela.
Assim que todos os equipamentos foram dispostos em frente a Vi, Caitlyn abaixou-se para tocar nas bandagens da perna da lutadora. A mulher de cabelos rosas fez um movimento negativo com a cabeça e puxou Caitlyn para que se levantasse. Em seguida sentou-se sobre a mesa novamente, colocando a perna erguida sobre o móvel. Disse em seguida:
- Você não vai fazer isso de joelhos, cupcake. Sem contar..., como disse, estamos desprotegidas aqui. É melhor nessa posição. Você de pé. Por favor.
Caitlyn corou levemente, confirmando com a cabeça. Voltou a tirar a faixa das bandagens envolta da canela de Vi. Tudo realizando com cuidado para que a lutadora não sofresse no procedimento.
- Está preocupada com sua irmã, não é?
- Sim. – Disse imediatamente, Vi. – Às vezes... é engraçado. – Vi continuava a observar Caitlyn. A policial ainda sentia as bochechas vermelhas. O olhar de Vi sobre ela causava uma opressão. Não da maneira errada, mas algo nela que Caitlyn não sabia explicar. A lutadora continuou. – É como se eu tivesse um fio. Um fio que me guia a ela. Sei muitas vezes se ela está bem. Se ela está triste... No último ano, no entanto e infelizmente esse fio... parece que foi rachado. Mas recentemente está mais forte que nunca. – Vi se silenciou. Ruminava as próprias palavras. Voltou a dizer. – Você tem irmãos, cupcake?
Caitlyn levantou o olhar para a lutadora. Fez um não com a cabeça, pegando um pano de lado. Embebedou-o com um pouco de álcool. Disse em seguida:
- Isso vai doer um pouco. Tudo bem?
A lutadora sorriu com carinho. Caitlyn sentiu seu coração amolecer com o afeto. Ela então levou o pano à ferida. Vi cerrou os dentes e praguejou. Disse um “Merda”. Em seguida Caitlyn emendou:
- Sobre sua pergunta: Não. Mas apesar de não ter irmãos... eu tenho duas pessoas que tenho carinho como se fossem uns: Jayce e Viktor. Eles são legistas no precinto que trabalho. E eles são incríveis, Vi. – Ela sorriu com carinho ao se lembrar do casal de amigos. Fez um não com a cabeça. – São uma das melhores pessoas que conheço. Afáveis, realmente se importam com o bem. Querem fazer o bem. Jayce é um pouco bobo... Viktor é o maduro do grupo. Mas... – Ela parou de falar de repente, voltando a encarar Vi que mantinha um sorriso nos lábios a observando. – Desculpa. Eu as vezes me pego falando e falando... Você não quer saber dessas coisas...
- Ao contrário. – Vi olhou para baixo, suspirando. Dando um longo suspiro como se alcançasse coragem, ela voltou a encarar Caitlyn e disse. – Ao contrário. Eu quero saber tudo de você. Isso é... Se você me permitir. Ou... – Engoliu seco. – Se você quiser dizer sobre você... e...
Caitlyn permaneceu alguns segundos sem reação, com os lábios entre abertos. Olhou para os próprios pés, sem jeito. Tentou se concentrar voltando a enfaixar a perna de Vi com cuidado, após de terminar a limpeza das feridas na canela da lutadora. Fechou os olhos como se repetisse na cabeça as palavras da lutadora. Uma. Duas. Três vezes. Em seguida ela voltou a dizer:
- Vi... Eu...
Caitlyn não sabe se a própria surpresa foi interpretada por hesitação. Pois Vi em seguida deu uma tossida e disse sem jeito:
- Hey... Não se preocupa. Eu... – Ela riu sem jeito. Passou a mão entre os cabelos rosas e fechou os olhos, suspirando. – Eu apenas estou falando besteiras. Acho que a falta de sangue está me deixando zonza e ando falando coisas sem sentido. – Ela voltou a rir sem jeito. – Você já terminou?
Ela queria poder dizer para aquela mulher a sua frente que a lutadora teria tudo que ela desejasse.
Que todos os segredos e sentimentos eram da lutadora. Se ela desejasse.
Que o coração dela era de Vi se ela desejasse.
Mas onde está a maldita coragem quando a gente espera por ela?
Pois Caitlyn apenas deu um sorriso sem jeito, o tom de voz baixo, triste. Não parecia a hora certa. Então ela confirmou com a cabeça e disse:
- Sim. Está tudo pronto.
Vi se levantou da mesa e sem novamente dizer algo ou trocar olhares com a policial, em silêncio, começou a caminhar para fora dali.
-
O silêncio, anteriormente, era apreciado e confortável. Caitlyn gostava do silêncio quando estava com Vi, mas no presente momento, o silêncio era horrível. Depois da conversa prévia que ambas tiveram dentro da sala de jantar, Vi caminhava em silêncio, vez ou outra olhando sobre o ombro verificando se Caitlyn continuava a segui-la.
O único fato importante e acalentador, pelo menos em toda essa droga de situação, é que nesse caminho em direção ao corredor da esquerda não havia nenhum barulho ou menção de alguma daquelas criaturas. Isso foi talvez o único conforto de toda essa situação.
Caitlyn queria poder puxar novamente Vi e tentar consertar a situação.
A policial queria poder dizer para a lutadora que ela sentia a mesma coisa.
E que ela foi estúpida demais para não saber se explicar.
Ela foi cortada dos pensamentos quando a lutadora voltou a dizer:
- Cait? Qual foi o quarto?
Caitlyn então avançou os passos e passou por Vi, dizendo enquanto passava pela lutadora:
- Por aqui... Foi um...
Então ela parou.
Olhou ao cenário à sua frente e se calou. Disse em seguida:
- Não... Não! – Ela correu em direção à sala que havia deixado os três – Powder, Ekko e Mel – e disse em seguida. – Eu... eu tenho certeza. Eles... eles estavam aqui, Vi. Eu...
Em seguida a lutadora tocou no ombro da policial e fez um meneio com a cabeça em direção a um lustre há alguns metros à frente do corredor. Vi disse:
- Hey, está tudo bem. Acalme-se. Eles provavelmente foram por ali. Parece que aquele lustre foi derrubado. De repente eles foram por ali. ... - Vi apertou-lhe o ombro reconfortante. - Enfim, a gente vai encontrar eles, ok? Eu sei disso.
Vi voltou a caminhar à frente de Caitlyn. A policial ajustou a arma firmemente entre os dedos e voltou a seguir a lutadora.
Ao mesmo tempo que o espaço que elas percorriam no corredor fosse curto – até a porta – era desconfortavelmente longo para a policial. Tomando um surto de coragem, então, Caitlyn abriu os lábios, perguntando:
- Vi...? E-Eu gostaria de saber... – Ela ponderou, tentando olhar para os próprios pés, sem jeito. – Após tudo isso ser resolvido... Podemos conversar com calma?
A lutadora passou com cuidado sobre o lustre, em silêncio. Olhou à volta a procura de pontos cegos ou criaturas escondidas. Não encontrou nenhuma. Olhou Caitlyn por fim, sob os ombros. O semblante calmo. A policial nunca saberia discernir o que passava pela cabeça da outra mulher. Queria entendê-la. Mas o silêncio dela era enervante. O olhar dizia muito. E não dizia nada. Vi disse então:
- Conversar? – Ela ergueu a sobrancelha e deu um sorriso. Era um sorriso que havia um pequeno detalhe de malícia nele. Ela fez então um movimento em negação e tornou a dizer. – Não acho que temos o que conversar, Cait... – Ela disse, fechando os olhos como se estivesse ponderando as palavras. – Mas se ainda assim quiser fazê-lo... sim, podemos conversar depois disso tudo.
- Eu quero. – Caitlyn disse rapidamente. Sem hesitação desta vez. Engoliu seco. – Eu realmente quero.
Vi permaneceu alguns segundos observando-a. Parecia que queria entender o peso daquelas palavras. E Caitlyn queria ter dado tamanha segurança nelas para fazer-se entendida: queria que Vi entendesse-a. A lutadora confirmou com a cabeça, cessando assim a pequena conversa.
Caitlyn sorriu.
Parecia que havia uma esperança renovada.
Que eles em algum momento sairiam dali.
E que poderiam se entender.
Caitlyn esperava isso.
Caitlyn desejava isso.
Eu quero isso.
Vi voltou a olhar envolta. Em seguida analisou a porta a frente de si. A porta estava ‘maltratada’. Completamente avariada por ataques que Vi e Caitlyn acreditava que tinham sido das criaturas encontradas previamente.
A lutadora recostou o ombro esquerdo na porta. Em seguida o rosto como se buscasse barulho vindo de dentro do cômodo. Trocou olhares da porta e a policial, que ainda se mantinha com a arma em punho. A lutadora apontou com o dedo para a maçaneta da porta e Caitlyn pode observar que o objeto havia recebido um tiro. Era facilmente percebido pelo chamuscado que permanecia na madeira do objeto. Vi voltou a colocar o rosto na porta, tentando assimilar qualquer som que viesse de dentro do cômodo. Engoliu seco como se avaliasse o curso de ação. Por fim, ela bateu com o punho fechado. Girou o corpo para não ficar de frente para a porta: a lutadora não gostaria de levar algum tiro de quem quer que tenha alguma arma e que se encontrasse dentro do cômodo. Ela fez um movimento para que Caitlyn fizesse o mesmo.
A policial prontamente seguiu a orientação da lutadora.
Após duas batidas com o punho fechado, Vi disse entre dentes:
- POW! POW, SOU EU!
Silêncio.
Caitlyn foi até Vi e segurou o ar como se isso lhe oferecesse maior segurança. Os dedos firmes envolta do cabo da pistola. Provocar barulho nessa casa sem saber quantas outras criaturas poderiam ainda estar à espreita era algo que a policial evitaria a todo custo. No entanto, estavam com um objetivo em mente. E a policial havia feito uma promessa para a mulher ao seu lado. Então Caitlyn apoiaria Vi em tudo que ela decidisse fazer.
A policial estava, contudo, preparada para qualquer ataque.
Mas foi surpreendida por um movimento de móvel sendo arrastado dentro do cômodo à sua frente.
A porta foi aberta em um movimento e a policial pode observar o rosto de Ekko, que abriu um imenso sorriso, complementado por um suspiro aliviado. Ele disse imediatamente:
- POR DEUSES, eu pensei de verdade que fossem alguém tentando passar por vocês. – Ele correu até as duas mulheres, abraçando primeiramente Caitlyn e por fim, Vi. – Como é bom vê-las bem.
Vi foi pega de surpresa, mas em seguida deu alguns tapas no ombro do rapaz. Caitlyn pode observar que ela sentia o ferimento no ombro com o toque do rapaz. No entanto, a lutadora tentou controlar o impulso de reclamar do afeto do garoto e apenas deixou-se ser abraçada. A lutadora falou em seguida:
- É bom vê-lo também, pequeno. Fico feliz de que esteja bem.
Antes que Caitlyn ou Vi pudessem perguntar da irmã Wick, e assim que Ekko se afastou de Vi, a lutadora recebeu um novo abraço. Dessa vez de Mel Medarda, que ao envolver a lutadora entre os braços, disse baixo:
- VI! Como é bom ver que está bem! Ficamos preocupados.
A policial olhou para a lutadora e em seguida para a arqueóloga. Sentiu o coração se comprimir diante da interação das duas. Virou o rosto então, afastando o sentimento crescente dentro do coração.
É claro.
Lá vem Mel Medarda me provocar ciúmes.
Merda mesmo.
Vi se soltou do abraço de Mel com cuidado, sem ser rude, e sorriu suavemente, tocando-lhe no braço. Perguntou em seguida:
- É bom vê-la bem, também, Mel. - Ela virou-se para Ekko e complementou. – Ver vocês todos bem. – Ela voltou a olhar para o cômodo adentro, emendando em uma pergunta. – Pow?
Mel puxou Vi pela mão, adentrando no que Caitlyn imaginava ser uma sala de conveniência. A arqueóloga então virando-se para Vi, disse em seguida:
- Encontramos alguém... Quando entramos aqui. Sua irmã havia desmaiado e precisávamos sair de onde estávamos. – Em seguida Mel virou-se novamente para cômodo adentro, carregando Vi. – Vi... Eu realmente não sei o que ela tem.
Caitlyn deu uns passos cômodo adentro. Ajudou Ekko a bloquear novamente o quarto. Apenas agora Caitlyn pode observar uma poça de sangue sob seus pés. Ela virou-se para Ekko, tentando afastar o olhar da interação entre Mel e Vi. Era desconfortável demais vê-las ali, juntas. Ela perguntou ao rapaz:
- Ekko... O que diabos aconteceu?
- Você ficou por muito tempo fora. Pensamos que seja lá o que tinha pegado os convidados, havia alcançado você. E de repente Powder começou a convulsionar e desmaiou. Simplesmente caiu desmaiada. – Ekko olhou para Mel e Vi conversando. Caitlyn seguiu o olhar do garoto e viu a linguagem corporal de Vi: parecia assustada, passando por um em descrédito, passando a mão pelos cabelos nervosa. Olhava a sua volta. Mel tentava de alguma forma acalmá-la. Caitlyn mordeu internamente sua bochecha se perguntando por que não está ali tentando ajudar a lutadora. Ekko tirou-a dos pensamentos enquanto disse. - E de repente viemos para essa sala. E Caitlyn... – O rapaz olhou para os próprios pés. – Encontramos alguém que conseguiu fazer isso aqui... – E apontou para a poça de gosma e sangue. – Conseguiu fazer isso aqui em um estalo de dedos. Ele...
- Onde está Powder? Onde está esse cara...?
Antes mesmo que a policial pudesse receber alguma resposta de Ekko, ela observou Vi então sair com passos largos e pisada forte em direção a um cômodo conjugado à sala onde se encontravam.
Talvez em busca, assim como a policial, de respostas.
Notes:
Outro capítulo que eu gosto bastante. Mas que achei difícil escrever.
Tive que revisar algumas vezes e ainda acho ruim. Hahaha
Mas é por que acho difícil descrever cenas de ação através de palavras. Sempre achei.
Eu espero que pelo menos a minha nona revisão de descrição tenha sido fácil conseguir visualizar o que aconteceu.Estamos praticamente nos finalmente. O grupo se encontrando e decidindo o que fazer.
Enfim, sexta feira tem mais :)
Chapter 14: Faça-me um ritual, Jinx
Summary:
Vi tenta entender o papel dela e de Jinx por meio de Draven.
Caitlyn descobre alguns fatos a mais sobre o Doutor Smith.
E Jinx descobre o que ela é capaz de fazer.
Notes:
Ahoy Marujos!
Como não houve frases, vou partir logo pro capítulo.
Não há maiores avisos para o que vamos contar nesse capítulo, então simbora. :)
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Twisted – Missio.
.Vi.
- Vi, por favor. - Mel tentava acalmá-la, tentando segurar – em vão – pelo braço da lutadora. Ela tentava impedir a mulher de cabelos rosas de adentrar no quarto conjugado à esta sala de conveniência. O quarto estava fechado apenas por uma porta simples, sem trancas.
A lutadora, contudo, estava longe de querer manter a calma após ouvir que sua pequena irmãzinha havia convulsionado e estava juntamente com um louco neste outro cômodo. Desprotegida e sem qualquer tipo de escolta.
Aparentemente os passos e a voz de Mel chamou atenção tanto de Caitlyn assim como Ekko, que saíram de onde se encontravam e foram até à dupla que seguia em direção ao outro quarto.
- Não. Não é hora de calma, Mel. É hora de ver a minha irmã! Por que a deixaram com esse louco? – Disse entre dentes Vi, batendo com força com o ombro não ferido na porta para abri-la e analisar a sua volta. – POW?
Vi foi surpreendida ao saber que o cômodo era relativamente largo e grande. E destoava da arquitetura da casa em si. Era um cômodo totalmente quadrado. Deveria ter por volta de 7 metros x 7 metros.
- O que...? – Vi parou na entrada da porta do cômodo. – O que diabos...?
Existia algo incrivelmente assustador no local. Ele era completamente branco. Não havia móveis. Não havia absolutamente nada. Nem mesmo janelas. Não havia itens. Era como se o local fosse ou aparecesse como uma prisão ou aquelas acomodações para loucos. Ainda que a sala fosse totalmente clara, com as paredes e teto branco, ainda assim, causava essa sensação opressora.
Caitlyn deve ter sentido o mesmo que Vi ao ver o local a sua frente, pois ficou sem esboçar ou disser nada. O silêncio apenas cortado pelas respirações inquietantes da policial. Vi olhou para Mel e Ekko. Em seguida voltou a avaliar novamente o cômodo. Sua não surpresa era que no canto aposto de onde se encontrava, agora havia as costas de uma menina de longas tranças azuis. Ela estava sentada virada para a assustadora parede branca. Não virou com a intromissão dos quatro que adentraram o cômodo. Havia ao lado dessa menina, um homem. Era forte, tinha roupas brancas tais quais as paredes do cômodo que estavam. Ele, diferentemente da menina que mantinha-se olhando para a parede, virou-se para Vi. Deu um sorriso interessado. Vi podia ver: Um pequeno relance de sarcasmo vindo do homem?
Vi fechou os punhos com força e antes que Mel, Ekko ou mesmo Caitlyn a segurassem, a lutadora avançou atravessando o cômodo e violentamente alcançou o homem a sua frente, pegando-lhe pelas golas da roupa e gritou entre dentes:
- O QUE FEZ COM MINHA IRMÃ?
Ela conseguiu erguê-lo alguns centímetros para acima do chão. O homem era alto, mas Vi conseguiu sem esforço erguê-lo. O outro pareceu surpreso com o ataque repentino, mas o reflexo foi rápido em trocar a cara assustada por um novo sorriso sarcástico, rindo por fim. Vi prendeu-o mais à parede e perguntou novamente:
- MALDITO! ME DIZ O QUE FEZ COM POWDER?! – Ela então virou o rosto de lado para encarar a irmã e arregalou os olhos ao perceber que Powder estava realmente “olhando” para a parede. Os olhos estavam abertos, encarando o branco do local. Fixos em um ponto. Não parecia reagir ao próprio nome. – Pow...? – Vi assuntou com a menina. – Pow pow?
E então ela ouviu o homem, que ainda estava preso entre os dedos de Vi, falar:
- Você deve ser a irmã. Prazer, Draven. – Ele olhou para os dedos da lutadora bem firme na gola do pescoço. – Você poderia me soltar... talvez eu possa explicar um pouco o que sua irmã está... – E ele riu para si. Vi achou aquele deboche irritante. – ...o que sua irmã está passando.
Mel tentou intermediar, falando atrás da lutadora:
- Por favor, Vi. Draven... ele nos salvou agora pouco. E não fez mal algum à sua irmã. E mencionou que pode nos ajudar a sair daqui. – A arqueóloga olhou para Ekko. – Não é?
Ekko parecia mais resistente. Vi olhou para o rosto dele. Procurava algum tipo de reconforto no rosto do rapaz. Olhou para Caitlyn em seguida. O maxilar tensionado. A policial olhou para o homem que Vi segurava. Em seguida fez um ‘sim’ com a cabeça, como se dissesse em pequenos gestos que era para confiar no restante do grupo e soltar o novo integrante.
Então a lutadora soltou-o e abaixou-se o suficiente para tocar em Powder, mas antes que o fizesse o homem disse:
- Se eu fosse você não faria isso.
- FODA-SE, O QUE VC ACHA! – O sangue borbulhando novamente. – Ela é minha irmã. E eu farei o que eu bem entender.
Antes que ela tocasse em Powder, no entanto, ela ouviu Draven novamente começar rir. O riso, devido ao cômodo vazio, ecoava nas paredes e tornava a situação ainda mais insana. Vi permanecia encarando-o sem saber como reagir aos maneirismos do outro. Ele voltou a dizer, encarando-a intensamente, com o tom com menor paciência:
- Você já a perdeu, cabeça oca. Ela não está mais “presente” para você fazer ‘o que bem entender’. Ela é muito mais. E você só a limitou até hoje.
Após decidirem que aquele seria a última vez que se veriam por alguns anos, devido a problemas com hipoteca, empréstimos, Vi colocou na sua própria cabeça que poderia usar o dinheiro de seu salário para criar uma bela experiência e lembrança com sua irmã. Então, com isso em mente, tudo fez sentido para ambas quando elas se depararam com a fachada do Le Branche Noir. As duas meninas, lado a lado encarando a entrada do local.
- Eu ainda estou abismada, Vi. Você tem certeza disso? A gente realmente vai fazer isso? – Powder riu, se abraçando, fazendo um não com a cabeça. – Parece um sonho. Estar aqui. Depois de tanto tempo.
Vi estufou o peito, encarando a irmã de lado. Abriu um amplo sorriso, levando a mão até o alto da cabeça da mais nova. Aproximou o rosto ao da irmã, riu e disse:
- Mas é claro. Se lembra quando lá atrás, com Vander, passamos aqui à frente? Minha barriga roncava absurdamente. A sua, como sempre, da mesma maneira. – A lutadora fez um movimento negativo com a cabeça como se fosse resgatada às lembranças. Voltou a rir para a mais nova.
- Sim, eu lembro. Eu lembro que eu perguntei para você se poderíamos comer nesse restaurante. Pois quando passamos aqui eu havia dito que ele tinha iluminações belíssimas.
- E eu disse pra você que a gente não vai em restaurantes pela iluminação. A gente normalmente vai para comer.
Powder riu alto. Voltou a encarar para o restaurante a sua frente:
- Ficamos encarando o local por meia hora. Sedentas para entrar e experimentar que tipo de cozinha o local tem. Mas então Vander disse que infelizmente com o salário que ele ganhava não poderíamos cobrir o almoço de nós três. – E o sorriso aos poucos desapareceu nos lábios de Powder.
Vi olhou-a de lado. Sentiu o coração apertar dentro do peito. Olhou para o chão. Fechou os punhos murmurando:
- Pow, você sabe que ele fez o que podia, não sabe? E... sinceramente? Eu sou extremamente grata por ele. Pois ele foi capaz de cuidar de você. E eu sei que não conseguiria só.
- Eu sei. – Powder continuou a dizer. – Eu só penso em todas as vezes que estivemos assim. Em frente aos locais. Imaginando quando poderíamos entrar. Mas sem condições de realmente entrar.
Vi voltou a afagar os cabelos da irmã. Disse baixo então:
- Bom... Por hoje... não vamos ser apenas telespectadores. Hoje iremos vivenciar isso.
Antes de entrar, no entanto, Powder pegou a mão de Vi e murmurou:
- Vi...? Eu sei o que você está fazendo. E... Obrigada por isso.
Vi olhou-a sobre o ombro e disse em seguida:
- Somos nós. Nós contra o mundo. Para sempre.
E entrou.
- O que quer dizer que já a perdeu, imbecil? – Vi disse entre dentes, quase cuspindo sobre o outro homem, dando-lhe espaço para que ele saísse do espaço pessoal da lutadora. Vi voltou a se levantar. Deixou de fazer aquilo que queria ter feito antes: abraçar a sua irmã e disser que estaria tudo bem. Ela então permaneceu seguindo Draven com o olhar. – O que ela está tendo?
- Libertação. – Disse Draven simplesmente.
- O que? Você ‘tá falando sério? Isso é brincadeira, né? – Vi virou-se para Mel. – Vocês estão completamente loucos! Olha o tipo de gente que vocês estão escutando?! O cara não sabe o que fala...
- Você também sonhou, não? – Ele perguntou rindo. – Você também sonhou! Com o antigo!
Vi voltou a encará-lo. Cerrou em dentes e voltou a trombar com o tronco ao de Draven dizendo novamente rispidamente:
- Então, idiota... você gosta de falar em enigmas? Pois a minha paciência está ficando bem curta. Me diz logo o que minha irmã está sofrendo. E como a gente resolve isso.
- Opa opa... – Draven voltou a olhar para Vi e em seguida deu uns passos para trás. Voltou a dizer. – Acalme-se. Lembre-se que você apesar de ter visto um antigo, ainda não é liberta como sua irmãzinha. O que te torna ainda um pouco fraca em comparação à mim. Eu odiaria ter que lhe atacar e...
Vi rugiu com raiva e tentou novamente avançar em direção a Draven mas o homem apenas voltou a correr até a parede oposta, voltando a disser rapidamente:
- Está bem, está bem! Nossa, quanta falta paciência... – Ele voltou a rir, debochado. Vi voltou a bufar, mas nada fez, pois esperava alguma resposta do outro. Ele voltou a disser. – Sua irmã tem tido sonhos. Sonhos com deuses antigos. Algo além de todo o imaginável dela. E aparentemente alguém pegou gosto dela, pois ela está assim desde que coloquei o olhar sobre ela. Quando alguém abre a própria mente para os Mythos... o desconhecido... digamos que você ganha... algo inimaginável. E eu acredito que sua irmã foi agraciada com isso.
- E o que isso significa?
- Significa que ela é poderosíssima. – Disse o outro. Olhou para Ekko e Mel. Voltou a dizer. – Se o que eu fiz é 10%, lá atrás com aquelas criaturas... o que ela pode fazer é 10000% disso. – Ele riu então, de repente extremamente excitado. E foi até ela, ficando centímetros do rosto de Powder. Olhava atentamente para a menina. Voltou a olhar para a parede. Em seguida continuou. - E ela pode nos tirar a todos daqui.
Vi fechou o semblante:
- Como?
- Magia, é claro. – Ele disse. Vi riu em escarnio. Ele pela primeira vez fechou o semblante e disse desafiando-a. – Acredita que uma casa está suspensa no ar, acredita em carniçais... em criaturas, mas não em magia? Olha menina, eu esperava que você fosse mais inteligente.
Vi voltou a dar um passo em direção a ele. Ele vacilou e levantou as mãos em rendição, voltando a dizer:
- Acalme-se. Já disse que estamos conversando. Não precisa ficar violenta toda vez.
Vi observou os outros três atrás de si. Eles permaneciam atentos à conversa. A lutadora voltou-se para Draven, perguntando:
- E como sabe disso tudo? Por que está aqui?
- Hum... – O homem cruzou os braços como se avaliasse as palavras da lutadora. – Vamos por partes. Eu estou aqui pois imaginava que pudesse encontrar a estátua na casa de Smith. Sou um colecionador como o a velha morsa. A versão boa do Doutor Smith. - Ele retificou a frase imediatamente. Vi não acreditava nele, no entanto. O rapaz voltou então a encarar Powder. – Mas aí eu não sabia que ele foi substituído pela versão do mal e que queria matar todo mundo aqui. E eu dei o azar de estar no meio disso tudo. – Ele riu alto. – Ah! Que engraçado. Pelo menos deu para avaliar todos os meus conhecimentos. Tudo verdade. Até então, eu havia vivenciado apenas a mitologia de tudo isso. – Ele encarou Vi. – Mas para criar um ritual... Eu ainda não cheguei nessa parte. Nesse poder. – Olhou para Powder e cerrando os dentes angustiado. – Para ser sincero eu acho que ela consegue.
- Consegue o que?
- Fazer um ritual para tirar-nos daqui, ora.
- O que? – Vi perguntou incrédula. – Minha irmã não sabe dessas coisas. Minha irmã é uma engenheira, trata de um antiquário. Seja lá o que você acredita, você está enganado! Ela...
- Você tem medo, não? É por isso que está em negação...
Então um murro.
Foi instintivo. Vi não pretendia atacar alguém desavisado.
Era covarde da parte dela atacar alguém desavisado.
Mas ela simplesmente não se importava.
Ela queria fazê-lo engolir as próprias palavras.
Imediatamente Caitlyn correu até Vi para segurá-la. Impedir que ela avançasse novamente no homem.
- Vi, por favor, não entra na conversa dele. Ele quer apenas te provocar. Por favor. Você está perdendo a cabeça. Isso... não nos ajuda em nada!
O homem estava caído ao chão, olhando o casal de mulheres. Ele cuspiu de lado um pequeno cuspe vermelho. Sorriu abertamente com os dentes em sangue. Em seguida ele disse:
- Dói, não? Dói saber que não há nada a ser feito... Apenas a aceitação de que ela está longe de salvação.
- ARGHHHHH! – Vi gritou, enquanto era segurada por Caitlyn. A policial tentou dizer palavras de apaziguação, mas a lutadora tentava a todo custo voltar a avançar no homem.
Por fim, desistindo de lutar contra o homem a sua frente, ela fez um não com a cabeça e avançou até a irmã. Abaixou-se e sem cerimônia alguma, abraçou a mais nova. Vi pode ouvir o protesto do homem atrás de si, querendo impedi-la de tentar retirar a irmã do transe. Mas ela não se importava. Ela apenas voltou a abraçar forte o corpo frágil e pequeno de Powder. Então Vi sussurrou no ouvido da menina:
- Pow... Sou eu. Volta para mim. Por favor.
***
.Jinx.
Engraçado.
Quando Powder começou a sonhar com aquela escuridão, ela se incomodava muito com a aparência do local. Pois era completamente escuro e sem cores. As cores que tanto ela era apaixonada. O azul do céu, o rosa da cor dos cabelos de sua irmã. O verde do gramado dos parques que ela e Vi já andaram várias e várias vezes durante a sua vida. O amarelo do sol. O vermelho do sangue das feridas que já sofreu enquanto fugia de algum roubo malsucedido. O cinza da pólvora usada no ataque à Vander. O azul claro do reflexo das lágrimas de decepção de sua irmã. Tantas cores...
Mas então, ali estava ela. Em um local que não havia nada que não a completa escuridão. Onde o preto e a ausência de cor eram sentidos. A luz inexistente. O homem de minutos antes.
Minutos?
Horas?
Powder não sabia mais.
Powder não.
Jinx.
Foi como ele a chamou.
Jinx não sabia onde morria Powder e nascia esse novo ser.
A única coisa que ela sabia era que tanto Powder quanto Jinx se acostumaram com o escuro desses sonhos. Desse espaço envolta de si.
Outra coisa engraçada que ocorreu durante esse meio tempo em que tem tido esses sonhos: antes, quando ela entrava nesses sonhos ela ouvia o som de água sob a sola de seus sapatos. Ela não via necessariamente água ou qualquer indício de líquido enquanto caminhava. Mas ela ouvia as pequenas gotas de água.
Ah, mas tudo mudou depois da conversa com aquele que estava na mesa de jantar. Aquela figura convidativa.
O ant...
Eu ainda não consigo falar-lhe o nome.
Estranho.
De toda forma, agora, Jinx tinha mais.
Não era apenas as gotas.
Ela não tinha apenas as gotas de água sobre o solado.
Agora ela tinha um oceano.
De tal modo que no presente momento ela se encontrava assim: boiando sobre uma água preta como um ônix. Olhando para o teto de imensidão e vazio.
Ela não sabe há quanto tempo está assim: boiando.
Era confortável.
Era pacífico.
Não havia mais vozes. Não havia mais nada. A água aos poucos iria a enchendo completamente. Ela sentia aos poucos a completude. Ela estava feliz.
Então, de repente, ela ouviu próximo ao seu ouvido direito:
- Pow.
- Não. Não sou mais Powder. Sou Jinx.
- Pow...
- Não sou mais Powder.
- Pow!
Então ela sentiu o corpo aos poucos se aquecer. Aos poucos o corpo começar a sentir um calor subir-lhe o corpo. Um acalento. Ela foi de repente envolvida por braços. Braços fortes. Braços que emanavam um calor que Powder Jinx nunca imaginou sentir antes. Mas ela conhecia esse sentimento. Ela conhecia.
Ela conhecia esse calor.
Era familiar.
Era...ela.
E de repente ele sentiu esses braços que em tantos anos lhe deram conforto começarem a afogá-la.
E de repente se tornou... errado.
Era errado.
- Me solta. ME SOLTA. – Jinx gritou a plenos pulmões.
Ela começava a afundar. Os braços a arrastando para mais fundo. E mais fundo. E a respiração aos poucos começava a cessar dentro dos próprios pulmões.
- ME SOLTA. VI! – As bolhas do esforço da voz saindo da boca se complementando as palavras gritadas.
Mas a força da irmã era tamanha.
E trazia-a para o fundo.
E mais ainda.
Muito mais.
E não havia mais o que falar. O corpo completamente submerso. Preso entre os braços fortes da irmã que lhe agarravam envolta do pescoço. Lágrimas saiam dos olhos de Jinx. Ela cerrava os dentes tentando de alguma maneira se desvencilhar das mãos da irmã. Os dedos aos poucos saiam para fora. Para a superfície. Sentia o ar fresco na ponta dos dedos enquanto era completamente afogada diante de tanta água a volta de si.
Deixe-me respirar.
Deixe-me.
Deixe-me.
Foi como um sopro de ar a preenchesse por completo. De repente ela não estava mais dentro do sonho. Ela começava aos poucos situar-se a volta de si: ao seu lado esquerdo, há alguns metros havia um homem que praguejava em sua direção. Ela nunca havia o visto antes. Mas parecia estranhamente familiar no momento. Perto dali havia a irritante princesa Kiramman. Ela encarava na direção de Jinx com olhos curiosos. A expressão mudou um pouco ao perceber que a irmã mais nova estava desperta. Do lado direito, havia as duas figuras recentes em sua vida: Mel e Ekko. Também a olhavam com olhos curiosos.
E tinha ela.
Por que me tirou de onde eu tinha paz?
Por que me afogou com seu amor?
Para me trazer para isso aqui?
Sinto falta de lá.
Era uma mistura de sentimentos. Pois todas essas perguntas foram lavadas quando ela novamente sentiu o abraço acalentador da irmã juntamente com algumas lágrimas que teimavam a cair do rosto da lutadora. Jinx murmurou baixo:
- Vi?
Imediatamente ao ouvir-lhe o nome, a lutadora se afastou apenas o suficiente para poder encarar o rosto da irmã mais nova. Abriu um enorme sorriso e segurando o rosto da pequena entre as mãos calejadas, a irmã mais velha perguntou:
- Pow?! Ah... como é bom ter você de volta. Eu pensei... – Ela engoliu seco, tentando controlar os próprios sentimentos. – Eu pensei que tinha te perdido. Mas agora estamos bem. Eu e você vamos sair daqui, ok? Eu vou dar um jeito. Eu... prometo.
Jinx ergueu a mão levando até o rosto de Vi e tocou-a com cuidado. Sentiu os olhos marejarem. Em seguida fechou os olhos, tentando afastar o peso nas próximas palavras:
- Vi... Eu... ahhh... – Sentiu uma pontada na cabeça, que a fez praguejar. Em seguida deu um longo suspiro, olhando para o chão. Ergue o olhar em seguida, olhando à sua volta. Viu o quarto branco à sua volta e fez um não com a cabeça. Cerrou os dentes tentando assimilar tudo. – Vi... – Então colocou a mão na cabeça sentindo de repente uma dor de cabeça intensa. Uma fisgada no próprio peito. Tudo parecia confuso. – Eu... estou...
Então Jinx ouviu dentro da sua cabeça.
Você sabe o que fazer.
Vi a observava tentando auxiliá-la a entender o que estava acontecendo à sua volta. A lutadora tentou ajudá-la, falando:
- Pow...
Instintivamente a outra disse entre dentes:
- Não! Pare! Jinx. Meu nome é Jinx.
- O que?! – Vi cerrou os olhos procurando entender tudo aquilo. – Pow... eu...
- JINX. – Ela disse novamente, rispidamente. Vi imediatamente se recolheu engolindo as próprias palavras. Jinx levou a mão para a cabeça e voltou a falar. – Pare de falar por um minuto... eu... preciso pensar.
Você sabe o que fazer, Jinx.
Ela sentiu a mão de Vi no seu antebraço e relaxou novamente. Fechou os olhos tentando fazer todo o turbilhão de sentimentos que se apossava de si acalmar-se. Em seguida Jinx voltou a dizer para o restante:
- Eu sei que o fazer. Eu sei o que fazer para conseguirmos sair daqui.
Vi olhou para o restante. Jinx conseguia ver no olhar da irmã que ela parecia desolada. Como se tivesse quebrado parte de si ao ouvir a mais nova falar assim. E que não havia o que consertar. Foi a lutadora que perguntou:
- O que podemos fazer para ajudar? Eu... – Ela abaixou o rosto tentando conter novamente o desconforto em toda a situação. – Eu lhe apoio no que for necessário. Mas por favor... Eu só quero ajudar. Por favor.
Jinx levantou-se e girou sobre os calcanhares, olhando a parede a sua volta. Em seguida começou a caminhar, de volta para a sala de conveniência. Todos ali permaneciam olhando para a menina. Era como se eles estivessem hipnotizados pelos feitos dela nos últimos momentos. Jinx parecia decidida. Parecia com certeza do que havia de ser feito. E isso causava uma certa admiração de todos ali.
Ver que as pessoas a admiravam pois ela tinha um propósito lhe trazia mais força no processo.
Indo até a sala de convivência ela pode assimilar tudo que havia no local. Desde a lareira, estantes, mesa de centro. Objetos espalhados que foram usados para bloqueio da porta. Tudo de interesse ou que fosse necessário. Então ela deparou-se com um objeto de imenso interesse. Vi permaneceu seguindo-a como um cachorro. Um fiel cachorro.
Passando os dedos sobre um abridor de cartas, Jinx prendeu-os entre dedos e retornou ao quarto branco adjacente. Vi deu-lhe passagem, não questionando os atos da irmã mais nova. Após voltar até o quarto branco, a irmã mais nova disse, rindo derrotada, por fim:
- Quando ele havia me dito em sonho que era para dar meu sangue para conseguir fazer algo... eu nunca pensei que fosse literalmente.
Olhou para a irmã e sorriu com carinho.
Em seguida, em um movimento ela pegou o abridor de cartas e varou a palma de sua mão, deixando aos poucos sangue escorrer entre os próprios dedos.
Instintivamente, a irmã mais velha tentou correr em direção à Jinx que apenas riu alto, erguendo a mão que ainda segurava o abridor de cartas e movimentando um ‘não’ com o abridor, ela falou diretamente à Vi:
- Não. – Disse firme e voltando a rir, aproximou-se da parede e começou a desenhar hieroglifos e símbolos na parede. Olhando sobre o ombro para a irmã, abriu um grande sorriso e disse. – Não se preocupe com o que eu tenho para oferecer. Temos quatro paredes para desenhar. E eu tenho certeza de que meu sangue não vai ser suficiente. Então... – Ela fechou o semblante de repente. – Não desperdice o seu se estressando à toa.
Draven voltou a rir. O eco das risadas inundando as paredes.
Vi permanecia em silêncio, parada no centro da sala, estática, assustada. Olhando aquela parede a frente da irmã ser preenchida com símbolos estranhos. Com o sangue da sua irmã.
Jinx, então, se pôs a desenhar.
***
.Caitlyn.
- Vi? – Caitlyn se aproximou, vacilante, em direção à lutadora. Colocou uma mão sobre o ombro da lutadora que em reflexo apenas se esquivou. A mulher olhou a policial com olhos completamente assustados. Entreabriu os lábios procurando palavras. Voltou a se encolher, abaixando o olhar. Caitlyn continuou a falar. – Eu sei... Eu sei. Nada disso faz sentido. Mas a gente não ganha nada. Absolutamente nada se desesperando. Logo mais tento conversar com sua irmã. Vamos até o outro cômodo e vamos tentar apenas descansar um pouco. Você pode fazer isso? Por mim?
O olhar de desamparo da lutadora era evidente. A expressão sem reação de Ekko e Mel ao que Powder havia acabado de fazer era igual: totalmente transparente que nenhum ali sabia o que estava acontecendo realmente. Caitlyn olhou para Powder que permanecia agora virada para a parede branca. Começou a desenhar vários símbolos estranhos.
Quer dizer, talvez não estranhos assim: Caitlyn já havia visto anteriormente. Chuck havia tentado desenhá-los há dois dias: provavelmente no seu leito de morte. Talvez com o mesmo propósito que Powder? Caitlyn só podia imaginar.
O significado destes que Powder desenha e o que eles representavam e no que desenhar fariam úteis? A policial apenas poderia imaginar.
Caitlyn apenas despertou-se dos pensamentos quando viu Vi com os ombros caídos sair daquele quarto, em silêncio. A lutadora passou por Mel e Ekko. Caitlyn fez um movimento com o rosto como se dissessem aos outros dois que também oferecesse algum tipo de privacidade para Powder.
A policial mesmo não queria deixar a menina sozinha: ela estava realmente sangrando enquanto fazia aqueles desenhos. Não sabia em quanto tempo ela estaria fraca o suficiente para não continuar com aquilo. Mas pelo momento, a policial acreditava que importunar a irmã mais nova Wick não seria interessante. E não causaria nada de positivo.
E é claro.
E não pense que a policial esqueceu de Draven.
Estranho.
Esse homem é perigoso.
Mas pelo momento, ela não fez nada ao outro.
Caitlyn observou a bolsa sob os pés de Powder. A policial sabia o que havia ali. Lutou contra o impulso de correr até aquela bolsa e segurar a estátua que chamou a atenção de todos ali, inclusive de Doutor Smith. Contudo, tentar tomar o objeto não traria nada de bom por dois bons motivos: ela não saberia o que fazer com ele. E provavelmente Powder sabe cuidar dele melhor que ela mesma.
E há o fator...
Ela voltou, então, para a sala de conveniência. Assim que pisou no local e fechou a porta do quarto atrás de si, Mel aproximou-se dela:
- Você acha que isso tudo dará certo? – Mel abaixou o tom da pergunta para não alcançar os ouvidos de Vi. – Isso não é loucura, certo, senhorita Kiramman? Essa questão de criar um portal, magia?
Caitlyn arregalou os olhos sob o escrutínio de Mel. A policial olhou para Vi. Sentiu o coração morrer por dentro ao ver a lutadora tão inconsolável. Queria correr até ela e abraçar-lhe. Queria dizer que iria ficar tudo bem. Mas era covarde o suficiente para não fazer nada disso. Para o momento, ela tinha um papel: controlar a situação. Ser a pessoa racional à lidar com tudo isso. Então ela disse para Mel:
- Sim. Por mais absurdo que isso possa parecer... Eu acho que pode dar certo. – Ela abaixou o olhar e buscou tudo que tinha em si para dizer as próximas palavras. – Vi precisa de apoio nesse momento. E eu queria poder dar eu mesma, mas não posso. Não acho que todas as criaturas tenham ido embora. Não sei também quanto tempo Powder ficará fazendo esses... Quanto tempo durará esse ritual. Vamos eventualmente ficar sem água e alimentos. E eu vou precisar de Ekko ou que você me ajude a angariar essas coisas. Não apenas isso, mas preciso manter a guarda para qualquer ataque. Não sei se mais criaturas virão em busca da estátua. – Ela olhou para os próprios pés. – Vi perdeu muito sangue. E eu não quero pedir que ela se esforce mais do que necessário. E...
Mel cerrou os olhos, observando-a. Analisando-a. Olhou para Ekko e em seguida para a lutadora. A arqueóloga, então voltou a dizer:
- Deixe-me que cuido de Vi. Não se preocupe.
A policial sentiu o maxilar tensionar.
Eu não quero isso.
Mas colocando um sorriso plástico no rosto, a policial fez um sim com a cabeça para a arqueóloga e antes que pudesse se afastar do grupo com os próprios pensamentos, Mel pegou-lhe pelo pulso e disse:
- Espere. Tome isso.
Mel puxou da própria bolsa dois objetos: um diário antigo e algumas balas. Foi a própria arqueóloga que respondeu a pergunta na face de Caitlyn:
- Enquanto estávamos aqui, fizemos uma limpa nas gavetas dessa sala. Encontramos algumas balas e um revólver. Sei que a polícia usa esse tipo de munição. Acho que vai ser útil para você, pelo menos. – Mel suspirou. – E tínhamos encontrado também um diário de Doutor Smith. Talvez ele seja também útil para entender tudo que ocorreu até aqui.
Caitlyn viu então Mel se afastar e ficar em frente à Vi. A mulher de ébano então pegou as duas mãos da lutadora e por fim a abraçou com cuidado, como se a acalentasse. Aquilo, aquela interação parecia de alguma maneira queimar-lhe os olhos. De tal maneira que ela os sentiu marejarem à visão das duas. Tentando controlar o próprio impulso, ela se afastou até a porta do local, sentando-se ao chão e começou a ler o jornal de Doutor Smith.
Londres, 10 de janeiro de 1921.
Sim, eu consegui. Pelos céus, eu consegui.
Após uma conversa prévia com Mel Medarda, conseguirei novo investimento para ir em para Constantinopla. E lá farei ao que acho que seja a minha última ida ao local. Pois sinto que estou mais perto do que se imagina do maior achado de minha vida.
É majestoso encontrar-me nessa situação: próximo do fim do trabalho de minha vida. E ainda assim, me encontro dessa maneira: extasiado.
E não foi apenas Medarda que conseguiu me ajudar nesse feito, mas a prefeitura tem sido extremamente gentil nos trâmites legais para trazer peças que seriam dos turcos em direção aos londrinos. Abençoados aos feitos dos advogados.
Por muito tempo eu estudei essa civilização e esse povo. E apesar de estar indo auxiliar na pesquisa de Medarda, nas minhas últimas viagens me deparei com algo mais antigo. Muito mais antigo. Talvez mais antigo que as próprias civilizações. Alienígena, se me permitem dizer.
Imagino que Constantinopla não seja o único local de descanso dessa civilização. Ou onde eles aparecem. Não, há a perspectiva de que locais como Egito, Peru, Alemanha, Austrália e África sejam também locais de descanso dessa civilização no passado. E que lá deixaram peças importantes para identificar ou fazer sentido a quem eram. E ao que desejavam.
Por isso a minha excitação completamente evidente. Pois se puder identificar uma nova espécie, uma nova civilização... esse é o trabalho de minha vida.
E eu quero vê-lo ser alcançado.
Eu preciso vê-lo alcançado.
Caitlyn ergueu o olhar. Encarou Ekko que parecia interessado em observá-la. Como se ele se agarrasse a única pessoa que ainda fazia sentido naquele local todo.
De repente, sem saber de onde, Caitlyn foi arrebatada por uma desolação. Queria apenas sentar ao chão e chorar. Ir embora dali e voltar para casa.
Sentir o abraço confortável de seu pai. Chorar-lhe no ombro.
Doía ver que ainda não sabia nada sobre o que havia acontecido. E que faltava muito para entender sobre isso tudo.
Doía ver outra mulher cuidando de alguém que ela gostava.
Doía estar agindo apenas por impulso e depender a própria vida à outra pessoa. Sem saber ao certo se seja lá o que essa outra pessoa irá fazer a auxiliará à voltar para os seus entes queridos.
Mas não há descanso para os bons.
Pois quando o cansaço começou a dar o ar de sua presença, Caitlyn imediatamente levantou-se em sobressalto: novas batidas daquelas criaturas no lado de fora da sala de conveniência. Gritando palavras de comando para Ekko, ela pediu para que fecharem as cortinas das janelas e tentassem evitar qualquer tipo de movimento. Tudo com o intuito de não atrair atenção de mais dessas criaturas.
Saindo de dentro do quarto branco, Draven em um amplo sorriso, braços cruzados, voltou a dizer:
- Policial? Talvez eu possa lhe ajudar a entender a biologia dessas criaturas. E quem sabe podemos sair todos vivos essa noite. Ilesos, veja bem.
Notes:
:~ E é isso.
Abençoado se chama feriado + ponto facultativo. (Para quem é BR sabe kékéké :P)
Deu tempo de postar isso e voltar a dormir.Sobre a história:
Eu realmente fico me questionando as vezes sobre a questão da perda da sanidade de Jinx. Foi onde eu mais me baseei nela quando fui verificar ela ter muita ligação aos Mythos.
Isso ajudaria também ela ter vozes na cabeça dizendo-a o que fazer.
Se ficou interessante ou justificável? Aí não sei, né non?Enfim, mais dois capítulos e esse arco está terminado.
O próximo arco eu tenho particular carinho por ele, pois os acontecimentos passam em um outro País: dessa vez, o Egito. Já tenho ele praticamente todo finalizado. :)
Anyway, segunda tá logo aí e eu vou fazer diferente: devo mandar os dois últimos episódios um na segunda-feira e outro na terça-feira.
É isso. Beijo na bunda do cês.
Chapter 15: E o ciclo se conclui
Summary:
Com o ritual sendo feito, os investigadores são, de repente, surpreendidos novamente pelo Doutor Smith.
Notes:
Não há maiores avisos. Talvez algum tipo de violência um pouco gráfica, mas acho que nada que incomode.
Sobre as frases, eu no último capítulo quero explicar um pouco sobre as frases R'lyeh. Então, se você de algum modo se interessar por elas. No próximo capítulo eu explico. :D
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: The Other Side – Woodkid
.Ekko.
- Hey, acorda garoto. Temos trabalho. – Uma voz forte, rouca, o despertou de repente.
Ele sentiu uma mão com dedos gordos tocar-lhe no ombro, chacoalhar lhe da cama sem cerimônia. O rapaz praguejou com o sacolejo. Abriu apenas um dos olhos para ver aquela outra figura no quarto. Era um homem gordo, barriga proeminente. Cabelo ralo no alto da cabeça. Rosto bem redondo e feições simples. Soltando-se, então, do ombro do rapaz que ainda permanecia deitado na cama, o homem voltou a dizer, com a voz desanimada:
- Vamos, Ekko. Se levante. Temos trabalho. E é um dos grandes.
O rapaz rodou de um lado para o outro na cama. Ajustou os dreads para trás, tentando tirá-los de cima da cara. Em seguida colocou a coberta sob o rosto, voltando a praguejar. Perguntou em seguida:
- É cedo. Mesmo sem olhar através da janela eu tenho certeza de que é cedo. Quem é o imbecil que quer serviço cedo?
O outro homem riu. Ekko pode perceber que ele fazia um ‘não’ com a cabeça, mesmo não o vendo:
- Não importa. Sei apenas que é dinheiro grande, garoto. E não devemos negar um serviço grande.
- Ok, Benzo. Ok. Eu já entendi. – O garoto levantou o tronco e se sentou na beirada da cama. Voltou a encarar a figura paterna à frente de si. Passou os dedos nos olhos, limpando qualquer resquício do sono de si. Voltou a perguntar. – Esse trabalho. Terei que viajar para onde?
Benzo cruzou os braços, pensativo. Girou sobre os calcanhares e foi até uma mochila ao canto do quarto e começou a organizar algumas mudas de roupas para Ekko. Tudo feito em uma mistura de cuidado com o garoto e pressa em ter as coisas prontas o mais rápido possível. Ele voltou a dizer:
- Constantinopla. – Ele olhou sobre o ombro para o menino. – Se eu não estou enganado você já foi para lá, certo? Uma vez, eu acredito. Ano passado?
Ekko confirmou com a cabeça. Não foi nada uma ida tranquila, contudo. O local possui uma atmosfera quente, o avião fica na maioria das vezes extremamente instável próximo as intermediações locais. Não apenas isso, mas com o tamanho do tanque de combustível da aeronave normalmente sobra pouco para qualquer tipo de imprevisto. O que normalmente coloca os nervos de Ekko à flor da pele: qualquer erro pode ser fatal.
Ainda assim o menino parecia interessado. Por ser um local normalmente desafiador, o fretamento da aeronave pode ter custado uma bela fortuna para quem deseja fazer o trajeto com eles. Quem pagou pela viagem deve ser realmente bem de vida para fazer o voo ao invés de se deslocar por trem ou mesmo balão – o que era, apesar dos pesares, uma alternativa completamente válida na época.
- Benzo... Quem é o bonachão? Que vou ter que carregar? A viagem vai ser apenas para Constantinopla? Ou precisarei trazê-lo de lá?
- Ida e volta, garoto. – Benzo terminava de dobrar algumas roupas para colocar na mochila de Ekko. Puxou alguma escova, chiclete para ajudar na pressão atmosférica e mais alguns itens pessoais. Em seguida foi até uma cabeceira e puxou uma arma que estava sobre a superfície do móvel. Verificou a quantidade de balas e perguntou. – Por que tem apenas três balas?
- Berlim. Vamos dizer que Alemães não gostam muito de mim. – Ele deu de ombros e Benzo riu e colocou a arma devidamente embrulhada em uma camisa e a colocou na mochila assim como ao restante dos itens.
- Nome do passageiro é Doutor Ernest Smith. – Respondeu Benzo, virando-se para o filho adotivo. – Figura de alta estirpe. Nata da alta sociedade. Ele poderia ter fretado com gente grande, mas aparentemente Mel Medarda deseja discrição no que está sendo transportado. Sabe como é: Para pobres é roubo. Para ricos... eles preferem chamar em apropriação cultural.
Ekko riu em escárnio.
Claro. Ricos sendo ricos.
O garoto se levantou, tirando completamente a roupa de dormir e buscando roupas novas: uma calça, camiseta de linho. Uma jaqueta simples de couro sobre os ombros. Ajeitou os cabelos e, por fim, perguntou:
- E quando a gente começa?!
- Devo te falar que essa sua ideia é bem merda, Kiramman. – Ekko disse, enquanto caminhava entre os corredores daquela casa. Permanecia rodando envolta de si, procurando qualquer ponto cego. Qualquer criatura. Qualquer coisa que pudesse os surpreender. Nada. Absolutamente nada. Pelo menos por enquanto.
- A gente não pode ficar por muito tempo sem água, sem alimento. Me arrependo de ter saído da cozinha sem buscar mais suprimentos com Vi. Antes, sabe? Mas estava mais preocupada em manter a mim e a ela viva. Isso e o fato que aparentemente a casa parece vazia por hora. Depois daquelas criaturas de agora pouco, não ouvimos mais barulhos. Por isso, estamos aqui.
- 'Tá bom. Fique contando essas mentiras para si própria. – Disse Ekko bufando levemente. – Voltou a se aproximar da policial, dizendo mais baixo. – Cá entre nós, aqui... Eu vi como você olha para ela. E eu sei o motivo pelo qual tudo que você mais quer é estar fora daquela sala de conveniência: Claramente está é agoniada de ficar no mesmo cômodo, enquanto outra pessoa fica lá aproveitando o que você gostaria de estar aproveitando por si mesma. – E ele deu um sorriso sarcástico.
As suspeitas de Ekko se confirmaram quando ele observou a policial ficar completamente vermelha. Ele fez um não com a cabeça, passando por ela. Caitlyn imediatamente voltou a dirigir a palavra ao garoto:
- Eu não tenho tempo para me preocupar com isso, Ekko. Eu como oficial responsável preciso manter a todos nós vivos.
- É, é, fique contando essa mentira para si própria. Vai que um dia ela se torna verdade de tanto que você fala.
- O que... O que o senhor sabe, hein? Você pode me dar licença?! Não aja como se me conhecesse, oras!
- Eu sei muito bem o que você está passando. – Ele olhou sobre o ombro, dando um olhar simpático à policial. Talvez até mesmo condescendente. Suspirou fundo e continuou. – Apenas tome cuidado para não se arrepender pelas oportunidades perdidas. As vezes... deixar de se expressar... As vezes oportunidades perdidas... Não falar delas pode acabar sendo tarde demais.
Caitlyn pareceu assimilar as palavras em silêncio, voltando a olhar o chão. Ekko assimilava, contudo, algo diferente: viu corpos dos ‘carniçais’ – palavras de Draven – completamente mortos ao chão. Caitlyn havia dito em minutos atrás que conseguiu – ela e Vi – matar alguns durante as horas anteriores.
Ekko também assimilou o caos causado por essas criaturas: havia muitos corpos mutilados no caminho até a cozinha. Ekko acreditava que durante toda a sua infância e juventude nunca viu tantos corpos amontoados em um só local. E olha que ele viu reflexos da primeira guerra e nunca teve uma infância segura. Ele já havia visto os horrores antes. Se assustou, no entanto, com essa cena mesmo assim.
- Será que ainda encontraremos com o Doutor Smith do mal? – Ekko perguntou.
- Podemos não o chamar assim? Parece estranho. – Replicou a outra.
- E como propõe que o chamemos? – Ele voltou a pergunta.
Caitlyn suspirou. Ekko não pressionou. Ele disse por fim:
- Aliás... Para constar..., antes de mais nada, é claro. Eu estou do seu lado. E acho que vocês formam uma bela dupla. – Ele arranhou a garganta. – Me borrei inteiro de só enfrentar uma daquelas criaturas. E Mel fez maior parte. Já vocês, - Apontou para a sua volta. – Vocês realmente conseguiram lidar bem com isso tudo.
A policial deu um sorriso. Como se estivesse lembrando de algo engraçado da memória. Uma lembrança afetiva. Ekko não pressionou a saber o motivo do sorriso ou da lembrança. Ela então virou-se para o rapaz e disse:
- Sim. Eu acredito que sim. – Arranhou a garganta. O sorriso no rosto sumiu e ela voltou a ser a policial de sempre. Olhou para o cômodo da cozinha. – Toalhas. Talvez precisemos fazer curativos na mão de Powder, também.
Powder.
Ekko se lembrava com carinho da menina.
Que mulher incrível.
Que força da natureza.
Queria tanto ter tido mais tempo para conhecer mais sobre ela.
Ekko parou enquanto avalia as gavetas da cozinha. Tirou alguns enlatados, alguns utensílios domésticos. Em seguida foi até uma gaveta, retirando recipientes para comportar água para os outros sobreviventes. Caitlyn, então, cortou o silêncio, falando:
- Queria agradecer, Ekko. Por ter cuidado de Powder... Quer dizer... – Ela ponderou as palavras. – Powder era minha responsabilidade. Vi havia acabado de falar que era para cuidar da sua irmã. E no minuto seguinte estou abandonando-a... – Ela voltou a encará-lo. – Sei que não é sua obrigação...
- Eu não me importo. – Disse ele, por fim. Foi até uma torneira e começou a encher os recipientes. Caitlyn puxou um grande pano que cobria a mesa central da cozinha e começou a colocar os alimentos e outros utensílios dentro. Formou uma bolsa improvisada com o pano e colocou sobre o ombro. Ekko continuou. – Ela... Acho que ninguém de nós merece isso que aconteceu aqui hoje. E a responsabilidade agora está sob as costas dela. Dela tentar tirar a todos nós... – Ele ponderou. Suspirou. – Eu queria poder fazer mais. É só.
Caitlyn confirmou com a cabeça para o garoto.
O silêncio novamente reinando no ambiente.
- Senhor Smith? Você... está bem? – Ekko perguntou, enquanto carregava um grande caixote entre os braços. O rapaz, apesar de franzino, ainda assim tinha braços fortes o suficiente para lidar bem com o peso das coisas. Motivo pelo qual na maioria das vezes ele que era o potencial carregador de bagagens. Ter apenas a função de piloto no negócio que ele tinha com Benzo era um privilégio que eles não arriscariam a ter. Havia a necessidade de serem multitarefas no negócio.
- Sim, meu jovem. Estou... – Doutor Smith permanecia abraçado a uma pasta. À tiracolo uma bolsa. Pela falta de movimento que a bolsa fazia, ele carregava algo pesado consigo. – Bedwols, por favor, vamos!
Bedwols – que Ekko sabia que era o mordomo e amigo de Doutor Smith – vinha logo atrás. Tinha a expressão completamente abatida. Olhava para um ponto qualquer, sem foco no olhar.
Ekko terminava de descarregar os caixotes no avião. Foi até a porta da aeronave verificar qualquer problema potencial que poderiam ter. Por sorte, o voo de ida foi perfeito. E Ekko acreditava que conseguiria o mesmo feito com o voo de volta. Logo a frente, enquanto ajustava as alças da porta de entrada do avião, contudo, havia um grupo de pessoas os encarando. Usavam, para a surpresa de Ekko, quepes vermelhos. Ekko reconhecia aquela indumentária como comum entre os locais. Eles chamavam de fez. Um fez vermelho.
- Senhor Smith... – Ekko começou. – Existem... Há pessoas ali fora. Você os conhece? São amigos seus?
- Ekko, meu rapaz – Disse secamente a velha morsa. – Podemos ir embora? Imediatamente? Não quero ficar um minuto mais nesse local.
Ekko, então, rapidamente entendeu a urgência na voz do homem. Fechou a porta da aeronave imediatamente com um estampido. Correu, então, em direção até a cabine de piloto, ligando os motores. Em seguida ele gritou à pleno pulmões:
- COLOQUEM OS CINTOS. VAMOS PARTIR IMEDIATAMENTE!
O rapaz ajustou pressão e analisou os dados da aeronave, avaliando qualquer problema ou defeito para partirem. No entanto, ao não encontrar nenhum mal funcionamento, e em pouco tempo, eles estavam em pleno ar. Ekko queria afastar quaisquer pessoas estranhas que lhes poderiam ferir. Berlim não se repetiria.
Ekko murmurou entre os lábios:
- Pronto. Adeus Constantinopla. – Virou-se para Doutor Smith e com um sorriso, disse. – Eu espero de verdade que não tenha os trago inimizade a nós, Doutor Smith. Pois eu não quero somar à lista de pessoas que não gostam de mim as pessoas de Constantinopla.
***
.Vi.
Vi permanecia sentada no encosto do sofá que havia na sala de conveniência. Olhava para o chão, completamente desolada. Repetia na sua cabeça as palavras.
Jinx.
Jinx.
Jinx.
Jinx.
Sentiu os olhos começaram a marejar novamente. Era comum isso ocorrer: quando ela achava que estava acostumada às palavras que ela ouviu da irmã, as palavras viam em sua mente e ela se colocava a sentir o coração pesar e os olhos ficarem daquele jeito: inflados de um sentimento e lágrimas. Ela nunca foi de se expressar dessa maneira, com o choro livre. Mas estava tão cansada que faltava filtro a própria bravata.
Vi não imaginava que Mel pudesse, nessa situação, pensar em outra pessoa que não ela própria. A lutadora, contudo, foi surpreendida em ver a mulher de ébano segurar-lhe as mãos em todo o tempo. Confortá-la e dizer palavras de apoio enquanto a ela própria se sentia cada vez mais desolada com toda essa situação.
A voz da arqueóloga era ouvida baixa, tentando trazer Vi à superfície:
- Vi? Você pode me ouvir?
A lutadora ergueu o olhar para a mulher à sua frente. Engoliu seco. Confirmou com a cabeça, como se provasse que estava prestando atenção. Não ao certo por quanto tempo, mas pelo momento, ela estava atenta as palavras da outra.
- Oi, Mel.
- Minha querida... – Ela apertou as mãos da lutadora entre as dela. – Sua irmã precisa de você com foco. Para isso dar certo. Você sabe disso, não?
Vi mantinha-se olhando para Mel. Não falou nada.
Jinx.
Engoliu seco.
Quando foi que eu te perdi?
Por que continuo te perdendo, Pow?
Levantando-se do sofá, ela fechou os olhos, suspirando profundamente. Tentava controlar ou ganhar algum autocontrole dos próprios sentimentos. Ela não se permitiria abater-se. Não era a hora. Não era a hora.
Não era a hora.
Passando a ponta dos dedos sobre o rosto da mulher a sua frente, sorriu. Disse em seguida:
- Obrigada, Mel. Pelas palavras.
Mel entreabriu os lábios. Vi observou-a como se lutasse para disser algo. Mas nada o disse. Em seguida, a arqueóloga levantou-se também de onde se encontrava sentada. Se afastou um pouco para permanecer preenchida pelos próprios pensamentos.
Vi voltou para o quarto branco.
Com foco renovado.
Para a surpresa da lutadora, uma parede do quarto estava completamente preenchida do sangue carmesim de Powder. Draven permanecia alguns metros afastado, observando o trabalho da irmã mais nova. Vi tentou dar uns passos vacilantes até a irmã. No entanto, foi surpreendida pela fala de Powder, parando-a. A menina de tranças azuis disse, o tom de voz perdido. Nem parecia sua irmã:
- Ahã, nem vem, cabeça oca. Nem vem. Eu estou bem. – Ela olhou Vi sob o ombro e sorriu. Um sorriso extremamente misterioso. Vi não reconhecia a irmã. Ela sabia que Powder em algum lugar lá dentro estava ali. Mas aquela menina à frente não parecia nada com sua irmã.. – Preciso de todo o tempo do mundo para fazer isso. E de silêncio. Você acaba me confundindo quando está perto... – Ela voltou a olhar para a parede e voltou a desenhar.
E então começou a falar palavras estranhas.
Ph' ya aimgr'luhh, mgah'ehye ya ai. Goka ya orr'eog l' mgahnnn ngluii, Nyarlathotep.
E começou a entoar cantos e palavras sem sentido para a parede novamente. Vi não entendia de nenhuma dessas palavras. Tudo parecia sem sentido. Mas aparentemente para Powder e Draven, tudo aquilo era familiar. Conhecido. Assustadoramente familiar.
Vi fechou os punhos com força. Se sentia inútil no momento: Há algumas horas, quando as criaturas estavam tentando novamente adentrar na sala de conveniência, foi Draven e Caitlyn que lidaram com as criaturas. Vi tentou intervir e auxiliar naquilo, mas recebeu uma negativa da policial. Ela havia dito que Vi precisava descansar as feridas dos encontros anteriores que tiveram. Que a lutadora não estava na forma adequada para fazer algo.
E Vi também pode realmente observar o poder de Draven: com um movimento de mão, e algumas gotas de sangue ao chão, o homem conjurou algum tipo de magia de si de modo que mais uma daquelas criaturas foi simplesmente explodida na frente da lutadora. Vi sabia de armas poderosas que foram usadas na grande guerra. Mas nada tão majestoso e poderoso como aquilo. Nem mesmo explosivos que ela conhecia havia tanto poder de destruição. Mas aparentemente magia provocava efeitos tão devastadores quanto.
Draven explicou, ainda, que havia um preço para tudo isso que ele fazia. E que haveria também um preço a ser colhido por Powder. No entanto, ele não entrou em detalhes exatamente qual era o preço de realizar tais feitos. Vi se sentia tão inútil que acabou não pressionando por respostas. Ela estava cansada dos enigmas do homem. E sabia que não teria uma resposta direta dele.
Lidadas às criaturas, Caitlyn e Ekko foram em direção à cozinha em busca de alimentos e água. Com o passar das horas, a sede e a fome começou a cobrar seu preço. E eles não sabiam ao certo quanto tempo esse ritual deveria tomar deles. Ou em quanto tempo iriam precisar cuidar da pequena Wick.
A força dos punhos fechados só foi aliviada quando a lutadora viu a figura de Draven aproximar-se dela. Vi engoliu seco. Não gostava do homem. Mas ele era útil. E isso era suficiente para não lhe chutar a bunda ou mandá-lo pastar. Ele veio com o mesmo sorriso debochado nos lábios. Ajeitou o bigode chinês que tinha no rosto e disse em seguida:
- Belíssimo trabalho, não?
Vi riu em escárnio.
- Você deve ter algum tipo de sadismo, Draven. Para continuar constantemente me provocando. Lembre-se que eu não tenho mais Caitlyn para me segurar. – Ele ia protestar, mas Vi continuou. – E se você pensa que eu me importo com sua magia ou o que lá seja que você possui... você está completamente enganado. Eu não temo você. – E ela o encarou sério. – E não. Não tem nada belo em ver minha irmã sangrar por mim. Ou por qualquer um de nós. Então o que você vê em belo... Eu vejo de nefasto.
- Questões de perspectiva, minha cara. Mas sim. – Ele voltou a dizer. – Nem tudo que é belo... é bom. Mas, por hora e nesse caso, as duas coisas andam de mãos dadas.
Vi nada disse. Voltou a olhar para a irmã. Mordeu a parede interna da bochecha. Queria fazer mais.
Queria fazer mais.
É minha irmã, eu quero poder fazer mais.
- Eu preciso alertá-la de algo. – Ele disse, então.
Vi olhou-a de lado. O sangue novamente borbulhando. Desprezava o homem. Muitos segredos. Ele só soltava as informações pela metade. Vi sempre desprezou as pessoas que não esboçavam claramente o que sentia.
Ela sendo uma dessas pessoas.
Pois nunca foi capaz de expressar o que ela sentia pela irmã.
A raiva que sentiu quando Powder disse que não poderiam mais se ver. Naquele dia.
Ela me abandonou.
Então, Vi virou-se completamente para o homem, ficando centímetros dele. O maxilar completamente firme, duro. Tensionado conforme ela professava as palavras:
- Ótimo. Me alerte. Mas por favor, seja claro. Eu estou cansada de meias verdades vindas de você.
Ele fechou o semblante. Olhou para Powder. Em seguida para Vi. As engrenagens em sua cabeça rodando. Espiralando. Ele suspirou, esboçando novamente o sorriso debochado.
- Esse ritual é incrível. Ele consegue coisas inimagináveis. Mas olhe à sua volta... – Ele olhou para as paredes à sua volta. – O ritual cria um vínculo. Um vínculo que não poderá ser perdido.
- O que? – Vi perguntou. – Como assim?
- Vi... Ela conseguirá abrir o portão, Vi. Ela só não conseguirá sair por ele. – Ele disse, simplesmente.
Vi cerrou os dentes e disse como se cuspisse as palavras:
- Como assim, ela abre o portão e não atravessa ele?
Ele a observava. Fechou o semblante:
- Veja, minha cara, ela criou um vínculo com a casa. Um vínculo único. Enquanto ela estiver com esse vínculo, ela não poderá sair. Ela abrirá o portão, vocês conseguirão sair sem maiores problemas. Eu? Eu também conseguirei sair. Ela... – Olhou novamente para a jovem de tranças azuis. - Ela é o dano colateral. Ela criou o vínculo. Ela ficará presa à ele.
- Não. – Disse Vi. Um misto de incredulidade e raiva crescente. – NÃO.
Draven deu de ombros. Disse com um sorriso:
- Eu não faço as regras. Alguém precisa se sacrificar. Ela fez a própria escolha. Memorável e admirável, devo admitir.
Vi avançou no homem, prendendo-o pela gola da camisa. Ela disse entre dentes:
- ARGH! FILHO DA PUTA! VOCÊ SABIA DISSO, NÃO? VOCÊ SABIA! POR ISSO QUE NÃO QUIS FAZÊ-LO VOCÊ PRÓPRIO!
Draven arregalou os olhos e com um riso disse, simplesmente:
- Mas é... claro?! Há há! Eu seria um tolo se fosse eu quem me sacrificasse. Eu precisava de alguém que fizesse esse papel.
O grito prévio e a conversa exaltada que Vi mostrou assustou Mel, que veio correndo em direção ao quarto branco. Ela olhava os dois engalfinhados. Uma expressão de incomodada de vê-los novamente naquela posição. Por sorte, Vi acreditava que Mel não havia ouvido a conversa entre ambos.
NÃO.
NÃO.
Não.
PORRA!
A cabeça de Vi estava espiralando. Ela soltou-se de Draven que ainda a observava. Atentamente. Como se a avaliasse. Já Vi, permanecia hiperventilando, apenas abaixou a cabeça para ficar com ela entre os joelhos, respirando fundo.
Minha irmãzinha.
Minha pequena.
Mel tentou se aproximar, mas Vi apenas ergueu uma mão, dizendo em seguida:
- NÃO, está tudo bem! Eu estou bem. Estamos bem. – E fez um movimento entre a lutadora e Draven. – Estamos bem.
Vi olhou para Draven que apenas confirmou imediatamente à lutadora. Ele sorriu. Mel os olhava curiosa, mas nada disse. Em seguida retornou para a sala de conveniência. A irmã mais velha se ergueu, tentando controlar o coração que batia um ritmado crescendo. Engoliu seco, tentando raciocinar. Olhou para o homem ao seu lado e em seguida para a irmã que continuava a continuar a desenhar. Vi perguntou-lhe:
- Ela sabe? Ela está ciente disso?
- Não sei. – Ele disse finalmente. Então, disse secamente. – Eu sugiro, no entanto, que você comece a preparar suas despedidas. Pois se você deseja sair daqui... – Ele encarou-a severamente. Vi sabia que não havia empatia nas palavras do homem. Vi se perguntou se algum dia esse homem a sua frente se importou com alguém. Ele completou. - ... Se você deseja sair daqui, será sem ela.
Vi fechou o cenho. Abaixou o rosto.
Voltou então a olhar para onde a sua irmã se encontrava. Engoliu seco. O coração se apertou. Ouviu então vozes se aproximarem. Talvez Caitlyn e Ekko haviam voltado da cozinha.
Olhou então para Mel que estava na entrada do quarto branco. Olhava para a lutadora como se pedisse com o olhar pela ajuda para retirar os móveis e colocar os outros dois – Cait e Ekko - para dentro. Vi deu um sorriso derrotado para a mulher de ébano. Era o que ela poderia oferecer agora.
Encolheu os ombros.
Por hora, ela era isso: uma completa inútil.
- Ela é linda, Mama. E sabe...Obrigada por me ensinar a fazer tranças nela. Ela tem gostado bastante agora que o cabelo dela encontra-se grande. Quase todo dia me pede para que as faça. – Vi falou, alguns metros da cama improvisada a sua frente. Via uma menina pequena deitada sobre o móvel simples. Estava extremamente confortável entre as cobertas. Com um belo sorriso no rosto. Não deveria ter mais que uns três anos. Vi já tinha cinco anos quase completos.
- Minha filha, sempre e para todo o sempre eu darei o meu melhor para vocês. – E afagou o rosto da menina com carinho. – Você sabe disso, não?
Vi confirmou com a cabeça.
Em seguida, apenas encarou a mãe. Enfiou o rosto nas pernas dela, buscando afagos em seus próprios cabelos. O que foi prontamente realizado pela matriarca dos Wick. Os dedos da mãe sobre os cabelos davam-lhe um conforto gigantesco dentro do próprio peito. Vi poderia morrer sob o acalento da mãe que morreria feliz. Ela amava esse carinho em especial: receber afagos nos próprios cabelos. A menina murmurou, depois de instantes:
- Às vezes dói meu peito, sabe?!
- Dói seu peito? – A mãe perguntou. – Como assim? Por quê?
- Quando vejo ela sofrer. Quando quero presentear algo que ela queira, mas não tenho dinheiro para isso. Quando alguém implica com ela, com o cabelo dela, com o jeito dela... Quando eu percebo que eu não posso ajudá-la em algo que ela precise... Dói meu peito tanto que eu quero arrancá-lo de mim. Pois dói muito. Dói mais quando eu me machuco fisicamente.
- Violet, isso se chama amor. Amar alguém é assim. É completamente normal sentir assim quando você não consegue fazer plenamente feliz alguém que você ama. A pior coisa que a gente consegue sentir sobre nós mesmos é a sensação de impotência. Querer ser e não ser. Tentar fazer algo e não conseguir.
- Eu sei. Ainda assim, Mama... Eu quero fazer tudo para que ela seja feliz. Na realidade... Não. Eu farei tudo para que ela seja feliz. – Disse Vi, enfim.
- Você já o faz, Violet. Você tem um grande, um enorme coração. Maior que eu esperaria de uma filha minha. E sabe o que mais...?
- O que? - Vi perguntou.
- Powder te ama por você ser você. Para ela, já é suficiente você ser você.
Quando isso deixou de ser verdade, Pow?
- Conseguiram algo para comermos? Tiveram algum problema até lá? – Perguntou Mel, enquanto recebia Caitlyn e Ekko. Os outros dois apenas confirmaram com a cabeça para a primeira pergunta e negaram na segunda. Mel suspirou aliviada.
Vi se prontificou em ir até os dois e ajudá-los a descarregar alguns recipientes de água. Não era muita coisa que havia sido traga, mas Vi agradeceu aos céus pelo fato que aparentemente havia sido cessado qualquer tipo de ataque das criaturas carniçais.
A lutadora também se perguntava onde estaria o Doutor Smith. A versão do mal, como Ekko gostava de dizer. Após ele mandar todos aqueles carniçais para atacarem o grupo de convidados, ela se perguntava se em algum momento o homem estaria ali tentando atacá-los. A sensação de desamparo desse pensamento a deixava mais angustiada do que imaginava.
Todos os alimentos e água foram colocados no canto. Mel prontamente começou a avaliar os alimentos. Ela olhou para direção do quarto banco e em seguida perguntou:
- Vi. Você estava conversando com Draven, certo? Sabe nos dizer se... quanto tempo esse ritual possa durar? Me desculpe, mas estou ficando... ansiosa.
Vi fechou os olhos, cerrando os dentes. Ela não queria descontar a raiva crescente da notícia que Draven havia lhe dado minutos atrás nos outros. Ela se prontificou em dizer:
- Não faço a menor ideia. Além do mais eu não tenho a menor vontade de entender o que aquele louco fala. Sinta-se a vontade de tentar a sorte em tentar entendê-lo.
Mel a olhou sério. Vi não queria ter sido ríspida.
Mas na cabeça dela, vez ou outra voltava a frase de Draven aos ouvidos.
“Prepare suas despedidas”.
“Prepare suas despedidas”.
Caitlyn cerrou os olhos olhando da lutadora para Mel. A garota de cabelos rosas apenas passou a mão pelos cabelos, suspirando profundamente. Virando-se novamente para Mel, se aproximou, sentou-se próximo à onde a mulher de ébano estava e disse baixo:
- Olha... Me desculpe. Minha irmã está literalmente sangrando para nos ajudar e me sinto inútil aqui. Acabo...
Mel trocou olhares com o restante do grupo. Engoliu seco e se levantou dali, afastando-se. Vi fez um ‘não’ com a cabeça. Ekko se aproximou e deu-lhe um suave aperto no ombro. Disse em seguida:
- ‘Tá tudo bem, Vi. A gente entende. Ela com certeza também. No final, estamos todos cansados.
Ele também se afastou. Diferentemente de Mel, contudo, ele foi até o quarto branco. Talvez para observar Powder. Vi sentia-se grata por Ekko ser tão gentil nesse meio tempo todo e ter tomado conta de Powder. Ele realmente parecia um rapaz bom. Talvez bom demais para pessoas quebradas como ela e Powder são. Powder, talvez, nunca seja capaz de retribuir à alguém o amor que lhe é dado.
Vi se perguntava se com ela fosse o mesmo.
E se algum dia haveria salvação para ambas.
Mas ela teve seus pensamentos cortados.
Caitlyn Fucking Kiramman.
- Hey... – A policial sorriu, abaixando-se para pegar um recipiente de água. Tomou um pouco, oferecendo em seguida para Vi. O que a lutadora prontamente aceitou. Apenas quando começou a beber da água percebeu que estava morrendo de sede. Estava desesperada para molhar os lábios. Sentir algo descer na garganta. Pois ela estava cheia de sentimentos entalados. O olhar de Caitlyn ainda permanecia na lutadora. Analisando-a com cuidado. – Eu sei que não deve ser fácil. – Ela começou. – Estar assim. Vendo-a assim...
- É... – Vi tentava buscar palavras. Lembrou-se da conversa com a própria mãe anos atrás. – É um nível absurdo de impotência, Cait. Eu não posso fazer nada. Nada por minha irmã. – A lutadora, então, encarou a mulher ao seu lado. – Como você lida com isso? Com não poder ser quem você deveria ser? Como você lida com a expectativa e com a realidade? Como...
Então ela sentiu o toque dos dedos da policial sobre os seus. Aquele olhar que não era de condescendência. Não era de pena.
Era... zelo.
Era o mesmo olhar que sua mãe lhe deu quando ela professou as mesmas palavras anos atrás. Vi deixou-se levar pelo acalento dos dedos da policial e entrelaçou os próprios aos dela. Aquilo era muito mais do que ela esperava. Trazia um conforto e paz que ela se odiava por sentir em meio a tantos problemas que estavam enfrentando. Mas fazia tão bem. Tão bem. Deu um sorriso e murmurou baixo:
- Obrigada. Eu realmente precisava disso.
- Você me pergunta como eu lido com a impotência... – Caitlyn continuava a acariciar suavemente a mão da lutadora. Ela engoliu seco. Vi percebia que talvez Caitlyn tentava encontrar palavras no mar dos próprios olhos. A policial murmurou. - ... eu lido com a impotência, Vi, acordando todo dia e tentando ser melhor do que o dia anterior. Todos nós somos assim. Todos nós nos sentimos vez ou outra... Nos sentimos menor do que deveríamos ser... Mas para muitas pessoas...- Ela engoliu seco, arfando as últimas palavras com convicção. – Para mim... você, sendo você... você ser você... Para mim isso é o suficiente.
Vi sentiu um calor subir-lhe o rosto. Corou violentamente às palavras da policial. Era uma espécie de arrebatamento ouvir essas palavras.
Como Vi poderia não se apaixonar por uma mulher assim?
- Cait... eu... preci...
Em um estrondo e um rompante, no entanto, a porta daquela sala de conveniência voou em direção à parede oposta. Os móveis foram arremessados com uma facilidade inimaginável. Vi observou Mel se contorcer em um canto, assustando-se. Ekko saiu do quarto branco imediatamente, fechando a porta atrás de si. Procurou pela lutadora. E em seguida pela policial. Olhos completamente assustados.
A lutadora levantou-se em um movimento. Puxou Caitlyn de pé imediatamente, dizendo em seguida:
- Cait... A prioridade é ajudar Powder terminar o ritual. Ela precisa terminar para termos uma chance de sair daqui.
- Vi... eu não vou deixar você... – Caitlyn disse num tom firme.
Antes mesmo que a lutadora pudesse afirmar algo ou discutir, ambas as mulheres ouviram o sibilar de dois carniçais adentrarem no local. Mas o que fez a espinha de Vi estremecer, contudo, foi os passos decididos em seguida, adentrando no cômodo.
Eram passos leves. As roupas, Vi já havia visto nessa noite antes: No corpo do Doutor Smith. O homem, contudo, não mantinha mais a face do Doutor. O rosto era turco, nariz concavo, olhos escuros como duas ônix. No entanto, o que chamava atenção não era as feições que ele possuía. Era o fato que a face do homem estava empapada de sangue. Como se recentemente tivesse retirado algo do rosto. Olhava para o grupo de pessoas a sua frente. Em sua mão esquerda, havia a mesma adaga que usou para assassinar Bedwols horas atrás. A adaga pingando um sangue em vermelho escarlate. Na mão direita, para a surpresa e horror em todos ali, o homem carregava a pele da face de Bedwols com parte do escalpo. Ainda caindo gotículas de sangue ao chão.
Ele mantinha-se em silêncio, olhando para o rosto de cada um ali. Por fim, ele disse:
- Olá, aos presentes. Ouvi certa vez... – O sotaque agora estava mais claro. Sotaque claramente oriental. - ... Que quando você quer uma coisa bem feita, você próprio deve o fazê-lo. Entreguei à essas bestas um único serviço. E para a minha infelicidade, até agora nada. – Ele passou a ponta da adaga no próprio queixo. - ... Me digam: Onde está minha estátua?
Vi deu um passo a frente. Caitlyn pegou-lhe no braço para impedir, mas a lutadora se adiantou, tentando se impor diante do homem. Desafiando-o, a mulher de cabelos rosas disse:
- Essa estátua não lhe pertence. E eu vou garantir isso. Você não irá tê-la.
Ele sorriu.
E que sorriso assustador.
Vi, então, sentiu toda sua coragem esvair-se.
E...
Ele sabia.
Ele sabia que ela tinha medo dele.
Ele então disse:
- Gosto dos corajosos. Você será a primeira face que eu tomarei. – Então ele urrou. – HAHAHA! Vão, meus bebês! Façam a festa!
Sentindo a excitação nos próprios pés e testando os próprios ferimentos batendo firme sob o chão, Vi gritou imediatamente ao homem, avançando com um fôlego e sentimento renovado.
O foco, era ele. Pois ela sabia: Ele que criou toda essa situação. Ele que havia provocado toda essa insanidade em sua irmãzinha. Sua irmã estava naquele quarto presa por causa dele.
A morte era uma constante na vida de Vi. Ela lidava com a morte com frequência no trabalho dela. Mas, apesar de lidar com a morte, ela nunca foi de desejar a morte às pessoas. E nunca por vontade própria pensou em querer matar alguém. Mas à aquele homem, ela faria uma exceção. Quem sabe com a morte dele, Powder não precisaria continuar lutando. Quem sabe, o ritual que deixa aquela casa suspensa cessaria e ela poderia sair juntos com todos os outros. Vi gostaria daquilo: poder sair dali com todos os seus amigos.
Neste movimento de correr em direção ao “Doutor Smith”, no entanto, a lutadora recebeu um encontrão de lado de uma criatura, jogando-a contra a parede. O ar sendo de imediato saído dos pulmões e um grito de dor emitido pela lutadora. Ela podia escutar a voz ensandecida do homem misturada aos gritos de desespero de seus companheiros.
Pinada contra a parede com algum carniçal, Vi tentou relutantemente afastar-se do monstro que parece mais agressivo do que os encontros anteriores. Tentando mordê-la e arranhá-la em qualquer oportunidade que tiver em mãos. A lutadora tentava esquivar-se das garras e dentes. O olhar da lutadora permanecia no turco. De modo que percebeu o movimento do homem em direção ao quarto branco. Completamente guiado talvez pela presença da estátua. Ele sentia, assim como aquelas criaturas onde estava a sua almejada estátua.
- PORRA! Maldito! Venha me enfrentar, maldito. Me mate primeiro!
Ela pode perceber que o homem apenas se dignou à lhe oferecer um relance. Mas voltou a rumar em direção ao quarto branco, obstinado a pegar a estátua.
O outro carniçal pulava e assimilava as pessoas à sua volta. Como se estudasse quem atacaria primeiro. E ele tomou a decisão de avançar na policial, que ainda estava no caminho do quarto branco e mantinha a arma apontada para o seu senhor.
- CAIT! – Gritou Vi, tentando se desvencilhar da criatura que ainda se encontrava engalfinhada consigo. – CAIT!
Vi então, usando o pé como âncora empurrou a criatura de lado e antes que a outra criatura atacasse a policial, avançou sobre ela, por trás, jogando-a ao chão.
Ekko havia avançado para tentar impedir o Doutor Smith de adentrar no cômodo, mas com um movimento da mão, o turco simplesmente jogou o garoto contra a parede. Uma magia absurda. Algo que Vi ou qualquer outro não tinha ainda visto: mesmo em Draven. Ele não precisava de sangue ou rituais. Ele apenas com o movimento dos dedos conseguia fazer feitos inimagináveis.
No canto oposto do quarto, Mel tentava lidar com o prospecto de morrer para aquele homem ou para as duas criaturas que pareciam no momento interessadas em lidar com a lutadora e com a policial. Em um ato desesperado, a mulher de ébano murmurou para si:
- Isso não vai dar certo, isso nunca vai dar certo. Somos... somos fracos demais.
Tomada então pelo medo, ela correu da sala de conveniência, fugindo dali. Sem dignar-se a olhar para qualquer uma das pessoas restantes.
Vi viu-a sumir entre os corredores. Cerrou os dentes, chamou a atenção de Mel, mas ela estava longe o suficiente para se dignar a voltar. A lutadora ainda mantinha-se pinada ao chão com um dos carniçais. Continuava a urrar, buscando estamina no próprio corpo. Em um ato desesperado, colocando a cabeça nas costas da criatura, mantendo-se ainda presa com os braços no monstro, a lutadora gritou em plenos pulmões:
- POWDER!
***
.Jinx.
- Vi? – Os olhos dela se abriram. Jinx olhou por sobre o ombro, buscando os cabelos rosas da irmã. Não os encontrou. – Vi...?
Uma de suas mãos estava sobre a parede. Ela tentou, involuntariamente, retirá-la do local. Havia uma força que a mantinha presa ali. Sentiu lágrimas escorrerem dos olhos vendo pela primeira vez. Estando plenamente desperta ali. Havia um momento de sobriedade. Ali, a sua frente, o reflexo da loucura de horas atrás. Uma parede completamente marcada de letras e hieroglifos. De símbolos de R’yleh.
- Eu...
- Não é hora! – Imediatamente ela viu no canto dos olhos, o homem de horas antes – bigodes chineses, roupas brancas - se aproximar e chegar até centímetros dela, rosto colado praticamente ao de Jinx. Ele aparentava completamente desesperado. – Você precisa terminar esse ritual agora, AGORA. – Ele praticamente cuspia as palavras para Jinx. Foi até a bolsa da garota e puxou a estátua. Jinx fechou o semblante ao ver o homem simplesmente tomar a estátua dela. Algo que A PERTENCIA. Apenas A ELA. A raiva subindo ao seu sangue. Jinx tentava sem êxito retirar a mão colada da parede. Os dedos não estavam colados, mas ela não conseguia retirá-los de centímetros da parede. Parecia pregada ao local. Ela praguejava, enquanto ele erguia a estátua entre os dedos. – Sua irmã está ali fora lutando por você. E está na hora de você concluir o que você se prontificou em fazer. Quer a estátua? Venha pegar. Depois que concluir essa merda de ritual.
- AHHHHH! – Jinx gritou, em fúria.
Em seguida viu a porta ser aberta em um só movimento. Ekko sendo arremessado quarto adentro. O rapaz caiu praticamente desmaiado no canto do quarto. Dois passos adentraram imediatamente ao local. Um homem turco que Jinx nunca havia visto anteriormente. Tinha sangue banhado em toda a sua face e parecia escanear todo o local à procura de algo. Observou a parede que Jinx permanecia presa. Ele sorriu. E imediatamente se desatou a rir. A risada não durou muito, pois no segundo seguinte Jinx pode perceber que o objeto de interesse dele estava nas mãos do homem de branco.
- Draven... – O homem turco murmurou. – Poderia até mesmo dizer que é um prazer revê-lo. Mas ambos sabemos que isso é mentira.
Imediatamente dois tiros vindos da sala de conveniência e um grito, que Jinx só poderia identificar como sendo da sua irmã.
Lágrimas começaram a correr mais apressadamente dos olhos. O sangue das mãos começou a fluir mais violentamente conforme o coração batia mais forte no peito. A sensação de que tudo estava a ruir envolta dela e ela ainda se mantinha presa ali. Ela queria sair. Ela queria sair. Ela queria sair. Então ela pegou o abridor de cartas com a mão livre e em um movimento fincou nas costas da mão presa. Urrou imediatamente. Ela queria tirar a todo custo a mão dali. Se necessário, ela amputaria os próprios dedos:
- AHHHHHH, PORRA! – Praguejou alto ao ver mais sangue escorrer da palma presa à parede.
Draven a olhou completamente assustado e gritou entre os dentes:
- JINX! – Ela olhou o abridor fincado nas costas da mão e de volta à Draven. – O SEU PAPEL. VOCÊ TEM UM PAPEL. FAÇA-O!
A garota começou a tremer, fechou os olhos, levando os dedos da mão livre envolta ao abridor de cartas e tirou-o em um único movimento. Como se quisesse arrancar um band-aid da pele. Ainda de olhos fechados, ela olhou para as palavras a frente de si. Ela não conseguia fazer sentido nelas.
Por que ela não conseguia fazer sentido nelas?
Onde você está?
Onde você está?
Por quê?!
Por que você sempre me abandona?
- AHHHHHHHHHHHH! – Ela gritou novamente para a parede. Não sabia se pela dor lacerante na mão ou pelo novo sentimento de abandono. Onde ele está?
Draven ainda media terreno juntamente com o outro homem. O homem de branco simplesmente mordeu a palma da mão, ergueu a estátua e disse em seguida:
- Nem vem, essa estátua é minha, Mehmet.
O homem, Mehmet, sorriu e fez um novo movimento com a mão. Antes mesmo que Draven pudesse realizar qualquer ação. Jinx pode observar apenas Draven imediatamente dar uns passos para trás. E a expressão de deboche se transformar em dor. O homem de bigodes chineses ainda segurava a estátua entre os dedos, mas a face era de completamente horror.
Draven curvou o tronco para frente e começou a vomitar profusamente no chão. E em seguida começou a gritar em agonia. Soltando-se da estátua, ele levou ambas as mãos a blusa que vestia e arrancou-a em desespero.
Jinx arregalou os olhos ao perceber que a pele que tinha envolta do estômago do homem estava sendo completamente retorcido por alguma força desconhecida. A pele torcia em si, elástica, como se alguém estivesse amassando um papel com os dedos. Mas o papel, na ocasião, era a pele de Draven. O homem dos bigodes chineses permanecia agonizando ao chão. A pequena Wick voltou a encarar Mehmet com o olhar perdido. Ofegava bastante. Ela não tinha o que fazer.
Ela iria morrer.
Eu não quero morrer.
Eu não quero ser profanada que nem Draven. Ou como Bedwols. Ou como o Doutor Smith.
Havia medo.
Foi quando ela ouviu.
Ela o ouviu chamando.
Então um sussurro foi professado na altura de seu ouvido:
- Ymg' na'ah'ehye, lw'nafhnah ehye.
Então, como em um transe, sua consciência se esvai. Rapidamnete. Ela imediatamente leva a mão que estava livre até a pouco em direção à parede. Os olhos ficaram em escleras completamente branca. Então ela iniciou: começou a escrever novos símbolos na parede. Em uma velocidade muito mais rápida que anteriormente. Com mais segurança. E dos lábios ela apenas murmurou profecias. Sangue escorria de suas palmas da mão e das costas da mão e pareciam fluir em direção a parede, criando padrões. Desenhos. Símbolos à sua volta. Uma dança macabra do sangue sendo jorrado das palmas em direção à parede:
- Sim, pai. - Disse em tom baixo virada para a parede.
O turco, Mehmet, encontrava-se centímetros do objeto de desejo. Os dedos praticamente tocando a estátua que ansiava nas últimas semanas. Mehmet arregalou os olhos, ao ver, contudo, uma imensa luz branca engolfar a todos ali no quarto, cegando-os. Ele observou com a expressão assustada Jinx emanar um feitiço que ele desconhecia. O turco apenas disse entre dentes:
- Merda. – Ele então, pela primeira vez correu para alcançar a menina. Parar-lhe o que estava fazendo. Mas antes que ele a alcançasse, a luz voltou a engolfar à todos novamente. Ele gritou desesperado. - MERDA! MERDA! NÃO!
A luz era confortável para Jinx.
Ela foi abraçada por ele.
Ele voltou por ela.
Ela estava em casa.
Ela estava verdadeiramente em casa.
***
.Vi.
Vi gritou ao ouvir os tiros serem emitidos da pistola que Caitlyn mantinha entre os dedos. Uma criatura foi acertada antes que pudesse alcançar a lutadora. Ekko havia sido arremessado pelo turco assim que o garoto tentou impedir o acesso ao quarto branco.
A lutadora admirava o rapaz que conheceu há algumas horas.
Ele é realmente corajoso.
A lutadora viu uma das criaturas, com a emissão do segundo tiro, encolher e imediatamente correr fugindo, restando apenas uma para ser lidada pelas duas mulheres que ainda se encontravam naquele salão.
O monstro estava bem preso, pinado no chão, com os braços da lutadora envolta do pescoço dele. Ela forçava uma chave de pescoço tentando estrangulá-lo. Buscava forças do seu âmago. Havia ainda o turco que estava indo atrás de sua irmãzinha.
Você não vai tê-la.
Você não vai pegá-la.
Eu te mato antes disso.
- AHHHHHHHHH! – Ela voltou a urrar, sentindo as veias do braço começarem a saltar. Sentia que se continuasse assim os braços eventualmente estourariam. Mas ela, no momento, não se importava. Ela tinha um objetivo em frente. E ela não deixaria que ninguém mais sofresse ou se machucasse enquanto ela estivesse ali. Ela se certificaria disso. – MORRE, MALDITOOOO!
E então ela ouviu um ‘crack’ abaixo de si. A criatura que se contorcia até a pouco, agora jazia parada. O pescoço dela foi completamente deslocado.
Imediatamente ela soltou-se da criatura. Os braços dormentes do esforço executado. Suor se formando no próprio pescoço, face. Observou Caitlyn logo a sua frente, a observando atentamente. Queria lhe oferecer um sorriso. Queria correr ao seu abraço e sentir o calor da policial.
Mas não há descanso aos bons, não é mesmo?
Ela se soltou da criatura, levantando-se, enfim. Olhou para a porta escancarada atrás de si. Mel já não estava mais presente. A criatura restante havia sumido, talvez assustada pelos tiros de Caitlyn. Vi então se pôs a andar em direção ao quarto branco. O sangue novamente voltando a borbulhar. A cabeça latejando. Ela martelava na cabeça.
Ainda não acabou.
Ainda não acabou.
Ainda não acabou.
Ela voltou a andar mais apressadamente. Assim que chegou no batente da porta aberta daquele quarto, então ela viu:
Sua irmã com as duas mãos sobre a parede, entoando cânticos estranhos. A parede a sua volta começava a formar padrões, desenhos que Vi nunca havia visto antes – ou talvez apenas tenha visto naquela estátua de jade. A velocidade que os padrões começavam a aparecer no local era – em qualquer outra situação – magnífica. Para Vi, no entanto, era incrivelmente assustador. Ver também sua irmã presa pelas mãos naquela parede e o maldito turco gritar e correr em direção dela para atacar-lhe, fez apenas a irmã mais velha avançar em direção a ele. Tentando impedir qualquer ataque à sua família.
Meu único sangue.
Meu único.
E de repente o quarto foi engolfado por uma luz cegante. Vi então sentiu uma dor no corpo como se todas as moléculas do seu corpo tivessem de algum modo saído de si. Como se ela tivesse simplesmente evaporado do universo.
E paz.
Havia paz.
Antes dela cair ao sonhos, ela ouviu a voz de alguém ao pé do ouvido:
- Yog Sothoth ah ch'nglui
- Nossa, eu comi horrores. – Disse Powder, levando a mão à barriga. Em seguida, sem cerimônia, arrotou. Vi riu. – Vi! Foi uma das melhores refeições que já comi.
Vi colocou o pano que cobria as pernas na mesa e esticou os braços, se ajustando na cadeira, sorridente. Realmente haviam se alimentado o suficiente para que Vi não necessitasse de refeição pelos próximos dias. Foi muita comida. A lutadora só poderia imaginar quanto que deixaria de libras sobre a mesa. A expectativa é que pelo menos depois de pagar a conta ainda sobraria algo para ela se virar até o final do mês.
No momento, contudo, essa não era a preocupação da irmã mais velha. Vi estava feliz em ver o sorriso de Powder. Ver que ela estava genuinamente feliz em ter tido uma boa lembrança desse dia que iniciou extremamente melancólico.
- E então... Qual o veredito? É tão bom quanto você imaginava que seria quando estivemos aqui com Vander?
Powder olhou a sua volta. Em seguida disse:
- Eu mantenho as minhas palavras: a iluminação daqui continua incrível.
Vi sorriu abertamente. Em seguida se pôs a rir. Powder a acompanhou. Vi olhou a sua volta e confirmou com a cabeça. Disse:
- Devo admitir que tem razão... O local é incrível. Esses lustres, candelabros... Alto escalão. Quem sabe um dia... – E ela parou aí.
Powder então disse:
- Posso perguntar para o gerente. De repente ele possa nos oferecer indicação de onde podemos comprar... – Ela pensou. – Pelo menos os quadros do local. Ou mesmo os candelabros. Agora que terei uma casa, podemos...
Podemos.
Podemos envolvia eu e você, Pow.
Powder imediatamente parou de falar ao ver a expressão da irmã.
Não haveria idas para a casa dela.
Não haveria ajuda na decoração.
Ou ajuda a encontrar quadros novos.
Ou ajuda em encontrar a iluminação correta.
Não haveria mais Vi na vida dela.
Afinal, aquela era uma despedida, não?!
E de repente, a janta se tornou amarga.
Indigesta.
De repente o local se tornou um local horrível.
Powder imediatamente olhou para o próprio prato vazio. Buscava palavras, mas não conseguiu encontrar nenhuma. Cerrou os dentes. Vi a observou atentamente.
Será que Powder espera que eu tome alguma atitude?
Será que Powder espera que eu não aceite a despedida calada?
Será que Powder espera que eu não a abandone?
Será que ela deseja que eu lute por ela?
Eu quero lutar por você.
Eu não quero perder você.
Dói.
Meu coração. Meu coração sangra da ideia de te perder.
Mas o silêncio foi a resposta de Powder. Pois ela riu sem jeito e disse em seguida:
- Nossa, olha as horas. Já está incrivelmente tarde, não é mesmo? Vi...
- Hum? – Vi perguntou.
Vi ergueu o olhar para encarar sua pequena irmã. Lágrimas se formaram no olho da menor. Vi engoliu seco. A menina sorriu.
Sorriso falso. Sorriso que escondia muitos sentimentos.
Sentimentos nunca professados.
- Obrigada pela lembrança. – Ela disse.
Vi confirmou com a cabeça. Nada disse. Apenas aceitou.
Ela havia perdido Powder.
Ela aceitou perder Powder.
Quando Vi voltou a si, não havia mais a luz de antes. O quarto branco, estava completamente marcado pelas letras e hieroglifos estranhos. Ekko se encontrava no canto oposto onde a lutadora estava. Ele começava a recobrar a consciência. Usava a parede para levantar-se. Caitlyn aparentemente também acabara de acordar, pois veio correndo o quarto adentro, assimilando tudo que havia dentro do local. O semblante assustado enquanto tentava de alguma maneira fazer sentido tudo em sua cabeça.
O homem turco, não estava mais lá. E nem mesmo Draven. Ambos haviam partido.
Isso não deveria importar nem um pouco para Vi.
Pois o que importava estava à frente dela. Ela deu uns passos à frente, observando a moldura do corpo da irmã, que continuava a murmurar palavras baixo. Como se ainda estivesse entoando palavras de encantamento. As vezes Vi poderia jurar que pareciam canções de ninar. Como as que sua mãe cantava quando era pequena.
E como doía ouvi-las na voz da irmã.
- Pow...?
Vi então ajoelhou-se ao lado da irmã e projetando a cabeça para frente, para encarar a pequena, passou a ponta dos dedos retirando as pontas das franjas do rosto da menina, voltou a perguntar:
- Pow pow? Você está aí?
A menina estava abatida. Realmente abatida. Como se tivesse sido sugada tudo que tinha de estamina ou vitalidade de si. Vi queria abraçar a ela e fazer o que fosse necessário para que a irmã não estivesse nessa situação. Mas o que havia de ser feito? A lutadora levou a mão até o rosto de Powder e acariciou na altura da bochecha da menina. Tentou a terceira vez:
- Pow..., eu preciso de você.
Então ela ergueu o rosto. O rosto que estava inclinado para baixo, murmurando o encantamento. A pequena Wick encarou Vi e sorriu. Um sorriso cansado. Abatido. Derrotado. Ambas as mãos agora presas à parede. Em nenhum momento cederam de caírem. Vi tentou tirar-lhe as mãos e Powder apenas fez um não com a cabeça:
- Não... – Ela abaixou o rosto e murmurou. – Não há o que se fazer.
- Pow...
- O portal está aberto. – Ela virou-se para Vi e sorriu enquanto caia lágrimas do seu rosto. – O portal está aberto. Vocês podem sair. Vocês podem sair e... Vi, Por favor... apenas vão. Eu não sei por quanto tempo ele ficará aberto. O quanto eu vou aguentar.
Vocês.
Mas não você.
- Pow. Por favor... Deve haver um jeito. – Vi disse baixo como se confidenciasse com a mais nova. – Por favor... Como eu posso... Eu não posso simplesmente...
Powder ajustou-se, com as mãos ainda presa à parede, colocando a testa na altura do ombro de Vi. Murmurou baixo:
- Você é uma cabeça oca, Vi... – E ela ergueu o olhar para encará-la. – Já dói demais me despedir de novo de você. Por favor, apenas... vai. Nós duas sabemos que não há outro jeito. Que... a decisão foi tomada.
Vi fechou os punhos firme. Mordeu a parte interna da bochecha. Permaneceu por segundos olhando para sua irmãzinha. Para o sangue de seu sangue. Para a única pessoa que era sua obrigação de vida. Cerrou os dentes, querendo gritar. Nada o fez. Fechou os olhos e se levantou. Passou as costas da mão no nariz, fungando. Virou-se, então, e olhando para Ekko e Caitlyn disse:
- Vamos. Precisamos ir. O portal está aberto.
- Vi? – Caitlyn olhou entre os presentes ali. – Como assim?
- O portal está aberto. Podemos sair. Podemos sair dessa maldita casa.
- E a estátua? – Ekko perguntou.
Sim. A maldita estátua.
Aparentemente algum dos dois – o turco ou Draven – havia a pego. Essa noite já estava sendo uma bela de montanha de merda. A falta da estátua só ajudava a aumentar mais ela. Ela disse então, não querendo ser ríspida, mas incapaz de não o ser:
- Não me importo com essa porra de estátua. Quero que ela, Doutor Smith, aquele babaca do Draven e qualquer um ligado a isso vá para a porra. Podemos ir embora? – Em seguida ela fez menção a sair do local onde estavam.
Ekko olhou para Powder e tentou argumentar, mas contra qualquer julgamento não emitiu mais nenhum parecer. Caitlyn, diferentemente, tocou o braço da lutadora e perguntou:
- Vi... – Ela olhou sobre o ombro em direção à Powder. – E Powder? Ela... Ela não vem? – O riso que a policial emitiu quase que incrédulo. “Quem não iria para fora dali sem ter a oportunidade?”, era o que Caitlyn deveria estar pensando.
Vi voltou a caminhar, optando por responder à pergunta de Caitlyn com o próprio silêncio.
- Vi? – Ekko aproximou-se. – Por que Powder... vai ficar... pra trás?
- É o preço. – Disse Vi. – Ela... Ela está ciente.
Caitlyn encarou de Vi para Powder. Em seguida a Ekko. Parecia tão perplexa, sem reação. Mas ao ver que a lutadora ameaçava a sair do quarto, Ekko e ela se entreolharam não entendendo bem o que ela queria dizer com isso. Mas não protestaram mais. Eventualmente seguiram a lutadora.
A lutadora poderia jurar que viu antes de sair do quarto algumas lágrimas caírem dos olhos de Powder. Nada havia mais de ser feito. As escolhas haviam sido dadas e Powder havia se sacrificado por eles.
O caminho foi dolorido.
E o silêncio opressor.
A lutadora foi até o salão de entrada. Tantas mortes, tantas coisas aconteceram naquela noite e madrugada. A realização de que ela não sairia dessa casa sem ser a mesma pessoa. Sem ter as mesmas pessoas. Tudo isso acumulando dentro do peito. Uma dor no peito que ela não conseguia tirar de dentro de si.
Fato ‘engraçado’ nisso tudo é que a porta da entrada estava realmente aberta. Vi podia ver há alguns metros a Londres que passou a amar. Sua casa. Apesar de todas as pessoas que existem nela, ainda é a sua casa. Apesar do trabalho de merda, é ainda sua casa. Apesar de Joseph, ainda é sua casa.
Ekko deu um amplo sorriso e suspirou de repente aliviado. Perguntou, virando-se para Caitlyn e Vi:
- Isso é real?
Vi confirmou com a cabeça. Se Powder havia dito que ela havia conseguido, ela confiaria na irmã mais nova sem pestanejar. Ela sabia que a irmã era capaz. A lutadora murmurou:
- Sim. É real, Ekko.
Ele então deu um passo vacilante para o lado de fora. E mais um passo. E mais outro. Depois começou a girar de braços abertos, dizendo:
- HÁ! ESTAMOS LIVRES! Vamos, caralho! A primeira rodada é por minha conta no Pub mais próximo!
Vi observou o início do dia começar a se apresentar diante dos olhos.
Que sol belo.
Como senti saudades desse sol.
“Prepare suas despedidas.”
Os primeiros raios do sol estavam na linha de visão da lutadora. E era uma visão maravilhosa. Era uma visão que ela sabe que ela se acostumaria. Um dia.
Caitlyn passou por Vi, também dando alguns passos vacilantes. Quando passou pelo batente da porta de entrada, jogou a arma de lado. Pelo momento, ela queria apreciar não ter que lutar com criaturas. Queria apenas apreciar o ar londrino. De tal modo que assim que ela deu mais alguns passos para frente, encheu os pulmões, dizendo em seguida:
- É bom estar em casa.
Vi a observou.
Como ela é linda.
“Prepare suas despedidas.”
A policial virou-se para Vi e sorriu com carinho. Ainda que com a face pálida, e ainda a preocupação sobre o estado de Powder, Vi podia perceber que Caitlyn apreciava a pequena vitória de estarem de volta à Londres. Como se fosse um passo de cada vez. O primeiro havia sido dado. A policial estendeu a mão para a lutadora. Um convite.
Vi deu alguns passos, ainda sob a soleira da porta de entrada. Segurou os dedos da policial e puxou-a suavemente para si. Engoliu seco. Sentia o peito queimar. As palavras precisavam sair de dentro de si. Ela murmurou:
- É cedo demais para dizer ‘Eu te amo’?
Caitlyn parecia se iluminar e corar às palavras. Antes que a policial pronunciasse qualquer coisa, Vi aproximou centímetros do tronco da outra mulher, pegando-a suavemente pelo queixo e selando as palavras com um beijo. Não havia a paixão de horas atrás, não havia à excitação. Pois esse não era o objetivo. Ela não queria tomar nada de Caitlyn. Ela queria apenas dar. Oferecer.
Havia... o zelo.
O mesmo zelo que ela havia oferecido à Vi horas antes.
E é por isso que doía.
Pois imediatamente a esse beijo, Vi esticou-se para alcançar altura do alto da cabeça de Caitlyn e assim beijá-la na testa.
Zelo.
“Prepare suas despedidas”.
Em seguida, abraçando-a fortemente, sentindo o coração de Caitlyn bater contra o próprio, ela murmurou baixo na altura do ouvido da mulher a sua frente:
- Mas Cait... Eu não posso deixá-la. – As palavras doíam assim que saíam da garganta. – Eu... Me desculpe.
E dando alguns passos para trás, com os olhos completamente em lágrimas, viu a mulher a sua frente olhá-la com o semblante perplexo. Sem entender. Ela fazia um não com a cabeça e ameaçou voltar a caminhar para dentro da casa. Ergueu a mão para alcançar a lutadora, mas Vi já não estava em alcance. A lutadora deu um olhar para Ekko e um sorriso. Um agradecimento em silêncio. O rapaz também tinha o semblante perdido, não entendendo as ações da lutadora. Vi então pegou as duas maçanetas da porta de entrada do salão e imediatamente as fechou.
E o portal, então, foi fechado.
Notes:
Outro capítulo que eu particularmente acho grandíssimo e que quando iniciei essa fic teriam apenas 15 capítulos, sendo concluído nesse ponto. Mas obviamente, eu sou péssima de planejamento e decidi aumentar em mais um, com as consequências dos fatos do portal ser selado novamente.
De início eu não quis deixar Vi muito aberta aos próprios sentimentos sendo ela a pessoa a se declarar primeiro para Caitlyn. Mas eu sou uma romântica. E, pra mim, Vi também o é. Entre ela e Caitlyn, eu acredito que Vi é sim a mais romântica da dupla e por isso, com o prospecto de nunca mais ver alguém querido, eu acho que é claro que ela diria eu te amo para alguém que goste. Se você soubesse que nunca mais iria ver alguém, você se declaria para ela? Eu posso dizer com toda a certeza que eu sim.
Outro aspecto que eu sou apaixonada em histórias em geral é devoção de irmãos. Carinho entre familiares.
Eu tenho um irmão de praticamente 10 anos de diferença. É bem complicado ter irmãos assim por que quando você chega a uma certa idade, você quer sair com ele, você quer contar das pessoas com quem você sai, contar seus próprios segredos, ter, enfim, uma pessoa amiga. Mas meu irmão, no entanto, ele sempre me tratou como uma irmã irmã mesmo. Só me protegendo e nunca deixando algo acontecesse comigo. Mas nunca sendo efetivamente confidentes um do outro. A diferença de idade ajudou nisso.
E eu quis espelhar isso no relacionamento de Vi e Powder. Elas não são as mais buddy buddy, de puxar e ter conversas íntimas. Mas quando o assunto é uma pela outra, quando o assunto é devoção entre duas pessoas?
Esse amor é inquebrável. Como é o meu amor pelo meu irmão. E o dele por mim.
Família para mim é um conceito muito incrível. E eu gosto demais como foi tratado em Arcane. É uma força motor muito grande na série. E quis explorar aqui também.
:~
Estou falando demais. De novo.Acho que é isso. No próximo capítulo veremos a consequência do portão ser fechado. E de quem ficou para trás. :)
Chapter 16: Consequências
Summary:
O que acontece quando a porta é fechada?
Chapter Text
Coloca uma musiquinha aí: Find You – Ruelle (Descobri recentemente essa cantora. E pqp. Como estou viciada nela.)
.Caitlyn.
- Vi? – Caitlyn praticamente soprou as palavras dos seus lábios, enquanto observava a porta fechada a sua frente. Doía demais. Ela sentiu o peito se comprimir. Como se algumas daquelas criaturas tivesse aparecido de repente e lhe arrancado o coração. Mantinha o olhar praticamente fixado a sua frente. Para aquela porta dupla à sua frente. Não reagia a nada. Talvez ouviu só o respirar de Ekko atrás de si. Decerto tão confuso quanto ela. Caitlyn viu as lágrimas começarem a correr no rosto. Engoliu seco, tentando buscar algum tipo de autocontrole do coração. Da cabeça. Da alma. Ela voltou a chamar como um mantra para a porta a sua frente. – Vi?! VI! VI!
E foi como se um raio caísse sobre o seu próprio corpo a despertando de algum transe, pois imediatamente ela começou a trombar com o ombro sobre a porta. E começou a chutar com violência. Isso em meio a lágrimas caindo de seu rosto. A raiva, aos poucos, começava a subir-lhe ao pescoço. Estava quente. Quente de raiva. O que antes era palavras suaves sendo ditas em tom de pergunta passou para gritos, enquanto ainda ministrava chutes na porta à sua frente.
Ekko imediatamente correu até a policial, pegando-a pelo braço, a parando. Caitlyn então se desvencilhou das mãos do garoto e olhou a sua volta, à procura da arma. Achou o objeto quase que imediatamente, jogado ao canto, próximo a um arbusto. Abaixou-se, pegou a arma entre os dedos e disse sobre os ombros para Ekko:
- Se afaste!
- Cait, pare! – Gritou o rapaz, levando a mão à cabeça, desesperado.
Ela não escutava. Em um movimento, ela apontou o cano da arma em direção à maçaneta da porta à sua frente e atirou. A última bala que ainda permanecia presente no pente daquela arma. Em seguida, um pesado chute na porta. A policial ouvia Ekko protestar veemente pelas atitudes dela. Mas a policial não poderia ligar menos para o que ela fazia. Pois em seguida entrou na casa, olhando a sua volta. Entreabriu os lábios, sentindo-se confusa.
- VI! Vi? O que...? O... que? O que... está acontecendo?
Ekko olhou para trás de si. Procurava qualquer tipo de transeunte ou testemunha que pudesse reportar duas pessoas invadindo uma propriedade particular. Talvez para Caitlyn que era uma policial e uma membra da alta sociedade não pudesse ser algum problema. Para Ekko, no entanto, claramente era uma situação diferente. Ele era um civil. Mas ainda assim, Caitlyn percebeu que o rapaz estava motivado à ajudá-la. Pois ele veio logo atrás, tentando assimilar o salão daquela casa novamente. O local à sua frente.
E para a surpresa de ambos... não havia mais nada.
Os corpos das pessoas mutiladas, não estavam sobre o chão. Sem visceras. Sem o gore que antes havia no local.
Não havia mais o corpo de nenhuma daquelas criaturas. Carniçais.
O sangue que banhava o chão do local havia dado lugar ao piso completamente encerado. Um chão completamente e impecavelmente limpo. As peças expostas envolta do salão. Não havia mais as mesas ou quitutes. Nada.
Não havia mais o corpo de Bedwols nas escadarias, desfigurado.
Não havia sinal ou qualquer detalhe fora do local. A arquitetura completamente intocada.
Onde... Onde estão todos?
Caitlyn não sabe quanto tempo ficou ali, sob o lustre da entrada principal, observando a escadaria para o segundo andar. Ela não sabe quanto tempo permaneceu parada, tentando controlar o seu coração. Ele batia forte dentro do peito. Ela tremia. Era como se tivessem martelado várias vezes e não sobrasse nada. Ela não tinha mais nada.
Foi tudo um sonho?
Não. Ela não está louca.
Vi não foi um sonho. Nada disso foi um sonho.
- Cait... A gente está invadindo. – Ekko tentou conversar. Pegou-lhe pelo braço tentando ajudá-la a tirá-la dali. – Seja lá o que aconteceu com esse lugar... A gente nesse momento está cometendo um crime. Precisamos sair daqui o quanto antes. Isso está muito estranho. Eu realmente não quero ter saído desse local e parar na cadeia em seguida, sabe?
Ela novamente esquivou-se do braço do rapaz e foi caminhando em direção ao corredor da esquerda. Refazendo o mesmo percurso que fez com o rapaz horas atrás.
Ela estava cansada.
Ela estava derrotada.
O corpo estava solicitando um banho, uma boa noite de sono. Nesse tempo todo ela não pode fechar os olhos uma sequer vez. Quando a lutadora estava ferida, ela não pode descansar uma vez sequer. E o corpo pendia. As pálpebras totalmente cansadas. E ela sentia agora o corpo pedir por paz. Pedir pelo descanso. O corpo queria apenas se fechar em um casulo e descansar.
Mas não.
Ainda não.
A sala de conveniência era o foco da policial. Ela tocou na maçaneta e simplesmente girou-a com cuidado. Como se sua mente não quisesse fazer isso. Pois a mente não queria sentir uma nova decepção. A mente não queria lidar com aquela realidade. Mas a realidade estava ali, se apresentando à ela: Pois ao abrir a porta do cômodo ela percebeu. Ela percebeu que seja lá o que havia acontecido. Seja lá o que havia feito Vi ao fechar aquela porta...
Não havia mais os alimentos e móveis jogados no canto.
Não havia as gazes e toalhas manchadas por Vi ou por Powder.
Não havia mais o quarto branco: na realidade, nesse cômodo, não havia nenhum quarto conjugado. E para ser sincera, pela arquitetura agora do local, Caitlyn acreditava que nunca havia existido em primeiro lugar.
Não havia mais Powder.
Não havia mais Vi.
Caitlyn permaneceu com os dedos presos na maçaneta em silêncio. Talvez o único som fosse os soluços em meio às lágrimas que teimavam a cair no rosto da policial. Ekko permanecia ao lado dela, observando o local. Por fim, ele murmurou:
- Que merda que aconteceu? - O rapaz falou e em seguida tocou no ombro da policial. - Cait... Seja lá o que aconteceu... Elas... Elas se foram. – O tom de voz que Caitlyn ouviu na voz dele também era pesaroso. Pois ele sentia também a falta da presença das irmãs. – Por favor, só vamos embora. Eu... Eu sinceramente não quero ficar mais aqui. Não depois de tudo que eu vi. Não temos mais nada aqui. Nada.
Levando o braço ao rosto, ela limpou-o, desajeitadamente. Fungava, sentindo o reflexo do soluço. Em seguida, soltou-se da maçaneta: como se fosse um lembrete que era a hora de largar a mão.
-
A questão é: Caitlyn não sabia desistir. Ou pelo menos ela lutava para que não desistisse daquele sentimento.
"É cedo demais para dizer eu te amo?"
O dia passou extremamente lento e angustiante. Ela queria gritar à plenos ouvidos para as pessoas sobre o que aconteceu. Mas ela se sentia impedida pelo momento. Na primeira hora da manhã, ela passou no precinto policial. Era o início de uma segunda feira e a policial avisou para Grayson que estava doente. E que precisaria tomar um dia para descansar. Que a cerimônia que ocorreu no dia anterior não tinha sido boa para seu estômago.
Talvez não só para seu estômago.
Para a sua própria sanidade.
Para ser recebida por Grayson, ela não precisou de muito. De se enfeitar o bastante para se apresentar.
Os poucos ferimentos puderam ser facilmente escondidos. Assim como as olheiras no rosto. Tudo isso com uma bela quantidade de maquiagem. Isso era fácil maquiar, pelo menos.
Outras dores e feridas, no entanto, não pareciam tão fáceis assim...
Quando ela saiu de casa cedo, é claro que seus pais perguntaram de como havia sido o encontro com o Doutor Smith na noite anterior. Como havia sido a cerimônia que o Doutor havia realizado. Se ele havia apresentado peças belas vindas de Constantinopla. Havia expectativa nos olhos da mãe. A matriarca mantinha sempre reafirmando que a Prefeitura estava investindo bastante no museu e gostaria de ter informes detalhados do que Caitlyn tenha visto ou tocado. E se ela teve acesso e conversou com o Doutor Smith alguma vez na noite. A policial permaneceu o mais vaga possível. Ela não iniciaria uma conversa dizendo que havia sido transplantada para um plano cósmico estranho. E que encontrou criaturas que eles descobriram ser carniçais e que o Doutor Smith na realidade tinha uma duplicata do mal. Aliás, risque isso. Ele não tinha uma duplicata. Aparentemente alguém havia usado uma máscara com a face do Doutor Smith e estava se fazendo passar por ele. Ah! E que o homem simplesmente assassinou uma parcela dos convidados naquela noite.
Não. Isso seria loucura.
Ela preferiu omitir qualquer opinião pelo momento.
De qualquer forma, o dia havia sido o mais arrastado possível.
"É cedo demais para dizer eu te amo?"
Jayce e Viktor também a abordaram neste meio tempo, enquanto ela falava com Grayson, para tratar sobre o caso do Hotel. Caitlyn não queria reviver mais aquilo. Não pelo momento.
Então ela simplesmente se desculpou ao melhor amigo e ao seu companheiro. Disse simplesmente que não estava se sentindo bem e que optaria por ficar em casa durante o dia. Jayce, sendo o bom amigo que era e praticamente seu irmão de consideração, tentou assuntar melhor sobre as motivações pela qual ela havia ficado tão apática. O que exatamente aconteceu no evento para que a deixasse tão mal.
Caitlyn se sentia mal.
Ela odiava esconder as coisas dele.
Ela odiava tudo que estava sentindo, na realidade.
Mas ela simplesmente não conseguia se permitir explodir em palavras tudo aquilo que ela vivenciou.
Então, mantendo tudo aquilo dentro do peito, ela partiu dali. Partiu do precinto policial.
Durante aquele dia, ela permaneceu escondida no quarto.
Dormir, contudo, parecia também incomodo. De modo que logo no início da tarde ela desistiu de fechar os olhos e ter pesadelos. Diferentemente, ela se pôs a ir até a biblioteca. Ela queria fazer qualquer coisa do que ficar parada.
E não é que Caitlyn não visitasse com frequência a biblioteca da cidade. Não, para os casos e pesquisas sobre quaisquer assuntos que se possa imaginar, a policial tinha bastante carinho pelo local. Estava situado perto de sua casa, podia ir andando. Se perder no meio daqueles livros. Era como se fosse uma terceira casa, sendo a segunda o precinto policial onde trabalhava.
No entanto, a bibliotecária nunca poderia imaginar que a comportada, a membra da alta sociedade Caitlyn Kiramman estaria, de repente, interessada em livros de ocultismo. Ou mesmo lendas estranhas. Informações sobre Constantinopla ou criaturas míticas. Livros que para muitos apenas os loucos se interessariam. Ou que apenas acadêmicos loucos buscariam pesquisar.
Por um primeiro momento, Caitlyn se sentiu tola em continuar a buscar informações sobre isso. Primeiro pelo fato que ninguém no precinto policial iria acreditar nela. No que ela vivenciou. Em segundo, pois parecia que ela apenas continuava a se martirizar sobre o que poderia ter sido feito nos eventos da noite anterior.
Ela pensava que ela deveria ter sido mais insistente com Powder. Deveria ter exigido entender o que aquele ritual pedia.
Que, na realidade, ela não deveria ter deixado Powder naquele quarto branco ou fazer o ritual em primeiro lugar. Que seja, que ela tivesse feito o ritual. E não a menina.
Que ela deveria ter sido completamente aberta com Vi. Que ela deveria ter se declarado também.
Que ela nunca deveria ter deixado nenhuma delas ter ido para aquele evento.
Que ela deveria ter prendido Doutor Smith ou tomado alguma atitude no mesmo dia. Antes do evento.
Ela apenas... Apenas queria uma nova oportunidade.
Eram muitos “e se...” que angustiava Caitlyn.
Ela não sabe por quantas horas ficou folheando e lendo vários e vários tomos de livros. Ela estava abatida e o cansaço voltava vez ou outra ao seu corpo.
Há quantas horas foi a última vez que dormi?
Tudo está tão... cansado.
E parecia que quanto mais ela lia aqueles documentos entre os dedos, menos tudo fazia sentido.
Dentro de si, ela queimava. Queimava de raiva. Lembrava-se da porta fechada.
Do rosto dela.
"Me desculpe"
ORDEM.
ORDEM.
ORDEM.
Onde está a maldita ORDEM dessas coisas?
Para onde elas foram?
Quando foi que a palavra que Caitlyn mais amava se tornou tão distante de dentro do seu peito?
Ela sentiu novamente os olhos marejar e instintivamente se privou disso ao levar o braço ao rosto, escondendo-o de qualquer olhar curioso. Ela estava cansada de chorar. De ficar triste. Dentro dela se inflava de raiva. Raiva de não ter feito mais. De não ser mais.
Fechando o livro a sua frente, ela desistiu da leitura e fez algo que ela havia se prometido não o fazer: ir atrás à casa da família Wick.
Já era noite e assim que ela chegou a frente à casa da dupla de irmãs, ela imediatamente se arrependeu. Parecia que o estômago estava sendo revirado. Que se ela colocasse qualquer coisa na barriga, ela vomitaria ali mesmo. Por sorte, no dia ela não se alimentou tanto para que o embrulho fosse maior. Pelo menos um ponto positivo.
De qualquer forma, a policial não sabe ao certo quanto tempo ficou ali, em pé, esperando algum tipo de direcionamento de Deus ou qualquer entidade. Ela só queria um sinal, na realidade. Ela só queria que alguém tocasse em seu ombro e indicasse que rumo ela deveria tomar daqui para a frente. Ela estava ali, em frente àquela casa. Sem saber se deveria sequer entrar. Se era permitido tentar correr atrás. A porta havia sido fechada, não?! Ela não sabia se estar ali era a atitude certa a ser tomada.
Ela ouviu um sussurro. Um sussuro em seu ouvido na voz de Ekko novamente voltando para ela. O sussurro baixo, agourento, dizendo: “Elas se foram, Cait”. Mas Caitlyn não se permitia a acreditar nisso. Ela não queria acreditar nisso. Tanto o é que então dando passos à frente da porta das duas irmãs, Caitlyn olhou sobre o ombro, avaliando se havia pessoas que poderiam de alguma maneira denunciá-la. Afinal, ela estava pela segunda – terceira? – vez invadindo uma propriedade privada. E ela não poderia se importar menos com isso.
Não encontrando qualquer viva alma naquela noite, a policial puxou do próprio bolso da calça que vestia uma lima e uma pinça. Abaixando-se o suficiente para ficar na altura da fechadura do local, ela começou a trabalhar.
Ela se odiava por fazer isso.
Grayson a odiaria se soubesse que ela está fazendo isso em primeiro lugar.
Mas depois de quase dois longos dias sem sono, Caitlyn definitivamente não estava raciocinando direito. Ela permaneceu por dois longos minutos tentando ministrar um lockpick naquela fechadura. Ao ouvir um ‘click’ na fechadura da porta, então, ela agradeceu aos céus por pelo menos uma coisa der certo nesse dia. Pois a lista de coisas ruins estava acumuladíssima. E ela estava cansada de tomar pedrada da vida.
Abrindo a porta e imediatamente fechando-a após adentrar na casa, Caitlyn assimilou o local que estivera há dois dias.
A primeira coisa que ela sentiu foi o cheiro do ambiente. Havia um cheiro que ela imaginava ser de amaciante. Sabão.
É estranho dizer que ele ainda emana uma energia da presença das duas?
A policial olhou à volta. Tudo completamente intocado.
O coração voltou de repente bater forte novamente. Ela levou quase que instintivamente a mão ao peito tentando controlá-lo. Engoliu seco.
Ela andou até a pia da cozinha. Os ladrilhos simples. Tudo simples, mas não por isso menos belo. A chaleira que Vi havia usado para preparar-lhe o chá há alguns dias ainda estava ali, sob o balcão da cozinha.
Caitlyn se perdeu no objeto por segundos. Talvez por minutos. Dedilhou a alça dele e sorriu com carinho. Parecia que fazia tanto tempo.
Após longos minutos observando os talheres, passando os dedos pelo balcão do local, tentando de alguma maneira se agarrar a elas duas. Se agarrar à vida que as outras duas viviam. Caitlyn agora se sente pequena. Pois queria ter tido mais tempo. Ela se arrepende de não ter perguntado mais sobre os hobbies de Vi, sobre o que elas faziam no tempo livre. Perguntar mais sobre a família de Vi, quem foram as pessoas que lhes ensinou a ser como ela era é. Talvez saber se ela morava em outro local que não este aqui, pois pelo que ela viu, a casa era de um único cômodo. E pelo lençol jogado no sofá, Caitlyn imaginava que a lutadora estava dormindo no móvel.
Coisas simples também passaram pela cabeça da policial: qual era o prato preferido de Vi. O que ela amava como bebida? Se ela já teve algum tipo de porre? Se ela aprecia bebidas alcóolicas? Se ela havia outros parentes. Se eles ainda estavam presentes. Quem eram as pessoas que ela mais confia? Seus melhores amigos? Se ela tem algum Jayce ou Viktor em sua vida? Qual sabor de sorvete ela gostava. Se... Se... ela já amou outra pessoa antes.
Ela havia dito que me amava.
Então por quê?
Por que fechar a porta?
Ela continuou a caminhar. Passou pelo corredor observando algumas fotos. Pessoas que Caitlyn nunca as viu antes. Ela só reconhecia o rosto e o sorriso das duas irmãs: de Vi ou Powder. A policial se permitiu sorrir ao ver o reflexo das duas nas molduras da parede.
E as lágrimas novamente formarem nos próprios olhos.
E a raiva subir no peito.
Então por quê?
Por que fechar a porta?
"É cedo demais para dizer eu te amo?"
Abrindo a porta daquele quarto único, Caitlyn foi até a cama.
Novamente: tudo parecia intocado. Como se tivessem retirado uma fotografia no tempo. E tudo permanecesse parado como na fotografia. Isso deixava a policial enervada. A incomodava ainda mais saber que talvez, apenas talvez, ninguém mais dê por falta das duas mulheres. Que se elas duas não tinham familiares a mais para as procurar, elas seriam esquecidas. Completamente esquecidas.
Mas eu sinto.
Eu não esqueci.
E, Vi... Eu sinto sua falta.
Ela sentou-se, por fim, na beirada da cama. Viu, espalhadas pela cama roupas que ela julgava ser de Powder. Uma calça com a barra até os joelhos, xadrez. Ao lado uma blusa de linho em um tom creme. Logo a frente, havia uma cadeira. Uma cadeira próxima a uma escrivaninha. Lá, na cadeira, havia algumas roupas também. Bem dobradas, mas dispostas de canto. Caitlyn não precisava pensar mais que dois segundos para se levantar e se aproximar das vestimentas. Ela sabia à quem elas pertenciam. Pareciam e tinham a cara dela. Só dela.
Ela puxou a blusa de linho entre os dedos. Apertou firmemente o tecido entre as mãos. Encolheu os ombros e levou a roupa até o rosto. Absorvendo silenciosamente o cheiro dela.
Em todos os próximos dias, ela aguentaria.
Em todos os próximos dias, ela não choraria.
Mas naquele dia. Naquela hora, com aquela roupa entre os dedos e o cheiro da lutadora no tecido... ela se permitiu.
Ela se permitiu chorar.
"É cedo demais para dizer eu te amo?"
-
Aos poucos, a dor cessou.
Aos poucos, ela parou de sentir-se mal.
E assim... os dias no precinto policial se passaram.
Eventualmente, e para a profunda tristeza de Caitlyn, os corpos – à exceção de Chuck – foram declarados como indigentes e enterrados em covas sem marcação. Londrinos nunca foram gentis com estrangeiros. Infelizmente. A família de Chuck, por sorte, obteve alguma reparação por parte da prefeitura em relação à morte e aos ataques ao antiquário. Ninguém se importou em dar parte dessa reparação para a outra menina dessa sociedade: Powder Wick. Se a menina não reclamasse o dinheiro, não haveria por que a prefeitura lhe pagar qualquer coisa. E com Powder sumida, ninguém correria atrás para reclamar o dinheiro.
Outro ponto interessante ao caso foi que nunca conseguiriam ligar a relação entre Doutor Smith e a figura de Chuck assim como aos outros dois homens mortos no quarto 76. Para a surpresa de alguns, Doutor Smith era e estava sendo dado como fugitivo. Por que? Até o presente momento, Grayson não havia pinado o envolvimento do Doutor na morte de Chuck e dos outros dois homens, então em relação às acusações, só cabia a ele o fato que o homem nunca mais foi encontrado depois da festa que ofereceu à nata da cidade. “Ele foi apenas um homem covarde que fez e desfez na cidade, usou os recursos da cidade e agora tinha fugido sem rumo”, essas foram as palavras de Grayson.
Na semana seguinte essa foi uma das maiores notícias entre os tabloides: Membro prestigiado de Museu enlouquece e desaparece sem deixar rastros.
As pessoas estranhavam e se perguntavam como o homem simplesmente sumiu sem deixar rastros e deixando absolutamente tudo que conquistou para trás. Caitlyn sabia. Mas não fez questão de entrar detalhes.
Obviamente ela foi questionada durante a semana sobre como ele se portou na festa, se ele parecia apreensivo... toda a sua linguagem corporal no evento que ela havia ido. Mas obviamente Caitlyn tentou permanecer o mais vaga possível em sua descrição. Evitando dar detalhes daquela fatídica noite.
Ela sabia: Querer ser trancafiada como louca? Sem nenhuma alma para me apoiar? Não, obrigada. Isso não estava nos meus planos.
Ela não sabia se podia confiar em Ekko para apoiá-la em testemunho. Então, por hora, ela preferiu ficar calada.
Durante a próxima semana, também, houve bastante burburinho sobre o desaparecimento de algumas das pessoas da alta sociedade. Famílias começaram a reportar que maridos, mulheres e filhos se perderam.
Caitlyn sabia do destino delas. É claro. Não era preciso imaginar.
Mas o que ela achou particularmente mais ‘engraçado’ – de um modo doentio, ela sabe – foi um dos tabloides sensacionalistas de Londres falar que Doutor Smith havia criado um culto secreto com essas figuras da alta sociedade e haviam rumado em direção à Constantinopla para saquear e entoar cânticos às entidades cósmicas.
Se eles tirarem a parte das mortes dos pobres coitados, eles até que acertaram bastante coisa...
As coisas funcionam assim, Caitlyn descobriu: conforme se passa os dias, as pessoas tendem a esquecer das coisas. E a pararem de se importar. Talvez ela sendo uma dessas pessoas. As pessoas, por bem ou por mal, se adaptam.
Então, de repente, ninguém mais se lembrava dos figurões que foram mortos. Ninguém se importava com as famílias das pessoas que haviam abandonado. Ninguém se importava com o antiquarista que foi morto. Ninguém se importava com o Doutor maluco.
E ninguém, absolutamente ninguém se importava com as duas.
Ou Caitlyn pelo menos esperava que fosse assim.
Mas ainda assim...
Doía.
Doía por que...
Porque ela se importava.
-
- Senhores, serei o garçom para essa noite. – Um homem extremamente bem alinhado se aproximou da mesa e com um sorriso quase plástico, encarou o trio. Curvou o corpo em reverência, entregando aos três um menu. Em seguida perguntou. – No que posso ser útil?
Jayce normalmente era aquele que pedia pelos três. Sempre tão deslocado e solícito. O sorriso atraia olhares para si. O legista parecia ter saído de comercial de jornal ou Billboard. Ele olhou para Caitlyn e para Viktor. O trio que era sempre inseparável. O homem sorriu para os amigos de trabalho e em seguida para o menu. Disse em seguida:
- Qual prato que o chef nos recomenda nessa noite, meu nobre homem?
- Ah, meu senhor... Hoje temos lebre assada. A carne está extremamente tenra e o chef conseguiu algumas belas peças. Os animais foram abatidos logo cedo. Então mais fresco não encontrará. E há o ensopado de pato também. Que como sabem é a especialidade do local. Quem escolhe o ensopado nunca erra.
Viktor mantinha o olhar em Caitlyn. A policial olhou-o de lado e sorriu. Ele tocou-lhe no ombro e disse:
- Você está bem? Qual dos dois pratos te parece mais agradável?
- É Cait... Eu sei que a última semana tem sido absurda. Mas estamos aqui. Entre amigos e talvez... esquecer do trabalho seja bom. – Jayce complementou com um sorriso. O rapaz tentava confortar a policial.
E ela apreciava o gesto. De tal modo que se virou para o garçom e disse:
- Por favor, o pato. Eu prefiro o ensopado de pato.
- Excelente, senhorita. E os senhores? – Virou para os dois rapazes.
Viktor encarou Jayce e com um sorriso, falou para o garçom:
- Eu adoraria provar a carne de lebre.
- Faça dois. – Disse imediatamente Jayce, encarando o companheiro.
- Ai meu Deus, por que eu sempre me martirizo vendo vocês dois, hein? - Disse Caitlyn fingindo enjoo com os trejeitos do casal de amigos.
Assim que o garçom se afastou, Jayce se pôs a rir, levando a mão até a altura do joelho de Viktor, dando-lhe alguns tapinhas. Virando-se para Caitlyn, ele disse com um sorriso nos lábios:
- Você nos ama. E ah! Como você mesmo disse... As suas sextas feiras envolveriam longos e cansativos jantares com sua mãe e com os compatriotas do partido dela. Entre eles e a gente, não é fácil escolher, Cait? Eu preferiria nós em milhões de anos. Eu tenho certeza que você também prefere.
Caitlyn suspirou, rodando os olhos, tentando aparentar afetada por aquilo. Em seguida riu, dizendo:
- Olha... Devo admitir que é bom sair de casa. Sinceramente, meus pais vão qualquer dia desses me enlouquecer. E sim. Vocês são as melhores pessoas que podia pedir no momento. Estar com vocês... me faz bem.
- Mas é claro... Porque somos as únicas pessoas, Cait. Na sua vida, sabe?! – O legista disse com um sorriso provocativo e ela fechou a expressão. Não conseguia ficar com raiva dele, pois imediatamente relaxou o rosto com um suspiro. Ele continuou a dizer. - Você definitivamente precisa sair mais e - Ele olhou-a firmemente. - Quem sabe, namorar, sabe? ... Encontrar alguém. Talvez achar alguém como Viktor é para mim.
- Argh, por favor, não. Não me diga que você me convidou para falar sobre minha vida amorosa, né?!
- Não, vim falar sobre você estar a semana inteira depois daquele jantar no Doutor maluco Smith com essa cara de quem passaram um tanque de guerra sobre. Te conheço o tempo suficiente para saber que você está acumulando coisas nessa sua cabeça linda. E... – Ele sorriu carinhosamente. – Te convidei por que eu me preocupo com você.
- Jayce... – Ela o olhou. Não queria tratar do assunto. Ela só queria esquecer. Esquecer sobre isso.
"É cedo demais para dizer eu te amo?"
- Jayce, querido. – Então o salvador aparece. Caitlyn podia beijar Viktor no momento pela gentileza. Pois ele colocou imediatamente a mão no ombro do companheiro e disse. – Cait precisa do nosso apoio. Não de alguém bombardeando-a. Se ela sentir necessidade, ela nos procura. Ok? – E em seguida virou para Caitlyn, oferecendo um sorriso que havia um misto de pedido de desculpas e conforto. – Cait... Estamos apenas preocupados com você. É só isso. Mas você sabe... estamos aqui. Para o que precisar, realmente. Qualquer coisa.
- Mesmo sendo as únicas pessoas que estão aqui, só para constar. – Disse Jayce, num tom que Caitlyn sabia que era apenas de provocação. Ele depois sorriu com carinho para a melhor amiga.
- Argh... Talvez eu precise realmente mesmo sair. Pois esqueci que tenho um novo casal de pais como amigos. Que só sabem me convidar para beber e dar conselhos. Como duas velhas – A policial disse olhando os dois amigos.
Os três se puseram a rir.
E ela pode simplesmente relaxar naquele momento.
Parecia que tinha passado um mês de quando ela tinha se encontrado com Jayce e Viktor para apenas falar bobagens e se divertir. E tudo isso fazia bem para o coração de Caitlyn. Realmente bem.
E sim: ambos os pratos estavam realmente deliciosos.
E Caitlyn realmente se sentia feliz por ter tomado a decisão de sair naquela noite.
E a hora passou tão rápido que ela não percebeu o quanto tempo ficou ali, falando amenidades com os amigos.
Já havia passado das 8 da noite, a noite avançava enquanto os três comiam e bebiam. Uma garrafa de vinho foi traga para comemorar qualquer besteira que eles inventassem na hora. O bistrô era confortável, havia conversas à volta da mesa.
E de repente uma sineta na porta da entrada. Indicando um novo cliente.
Passos suaves.
Caitlyn virou-se imediatamente para contemplar a figura que havia entrado. Arregalou os olhos ao perceber que já a viu anteriormente. Ela não tinha como esquecer daquela pessoa, na realidade. A surpresa estava em saber que Caitlyn não havia sido a única das sobreviventes junto à Ekko. Não. Ela havia descoberto com aqueles passos suaves que outra pessoa também havia vencido aquela loucura. Outra pessoa também como ela havia saído da casa do Doutor Smith.
Mel Medarda.
E aparentemente a surpresa não foi uma via de mão dupla, pois assim que Mel viu que Caitlyn estava ali, a mulher engoliu seco e buscou imediatamente uma mesa – reforça-se no ‘bem’ - afastada do trio. Antes mesmo que Caitlyn pudesse processar o “por onde diabos a mulher esteve essa semana inteira?”, Viktor virou-se para os outros dois:
- É impressão minha ou aquela é Mel Medarda? A...Ela não é...?
- Sim. – Disse sucintamente Caitlyn, praticamente o cortando. – É ela sim.
- Souberam? – Jayce disse, abaixando o tom de voz como se confessasse algo para os outros dois. – Eu soube que após o escândalo do Doutor Smith, ela simplesmente se afastou do cargo no Museu. Se encontra meio que em descrédito.
- Por que você não me disse isso antes? - Perguntou Caitlyn. Cerrou os olhos. - Por que não me disse que ela estava... não sei. Er...
- Por que você tem curiosidade na Mel Medarda? – Jayce questionou, olhando envolta. Voltou a baixar o tom de voz. – Lembre-se que foi você que disse durante a semana inteira que não queria mais lidar com informações sobre o caso do Smith. E pediu especificamente para não ter que lidar mais sobre isso. Isso e sem contar que você virou testemunha, Cait. – Ele suspirou, massageando a têmpora. – Além do mais, você nunca ligou quanto as notícias de tabloides e sobre a alta sociedade. Mel Medarda meio que se encaixa em todos os detalhes acima.
- Uhnn... – Caitlyn disse em tom de entojo. – Ai Jayce, as vezes você começa a falar e me dá uma dor de cabeça.
- É o meu charme. - Disse o legista, orgulhoso de ter talvez ganhado o argumento. Um feito que normalmente quem perdia era ele.
- É o charme dele. – Disse Viktor, com um sorriso.
Caitlyn sorriu para si, fazendo um movimento como se negasse com a cabeça aos trejeitos dos dois. Em seguida olhou para a mesa para onde Mel Medarda havia ido. Fechando os próprios punhos, olhou para os dois homens e disse:
- Vocês ficarão bem?
Jayce e Viktor se entreolharam e em seguida entenderam o que a mulher se referia. Ambos olharam para a mesa de Mel. Jayce, no entanto, a questionou:
- ‘Você’ vai ficar?
Caitlyn confirmou com a cabeça e imediatamente se levantou, deixando o lenço na mesa a sua frente e indo em direção à mesa de Mel. Antes que ela procurasse de alguma maneira protestar ou que o garçom fizesse alguma menção em pará-la, a policial simplesmente puxou a cadeira que estava à frente de Mel e sentou-se.
O garçom imediatamente veio em direção ao local, já na iminência de falar com Caitlyn para retirá-la dali. Para impedir de ficar ali. No entanto, talvez para a surpresa da policial, Mel o encarou, fez um meneio com a mão e em seguida com a cabeça. Como se atestasse pelos próprios atos que a policial poderia permanecer ali. Pelo menos, por hora.
O olhar de desconforto era claro. A arqueóloga definitivamente não queria estar ali com Caitlyn. Se desse a oportunidade, teria saído na primeira oportunidade. Mas, novamente e para a surpresa de Caitlyn, a outra mulher apenas disse:
- Olá Senhorita Kiramman. Satisfação vê-la tão bem. E com seus amigos. - Olhou para a mesa do casal de amigos. Sorriu com carinho para eles.
Caitlyn não sabia o que sentir pela mulher a sua frente. Por um lado, ela queria chamá-la de covarde devido a última vez que se viram. Mas em seguida sentiu-se mal por pensar isso da arqueóloga. Ela não tinha culpa dos atos. E para ser sincera, a policial não a julgava por ter fugido na oportunidade devida. Talvez... Talvez em outra ocasião Caitlyn também teria fugido. Daquela loucura. Daquelas criaturas. Afinal, até hoje Caitlyn não sabia como conseguiu sair viva diante de criaturas mágicas e homens que realizavam encantamento com os dedos. Bom, de todo modo... Ainda assim vê-la dessa maneira... bem... Isso incomodava Caitlyn. De tal maneira que as próximas palavras soaram mais ríspidas do que pensava:
- Eu poderia dizer o mesmo, Senhorita Medarda. Aliás... é surpresa ver que está viva e bem. Esperava pelo menos um cartão de visita para avisar que chegou em casa bem depois da festa do Doutor Smith.
Se Mel sentia a aspereza nas palavras de Caitlyn, ela não demonstrava. Mantinha-se com o semblante sério. Sério demais, Caitlyn imaginava. Por fim a mulher de ébano abaixou o rosto e murmurou:
- Eu não sabia o que fazer e você sabe disso.
- Então... Por que não me procurou? – Perguntou então Caitlyn. Olhava firme a outra mulher. Ela não queria cobrar nada de Mel. Mas a ferida havia sido aberta. E ela não queria deixar de lado.
- Depois que saí do quarto, fui para um canto completamente em prantos. Esperando talvez alguma daquelas criaturas me pegar. Ou aquele Doutor Smith. Não sei. Eu apenas... queria mais tempo antes de morrer. Não sei. Mas então... eu vi uma luz. E em seguida a porta do salão estava aberta. Eu não... – Ela parecia vacilar a voz. Caitlyn se sentia culpada por trazer isso à tona novamente. -... de repente Londres estava a minha frente. A minha cidade. A minha vida estava ali à minha frente. O único local que eu me sentia segura. Parecia um sonho, Caitlyn. E... Eu só queria fugir dali. Então... Eu sai. E... Não olhei para trás.
- Mais alguém saiu? Você sabe de mais alguém ter saído?
Mel então nega com a cabeça. Continua olhando o prato à sua frente. Ela então leva a mão até a boca, tentando controlar um arrepio e tremor que começa a aparecer nas suas feições. Toda a bravata prévia e a compostura aos poucos ruindo diante da policial. Caitlyn se segura em ir até ela e abraçar-lhe.
A policial não sabe quando durante essa semana se tornou tão entorpecida por tudo que ocorreu. De tal modo que parecia que parou de se importar com as pessoas. De tal modo que ela conteve o impulso de ir até a mulher de ébano. Permaneceu ali, naquela cadeira, sem reação.
- Eu fui até a casa dela, Caitlyn. – Mel então disse depois do que parecia ser minutos em silêncio entre elas. – E eu pensei que estava louca. Pois estava tudo como era antes. Pensei: elas estão bem. Elas devem ter saído que nem eu. Então fui mais uma vez. E mais uma. – Ela abaixou o rosto passando os dedos no rosto. – E elas estão naquela listagem não? Das pessoas que eles acham que desapareceram junto com o Doutor Smith? Caitlyn... O que aconteceu com elas? Elas... Elas estão mort..? - Ela não conseguiu terminar a frase.
Então Caitlyn teve uma realização no seu peito. Uma incomoda realidade: Mel Medarda não estava bem.
Havia...
Ah... Havia...
Culpa.
- Eu não sei. – Disse sinceramente Caitlyn. Pois nem ela mesmo sabia responder essa pergunta. – Só saímos eu e Ekko. – Ela mordeu a parte interna da bochecha e olhou para um ponto qualquer que não fosse em Mel ou na mesa a sua frente. – Você deveria ter me procurado. Eu... Eu não sei, eu talvez pudesse... Talvez pudessemos...
Lidar com isso juntas.
"É cedo demais para dizer eu te amo?"
- Eu só quero apagar isso da minha cabeça, Caitlyn. – Mel disse enfim. Ela limpou os olhos, dizendo com a voz embargada. – Eu só quero ter minha vida de volta. Me arrancaram a vida. Sai ilesa dali, mas meu coração foi arrancado. Pois toda vez que eu fecho os olhos eu lembro que fui eu que coloquei aquelas duas meninas naquela casa. E... – Ela levou ambas as mãos ao rosto, tentando controlar a voz. – Meu Deus, eu as abandonei. Eu abandonei todos vocês...
Culpa.
Caitlyn queria dizer que não havia parte dentro de si que não culpava Mel Medarda. Pois havia. Ela culpava a mulher. Caitlyn desejava que Vi e Powder nunca tivessem a conhecido em primeiro lugar. Talvez... No entanto e ainda assim, vê-la desse estado... a deixava constrangida. Pois ela não desejaria esse sentimento a ninguém. À absolutamente ninguém. Com a culpa corroendo o peito. Então, motivada por esse sentimento, a policial novamente se levantou da mesa, aproximou-se ao lado de Mel, tocou-lhe no ombro e disse:
- Não irei mais te perturbar. Eu espero de verdade que você encontre paz. E capacidade de seguir em frente.
- Caitlyn... Eu... – A voz da outra ainda embargada.
- ...Pois nós duas precisamos. Nós duas precisamos aprender a seguir em frente.
***
.Jinx.
Jinx podia sentir lágrimas caírem dos olhos. Olhava para aquela parede a sua frente, para as duas mãos que permaneciam presas ao local. Uma força sobrenatural que a forçava a permanecer ali pela eternidade talvez. Ela estava cansada. Ela queria dormir. Mas até isso essa força cobrava que ela permanece de olhos plenamente abertos.
Eu estou sozinha.
Eu fui abandonada.
Não há mais ninguém.
Quando eu perdi tudo?
Era uma avalanche de sentimentos.
Então apareciam mais lágrimas. Nada parecia fazer sentido. Por quanto tempo ficaria ali, sangrando pelos pulsos vendo a vida se esvair?
Era isso que ele queria para ela?
- Não me deixe só... - E começou a chorar.
No dia seguinte ao desastroso jantar no restaurante, Chuck havia convidado Jinx para se encontrarem no local que haveria de ficar o antiquário que eles haviam hipotecado. Chuck entrou no empreendimento primeiro. Ele, então girou envolta de si ao chegar ao meio do cômodo. Sorriu e disse para Jinx:
- É ou não é o local mais incrível que poderíamos escolher? Vamos ficar ricos, Powder! A Localização! Sabe... já ouvi algumas pessoas dizendo que querem trazer seus objetos para avaliarmos. Estou te dizendo... vai ser incrível! Vamos ser ricos!
- Chuck... – Jinx acariciava a própria trança. Buscava coragem nas palavras à seguir. – Eu não estou certa sobre isso... Veja... Em todo esse tempo... Eu nunca fiquei longe da minha irmã. Ela sempre foi meu porto seguro. E de repente eu tenho... Ela não é um descarte, entende? Ela é... Eu não quero perd...
- Não não não! – Chuck parou e foi até a menina, segurando-lhe as mãos, olhando-a firme. – Você não vai fazer isso comigo, por favor. – Jinx tentou emendar o argumento anterior, mas ele continuou. – Escuta... Se fizermos dinheiro rápido não vai haver o que se preocupar. Você logo vai estar de volta com sua irmã. Eu sei que ela tem a melhor das intenções, Powder. Mas ela é... – Ele abaixa o tom de voz. - Ela mexe com um pessoal estranho. Isso chamaria atenção indevida. Infelizmente isso pega mal para gente. Para empréstimos, e o que seja. Para a nossa reputação. Como eu disse, eu sei que ela é sua família. E veja... Apenas me escute: É só por pouco tempo...
- Chuck... – A menina olhou para o chão. – Eu não sei se vou conseguir sobreviver sem minha irmã.
Ele levantou então o rosto da menina e disse:
- Apenas por pouco tempo. E eu prometo que depois disso... Ninguém vai te impedir de voltar a ela.
- E se for tarde demais?
- Ah, Powder. Qualé. Eu conheço Vi. Ou pelo menos conheço o que você fala dela. E nunca será. Nunca será tarde demais para ela.
Mas foi.
No final, foi.
Porque ela foi embora.
Ela realmente foi embora.
Ela realmente...
E em seguida ela sentiu uma mão tocar-lhe na altura do ombro. Estava tão afogada em sentimentos destrutivos que ela não viu alguém se aproximar. Ou mesmo colocar os dedos sobre o seu ombro.
O toque... era familiar.
Ela conhecia aquela pessoa.
Família.
Ela ergueu o olhar para encarar o rosto dela. DELA.
- Vi?
A lutadora sentou-se ao lado de Jinx. Os dedos que estavam sobre os ombros da menina, encontraram o rosto da mais nova. O afago. O mesmo afago de antes. Como Jinx poderia imaginar que ela havia mudado consigo?
- Hey Pow Pow. Tem espaço para mais um? Nessa... – Ela olhou para a parede então seriamente. – Nessa brincadeira?
- Por quê? Você... Eu não sei mais... Eu não acho que consigo abrir outro portal...
Vi pegou o abridor de cartas que ainda se mantinha ao lado da irmã mais nova. Em seguida olhou para a própria mão. Sorriu para si. Então, em um movimento rasgou o palmo da mão. Jinx arregalou os olhos à implicação disso. Fez um não com a cabeça e ameaçou a abrir a boca para falar, mas Vi a cortou:
- Há muito tempo eu disse: Somos nós contra o mundo. – E olhou para a irmã mais nova. – Assim que você concluiu o ritual... Assim que eu caí em sonhos... Eu ouvi alguém, Pow. E essa pessoa me disse que havia ainda chance para você. Mas que pra isso... Haveria de ter sacrifício. E sinceramente...? – Ela chorava. Jinx nunca havia visto Vi chorar assim tão abertamente. Era medo? – Tudo que eu tinha que a perder... saiu por aquela porta há minutos. Então... eu não tenho medo de sacrifícios. Eu vivo deles. Desde meu primeiro respiro de vida. E sinceramente? Eu não me arrependo de me sacrificar por você.
E aproximando-se de Jinx e sobre os protestos da menor, Vi colocou a mão em sangue sobre a parede. O braço livre, puxou a irmã, abraçando-a com acalento. Murmurou então:
- Yog-Sothoth, Y' ephaiuaaah vulgtmor. Mggoka ya.
E uma segunda luz pode ser vista.
***
.Vi.
Quando Vi acordou, seu corpo encontrava-se completamente dolorido. Instintivamente, olhou para a mão que havia ferido minutos – horas? – atrás e viu que o ferimento se encontrava completamente fechado. Não havia feridas aparentes. Seu corpo estava no meio do quarto. No meio daquele quarto branco.
Mas para a surpresa da lutadora, o quarto não estava com marcas de sangue ou hieroglifos. Não havia qualquer marca. Como se nunca tivesse sido manchado anteriormente. Aliás, se não fossem os ferimentos no ombro e a canela que ainda pulsavam, Vi poderia dizer que tudo havia sido um sonho.
Ela imediatamente se levantou, olhos à volta a procura da irmã pequena. Suspirou aliviada ao perceber que a menina também se encontrava ao seu lado, adormecida. No caso da menina, surpreendentemente, ela não tinha mais os ferimentos nas mãos ou marcas que pudessem indicar que ela ficou as últimas horas praticando qualquer ritual. As bochechas da menina também indicavam que o sangue havia sido pelo menos reposto à face. E isso acalmava o coração da lutadora.
Ok. Pelo menos uma coisa boa nisso tudo.
- Pow? Você está bem? – Ela passou a mão na bochecha da menina, afagando-a. – Hey... Tá tudo bem.
A menina praguejou por minutos e em seguida se ergueu de onde estava, sentando-se. Murmurou:
- Vi...? O que aconteceu? D-Deu certo? – Ela olhou para as próprias mãos e em seguida para a parede. – Eu... Eu posso sair?
- Eu... Eu acho que sim. – Ela olhou para a parede. Estavam longe o suficiente para não se sentirem presas ao local. Vi deu de ombros, se levantando e erguendo a mão para a irmã. – Talvez... Talvez tenha dado certo. Vamos ver, ok? Com cuidado... Vem. Deixe-me ajudá-la.
- Uhum. – A irmã pequena ainda parecia um pouco zonza. Talvez do cansaço natural do esforço feito nas últimas horas. Mas fora isso, parecia como se tivesse recém-saído de casa há horas. – Eu... eu nem acredito. – Ela ficou minutos parada ali, assimilando tudo. Em seguida sorriu. Por fim, ela riu alto e deu um tapa no ombro da lutadora que apesar de ter se assustado, retornou o sorriso. – Seja lá que porra você fez, deu certo. HAHAHA. O que diabos você fez, cabeça oca?
Vi permitiu-se rir. Parecia que um peso havia sido retirado de dentro das costas. Abraçou então a irmã e afagou-lhe os cabelos. Powder se esquivou do abraço em um primeiro momento, empurrando a lutadora, dizendo por fim:
- Nãooo, você está fedendo a suor. Vá dar um pouco desses abraços para suas mulheres pois elas claramente se interessam mais por eles do que eu pelo seu fedor.
- Nãooo, venha cá. – Vi voltou a pegá-la, esfregando o rosto suado na irmã mais nova. – Você me fez largar uma mulher bonita para vir salvar sua bunda. Se vira. Agora aceita todoooo meu amor.
Powder novamente se esquivou, dando alguns socos no ombro da irmã. E por fim, inesperadamente, ela voltou a abraçar Vi. Envolveu-a por completo. Um abraço apertado.
Significativo.
- Obrigada. Eu... Obrigada por não me abandonar.
Vi retribuiu o abraço forte. Murmurou baixo entre os cabelos da irmã:
- Nem por um milhão. Nem pelo infinito. Nem por nada eu deixaria você para trás.
Powder voltou a empurrar a irmã, fungando, emocionada. Vi sorriu para a pequena. A irmã mais nova voltou a sair do quarto seguido pela lutadora. Refizeram o mesmo movimento de antes, passando pela casa. Para a surpresa de ambas, no entanto, a casa não parecia ter nenhuma avaria. Do mesmo jeito que o quarto branco, é como se a sala de conveniência não tivesse sofrido o ataque pelo turco ou pelos carniçais. Era como se os móveis não tenham sido destruídos. A casa estava perfeitamente intocada. Vez ou outra Powder olhava sobre o ombro para Vi, não entendendo ao certo o que havia acontecido.
Vi levou os dedos até o ferimento do ombro e se perguntou:
- Não foi um sonho, né? Tudo isso que aconteceu?
- Não. Definitivamente não foi. – Powder respondeu rapidamente. Ela tinha certeza nas palavras.
Chegando até a porta do salão frontal, Vi adiantou-se e foi a frente de Powder, dizendo em seguida:
- Deixe-me ir primeiro. Sabe-se lá o que há do outro lado.
- Você tem que parar de se defender com a cabeça, Vi. – A menor disse com um sorriso carinhoso.
- A gente se defende como pode. – A lutadora disse com um sorriso e em seguida abriu as duas portas. Um dejavu do mesmo movimento que foi feito minutos? – ou horas? – atrás.
Vi mantinha-se na própria posição. Lábios entre partidos como se tivesse assimilando as coisas à sua frente. Powder, então, se adiantou e passou por Vi dizendo em seguida:
- Vi... Me diz: Onde... Onde CARALHOS a gente está?
Dando uns passos à frente, Vi viu areia. Muita areia. Um deserto de areia.
E pirâmides.
Muitas pirâmides.
A mulher tateou a própria frente. Era uma ilusão?
Fez um não com a cabeça, dando mais uns passos para frente. O pé que usava aquele sapato social era pesado e afundava na areia fina e amarela abaixo de si. Ela virou-se para Powder, buscando algum tipo de reconhecimento no olhar da outra. A irmã mais nova parecia tão assustada quanto ela. Vi voltou a correr para frente, a busca de algo.
De qualquer coisa.
Londres?
Onde está Londres?
Ela... Ela não está em Londres?
Ela olhava a sua volta. O coração começou a bater forte. Como se fosse um tambor que emitisse batidas violentas dentro do seu peito. Ela então levou ambas as mãos para os cabelos, bagunçando-os. Ajoelhou na própria areia abaixo de si e gritou. Gritou à plenos pulmões. Powder permanecia há alguns metros da lutadora, tentando assimilar o que diabos havia acontecido.
Powder aproximou então da irmã e disse, enquanto se abaixava para colocar a mão sobre o ombro da lutadora:
- Onde caralhos...a gente está, Vi?
A lutadora virou para encarar a irmã mais nova e fez um não com a cabeça.
O ritual.
O ritual.
O ritual.
Para onde aquela entidade as havia levado?
Ela... Ela simplesmente... Não sabia.
Notes:
E chegamos ao fim do primeiro arco dessa série! :D
Olha...
Eu não sei se ficou bom, mas é o que a gente tem pra esse arco. Hahaha
Anyway, algumas considerações:
Em Cthulhu, normalmente você pode realizar alguns rituais para alguns deuses exteriores. Um dos deuses mais reconhecidos para criar portais, como foi o que a Vi criou é o Yog Sothoth.
Quem não conhece, podem procurar pelo Conto O Horror de Dunwich, que é um dos contos mais famosos de Lovecraft e menciona bem a figura de Yog Sothoth. Ele é chamado de portador dos portais.
Todo ritual faz uso de poder. Poder, no jogo de RPG é um atributo que é como se fosse algo íntimo seu. Sua vitalidade mágica. E isso vai influenciar no chamado pontos de magia.
O ritual de abertura de portais em Call of Cthulhu pode não apenas abrir portais para outros locais, outros mundos. Existem várias propriedades desses portais. E haverá consequências devido ao ritual realizado por Vi. :DOutro detalhes aleatórios (talvez) importantes:
1. A minha Caitlyn sofre que nem o diabo na minha fic. Tadinha. Ela realmente precisa de um abraço.
2. A minha Vi tem complexo de herói. ¯\_(ツ)_/¯
3. Continuo falando que a coisa mais bonita nesse primeiro arco é relação entre as duas irmãs. Vou explorar um pouco dessas escolhas. Pois elas irão pesar lá para frente.
4. Eu sempre me divirto escrevendo no ponto de vista do Ekko. É um dos personagens que sinto mais confortável escrevendo. :P
Eu vou dar um hiato de algumas semanas para organizar o segundo arco.
Então... quem quiser conversar sobre os acontecimentos do primeiro arco, sinta-se a vontade. :D

TacitoReis on Chapter 1 Fri 06 May 2022 12:31AM UTC
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Adrielly on Chapter 1 Mon 10 Oct 2022 12:11AM UTC
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DomRamoN on Chapter 1 Wed 18 Sep 2024 01:17AM UTC
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TacitoReis on Chapter 2 Fri 06 May 2022 01:26PM UTC
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TacitoReis on Chapter 3 Sun 22 May 2022 03:42AM UTC
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TacitoReis on Chapter 4 Sun 05 Jun 2022 03:59AM UTC
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bolodobolado on Chapter 16 Tue 31 May 2022 12:28AM UTC
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CavaleirosQueDizemNi on Chapter 16 Tue 31 May 2022 02:56AM UTC
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Curiosa (Guest) on Chapter 16 Mon 29 Aug 2022 06:05PM UTC
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CavaleirosQueDizemNi on Chapter 16 Mon 29 Aug 2022 06:08PM UTC
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