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Adentre a Doce Noite

Summary:

Steve Rogers viveu por muito tempo - tempo suficiente para ver o fim do mundo. Os heróis se foram, e a Terra está expulsando o que restou da humanidade.

Mas quando uma equipe improvisada ressurge das cinzas, quando uma presença misteriosa atrai Steve, ele começa a pensar que ainda pode haver esperança. Enquanto eles seguem em rumo as estrelas pela última vez, Steve terá mais uma prova de que o futuro não é nada mais do que um eco do passado.

Notes:

Essa é a minha fanfic favorita, obrigada à Nonymos por ter me permitido traduzi-la e levar essa preciosidade a mais pessoas :)

- Você não precisa ter visto Interestelar para ler a história;
- Vou tentar postar um capítulo por semana, pelo menos;
- A fic não está betada, então me perdoem por eventuais erros, fiquem a vontade para me avisar caso achem algo;
- Fanfics em português ainda não tem tanto alcance aqui, então não se esqueçam de compartilhar :)

Chapter 1: Homens sábios em seu fim

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

 

 

 

 

 

 

Viver, pensou Steve, é o que vai acabar me matando.

 

*

 

Verdade seja dita, a morte o estava rondando. Esteve por um longo tempo. Steve podia sentir o gosto dela no vento carregado de areia e cheirá-la na no ar fedido a fumaça. Ele podia vê-la na maneira como tinha de limpar a sujeira da mesa toda vez que queria se sentar para comer. As portas ficavam fechadas, as janelas também, mas a sujeira sempre encontrava um jeito de entrar. Ela penetrava, tão insidiosa e implacável quanto o próprio tempo. Estava dizendo a todos que o grande enterro havia começado.

Steve ainda limpava a mesa antes de se sentar para comer e varria o pó da varanda com uma vassoura todos os dias. Rituais como esses eram o que o mantinha vivo. Às vezes ele se perguntava onde encontrava forças para continuar. O ano era 2097 e ele estava sozinho há muito tempo.

A resposta, ele concluía regularmente, estava na força do hábito. Ele se acostumou ... a viver. Ou talvez ele tenha lutado tanto e com tanta frequência quando era jovem; talvez tenha quebrado o medidor de seu instinto de sobrevivência. Talvez ele tenha ido longe demais e ele ficou preso no vermelho, travado no máximo, embora ele devesse ter morrido décadas atrás.

O soro acabaria matando Steve, justamente porque o estava mantendo vivo. Steve não foi capaz de se ferir o suficiente no campo de batalha, não foi capaz de morrer de causas naturais e nem mesmo foi capaz de envelhecer. Ele tinha cento e setenta e sete anos - ou não tão impressionantes cento e sete, se você tirar os setenta anos que passou sob o gelo - e ainda portava a mesma aparência que tinha no dia da morte do Doutor Erskine.
O único fio que o ligava a este mundo era o soro; portanto, o soro seria a causa de sua morte quando finalmente tivesse misericórdia dele e o deixasse partir.

Que seria logo. Tinha que ser.

O ar cheirava a ferro.

Steve era um estranho nesta terra agonizante. O nome do Capitão América não significava mais nada para ninguém. Foi sua própria escolha, e a opção mais razoável também. Os livros de história agora diziam às pessoas que o pouso na lua nunca havia acontecido; então, heróis? Os heróis estavam fora de questão. Se Steve tivesse permanecido quem era, se continuasse sendo um pedaço vivo da própria história da Terra, ele teria sido exterminado de uma forma ou de outra. Ele escolheu o silêncio; ele escolheu recuar.

Eu sei, eu sei, o Capitão América nunca desiste. Mas esse era exatamente o ponto: ele não era mais ele.

Era um tanto desconcertante como as pessoas o haviam esquecido rápido, quando ele costumava sentir que nunca conseguiria se livrar de sua persona estrelada, nem em um milhão de anos. Mas, para dizer a verdade, ele simplesmente não tinha mais amigos. Todos eles se foram, e ele deixou o Capitão América acompanhá-los, para que pelo menos uma pequena parte dele pudesse morrer, pelo menos uma pequena parte dele pudesse ficar para trás, com eles.

Tony foi o primeiro a morrer - de um maldito ataque cardíaco, entre todas as possibilidades. Bruce tinha desaparecido logo depois, cedendo aos seus instintos de fugir agora que não estava constantemente sendo importunado para se dar um tempo. Steve às vezes se perguntava se Tony seria capaz de conter a lenta morte da Terra. Ele nunca saberia, mas podia ver que apenas alguns anos após a morte do último dos Stark, a Terra havia começado a empurrar a humanidade para a saída, devagar, mas firmemente, com toda a lenta teimosia de uma geleira.

A atmosfera estava se enchendo de nitrogênio. As colheitas de Steve estavam morrendo.

Ele era um fazendeiro, como noventa por cento da humanidade agora. Ainda não era o suficiente. Estava faltando comida. O trigo foi o primeiro a morrer, atingido por pragas que se espalharam como fogo; o milho seguiria o exemplo em alguns anos, sem dúvida. Steve se esforçou para manter seus campos vivos, para que as pessoas pudessem comer, para que pudessem lutar mais um pouco.

Steve se esforçou para manter seus campos vivos, porque aquela era a fazenda do Clint.

Clint foi o segundo a ir. Ele morrera heroicamente, como o idiota que era, detonado por suas próprias flechas explosivas no motor de um avião - eles ainda estavam lutando na época; a era dos heróis ainda não havia terminado. Ele morreu salvando todos eles, coisa pelo qual que eles nunca o perdoaram. Mas depois do rebaixamento de Steve, ele voltou para a fazenda onde passaram um verão juntos - durante o desastre de Ultron; nada dura para sempre, Natasha já sussurrava naquela época - e ele decidiu que, se realmente fosse cuidar das colheitas até o dia de sua morte, poderia fazer isso lá.

Os primeiros meses foram difíceis, mas depois de um tempo, até as memórias aprenderam a deixá-lo sozinho.

Steve permaneceu amigo de Sam, Sharon e até Nick e Maria - todos eles, até o dia em que morreram. Mas ele não havia se casado. Ele não tinha filhos. Era egoísta, ele supôs, e covarde, mas ele não poderia ter suportado a ideia de viver mais que eles. Ele não suportaria vê-los crescer e depois envelhecer.

Agora que ele estava sozinho, ele havia parado de contar os segundos que se passavam desde a morte de seus amigos. Os anos foram se confundindo. Os dias pareciam todos iguais. Isso tornou tudo mais fácil. Steve não queria estar perto das pessoas e não queria que as pessoas estivessem perto dele. Ele deveria estar morto e esperou, pacientemente, como um inuit cujo sol simplesmente não se põe.

Um dia iria; e nesse dia viria a noite eterna. Talvez, descanso.

Nesse meio-tempo, Steve se sentou na varanda da frente com cerveja sintética e olhou para seus campos doentes de milho que se estendiam até o horizonte. A atmosfera bagunçada deixava o pôr do sol incrivelmente lindo.
Extremamente vermelho.

Natasha havia morrido de causas naturais, aos oitenta e um anos de idade, o que ela nunca havia imaginado em qualquer momento de sua vida. Steve estava quase feliz - ela merecia isso mais do que ninguém, depois de uma longa vida difícil sendo transformada em outra pessoa por todos que ela conhecia. Pelo menos sua morte foi um momento seu. Ela envelheceu graciosamente e beijou Steve na bochecha antes de morrer. Ela deixara uma palavra para ele em seu testamento: continue.

Olhando para trás, a era dos heróis tinha sido um tanto frenética, um tanto espasmódica, quando naquela época parecia que seria eterno. Tudo começou com o próprio Steve, o Primeiro Vingador, e depois virou uma bola de neve. Tantos poderes diferentes, tantas mutações, tantos acidentes, como um barril de pólvora explodindo por três décadas - até que de repente tudo morreu, engolido por sua própria onda de choque. A praga mutante foi o primeiro sinal, e Steve até hoje estava convencido de que fora seu maior fracasso - que ele poderia ter impedido, que ele poderia ter previsto, que a praga tinha sido planejada, transformada em arma, transformando o Gene-X em uma bomba-relógio que apodreceu o sangue de seus portadores. Os mutantes morreram, um por um, e com eles a última esperança de uma humanidade que não evoluiu com seu planeta. A Terra estava mudando enquanto a humanidade se recusava a mudar, e agora eles estavam pagando o preço.

Bruce não foi o quarto, não de verdade, mas Steve começou a realmente se preocupar com ele após a morte de Natasha. Até então, eles presumiam que Bruce não queria ser encontrado; mas quando ele não apareceu no funeral da Natasha assim como não foi no de Clint - exatamente quando a era dos heróis estava começando a acabar - Steve percebeu que algo poderia estar muito errado. Ele procurou por ele, procurou por todos os lugares e descobriu coisas feias durante esse processo; mas Bruce nunca apareceu. Nem o Hulk. Eventualmente, Steve ficou sem pistas para seguir.

Foi doloroso, não saber, porque a ausência de proximidade permitiu que aquela perda em particular o roesse e se enterrasse em uma ferida já aberta. Ele falhou com ele? Ele deveria tê-lo procurado antes? Eles nunca foram próximos, os dois. Bruce sempre fora amigo de Tony, ainda sim, a culpa que Steve sentia vinha de uma sensação de traição.

Mas o sinal claro do fim havia sido a destruição de Asgard - mais tarde naquele mesmo ano, apenas cinquenta anos depois de Thor ter caído no Novo México pela primeira vez. Ninguém tinha visto isso chegando - ninguém poderia; até mesmo agora, não estava claro o que exatamente a havia destruído. Heimdall havia enviado uma última mensagem, dizendo apenas: Ragnarök. Então não houve mais nada além do silêncio das estrelas vazias.

Thor se recusou a acreditar por várias semanas, procurando desesperadamente uma explicação, um caminho de volta, uma saída. Ele se manteve firme diante do falecimento de sua mãe, das traições e da morte de seu irmão; mas essa perda era simplesmente grande demais. Ele não conseguia compreender. Eu deveria ter estado lá, ele dizia. Eu deveria ter estado lá.

Steve o ajudou da melhor maneira que pôde. Ele entendia um pouco sobre como era, afinal, perder um mundo inteiro. Mas mesmo enquanto acompanhava Thor por aqueles meses bem sombrios, ele se perguntava até quando eles poderiam suportar e quando atingiriam seu limite. O resto da humanidade também não gostou da notícia. De repente, a humanidade estava de novo onde estava antes daquele famoso dia, quando Loki veio e abriu um portal no céu. De novo sozinha em um universo indiferente - em um planeta que, nada menos, já não era mais seu lar.

Quando ficou óbvio que até mesmo os antigos inimigos estavam ficando para trás - a HYDRA se desfez, o IMA faliu - Steve disse a Thor que ele poderia parar de lutar. Ele disse a ele que sua hora já havia passado. Eles eram anomalias, agora. Forasteiros. Eles deveriam apenas se refugiar na sombra e viver a vida normal que lhes foi recusada o tempo todo. Thor protestou, a princípio, disse a ele que eles eram companheiros de guerra. Mas Steve insistiu. Disse a Thor que ele não era mais um Vingador. Disse a Thor que ele nem era mais um Asgardiano. Era hora de seguir em frente. Era hora de ele - como Steve tinha dito? Era hora de ser gentil consigo mesmo.

Thor acabou aceitando seu conselho; ele abraçou Steve e agradeceu-lhe efusivamente, gravemente, e disse que eles se encontrariam novamente.

Nunca aconteceu. Ele voltou para Jane, que tinha oitenta e nove na época, e ficou com ela de vez; e, pelo que Steve sabia, ele a amava como ninguém jamais havia sido amado antes. Então, quatro meses depois - o ano era 2070 - ela morreu enquanto dormia e Thor se matou.

Steve sabia disso porque tinha sido chamado no Novo México para identificar os corpos. Ele tinha visto o sorriso, tão pacífico no rosto sem vida de Thor. Eu disse a ele para parar de lutar. A polícia havia encontrado o nome e endereço de Steve no computador da família; Thor e Jane planejavam visitá-lo há anos e nunca o fizeram. Thor havia deixado uma nota, que deram a Steve, já que seu nome estava escrito nela.

Steven,

não adentre a doce noite apenas com ternura.

Steve não tinha certeza do que isso significava. Ele ficou para o funeral e se perguntou se o vazio que estava sentindo era luto, ou se ele finalmente havia perdido a capacidade de sentir.

No dia seguinte, logo ao amanhecer, Steve voltou para a fazenda de Clint e considerou a lâmina de barbear na farmácia. Ele a pegou, pesando-a na palma da mão, fria e afiada.

Hoje não, disse uma voz em sua mente.

Ele não se perguntou, por que não? O que é que eu estou esperando? porque ele estava se perguntando a mesma coisa por muito tempo. Ele estava se mantendo vivo como se estivesse no purgatório, arrastando seu coração batendo como se fosse uma bola e uma corrente, perseguindo a morte que suas próprias mãos não lhe concederiam. Hoje não, como se ainda houvesse algo que valesse a pena esperar, quando na verdade toda a terra seca e marrom já estava condenada a morte.

Mas ele não conseguia se matar. Teria sido um insulto para todos aqueles que morreram antes do tempo - todos aqueles que ele não foi capaz de salvar.

Steve gostaria de ter sido o sexto a ir, mas ele sabia que não seria. Ele sabia que os sextos seriam os bilhões de pessoas que permaneceram na Terra, enterradas sob a areia, sufocando no nitrogênio, morrendo de fome. A única esperança de Steve era que ele pudesse ir com eles. Sendo o último e fechando a porta atrás.

 Certamente - certamente ele merecia isso agora.

 

*

 

Steve não dormia muito mais - também não comia muito, vendia quase toda a sua produção para a cidade vizinha. Às vezes, ele se perguntava se essa não era uma maneira insidiosa de acabar consigo mesmo. Ele estava morrendo de fome lentamente, ele sabia; ele parecia mais abatido a cada dia, e essa fome contorcia e doía constantemente na boca do seu estômago. Mas ele ainda se alimentava, regularmente, senão em abundância. Ele ainda poderia sobreviver.

As noites sem dormir, porém, estavam se acumulando.

Ele não ficou surpreso ao acordar no meio da noite mais uma vez; o que o surpreendeu foi que algo realmente o acordou desta vez. Um ruído surdo, como algo caindo no chão de madeira. Ele prestou atenção, mas não havia mais nada.

Assaltantes? ele se perguntou vagamente, mas era um pensamento estúpido. Ele não tinha nada de valor, exceto o milho que crescia na frente. E, meu Deus, quem ainda dizia assaltantes.

Ele se levantou, esfregando os olhos. Lá fora, o céu estava cinza e laranja. O vento asmático já havia soprado uma fina camada de sujeira sobre os móveis, e os pés arrastados de Steve deixaram pegadas no chão quando ele caminhou até as escadas. Ele subiu lentamente, arrastando seu peso para a sala de souvenirs. Ele não ia lá há um bom tempo.

As prateleiras estavam cheias de livros, bonecos de ação, réplicas, autógrafos, de provas de que a vida de Steve não tinha sido inteiramente imaginária. Algumas das flechas do Gavião Arqueiro haviam sido respeitosamente colocadas nas pranchas de madeira; o único outro item real na sala - o escudo de Steve tinha sido vendido anos atrás, junto com todas as peças restantes da armadura de Tony Stark - era o martelo de Thor. Ele o havia deixado lá antes de ir para Jane, para mostrar que ele realmente havia parado de lutar.

Que não estava mais lá. Ele havia caído da prateleira.

Steve olhou para ele.

Então lentamente, lentamente se ajoelhou na poeira, envolveu o cabo com a mão e puxou. O martelo não se moveu. Não havia motivo para ser empunhado por Steve, ou de qualquer outra pessoa, por falar nisso. Asgard havia partido. Não havia batalhas para lutar. E Steve, bem, Steve não foi capaz de salvar Thor e não foi capaz de encontrar Bruce e não foi capaz de impedir o Genocídio-X. O martelo não se moveu.

"Vamos," murmurou Steve, com a garganta apertada e a voz rouca pelo desuso. "Não fique no chão, amigo, por favor." Ele puxou novamente, mas o martelo não se mexeu.

Steve espanou as mãos nas calças do pijama e estava prestes a se levantar quando avistou algo. Números e letras, desenhados na poeira, como se por um dedo invisível, bem ao lado da alça.

Ele desejou que não fizesse nenhum sentido, mas os anos de treinamento falaram mais alto e ele percebeu o que realmente era.

Coordenadas?

Steve engoliu em seco, ergueu os olhos e olhou em volta. Ele queria gritar, talvez o nome de Thor, mas era estupidez. Thor não estava ali. Thor cortou seus pulsos e manteve as feridas abertas com prendedores de roupa para que ele pudesse sangrar até morrer. A sala estava escura e silenciosa novamente.

Não havia ninguém lá. Steve estava sozinho. Ele estava sozinho há quase trinta anos.

Ele olhou para os números novamente.

 

*

 

Ele teve que dirigir a noite toda, mas considerando tudo, não era muito longe. O céu noturno estava escuro por nuvens de poeira assobiando no ar como banshees caçando. Steve seguiu dirigindo, as mãos tremendo um pouco no volante. Pela primeira vez em anos, ele podia sentir seu próprio coração batendo.

Então, a tempestade de repente aumentou e piorou e Steve teve que estacionar na beira da estrada. Havia areia no ar agora, batendo em seu para-brisa em um ruído agudo. Steve esperava que o vidro aguentasse; era uma caminhonete muito velha. Talvez ele devesse voltar. Esse nunca foi o plano - nada mais deveria acontecer antes do fim.

O rádio ligou sozinho. Não havia música nem locutores; apenas uma voz fria e suave que Steve já imaginou ter ouvido em algum lugar.

“Não adentre a doce noite”, disse a voz, “apenas com ternura.”

O coração de Steve parou antes de voltar a bater normalmente. Ele cuidadosamente estendeu a mão e aumentou o volume. Havia apenas estática no meio da tempestade.

"Quem é?" ele perguntou com a voz trêmula.

De repente, ocorreu a ele que ele poderia simplesmente estar enlouquecendo. Mas parecia improvável. Por que agora? Por que não 23 anos antes, no funeral de Thor e Jane ou quando estava se olhando no espelho antes de arremessá-lo contra a parede?

A voz continuava. “A velhice queima e clama ao cair do dia. Fúria, fúria contra a luz que já não fulgura." Então, houve apenas um arranhão de estática e o rádio morreu.

Steve olhou pela janela, o coração batendo forte; a tempestade de areia ainda estava crepitando, vívida e raivosa, mas as palavras ecoavam nos ouvidos de Steve.

Ele cerrou a mandíbula, desviou o volante e voltou para a estrada.

Ele dirigiu por mais uma hora, em meio ao redemoinho de sujeira e ao vento uivante; foi sua teimosia contra a da tempestade, e eventualmente, tudo começou a morrer, soluçando rajadas de areia vermelho-sangue para ele antes de finalmente perder força e se acalmar. O próprio céu estava claro; Steve viu algumas estrelas cintilando na escuridão. Ele dirigiu pela noite calma, até que encontrou uma enorme forma escura que o fez frear de súbito.

Ele se deparou com uma cerca de arame farpado de três metros de altura e um prédio plano delineado contra a escuridão da noite.

Steve parou a caminhonete e saiu, fechando a porta com força. O ar tinha gosto de ferro como sempre. O cascalho rangia sob seus pés enquanto ele caminhava em direção à cerca; era alta e sólida, mas o mero pensamento de que isso poderia ser o suficiente para detê-lo era cômico. Ele reuniu suas forças, saltou e agarrou a rede; ele escalou com força, puxando-se para cima com pura força muscular, jogou uma perna por cima do arame farpado no topo e saltou sobre a coisa toda. Ele caiu na ponta dos pés, ficou agachado por alguns instantes e depois se levantou sem tropeçar. Erskine realmente tinha feito um ótimo trabalho com ele.

Por um segundo, nada se moveu; então uma luz violenta explodiu em seu rosto.

 

*

 

Steve não ofereceu nenhuma resistência. Ele nem sabia com quem ou com o que estava lidando; e essas pessoas nem mesmo colocaram algemas nele, ou o ameaçaram com nada mais perigoso do que uma lanterna. Sua curiosidade foi suficiente para segui-los silenciosamente para dentro do prédio, passando por um corredor mal iluminado e cheio de fotos de pessoas que ele não reconhecia, até uma pequena sala onde pediram para que se sentasse e esperasse.

Depois de um tempo, a porta se abriu e uma jovem entrou na sala - que Steve suspeitava cada vez mais ser um armário de vassouras limpo às pressas. Ela estava vestindo uma cacharréu dourada e calça jeans preta; seu cabelo loiro estava raspado de lado, deixando a outra metade dela caindo pelo rosto em algum tipo de moicano bem bagunçado.

"Carol Danvers", disse ela, estendendo a mão.

“Prazer em conhecê-la”, disse Steve. Você é o primeiro estranho com quem conversei em vinte e três anos. "Eu sou Steve."

Seu aperto de mão foi firme, mas ele ainda sentia que estava tremendo. Ele falava com muita gente na hora de vender o milho, mas não era a mesma coisa. Isso era muito íntimo, muito incomum, muito real. Exigia um foco que ele simplesmente não tinha mais. Ele já estava começando a se sentir ansioso; A toque da mão de Danvers na sua havia deixado um calor e deixou sua palma formigando.

Mas ele se lembrou do martelo caindo, lembrou-se da voz suave e fria no rádio e respirou fundo.

"Então, Steve", disse ela, gentilmente, mas com uma pitada de aço em seu tom que Steve não deixou de notar. "Como você nos encontrou?"

“Houve uma tempestade de areia”, disse Steve. “Eu estava tentando voltar pra casa, e ...”

Ele parou quando viu o sorriso de Danvers. Isso o lembrou de Natasha, com aquele mesmo sorriso maldito, um brilho nos olhos claros. Você é um péssimo mentiroso, Steve.

Ele não pensava em Natasha há muito tempo. Ele piscou várias vezes, engoliu em seco e disse: “Tudo bem, sem mentiras. Mas estou avisando, senhora, a verdade parece pior. "

“Deixe que eu julgo isso”, disse Danvers, educadamente.

“Alguém ... alguma coisa ... escreveu as coordenadas na poeira. Na minha casa. Eu sei o que parece - mas - eu também ouvi... ”Ele fechou os olhos por um segundo. Ele sentiu como se sua pele estivesse zumbindo, se sentia inquieto e impaciente. As pessoas não eram boas para ele. Eles o fizeram se sentir vivo, vivo demais, e despertaram a dor que carregava lá dentro. "Algo sobre não adentrar nessa doce noite apenas com ternura."

Quando ele olhou para cima, Danvers o encarava de uma forma muito estranha.

"Algo errado?" perguntou Steve com cautela.

“Steve”, disse ela. Ela abriu a boca, parecendo mudar de ideia, depois mudando de novo. "Steve, você sabe onde está?"

Steve apenas balançou a cabeça.

“Isso é a SHIELD,” ela disse cautelosamente, como se estivesse avaliando o terreno.

Steve piscou para ela. Ele não tinha ouvido esse nome em ... meu Deus, ele nem queria contar. "SHIELD?" ele repetiu incrédulo. “Superintendência Humana de Intervenção…?”

As pupilas de Danvers dilataram e seus lábios se separaram um pouco, como se ela estivesse vendo algo lindo. Algo incrível. Mas tudo o que ela estava olhando era Steve. “Steve”, ela repetiu. "Steve, quem é você?"

Steve não respondeu. Seu intestino estava revirando, embora ele ainda não pudesse dizer por que, seu corpo já se preparando para a ação. “Isto é um teste?” ele perguntou.

“Acho que você deveria vir comigo”, disse Danvers abruptamente, e se levantou antes que pudesse responder.

Steve se levantou lentamente e a seguiu para fora da pequena sala. Danvers caminhava com passos rápidos e confiantes, e agora que Steve a viu se mover sob uma luz apropriada, ele podia dizer com certeza que ela devia ter sido militar em algum momento de sua vida - talvez ainda fosse; ela era jovem. Isso não foi o suficiente para ele aceitar totalmente o que ela disse. Por que a SHIELD teria sobrevivido sobre os heróis que eles estavam investigando? Porra, eles haviam se retirado há muito tempo - por volta do ano de 2014, quando a HYDRA ressurgiu. Tudo parecia tão antigo e fútil, quase infantil, agora que o vento soprava areia e o milho se transformava em cinzas.

Em seguida, Danvers abriu uma porta e Steve se viu em uma passarela com vista para uma sala enorme e bem iluminada, cheia de pessoas em jalecos de laboratório preocupados com o que parecia ...

“... Um foguete?” murmurou Steve.

Era enorme, prateado e elegante, e apontava para o céu noturno. Steve conheceu sua cota de aeronaves trabalhando com a SHIELD, mas isso não era como nada que ele já tinha visto. Parecia mais imponente, de alguma forma, grave, reflexivo e significativo como uma representação abstrata de Buda. Danvers estava prestes a respondê-lo quando um barulho alto de vidro se quebrando fez toda a sala parar.

Os cientistas pararam de correr ao redor da espaçonave, e todos se viraram para o único homem que largara o que estava segurando para olhar completamente chocado para a passarela.

Quando Steve viu quem era, ele nem pensou.

"Espera", exclamou Danvers quando ele agarrou o corrimão, "pegue a esc ..."

Steve a ouviu dizer isso antes de perceber que estava pulando o corrimão e caindo em queda livre. A aterrissagem foi um pouco mais difícil do que quando ele saltou a cerca, mas ele ainda conseguia ignorar o incômodo como se fosse uma picadinha de mosquito. Ele teria ignorado qualquer coisa agora. Ele se levantou, tropeçou - e por uma fração de segundo ele hesitou, porque eles nunca tinham sido tão próximos; mas quando Bruce abriu os braços, Steve parou de pensar e os dois deram um abraço forte e apertado.

“Eu pensei ...” Steve gaguejou quando ele se afastou. “Meu Deus, Bruce. Eu achei ... achei que você estava morto. "

"Eu", disse Bruce com a voz rouca, os olhos úmidos de emoção. "Eu achei que você estava morto também."

Ele ainda estava segurando as mangas de Steve com dedos trêmulos. Steve sentiu como se algo tivesse explodido dentro de sua cabeça, estilhaçando sua dormência emocional já abalada e enviando fragmentos ao seu cérebro, embaralhando seus pensamentos de uma forma que era familiar e dolorosamente nova - ele não sentia algo de verdade há muito tempo. Agora a emoção estava de volta, e ele mal conseguia respirar com isso.

"O que aconteceu com você?" disse Steve entusiasmado. “Bruce, o que aconteceu? Eu ... nós ... nós procuramos por você. Thor e eu. Depois de um tempo, comecei a pensar que você não ... não queria ser encontrado. Eu-"

Steve percebeu que estava começando a hiperventilar e respirou fundo algumas vezes para se acalmar. Isso foi demais e muito repentino. Bruce estava aqui, real, quente e vivo, e Steve se sentiu terrivelmente atraído por ele - queria pressionar seu rosto na curva de seu pescoço e inspirá-lo. Sua pele pedia por contato, desesperada pelo toque de alguém que o conhecesse por quem ele era. Alguém que não havia esquecido. Alguém que esteve lá.

"Eu achei que era só eu agora", disse ele, com a garganta apertada.

As rosto de Bruce tremeu. Ele ainda estava segurando os braços de Steve, como se quisesse ter certeza de que ele também era real. Ele não envelheceu um dia. Por Deus, ele não tinha envelhecido um dia, e isso fez Steve querer rir e chorar ao mesmo tempo.


Bruce parecia pensar a mesma coisa; sua boca se torceu de maneira irônica e seus olhos enrugados falaram por trinta anos de solidão. Relíquias, os dois, relíquias de uma época antiga. Não havia mais heróis, apenas humanos morrendo sozinhos, sem ninguém para protegê-los. E algumas anomalias como eles. Malditos dinossauros esperando por uma chuva de meteoros.

"Não é", murmurou Bruce finalmente.

Ele abaixou a cabeça, então exalou e deu um passo para trás como se quisesse se impedir de abraçar Steve novamente. Steve quase podia sentir sob a pele de Bruce o mesmo formigamento que vivia dentro dele, doloroso e agudo, o desejo por contato; isso o fez querer dar um passo para trás também, porque era como ser exposto a um incêndio depois de anos no gelo. Intenso demais, brilhante demais, repentino demais. Quase o fez sentir falta do entorpecimento de toda essa ausência.

"Eu tenho ... muito para te contar", disse Bruce, se atrapalhando um pouco com as palavras. “Meu Deus, Steve.” Ele olhou para ele como se de repente o estivesse vendo de um jeito totalmente novo - a maneira como Danvers o havia olhado alguns minutos atrás. “Tudo vai ser diferente agora.”

"Não se precipite, professor", disse outra voz, meio divertida e meio irritada.

Steve se virou para Carol Danvers, que desceu da passarela da forma mais convencional. Ele se viu mais perplexo do que zangado com o sorrisinho conhecedor dela. "Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?" ele disse.

"Claro, capitã."

Steve piscou.

Danvers já estava se virando. "Me acompanhe."

 

*

 

"Professor?" sussurrou Steve para Bruce enquanto seguiam Danvers pelo corredor mal iluminado pelo qual Steve havia atravessado há menos de uma hora.

Bruce deu um sorriso envergonhado. “Já faz um tempo que tenho os dois títulos. Pode me chamar do que preferir.”

“Que tal ...” Steve engoliu em seco. “Bruce. E o Hulk?

“É uma longa história”, disse Bruce, cansado. "E a Coronel Danvers tem precedência."

Então ela era militar. Steve sentiu um gosto desagradável no fundo da garganta. "Ela está mantendo você aqui?"

Bruce piscou para Steve; então ele sorriu carinhosamente, e Steve sentiu novamente aquela necessidade desesperada de contato, de conforto, do toque de um amigo.

"Você não mudou", disse Bruce calorosamente. “Não, Steve, obrigado. Esses dias são ... bem, você não precisa que eu diga que eles se foram. Eu sobrevivi a quase todos que sabiam sobre o Hulk."

"A Danvers sabe?"

“Meu pai era historiador, Capitão Rogers”, disse Danvers em voz alta. “Eu sei muito mais sobre você do que o nosso mundo se lembra.”

“É claro que sim,” disse Steve, um pouco irritado.

Danvers se virou para sorrir para ele, então parou na frente da primeira foto pendurada no longo corredor e roçou os dedos no vidro em um gesto pequeno e íntimo.

Em seguida, ela passou para a próxima, mas não antes que Steve pudesse olhar a fotografia - era um jovem com um sorriso brilhante, em um traje espacial vermelho. Peter Quill, dizia a legenda.

“Não somos mais a Superintendência Humana”, disse Danvers. “A SHIELD agora é a Superintendência de Levantamento, Exploração, Descobrimento, e Habitabilidade Interestelar*.”

Steve não pôde deixar de bufar um pouco. "Estou impressionado. Quase significa alguma coisa.”


“Para ser justo”, disse Bruce com um sorriso na voz, “a primeira versão também não fazia muito sentido. A parte da SHIELD era tudo o que importava para a Peggy Carter.”

Fazia tanto tempo, e Steve havia perdido tantas pessoas, que o nome de Peggy não o machucava mais. Isso apenas o lembrava de que estava exausto até os ossos e que a novidade daquele dia inexplicável logo poderia se transformar em uma cinzenta monotonia.

"OK, tudo bem", disse ele. “E então ... coronel? Qual é o objetivo da SHIELD desta vez?”

“O mesmo de sempre”, disse Danvers uniformemente. “A sobrevivência da raça humana.”

Ela olhou para a fileira de fotos penduradas na parede. “Já sabemos há muito tempo que não somos mais bem-vindos aqui. Após a destruição de Asgard, ficou claro que não podíamos contar com ninguém além de nós mesmos para partir. A humanidade nasceu na Terra, mas,” ela sorriu, “nunca esteve destinada a morrer aqui”.

“Pelo que eu me lembre”, disse Steve, “viagem em hipervelocidade ainda era contra as leis da física”.

Tony já estava morto há muito, muito tempo, mas Steve ainda se lembrava da cara de frustração que se transformou em um sorriso ao ver Steve em sua oficina. Ele dispensou os esquemas holográficos com um aceno de mão. “Não adianta, Cap, a física simplesmente não permite viajar na velocidade da luz. Nossa física, pelo menos.”

"Você abandonaria a Terra?" disse Bruce curiosamente.

Steve encolheu os ombros. "Acho que devemos uma pausa a ela."

Danvers se virou para ele. “Temos uma saída, Cap”, disse ela. “Asgard resolveu o problema; eles tinham a Bifrost. Achávamos que ela atirava pessoas pelo Universo, mas na verdade estava dobrando - o envolvendo em torno dos Asgardianos. Criando um buraco de minhoca em uma quinta dimensão.”

"E um buraco de minhoca", disse Bruce, "apareceu perto de Saturno há oito anos."

Steve se sentiu tonto.

"O que?" ele inspirou.

Ele olhou entre os dois. Eles apenas o encararam de volta.

"Mas a Bifrost se foi. Asgard - Asgard se foi."

Ele estava pensando no martelo de Thor. Nas palavras de Thor. Não adentre a doce noite apenas com ternura. A voz no rádio não soava como ele - ou talvez um pouco? Apenas mais solene, mais melancólica?

“Talvez não seja Asgard", murmurou Bruce com sua voz cansada. “Nós simplesmente não sabemos. Mas está lá fora.”

“Por que Saturno?

“Não fazemos ideia. Enviamos sondas por meio dele. E levou a outra galáxia.” Danvers se voltou para Steve. “Com doze planetas potencialmente habitáveis. Quem quer que seja, eles estão cuidando de nós."

“Doze planetas?” repetiu Steve. "Vocês - vocês já enviaram alguém pela fenda?"

“Sim”, foi tudo o que Danvers disse.

Steve seguiu seu olhar e olhou para a fileira de fotos novamente. Doze astronautas, todos tão jovens e sorridentes em seus trajes espaciais vermelhos. Peter Quill. America Chavez. David Alleyne. Kate Bishop. Daken Akihiro. Verity Willis. Amadeus Cho. Sooraya Qadir. Abigail Boleyn. Eli Bradley. Ichiki Hisako. Jeanne Foucault.

“Três deles enviaram resultados positivos”, disse Danvers. “Quill, Chavez e Daken.”

"E quanto aos outros?" perguntou Steve.

“Cada um deles sabia que poderiam nunca mais ver outro ser humano”.

Steve não disse nada.

“A nave que você viu”, disse Bruce, “é a Endurance. Bem, para ser exato, é um Ranger; foi projetado para acoplar a estação espacial chamada Endurance, que está orbitando a Terra bem acima de nós agora. Estamos enviando através da fenda para colonizar qualquer planeta que venha a ser o melhor. Temos embriões congelados, soros de crescimento, úteros artificiais.” Ele parecia cansado.

“O professor foi de uma ajuda imensa”, disse Danvers em um tom respeitoso.

Steve olhou para ele. "Bruce?" ele disse. “E quanto às pessoas aqui?”

“A recolonização é o plano B”, interveio Danvers. “Existe um plano A e gostaríamos de priorizá-lo.”

Bruce mordeu o lábio. “Eu—” ele se interrompeu. “Eu trabalhei com o Tony. E com - com Jane Foster. Eles me ensinaram ... bem, eles são a razão pela qual fui capaz de ajudar a nova SHIELD. Eles me ensinaram o que sabiam. O que era muita coisa. E estou ficando velho - tive tempo para aprender um pouco mais. "

Ele olhou para a fileira de fotos. “Mas não o suficiente para desvendar a equação da gravidade. Se nós - se eu” ele se corrigiu melancolicamente “se eu pudesse resolvê-la, poderíamos fazer qualquer nave de qualquer tamanho decolar sem nos preocupar com combustível. Poderíamos mantê-las no espaço por centenas de anos a fio. Poderíamos construir estações espaciais e salvar a todos.”

“Mas você não consegue resolver”, disse Steve.

Bruce olhou para ele. “Eu posso,” ele disse suavemente. "Mas não daqui."

Algo em seu tom enviou um arrepio na espinha de Steve.

"Bruce, o que você quer dizer?"

Danvers respondeu por ele. “Os planetas de Quill, Chavez e Daken orbitam em torno de um buraco negro chamado Gargantua”, disse ela. "Você sabe o que é um buraco negro, Capitão Rogers?"

"Sim, eu-"

"Não, não sabe", ela interrompeu. "Ninguém sabe. Esse é o problema. No centro de um buraco negro tem uma singularidade gravitacional. Não tem volume e uma densidade infinita.”

"Isso ... parece impossível."

"É sim", disse Bruce, calmamente. “Se pudéssemos observá-la - se pudéssemos entender como funciona, poderíamos entender o segredo da gravidade. Poderíamos resolver a equação. O problema é que tudo que cruza o horizonte de evento de um buraco negro jamais volta.”

"Bruce", disse Steve novamente, um pouco alarmado, "o que você quer dizer?"

“A Endurance tem três missões”, respondeu Bruce com um sorriso pequeno e fatalista. “Resgatar aqueles dos doze que podem ser resgatados; repovoar nossa nova Terra - esse é o plano B; e me jogar no Gargantua. Esse é o plano A.”

Steve ficou pálido e viu Bruce levantar as mãos para impedir sua resposta. “Eu provavelmente posso sobreviver. Na verdade, posso ser o único que possa sobreviver, graças ao Hulk. E por algum tipo de reviravolta surpreendente do destino, eu também vou ser capaz de entender o que encontrar lá dentro." Ele deu de ombros, tão modesto e quieto quanto Steve se lembrava. “É a coisa lógica a se fazer, na verdade.”

"E depois?" exclamou Steve. “O que vai acontecer com você? Você pelo menos pensou em—”

"Capitão, não é sua decisão!" rugiu Danvers.

Steve se assustou. Ela estava lívida. “O professor Banner e eu”, ela continuou em um tom tenso e preocupado, “estamos planejando isso há muito tempo. Acredite em mim quando digo que consideramos todas as possibilidades.”

Steve ficou vermelho de vergonha. Claro, Bruce não precisava de ninguém para lhe dizer isso. Porra, ele passou a vida inteira cercado por pessoas tentando encontrar uma maneira de acabar com ele; e agora, por algum tipo de ironia cruel, era ele quem trabalhava ativamente para sua própria condenação. Ele não precisava de Steve gritando com ele - o culpando por um sacrifício que ele nem mesmo sabia há cerca de uma hora.

E, de fato, o que Steve poderia dizer afinal? Não é justo? Nada disso era justo. Nada disso deveria ter acontecido em primeiro lugar.

Houve um longo silêncio.

"O que você está esperando?" disse Steve. “Minha aprovação? 'Porque você com certeza não precisa disso."

"Bruce não vai sozinho", disse Danvers, e Steve se sentiu um pouquinho mais consolado quando a ouviu usar seu primeiro nome, quando recebeu aquela pequena prova de que Bruce não havia passado as últimas três décadas planejando seu próprio suicídio sozinho no sistema cruel dos militares. “A Endurance pode acomodar até quinze passageiros, mas não temos tantos voluntários.”

Steve ergueu os olhos. "Quantos?"

“Três,” ela disse uniformemente. "Bruce, Chekov e você." Ela inclinou a cabeça para o lado. “Se você se juntar a nós.”

Steve piscou.

“Você—” ele disse depois de um segundo atordoado. "Você quer que eu entre?"

“Sim,” ela disse simplesmente.

Bruce não disse nada.

"Por que vocês precisariam de mim?" Steve hesitou. “Eu simplesmente saí do nada. Eu não tenho o treinamento. Não sei nada sobre o espaço, não sou um cientista, não sou um piloto.”

"Chekov é", disse Danvers com firmeza. “E Bruce é um cientista que vale por quatro. Mas precisamos de coragem. Precisamos de dedicação. E precisamos de superpoderes.

A voz dela ficou dura. “Pelo que entendi, naquela época você não podia tropeçar nos próprios pés sem adquirir algum tipo de habilidade sobre-humana. Mas agora, os mutantes se foram, e ninguém mais pega superforça como uma gripe. Você é uma relíquia, Steve ", seu nome soou franco e claro em sua boca," mas uma preciosa. Assim como Bruce. Assim como Chekov. E você nos encontrou, de alguma forma.”

Ela o encarou diretamente. “Vou aceitar todos os sinais que conseguir. Estamos reunindo tudo o que nos resta, aqui. Estamos indo as estrelas por uma última vez. Então você está dentro ou não?”

 

*

 

Steve teve o resto da noite para pensar. Eles o colocaram em uma cama vazia em um quarto vazio - obviamente, o prédio poderia ter acolhido muito mais pessoas se houvessem mais. Havia dois beliches; ele se deitou no colchão de baixo mais próximo a ele, olhou para o beliche vazio acima dele por dois minutos, então se levantou novamente.

Ele encontrou o caminho do telhado sem muitos problemas. Não havia vento, pela primeira vez, e quase nenhuma nuvem. Uma linha prateada pairava na borda do horizonte, anunciando o amanhecer; mas as estrelas ainda eram visíveis acima.

“Imaginei que você poderia vir aqui,” disse uma voz suave.

Steve caminhou até Bruce sem dizer uma palavra e encostou-se no parapeito ao lado dele, com os ombros pressionados um ao outro. Bruce não se afastou, nem pressionou ainda mais. Steve olhou para a névoa pairando sobre os campos de milho.

"É estupidez, de verdade", murmurou Bruce com uma voz que cuidadosamente não tremeu, "mas vou sentir falta disso aqui."

Steve sentiu o terrível desejo de abraçá-lo novamente - confortá-lo; mas ele não tinha nenhum conforto para oferecer. Era quase insuportável tê-lo encontrado de novo tão milagrosamente, apenas para saber que ele estava prestes a ser arrancado deste mundo.

Bruce olhou para ele - nada além de um breve e modesto lampejo.

“Você não tem que vir. Eu entendo." Ele soava como se Steve se sentisse - pressionado. "Deus sabe que já vi muitos amigos meus morrerem ao longo dos anos."

“É claro que estou indo”, disse Steve, porque ele poderia muito bem poupar tempo a todos e admitir para si mesmo agora. "Como não poderia?"

"Eu sabia que você diria isso", sorriu Bruce. Ele balançou a cabeça com um pequeno bufo zombeteiro. "Lamento que você nos tenha encontrado."

"Eu não." Steve se sentia mais vivo do que há anos. Nem feliz, nem mesmo particularmente esperançoso, mas vivo - sabendo que ainda havia uma batalha a se lutar. Saber que ele ainda poderia tentar fazer a diferença. "Eu não vou deixar você ir sozinho. E eu não vou deixar ninguém pra morrer se eu puder evitar."

Bruce sorriu para ele, irônico e cansado. "Eu sabia que você diria isso também."

 

*

 

"E agora?" disse Steve enquanto desciam as escadas lado a lado. “Já sou um fazendeiro há três décadas. Eu não posso só colocar uma roupa espacial e decolar.”

"Você teve treinamento espacial básico nos anos trinta, certo?"

Steve abriu a boca para dizer algo sobre o Sputnik ter sido lançado em 1957, então percebeu que Bruce se referia aos anos trinta do século 21 e acenou com a cabeça. Era verdade - ele subiu até a borda da exosfera uma vez. Mas isso foi há mais de sessenta anos, e ele não se lembrava muito disso.

Ele não tinha problemas de memória, não exatamente, mas os anos estavam começando a se confundir. A maioria parecia irreal.

“Chekov vai te ajudar a se aprimorar no seu treinamento”, disse Bruce.

“Ele é o piloto, certo?”

"Sim. A Endurance está programada para partir em um mês. Acho que podemos permitir um pequeno atraso se você não estiver pronto até lá, mas ...”

"Eu estarei pronto."

Bruce sorriu para ele quando chegaram ao fim da escada. “Tenho que voltar ao trabalho”, disse ele. “Vá até à sala principal. Danvers provavelmente o encontrará lá, ela estava tão certa de que você aceitaria. Ela vai te apresentar ao Chekov."

Ele hesitou e, de repente, disse com um tom apressado e vergonhoso: "Eu disse que queria que você não tivesse nos encontrado. Mas - estou - estou feliz que encontrou."

E saiu antes que Steve pudesse responder.

Steve o observou ir embora, tentando ignorar o aperto no peito; mas quando olhou em volta, a primeira coisa que viu foram as fotos dos doze alinhados na parede. Steve olhou para os três astronautas que enviaram resultados positivos. Quill, loiro, radiante e alegre. Chavez, com olhos escuros ardentes e um sorriso pretensioso. Daken, seus lábios uma linha fina e firme, seu olhar grave e sério.

Todos eles, nas estrelas. E Steve logo os seguiria.

Ele olhou encantado por um minuto ou mais. E então ele percebeu que algo estava escrito na parede na frente da qual eles haviam posado, em letras douradas cravadas na pedra. Quando ele percebeu o que era, seus olhos se arregalaram.

 

Não adentre a doce noite apenas com ternura

 

“Ei”, disse alguém atrás dele, dando-lhe um grande susto. "Você é o Rogers?"

Steve se virou, respondendo instintivamente: “Sim”, antes mesmo de ficarem cara a cara.

O homem tinha cabelos castanhos, longos e olhos fundos, usava uma camiseta da SHIELD e calças pretas. Etiquetas desgastadas de identificação penduradas em seu pescoço que diziam, SGT. J. CHEKOV.

Ele tinha uma voz neutra, olhos azuis claros e uma prótese de braço esquerdo.

"Eu sou James."

 

 

 

 

 

 

 

Notes:

*Tentei de todo jeito achar uma tradução que respeitasse o acrônimo SHIELD, mas ficou muito estranho e sem nexo, então priorizei algo que fizesse sentido, o acrônimo no texto original, em inglês é: Space Habitability, Interstellar Exploration and Lightyear Discovery.

Chapter 2: Os últimos homens bons

Chapter Text

 

 

 

 

 

 

 

Steve estava correndo sem parar por quase duas horas quando Chekov voltou e parou a esteira. Steve poderia ter corrido mais; ele só estava começando a suar e não tinha perdido o fôlego nem um pouco. Fazia tempo que ele não exercitava seu corpo assim, e qualquer tipo de esforço parecia desconfortavelmente nostálgico.

Chekov acenou para a tela de seu tablet, percorrendo as leituras da sessão de avaliação de Steve. Eles mal trocaram três palavras desde que se encontraram no corredor, o que não impediu o cara de pesar Steve, medi-lo, fazê-lo ficar passar por todos os tipos de exames e finalmente deixá-lo se exercitar no ginásio. Ele trouxe uma caneca fumegando com ele; Steve sentiu um aroma de café e sentiu um ronco familiar no estômago, que ele ignorou com a facilidade do hábito.

“Você não está comendo direito”, disse Chekov.

Os olhos de Steve se voltaram para ele, como uma criança pega com a mão no pote de biscoitos – o que era uma metáfora bastante infeliz considerando as circunstâncias. Demorou muito para ele gaguejar: "Desculpa, o quê?"

“Você não está comendo direito”, repetiu Chekov com exatamente a mesma entonação.

Seu braço esquerdo deu um pequeno zumbido enquanto ele rolava novamente pelas leituras. "Se vai vir com a gente, não vai poder continuar assim."

O primeiro instinto de Steve foi dizer pra ele ir se ferrar. Mas... ele estava ali por escolha. Seu corpo não era mais apenas do seu próprio interesse. Ele não entendia como ele tinha percebido tão rápido, na verdade, quando nem ele estava totalmente consciente disso – quando nem ele queria reconhecer – o que ele tinha feito para si mesmo. Nem parecia. Claro, ele estava magro, mas seus músculos ainda estavam firmes e fortes em seus ossos como sempre.

“Perca esse hábito”, disse Chekov. Sua voz era muito baixa, e de alguma forma oca, sem qualquer tom; mas Steve ainda podia ouvir uma pitada de cascalho nele, como se estivesse raspando a garganta por dentro.

“Sim senhor,” retrucou Steve.

Mas, ao encará-lo, ele imediatamente se arrependeu de sua secura, porque era óbvio como Chekov descobriu tão rapidamente. A magreza ainda estava gravada nos traços das bordas de suas maçãs do rosto.

Afinal, Danvers havia citado o nome de Chekov ao lado do de Steve e Bruce ao falar sobre super-humanos. Talvez ele tivesse um metabolismo semelhante. Talvez ele tivesse feito a mesma coisa consigo mesmo, antes de ser eleito para explorar as estrelas.

"Você é-?" hesitou Steve. Como eu, ele queria dizer.

Chekov não se esforçou para adivinhar o fim da frase. Na verdade, ele parou quase completamente, os olhos se arregalando por uma fração de segundo, olhando para o chão enquanto esperava que ele terminasse.

“Deixa pra lá,” murmurou Steve depois de um tempo.

Chekov exalou silenciosamente, os músculos relaxando; só então Steve percebeu o quão tenso ele estava. Isso era estranho, mas ele não teve a oportunidade de pensar muito nisso, já que Danvers entrou e os olhos azuis pálidos de Chekov imediatamente se colaram em seu tablet.

“E como estão esses resultados?” ela perguntou.

"Ele vai ficar bem", disse Chekov sobriamente. Ele acenou com a cabeça, e então saiu sem outra palavra. Steve o observou sair com uma sensação estranha crescendo em seu peito.

Danvers pegou o olhar de Steve e lhe deu um sorriso brilhante. “Ele é russo”, ela disse, “eles são mais quietos”.

“Ele é aprimorado?”

“Sim,” ela disse. “Não sei dos detalhes. Eu nem tenho certeza de quantos anos ele tem, para ser honesta. Ele está na SHIELD há mais tempo do que eu. Acho que ele trabalhou para o exército romeno antes disso, ou era da Ucrânia?” Ela deu de ombros. “Ele se ofereceu. Ele tem o que é preciso. É tudo o que importa."

Steve queria perguntar mais, queria perguntar se isso significava que Chekov era imortal como ele, mas ele realmente não sabia como explicar.

Ele olhou para a caneca de café que Chekov havia deixado ao lado da esteira; só então ele percebeu, que era para ele. Seu estômago roncou novamente.

"Café da manhã?" ofereceu Danvers.

Steve levou a caneca com ele quando saiu.

 

 

*

 

 

Comer era um negócio cansativo. No começo, Steve tentou fazer certo com Chekov, o que era uma linha de pensamento estúpida, já que ele na verdade, tinha acabado de conhecer o cara. Talvez ele só quisesse provar que ele estava errado. Mas ele se sentiu cheio após a primeira mordida e não conseguiu nem limpar metade do prato. Danvers não percebeu ou optou por não comentar; em vez disso, ela perguntou a Steve se havia alguma coisa que ele gostaria de recuperar de sua casa antes de se mudar permanentemente no quartel.

Steve pensou no martelo de Thor, pensou nas flechas de Clint, e disse não.

Ele ligou para seu vizinho, com quem dividia a terra, para dizer que poderia ficar com os campos de Steve se quisesse. Depois que ele desligou, ele pegou a bolsa que Danvers havia lhe dado – escova de dentes, sabonete, algumas roupas e outros itens essenciais – e foi para o quarto em que não havia conseguido dormir na noite anterior. Em sua prateleira vazia, ele colocou a caneca de Chekov, sem realmente saber o porquê. Era um tom tímido de vermelho, mas ainda assim, se destacava como a mancha de cor mais chamativa da sala.

Seu treinamento não começaria antes da tarde, então ele decidiu tentar encontrar Bruce.

O que se provou mais difícil do que o esperado. Ele não estava com os outros cientistas ocupados com o Ranger, e o resto do prédio estava praticamente vazio, e construído igualzinho um labirinto – Steve passou pelas fotos dos doze três malditas vezes. Toda vez, a escrita dourada no fundo atraiu seu olhar.

Danvers reagiu a isso, quando Steve citou a primeira linha do poema — tinha que ser um poema, certo? A voz no rádio fez soar como um. Mas e o bilhete de Thor? E o martelo de Thor? Por que ele havia caído da prateleira e quem escreveu o —

— Steve engoliu em seco, desacelerando nos corredores escuros. Não podia ser coincidência, realmente não podia. E o martelo do Thor — o martelo do Thor havia se movido. Ninguém podia fazê-lo se mover. Exceto o próprio Thor. E Thor havia escrito o poema da SHIELD no seu bilhete para Steve. As coordenadas deles haviam sido escritas na poeira ao lado do martelo. Alguém estava transmitindo o poema para Steve ouvir.

E daí? Thor tinha participado disso? Ele e a SHIELD mantiveram contato todo esse tempo? Ele sabia que eles estavam indo pro espaço? Ele estava mantendo Steve fora de um loop para o seu próprio bem, como Bruce disse que queria —

"Steve, olá."

Steve olhou para cima e percebeu que havia finalmente encontrado Bruce - o doutor estava sozinho em uma sala de aula enorme, cobrindo ua lousa com equações ilegíveis. Suas mangas estavam arregaçadas e ele tinha giz no cabelo; ele olhou para Steve com uma mistura de leve surpresa e preocupação.

"Tem algo de errado?"

Steve deve ter empalidecido muito para Bruce ter notado na penumbra.

“Bruce?” disse Steve. Ele hesitou, então perguntou: “Você sabe o que aconteceu com Thor?”

Bruce estremeceu um pouco, então ajeitou os óculos. “Não em detalhes. Ouvi... Ouvi dizer que ele se matou.

“Para ficar com a Jane,” disse Steve. "Sim."

“Apareceu nos noticiários”, explicou Bruce. "Eles... eles não mencionaram você."

“Eu não morava com eles. Eles apenas me ligaram para identificar os corpos.”

O Dr. olhou para baixo. Ele estava descalço, embora o chão provavelmente estivesse gelado. “Ontem, você me perguntou onde eu estava. Eu... eu acho que você merece uma explicação,” ele suspirou. “Mas eu receio que eu não tenha muitas desculpas para mim mesmo.”

Ele respirou fundo e exalou em uma rajada repentina. “Depois que o T — depois que o Tony morreu, eu fui embora como eu costumava fazer e eu… eu não pensei em voltar até que eles parassem de falar sobre vocêis no noticiário. Eu estava me mantendo ocupado. Sempre tinha uma desculpa para adiar meu retorno. Eu ficava dizendo a mim mesmo que tinha tempo. Até eu perceber que já fazia muito tempo e você devia estar morto.”

Ele ergueu o olhar, e seu rosto caiu um pouco quando Steve não reagiu ao seu discursinho calmo. Sua expressão angustiada ajudou Steve a se livrar de seu estupor.

“Você não precisa se desculpar”, ele disse. “Nós só nos afastamos. Acontece. E eu também não fui atrás de você até que ser tarde demais.

“Eu deveria saber que era você procurando por mim. Eu deveria saber que você não envelheceria”, murmurou Bruce. O canto de seus lábios se curvou em um meio sorriso triste. “Achei que era só eu. A aberração amaldiçoada.”

Steve exalou silenciosamente. Suas suspeitas quase formadas já estavam se dissolvendo. Thor não estava com eles. Talvez isso realmente fosse uma coincidência. Ainda havia a questão do martelo caído, ainda a questão das coordenadas traçadas na poeira e da voz no rádio; mas Steve tinha certeza, agora, de que Bruce não estava mentindo sobre isso.

“Você ficou na fazenda do Clint, não é?” perguntou Bruce.

Steve estava olhando para o chão; ele olhou para cima. "Isso."

“Ele é uma das razões pelas quais eu vim trabalhar aqui em primeiro lugar”, disse Bruce. “De verdade, eu não queria voltar para a fazenda. Mas estar no mesmo estado me fez sentir... um pouco melhor, eu acho. E então Danvers decidiu que eu era o homem ideal e construiu o novo programa espacial por minha causa. E você estava lá, todo esse tempo, e eu nem sabia.”

“Estou aqui agora”, disse Steve com um sorriso. "Acho que tenho que agradecer ao Clint por isso." Ele lambeu os lábios. “Bruce, desculpe, mas — eu tenho que perguntar de novo —”

"O Hulk?" sorriu Bruce um pouco cansado. “Ele ainda está aqui. Não poderia me livrar dele nem em um milhão de anos.”

Ele voltou para sua lousa e considerou aquele monte de linhas de equações. “Estamos bem, no entanto. Bem ok. Eu tive muito tempo para conhecê-lo. Acho que ele entende o que estou tentando fazer. Acho que ele está bem com isso.” Ele suspirou. “Ainda há tempo para desistir, Steve. Se houver um incidente depois da decolagem, não vai ter para onde ir.”

“Muitas outras maneiras de morrer lá em cima”, disse Steve.

Bruce não insistiu.

 

 

*

 

 

Voltando pra academia, Steve encontrou seu novo oficial russo sentado em um banco com um tablet no colo e outro na mão protética, o de carne e osso passando arquivos para dentro e para fora da tela. Seu cabelo sujo estava preso em um rabo de cavalo frouxo. Ele não deixou de notar Steve chegando, mas seus olhos pálidos não encontraram os dele; ele olhou para o chão quando lhe deu o tablet sobressalente.

"Aqui", disse ele. “Pode começar com isso. Decora tudo.”

“Vai ter um teste?”

"Um monte."

“Algum conselho?”

Chekov deu de ombros e disse em sua voz vazia: “Tenta ganhar uma estrelinha dourada”.

Steve bufou suavemente. Os olhos de Chekov se voltaram para ele e rapidamente desviaram. Ele ainda mantinha essa postura vazia e inquietante sobre ele, e ele parecia arisco, nervoso; mas Steve pensando bem, não podia culpar o cara. Se o que Danvers dissera sobre ele fosse verdade, ele provavelmente estava carregando um peso enorme.

O relógio de Chekov apitou. Ele puxou o prendedor de cabelo para soltá-lo novamente, as mechas descendo para emoldurar seu rosto, e se levantou da cadeira. "Hora do almoço", disse ele.

“Acabei de comer”, protestou Steve.

“Hora do almoço,” repetiu Chekov exatamente no mesmo tom, como se ele fosse um disco quebrado – Steve se perguntou se essa era uma característica dele ou algo assim.

"Tudo bem", disse ele, irritado. — “Mas você vem comigo.”

Chekov enrijeceu todo, costas retas e punhos cerrados, ainda encarando teimosamente o chão.

"Você não é meu treinador", disse ele bruscamente.

Steve se surpreendeu.

"Eu — sei que não", disse ele, intrigado. “Mas você tem que comer também. E também, a gente pode se conhecer, considerando —”

“OK,” interrompeu Chekov. "Tá bem"

Ele esfregou uma mão em seu rosto, e a tensão sumindo de seu corpo tão rápido quanto tinha aparecido. Seu cabelo comprido impedia que seus olhares se encontrassem mesmo que por acidente, e Steve se perguntou se ele deixava seu cabelo solto exatamente para esse propósito.

"Tudo bem. Vamos."

A caminhada até o refeitório foi silenciosa; Steve sentiu como se tivesse ofendido ele. Até porque, Chekov era o treinador dele; ele era o líder dessa missão. Steve faria bem em lembrar a si mesmo que não era mais o Capitão América, mesmo achando que o havia enterrado anos atrás. Chekov, porém, não deu mais detalhes, pegando uma travessa e talheres de plástico sem dizer uma palavra.

Eles encheram suas tigelas com arroz sintético e frango, então caminharam pela bagunça para encontrar uma mesa. Não deveria ter sido tão difícil — a sala estava quase vazia; mas Chekov não se sentava de costas para uma porta, uma janela ou para outra pessoa, o que não lhes deixava muitas opções. Foi estranho procurar um lugar por quase cinco minutos quando havia um monte a disposição; além de que as poucas pessoas que já estavam lá olhavam para eles de forma muito esquisita. Steve pensou que ele provavelmente não deveria nem ter notado nada disso e nem mencionou nada.

Mas quando Chekov quase tropeçou em seus próprios pés em seu esforço para se sentar sem levantar o olhar, Steve não pôde deixar de dizer: “Não é fã de contato visual?”

“Não sou muito fã, não,” murmurou em resposta.

Houve uma pausa enquanto ambos mexiam o arroz.

"Por que é você que está me treinando?" perguntou Steve eventualmente. O 'se você nem olha para mim' estava fortemente implícito. “Por que não a Danvers? Não que eu esteja reclamando, mas —”

“Come, Rogers.”

Steve parou no meio da frase. Seu nome naquela voz soou... soou estranho. Familiar. Foi um pensamento estúpido. Claro que seu próprio nome soava familiar. Ele mexeu no seu arroz e nuggets de frango, que tinham um gosto muito parecido com o que você esperaria de qualquer experimento militar em um planeta faminto.

“Danvers estava na Força Aérea até ser desmantelada, aí ela construiu o programa do zero”, disse Chekov por fim. “Ela inscreveu Banner para resolver a equação da gravidade. É ela que vai receber os resultados que ele enviar do Gargantua; ela é quem vai usá-los. Enquanto a Endurance estiver fora, ela que vai continuar treinando novos pilotos e novos cientistas. Ela e Banner são insubstituíveis.”

Ele comia calmamente, duas mordidas entre cada frase. "Mas eu não sou. Eu sou um peão. Eu sou a força e eles são o cérebro. É por isso que sou eu quem está treinando você. Temos a mesma função.”

Steve piscou – isso foi muito direto. Chekov não estava errado, mas a maneira casual com que falou de sua própria descartabilidade fez algo apertar no peito de Steve. Além disso, um piloto interestelar dificilmente era um peão.

“Quando Bruce me viu, ele disse que tudo seria diferente”, argumentou Steve.

"Aposto que sim", murmurou Chekov. Sua voz ainda estava muito baixa e estranhamente suave, como se ele estivesse conscientemente treinado para suavidade o tempo todo. “Um homem pode fazer a diferença. Você sabe disso melhor do que ninguém, Capitão.

“Não me chama assim”, implorou Steve. “É Steve. Ou – ou Rogers, se quiser.” Ele passou a mão pelo cabelo e olhou para as placas de identificação de Chekov novamente. “Posso te chamar de James?”

Chekov congelou. Steve sentiu como se tivesse ofendido ele novamente sem realmente saber como.

“Come”, ordenou Chekov novamente depois de um tempo, e os dois voltaram a mastigar o arroz esponjoso sem falar nada.

Comer tanto de novo era muito desagradável; parecia que seu corpo estava se tornando real novamente quando Steve esteve tão perto de deixá-lo completamente. Ele nunca parou de comer, não realmente. Mas ele tinha começado a reduzir suas refeições. Isso lhe deu uma vantagem, brusca o suficiente para cortar a desolação de sua vida. Após as primeiras semanas, seu metabolismo se adaptou. A fome deixou de ser dolorosa; transformou-se em algo leve e frio, uma desconexão que o ajudou a sustentar seu próprio peso.

Ter estado tão perto do limite e depois trazido de volta, feito para recomeçar – foi incrivelmente frustrante. Racionalmente, Steve sabia que era o melhor; mas ele não conseguia se livrar da impressão deprimente de que estava sendo obrigado a regredir, como um balão de ar quente puxado de volta para o chão.

Ele não estava bravo com Chekov, na verdade; mesmo com toda a secura, o cara estava apenas fazendo seu trabalho. E a maneira como ele comia, daquele jeito artificial, medido e deliberado, fez com que Steve tivesse certeza de que ele teria que aprender a comer tudo de novo também, em algum momento de sua vida. Então ele forçou o frango para dentro e limpou sua tigela de arroz.

"Tudo bem, peão", disse ele. “Eu comi todos os meus vegetais.”

"Estrela de ouro", murmurou Chekov.

Steve provavelmente deveria ter ficado com raiva, mas não pôde deixar de bufar uma risada. Chekov quase pareceu satisfeito com isso - a sombra de um sorriso tremeluzindo em seus lábios - e, embora tenha sufocado instantaneamente, Steve viu e se pegou pensando que talvez eles pudessem funcionar.

 

 

*

 

 

A primeira semana foi relativamente calma. Steve treinou e comeu e leu, depois treinou e comeu e leu, e passou o que pareceram horas na área médica sendo cutucado em lugares desconfortáveis – mas principalmente, ele leu. Os controles e a estrutura da Endurance não eram muito complicados para uma estação espacial desse tamanho. Duas naves formavam o aglomerado central — o heavy Lander e o mais ágil, o Ranger — em torno do qual orbitava um anel de módulos, constantemente em rotação para gerar gravidade artificial: habitat, laboratório criogênico, motores, comando, enfermaria e cápsulas de pouso. Quase todas as peças separadas tinham propulsores de hidrazina que forneciam capacidade de viagens órbita-superfície.

Era fascinante, ainda mais porque Steve ia viver ali, e ele estudou os dados armazenados no tablet do Chekov antes do sétimo dia. A rotina era boa para ele - ele voltou a seus hábitos militares como se nunca os tivesse deixado. Ele manteve sua frequência cardíaca na esteira e tentou manter um regime saudável no meio da bagunça, mesmo sentindo que estava mastigando montanhas de papelão molhado.

O programa era terrivelmente simples. Steve, Bruce e Chekov deixariam a Terra a bordo do Ranger, ancorariam a Endurance e entrariam em suas camas criogênicas. (Uma parte pela qual Steve não estava ansioso.) Chegar a Saturno levaria dois anos. Eles seriam acordados automaticamente, apertariam o cinto e conduziriam a Endurance pelo buraco de minhoca, terminando bem ao lado do buraco negro gigante, o Gargantua. O planeta do Quill era o mais próximo; eles iriam checar primeiro, então, se ele se mostrasse inabitável, eles iriam checar os do Daken e da Chávez; e no caminho, Bruce iria para uma cápsula de pouso e se lançaria no Gargantua.

O programa era terrivelmente simples, e Steve o odiava. Mas ele treinou e comeu e leu, e não disse nada.

Danvers almoçava com ele sempre que podia, fazendo perguntas aleatórias sobre o que ele estava aprendendo, às quais ele respondia perfeitamente todas as vezes – sua memória eidética lhe servia bem. Steve gostava bastante dela; ela era mais brilhante e mais enérgica do que qualquer pessoa que ele conheceu em mais de duas décadas. Sua atitude sem besteira era extremamente refrescante. E ela era jovem — realmente, jovem, não desgastada como Steve sob sua aparência enganosa. Steve se viu treinando lado a lado com ela na academia em todos os outros dias.

Bruce estava frequentemente ao redor dela quando não estava ocupado olhando para o quadro-negro em sua sala de aula vazia, e ele se juntava a eles no meio da multidão de vez em quando. Ter o Dr. tão perto fez o peito de Steve apertar com algo que não era bem felicidade e também não era tristeza – algo no meio termo entre os dois. Bruce pareceu entender e, embora nunca fugisse da presença de Steve, também tentou não o incomodar muito. Ele tinha muito o que fazer, de qualquer maneira. Todos eles tinham.

À noite, Steve saía quando não estava ventando muito, olhava para o céu e tentava se convencer de que tudo aquilo estava realmente acontecendo. Ele teve uma vida longa e já o pediram para acreditar em muitas coisas; no entanto, parecia que algo novo sempre surgia quando ele menos esperava.

 

 

*

 

 

Chekov estava se tornando ausente. Bem, mais ainda - o homem não era nada sociável para começar; mas para um comandante, ele estava espetacularmente distante. Ele só estava comendo com Steve quando ninguém mais podia estar lá. Obviamente, ele não confiava em Steve para comer sozinho; e Steve entendia, realmente entendia, e tentava não se sentir insultado, mas o incomodava como Chekov não aparecia sempre que Bruce ou Danvers estavam por perto. Ele não poderia ter deixado mais óbvio que Steve era só uma obrigação

“Você se enganou”, riu Danvers quando Steve contou a ela sobre isso. "Você é o único aqui que Chekov não trata como uma obrigação."

Steve arqueou uma sobrancelha. “Com certeza não é o que parece.”

"Porque você não o conhece", disse ela. “Ele é um misantropo. Ou melhor, algum tipo de eremita. Os arquivos antigos da SHIELD foram quase todos destruídos, então não tenho certeza de como ele vivia ou o que costumava fazer; mas sei que ele passou quase uma década sozinho antes mesmo de a Terra começar a virar pó. Ele pode ser civilizado com as pessoas – ele está administrando até que bem aqui – mas ele não precisa delas. É isso que o torna um candidato ideal para uma exploração no espaço profundo.”

E para abandonar Banner para sua morte em potencial, ela esqueceu de dizer, mas Steve não pôde deixar de ouvir. Lembrou-se de que, se não tivesse aparecido, a missão consistiria em Chekov lançar seu único companheiro em um buraco negro e permanecer sozinho, completamente isolado, a anos-luz da Terra. Para recomeçar toda uma civilização sozinho.

Steve cerrou os dentes contra as imagens. “Eu não entendo o seu ponto.”

"Ele está comendo com você", disse Danvers simplesmente.

“Porque ele é meu comandante e não confia em mim mesmo para comer sozinho”, sibilou Steve.

Ele queria chocá-la e imediatamente se arrependeu de seu impulso. Mas ela não parecia nem um pouco surpresa, nem desaprovadora de forma alguma, como se fosse perfeitamente compreensível e até bastante comum.

"Ele poderia ter pedido a qualquer um para cuidar de você", disse ela. “Em vez disso, ele mesmo está fazendo isso.”

“Só quando ninguém mais está lá.”

"Porque ele não gosta de pessoas", explicou Danvers novamente, pacientemente. “Exceto para você, aparentemente. Ele nunca se misturou na multidão antes de você vir aqui.”

Bem, Steve pensou, intrigado. Isso explicava os olhares estranhos que todos lançaram para eles naquela primeira vez.

Ainda assim, a ideia de que Chekov gostava de ter Steve por perto era desestabilizadora. Até agora, ele o fizera sentir exatamente o oposto. Eles nem estavam se falando muito, principalmente porque Chekov ficava paralisado regularmente toda vez que faziam isso – como se Steve continuasse pisando em minas terrestres escondidas. Ele queria que Chekov tivesse dito a ele o que estava errado; mas depois de Chekov tê-lo ignorado algumas vezes e agindo como se nada tivesse acontecido, Steve parou de perguntar.

No final da primeira semana, Danvers avisou Chekov que o conhecimento teórico de Steve sobre as principais funções e comandos da Endurance agora estava impecável; Chekov pegou de volta o tablet de Steve e o devolveu cheio de novas informações para absorver – desde definições gerais de objetos astrais até protocolos de segurança extremamente precisos.

A noite tinha caído uma hora atrás. Steve revirou os arquivos a tarde toda até que sua cabeça começou a zumbir e suas mãos começaram a tremer. Quando sua própria visão começou a embaçar - e sua visão nunca embaçava - ele imaginou que provavelmente havia exagerado um pouco. Era hora de uma pausa.

Ele estava subindo na esteira assim que Chekov entrou no ginásio. Ambos acenaram um para o outro, sem dizer uma palavra. Steve selecionou sua configuração favorita, aumentou um pouco só por diversão, tomou um gole de sua garrafa de água e começou a correr.

Ele correu por quinze minutos e trinta e dois segundos, então caiu abruptamente na esteira e desmaiou antes mesmo de bater no chão.

 

 

*

 

 

“Steve. Porra, Steve, vai. Steve!”

Quem quer que fosse, parecia enfurecido e à beira das lágrimas. Algo frio estava apertando o braço de Steve em um aperto dolorosamente forte.

"Steve, seu filho da puta, se você não acordar, eu juro por Deus..."

“Ei,” Steve falou arrastado. Ele sentiu como se algo tivesse morrido em sua boca. “’sso é jeito d-de falar c-quem acabou de desmaiar?”

O alívio esmagador que brotou naquela voz era tão familiar quanto a fúria tinha sido. "Meu Deus." A próxima frase já soava mais fria. “Você pode se sentar?” Sem tom e suavemente em branco agora. "Sem pressa."

Chekov, Steve pensou. Ele provavelmente devia tê-lo reconhecido antes. O aperto firme no seu braço se suavizou, e ele imaginou que devia ser a mão protética do cara. Era terrivelmente forte para um membro substituto. E fria pra caralho, também.

Mas Steve se sentiu quente. Chekov ficou quente. Steve se apoiou nele, cerrando os olhos, quase pronto para perder a consciência de novo - quando Chekov bateu na sua cara tão forte, que virou a cabeça de Steve, ele até perdeu a respiração por um segundo.

“Acorda”, disse Chekov friamente.

“- Mas que porra” protestou Steve, tentando se afastar de Chekov, sem sucesso. Ele se sentiu tão pesado, e seus olhos já começaram a se fechar de novo. “Você tá...”

Ele repassou os dois últimos minutos na sua cabeça, e franziu a testa. Espera. Isso era bem diferente para o que ele havia se candidatado na última semana.

“Você tá...” Ele tentou focar. “...você tá bravo comigo?”

“Não brinca” disse Chekov firmemente. “Quando foi a última vez que você dormiu?”

Oh.

Steve até esfriou de vergonha. Ele se forçou a abrir os olhos e se afastou de Chekov - depois de ter parado de piscar, ele percebeu que eles estavam ambos sentados no chão perto da esteira, que ainda estava rodando em velocidade máxima. Ele olhou para Chekov - e ficou um pouco chocado em ver que Chekov ainda assim não o olhava nos olhos, apesar de tudo. Ele olhava a clavícula esquerda de Steve ao invés disso.

“Quando foi a última vez que você dormiu?” Ele estava fazendo de novo, aquele lance parecendo um disco quebrado.

Steve engoliu em seco, desconfortavelmente, sua cabeça estava girando.

“Eu não sei”, ele finalmente admitiu. “Consegui algumas poucas horas antes de eu achar esse lugar”.

“Que foi oito dias atrás”. A tom de Chekov era parado como a calmaria antes de uma tempestade.

“Isso”.

Chekov não disse nada por um bom tempo. Steve percebeu que ele desmaiou, na verdade, apagou da mais pura exaustão. Ele não podia nem acreditar que não havia se sentido cansado, nem sequer pensou em dormir, até que seu corpo apenas colapsou.

“Eu aguento”, ele disse com uma voz subjugada, mesmo que obviamente não aguentasse.

Chekov permaneceu em silêncio, mas tirou o cabelo longo de frente dos olhos e se levantou. Ele parou a esteira, e então estendeu a mão, sem dizer uma palavra.

Steve piscou um pouco, então pegou a mão dele - era a real; a quente - e deixou que o puxasse para ficar de pé.

“Eu deixo você ficar sem jantar,” Chekov disse, “se você for dormir nesse instante.”

“Vou acordar logo”, murmurou Steve. “Sempre acordo.”

“Eu posso te sedar se você quiser.”

Steve olhou para ele meio preocupado; Chekov estava tenso e havia um leve rubor colorindo suas bochechas pálidas, e Steve levou um tempão até perceber que tinha sido uma tentativa falha de uma piada. Ele ainda deixou seus lábios se esticarem em um sorriso e foi recompensado com o alívio silencioso de Chekov.

“Não precisa”, disse Steve. "Eu vou ficar bem."

"Você tem que-"

"Eu sei. Vou cuidar melhor de mim. Desculpa."

"Você tem que dormir", insistiu Chekov.

Os olhos de Steve estavam se fechando novamente contra a sua vontade, e ele se sentiu vacilar um pouco. “Sinto muito, Buck, de verdade. Eu simplesmente não durmo muito mais.”

Ele foi respondido com um silêncio mortal.

Quando Steve ergueu o olhar para ver o que estava errado, os olhos azuis de Chekov estavam arregalados e imóveis, quase, mas não exatamente encontrando os dele – eles moveram até as maçãs do rosto de Steve e pararam ali.

"Do que você me chamou?" ele respirou.

Ele estava tremendo.

“O que?” disse Steve completamente confuso. “Eu... Chekov? Eu te chamei de Chekov. Você não queria ser chamado de James.”

“Não é o que você - e eu nunca disse -”

Ele se interrompeu e engoliu em seco, a garganta pálida subindo e descendo. E agora ele tá gaguejando, pensou Steve, confuso. Ele sentiu sua cabeça girar novamente e se perguntou se ele estava imaginando a situação toda.

Então Chekov olhou para o chão e assim, as coisas voltaram ao normal.

“Esqueça” ele disse em sua voz sombria e branda. “Vai dormir, Rogers. A gente se fala mais pela manhã.”

Ele soltou Steve com um pequeno empurrão. Steve nem tinha notado que Chekov ainda o segurava, e tropeçou contra a esteira. Sua bochecha estava quente onde Chekov o havia batido para mantê-lo acordado; ele deve ser muito forte. Talvez tão forte quanto Steve.

"Vai", repetiu Chekov, com uma pitada de ameaça real em sua voz, e Steve saiu da sala com os passos fracos.

 

 

*

 

 

Ele foi dormir e ficou inconsciente por quase quatro horas seguidas, o que foi um recorde para ele. Ele se deitou de costas por mais algumas horas; quando o sol pintou as janelas de prata, ele se levantou, trocou de roupa e saiu para passear.

Não havia vento para soprar areia em seu rosto, o que ele era grato. Sua respiração se enrolava em pequenas baforadas de vapor diante de seu rosto; o ar estava claro e cortante como a água da montanha. Ainda tinha gosto de ferro, mas Steve se acostumou depois de um minuto.

Ele ouviu um ruído fraco atrás dele, pés se arrastando na terra, e se virou para ver com o canto do olho. Ele não estava realmente surpreso ao ver quem era.

“Não adentre a doce noite apenas com ternura”, disse Steve por puro instinto. “Já ouviu falar?”

Se ele esperava uma reação instintiva, algo que pudesse dar uma pista sobre aquele maldito poema, ficou desapontado. Chekov não reagiu a não ser dando de ombros. "Claro. O pai da Danvers adorava essa linha. Acho que é Dylan Thomas.”

“Ah”, disse Steve. Talvez fosse realmente uma coincidência, então. Thor costumava gostar de poesia, e o poema combinava com as novas aspirações da SHIELD.

Não explicava as coordenadas na poeira ou a voz no rádio, mas Steve não sabia como perguntar a ninguém sobre isso. Ele não tinha certeza se tinha alucinado completamente. Tinha soado familiar. Talvez tudo estivesse na cabeça dele.

"Por que exatamente você não consegue dormir?" perguntou Chekov. Sua voz estava ainda mais baixa que o normal, quase inaudível mesmo na quietude da manhã.

Steve se virou para dar uma boa olhada nele. Chekov estava vestindo calças e jaqueta pretas, simples, mas sinistro. Steve então, se surpreendeu, em como ele parecia doente em geral, com sua barba e cabelo desgrenhado, seus olhos e sua voz vazia.

"Você é mais velho do que parece", disse Steve lentamente, com inflexão suficientemente para fazer soar como uma pergunta.

Chekov ainda não olhou para ele, mas Steve ainda assim pegou um tremor estranho que passou por suas feições. "Sim."

“E você é um soldado.”

Surpreendentemente, sua boca se curvou em um sorriso sem alegria por uma fração de segundo. "Sim."

"Então você sabe por que eu não durmo." Steve inclinou a cabeça para o lado. "Ei, a gente já se encontrou antes?"

A mudança brusca de assunto pareceu assustar Chekov de uma forma terrível — Steve não teria notado isso uma semana atrás, com a quantidade de controle que o cara exercia sobre si mesmo, mas era óbvio para ele agora; seus olhos se arregalaram, sua respiração ficou tensa. Steve ficou inquieto ao perceber o quão bem ele o conhecia depois de apenas oito dias – mesmo com Chekov fazendo ele se sentir como se nunca estivesse presente.

"Por que você pergunta?" rouquejou Chekov.

Steve deu de ombros. “A maneira como você falou comigo para me acordar? Não soou como um estranho. Parecia que você me conhecia.” Você me chamou de Steve.

Chekov lambeu os lábios, nervoso. Sua boca era surpreendentemente expressiva; geralmente delineada em uma linha reta e fina, mas ele estava inquieto e perdendo o controle sobre si mesmo, mostrando pedaços de seu verdadeiro eu. Steve se perguntou por que ele estava se esforçando tanto para permanecer impassível - ele tinha quase certeza de que Chekov estava deliberadamente esvaziando sua voz para torná-la tão vazia e robótica; sem mencionar sua recusa em olhar Steve nos olhos, o que parecia totalmente intencional.

Ele ainda estava tenso, ainda sem responder, e Steve começou a se sentir um pouco culpado. “Ei,” ele disse, “a gente não precisa...”

“Eu conhecia o Capitão América”, revelou Chekov. Ele fechou os olhos e continuou em um tom mais lento e hesitante: "Eu - era - um fã do Capitão América."

Steve piscou.

“Ah,” ele disse. Ele não sabia o que esperar, mas não era isso. Ele piscou de novo, repetiu, “ah”, então de repente começou a rir – podia não ser uma boa ideia, mas ele não conseguiu se conter. Quando ergueu os olhos, porém, Chekov não pareceu ofendido; apenas um pouco cauteloso, mas no geral aliviado. Ele até deu um sorriso hesitante, ainda sem olhar para Steve.

Steve ficou muito feliz em retornar de qualquer maneira. "Então esse é o problema?" ele perguntou. "Você estava com medo de parecer estranho?"

Seria por isso — segundo Danvers — que Chekov parecia gostar dele? Ele associava Steve com seu herói de infância? Em retrospecto, Steve podia ver por que ele queria esconder.

Chekov parecia um pouco infeliz agora.

“Está tudo bem”, Steve o tranquilizou. “Tive outros amigos interessados nessa parte de mim.” Seu coração se apertou um pouco quando ele se lembrou de Coulson e sua alegria genuína, como uma criança no Aero porta-aviões. Foi há tanto tempo. “Na verdade, é bom ter pessoas por perto que… sabe, se lembram de mim.”

“Eu me lembro de você,” murmurou Chekov.

Ele parecia tão desamparado que Steve não pôde deixar de dar um passo à frente; mas Chekov instantaneamente recuou, seu olhar subindo e descendo novamente - ele estava dividido entre sua recusa em olhá-lo nos olhos (timidez? Será que era isso?) e seu instinto animal.

Steve parou; ele não queria encurralá-lo.

"Está tudo bem", disse ele. "De verdade. Tudo bem."

Houve um longo momento de silêncio constrangedor. Chekov ainda parecia abatido. Talvez envergonhado por ter sido exposto, embora Steve realmente não se importasse.

"Então... quantos anos você tem?" arriscou Steve.

“Não,” rebateu Chekov.

Droga. Um passo pra frente e dois pra trás. Steve mudou os pés de posição, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta, e esperou que Chekov retomasse a conversa - era a única maneira que ele conseguia pensar para não falar algo errado e piorar as coisas de novo.

"Você dormiu?" resmungou Chekov eventualmente.

Steve deu de ombros novamente. "Quatro horas? Talvez?"

Chekov não pareceu feliz com a resposta. Ele ponderou por um segundo, então disse: “Dormir com alguém ajudaria?”

Steve ficou boquiaberto com ele, e Chekov revirou os olhos da maneira mais honesta possível. “Não daquele jeito. Eu quis dizer sobre não estar sozinho em seu quarto. Danvers ou Banner provavelmente te fariam companhia.”

“Obrigado”, disse Steve, enrijecendo-se um pouco, “mas posso me virar sozinho.”

Eu sei,” disse Chekov, soando quase exasperado. “Você não tem—”

Ele parou de repente; então ele suspirou. Seu relógio começou a apitar e ele o desligou. Quando ele falou novamente, sua voz voltou a ser inexpressiva e vazia. “Hora do café da manhã.”

 

 

*

 

 

Uma simulação de voo foi agendada para a tarde. Steve não iria substituir Chekov como piloto tão cedo, mas ele deveria saber o básico caso algo desse errado. Aprender tudo isso três semanas antes da decolagem era honestamente ridículo, mas eram tempos desesperados, supôs Steve. Além disso, ele teve treinamento. Estava um pouco datado, mas as viagens espaciais aparentemente não evoluíram muito desde os anos trinta.

O traje que lhe entregaram era cinza e branco, e um sorriso se formou em seus lábios quando ele viu a etiqueta. ROGERS. Ele não havia presenciado os primeiros passos do homem na Lua, mas ainda sentia algo parecido com alegria ao vestir seu próprio traje espacial.

"Certo", disse Danvers do lado de fora da sala. “Desliguem as luzes, pessoal. Rogers, Chekov, Banner, estão prontos?

“Pronto”, disse Banner.

“Vamos descobrir”, respondeu Steve.

Preso no assento ao lado dele, Chekov não disse nada.

As luzes se apagaram e a tela se acendeu. Steve prendeu a respiração; embora fosse falso, a curvatura da Terra era incrível. Os controles brilhavam suavemente no escuro, parecendo reais e sólidos sob os dedos de Steve.

A simulação começou lenta. Steve mexeu nos comandos sem se sentir muito idiota e conseguiu ajudar a atracar o Ranger na Endurance sem problemas. Eles entraram na cápsula de comando sem nenhum problema. A próxima sequência começou, presumindo que Steve e Chekov haviam se acomodado nos assentos dos pilotos e estavam controlando a estação, com Banner sentado atrás. Steve verificou tudo o que pôde. Parecia como ter que passar de novo no teste da carteira de motorista, só que mais emocionante.

Então algo pegou fogo.

Steve teve que se conter para não entrar em ação. Ele olhou para Chekov. Chekov não fez nada.

"Sargento?" chamou Bruce.

Chekov piscou e pareceu se recompor.

"Localize a área danificada", disse ele.

Steve piscou. Ele havia lido sobre protocolos de segurança o dia todo e tinha certeza de que Chekov tinha feito errado. “Corte o oxigênio primeiro”, ele rebateu.

Ele sabia que era uma simulação, mas no caso de um acidente real, o Hulk automaticamente se tornaria uma preocupação. Ele teve que dar uma distração a Bruce; poderia ser algo bem útil. "Bruce, preciso que você calcule o tempo exato que precisaremos para reiniciar o oxigênio, supondo que a gente não apague o fogo nos próximos cinco minutos."

“É pra já,” disse Banner suavemente.

Algo apitou alto no painel de controle, e Steve percebeu que Danvers havia adicionado uma chuva de asteroides à simulação. Chekov praguejou em russo e então, estranhamente, olhou para Steve.

Steve hesitou por uma fração de segundo e disse: “Assuma o volante, eu cuido do fogo”.

Chekov não disse nada, mas fez o que lhe foi dito. Steve levantou-se e voltou-se para as telas secundárias. “Localize e isole a área danificada—”

O visual oscilou descontroladamente, indicando que Chekov havia desviado para evitar um asteroide. Nenhum outro alarme disparou, o que significava nenhum dano.

Steve voltou sua atenção para sua tela. Uma das cápsulas no anel rotativo da Endurance estava piscando com uma luz vermelha. Não era a central de comando, já que eles estavam nela, não era a cápsula de criogenia ou de habitat ou a de pouso, mas—

“Os motores,” murmurou Steve. Ele alcançou o painel por puro instinto, preparando a autodestruição das seções do anel em cada lado da cápsula danificada. Ele apertou o botão direito e o módulo danificado se separou da estação com uma explosão impressionante que fez todos congelarem no lugar.

Todos o viram passar pela tela, girando no espaço, plumas de chamas permeando a seu lado por poucos segundos antes que o vácuo do espaço as sufocasse.

"Que merda?" disse Chekov. “Não tinha necessidade de—”

Então a cápsula explodiu.

 

 

 

*

 

 

 

“Por que a cápsula explodiu?” perguntou Chekov assim que a simulação terminou. “Os foguetes de magnetoplasma não são inflamáveis. Nem as usinas tokamak.”

“Mas o módulo tem propulsores adicionais”, disse Danvers. “Propulsores de hidrazina. E a hidrazina é altamente explosiva.”

"Eu sei disso! Eles deviam ser à prova de fogo!

Steve nunca o tinha visto tão zangado. Ele nunca o tinha visto demonstrar qualquer tipo de emoção de maneira tão expressiva antes - exceto talvez na academia, depois que Steve desmaiou em cima dele.

“É só uma simulação”, disse um assistente de laboratório sem noção.

Chekov rosnou para ele. “Eu sei que foi só uma simulação,” ele rosnou, o sotaque russo aumentando de repente, “porque eu não sou realmente estúpido!

O assistente saiu com o rabo entre as pernas e Chekov se voltou para Danvers como um cão raivoso. “O que eu gostaria de saber é por que o procedimento contra incêndios é jogar a porra do nosso motor no espaço e ver ele explodir!”

“Você foi muito lento em conter o fogo”, disse Danvers. “Se você tivesse sugado o oxigênio antes mesmo de isolar a cápsula danificada, as chamas não teriam tempo de se espalhar para os propulsores de hidrazina.”

Chekov calou-se bruscamente. Ele estava pálido e sabia - todos eles sabiam - que era sua culpa por não ter reagido rápido o suficiente.

"Como você sabia que era tarde demais para conter o fogo?” Bruce perguntou a Steve franzindo levemente.

Steve engoliu em seco. "Eu... não", disse ele, olhando preocupado para Chekov. “Temos três outros motores. Eu pensei... Prefiro arriscar perder um do que todos os quatro e nós junto com eles.

Os lábios de Danvers se curvaram. “Parece que você administrou bem aquela crise, capitão.”

Steve piscou. Ele tinha mesmo. Ele assumiu as rédeas sem nem mesmo parar para considerar que Chekov era mais experiente e mais qualificado do que ele para lidar com a situação. Ele abriu a boca, meio pronto para se desculpar, mas Chekov já havia saído de seu traje espacial; ele o entregou a um técnico de laboratório e saiu sem dizer mais nada.

Todos observaram a porta se fechar atrás dele.

Então Danvers voltou para a sala e bateu palmas. “Tudo bem, o show acabou, pessoal, nada para ver aqui. Reiniciem a simulação. Aqueles que tiverem os dados de que precisam, saiam da sala, nos deem espaço.”

“Isso é estranho”, refletiu Bruce em meio à conversa dos cientistas e técnicos ao seu redor. Ele ainda estava olhando para a porta que havia se fechado atrás de Chekov. “Não é nossa primeira simulação – quase morremos uma dúzia de vezes. Na verdade, morremos duas vezes. Isso nunca o incomodou antes.

“Talvez seja porque poderia ter sido evitado?” arriscou Steve.

"Isso também foi estranho", murmurou Bruce. “Ele estava distraído. Nunca vi ele perder o foco desse jeito.”

Steve não sabia o que dizer sobre isso, então começou a soltar o aparato médico que monitorava seus sinais vitais durante as simulações.

“Dar alguma coisa pra me distrair foi uma boa jogada”, acrescentou Bruce casualmente enquanto tirava seu traje espacial.

Steve sentiu-se corar ainda mais, engolindo seu constrangimento. “Sinto muito, Bruce - eu não queria-”

“Não se desculpe”, disse Bruce. "Estou feliz por você estar aqui. Fico feliz que você saiba do que sou capaz. Ninguém aqui nunca me viu transformar no Hulk.”

Steve parou e olhou para ele. "Sério?"

Bruce deu de ombros. “Às vezes acho que devia mostrar pra eles, só pra saberem com o que estão lidando. Mas não ter todo mundo pisando em ovos ao meu redor realmente ajuda a controlar a pressão.” Ele deu a Steve um sorriso de desculpas. “O menor de dois males.”

“Eu confio em você”, disse Steve. “De verdade. Quero que saiba disso.”

“Eu sei disso”, respondeu Bruce. “Eu não esqueci nossos dias de Vingadores. Você sempre foi um bom líder, Steve.”

Por alguma razão obscura, isso só fez Steve se sentir ainda mais culpado.

 

 

*

 

 

Danvers e Bruce não estavam por perto naquela noite, e ainda assim, Chekov não apareceu para jantar. Pela primeira vez desde que chegou, Steve comeu sozinho — ou melhor, sentou-se diante de um prato vazio sem encontrar motivação para enchê-lo. Seu estômago estava embrulhado de qualquer maneira; ele não conseguia parar de pensar na raiva de Chekov no simulador. Ele se sentia culpado por comandar a situação, mas o que mais o incomodava era algo que ele não conseguia identificar. Tudo o que sabia era que não queria decepcioná-lo mais.

Ele esperava que Chekov fosse encontrá-lo na academia, mas ele não veio, e Steve completou seu treinamento noturno sozinho. Ele esteve tão sozinho por tanto tempo que demorou um pouco para perceber que realmente desejava que Chekov estivesse ali. Sua ausência era incômoda, como a crosta de um machucado, e Steve se perguntou mais uma vez porque ele se acostumou tanto com ele quando eles não fizeram nada além de se repelirem desde que se conheceram. O que foi há dez malditos dias.

Steve tomou banho e obedientemente se deitou na cama à uma da manhã. Ele olhou para o beliche vazio acima dele por uma hora inteira, depois outra, depois outra; então praguejou baixinho e se levantou, caminhando em direção à porta.

O corredor estava frio, mas não foi isso que fez Steve congelar.

Chekov estava lá.

Ele estava se afastando do quarto de Steve e não se virou - embora devesse tê-lo ouvido abrir a porta - fazendo parecer que tinha acabado de passar; e Steve talvez acreditasse nisso no primeiro dia, mas agora ele já conhecia a base de uma ponta à outra, e sabia que a única porta no final do corredor dava para um armário de vassouras.

Além disso, porra, eram quatro da manhã.

“Ei,” disse Steve.

Chekov parou, então relutantemente se virou. Seu uniforme preto estava sujo, com grandes manchas claras de poeira, como se estivesse se sentado no chão. Steve olhou rapidamente nos ladrilhos na frente de sua porta e, sim, algo tinha roçado na sujeira ali. Como alguém se levantando com pressa.

Steve não sabia o que achar isso, mas a silhueta curvada e solitária de Chekov no corredor mal iluminado o fez fazer a única pergunta em que conseguiu pensar. "Você está bem?"

Chekov riu. Não era um som muito agradável.

“Não”, ele respondeu. "Não particularmente."

“Você também não consegue dormir”, adivinhou Steve. "Consegue?"

“Não é da sua conta,” murmurou Chekov.

"É, se você passa suas noites olhando pra a minha porta."

Chekov suspirou e esfregou o rosto, os dedos deslizando sob as mechas sujas de seu cabelo. “Eu não faço isso. Eu apenas me sentei aí por um minuto.”

"Por que?" perguntou Steve.

Nenhuma resposta.

“Sinto muito por mais cedo”, tentou Steve. “Eu não deveria ter assumido o controle daquele jeito.”

“Você salvou nossas vidas simuladas”, respondeu Chekov sombriamente.

"Mesmo assim. Eu não devia—”

“Sim, você devia. A cadeia de comando não significa muito quando você está morto. Você assumiu e nos salvou. Foi o que você fez. Ele torceu os lábios no que parecia um sorriso. “Ninguém ficou surpreso com isso. Nem a Danvers, e certamente nem o Banner. Eles esperavam que você fizesse isso.”

“Não estou aqui para te substituir.”

"Sim, você está. Você é o herói original. O primeiro Vingador. Você é a porra de um farol de esperança.

“Eu nunca quis-” Steve se interrompeu. O que ele pretendia fazer não importava mais. Mas esse homem passou anos se preparando para o que Steve agora estava conquistando depois de apenas uma semana de treinamento; e isso não estava certo.

“Você quer que eu me retire da missão?” ofereceu Steve. “Porque eu vou se—”

“Sim,” disse Chekov.

Steve piscou. "Desculpa?"

"Eu disse sim. Volta pra sua fazenda.”

Steve não soube o que dizer.

"Você não achou que eu aceitaria a oferta, não é?" rosnou Chekov. “Achava que eu era muito nobre? Foda-se, Rogers. A gente pode morrer muito bem sem você.”

Steve franziu a testa. Espera.

"Você está..." Ele fez uma pausa. Ele deve ter entendido errado, mas— “Você está tentando me proteger?

Chekov respirou fundo e quase o olhou nos olhos, se segurando no último segundo. "O que?" ele disse com a voz tensa. "O que você – porra, porque eu insinuaria-"

“Você acha que a missão vai falhar”, disse Steve. “Você está tentando me proteger.”

Chekov não disse nada por muito tempo; ele parecia impassível e sombrio como sempre, mas respirava um pouco alto demais no escuro.

"Você não é dispensável", disse ele finalmente.

Steve esperava um discurso retórico sobre a falta de experiência e treinamento; O murmúrio amargo de Chekov o pegou desprevenido. "…O que?"

"Eu te disse. Somos peões.” Chekov engoliu em seco. “Você é melhor do que eu. Cada parte de você é melhor. Eu consigo ver isso. Todo mundo está começando a ver isso. Mas eles acham que isso faz de você um tipo melhor de peão. Eles estão errados pra caralho.” Sua voz estava realmente tremendo. “Não somos da mesma espécie. Você não é sem valor. Você não é dispensável. Você não pertence a esta missão.”

Chekov estava tão perturbado que estava esquecendo de controlar o tom de voz; sua voz crepitava como uma fogueira, rouca e áspera, mas carregando o mesmo calor. Parecia que ele estava com tanta dor que Steve quase podia sentir o rastro dela. Isso o perturbava, ter um estranho se importando com ele tão intensamente, aparentemente sem motivo depois de três décadas de solidão.

"Então, o que?" disse Steve. “Vou voltar a cuidar dos meus campos até o fim dos tempos?”

Chekov não disse nada.

“Vou morrer de qualquer jeito”, continuou Steve. Espero, ele cautelosamente não acrescentou. “Prefiro morrer fazendo algo útil.”

“Parte da missão é lançar Banner em um maldito buraco negro.”

“Parte da missão é salvar toda a raça humana.”

“Я не уверен, что они заслуживают спасения”, murmurou Chekov melancolicamente.

O russo de Steve era quase inexistente, mas ele captou a essência mesmo assim. Não foi um palpite muito difícil.

“Bem, você parece pensar que pelo menos eu mereço ser salvo,” ele arriscou.

Chekov fechou os olhos e balançou a cabeça um pouco, como se houvesse algo que ele não pudesse expressar ou explicar. Assim que Steve deu um passo à frente, porém, ele recuou; mas desta vez, Steve não cedeu e chegou o mais perto que ousou. Chekov estava quase vibrando de tensão, e Steve queria acalmá-lo, mas não sabia como - nem mesmo entendia o que estava causando isso.

"Você pode olhar pra mim?" ele perguntou. "Por favor?"

Chekov exalou, então olhou para cima e encontrou o olhar de Steve.

Steve ficou surpreso - ele não esperava que fosse tão simples, mas era como se Chekov estivesse esperando que ele perguntasse.

Seus olhos eram de um azul mais pálido do que nunca. Agora que estava olhando diretamente para ele, Steve podia ver que seu rosto era muito, muito mais expressivo do que aparentava. Era magro, com bochechas encovadas e maçãs do rosto salientes, mas seus lábios eram cheios, seus olhos tão grandes e enrugados nos cantos. Era quase demais encará-lo - como olhar para o sol, e Steve sentiu-se cambalear.

“Olha, Bucky,” ele começou desajeitadamente, “Eu devia ir. Com você, quero dizer. Não posso simplesmente ficar para trás.”

Chekov fechou os olhos novamente e seu rosto se contorceu de dor como um homem sofrendo de um ataque cardíaco. Steve piscou, confuso - o que ele disse? - mas então Chekov riu um pouco, e foi o som mais triste que Steve já ouviu. “Não”, ele murmurou, “claro que não pode.”

Steve estava tão confuso que foi quase um alívio quando a personalidade insípida de Chekov voltou ao seu lugar. "Esqueça. Faz o que você quiser."

Ele abaixou a cabeça e foi embora.

"Espere", disse Steve, agarrando seu braço sem pensar - e Chekov se desvencilhou de seu aperto com tanta violência que quase jogou Steve contra a parede. Steve cambaleou para trás como se tivesse se queimado; ele agarrou o braço esquerdo de Chekov e distintamente sentiu as placas de metal sob a jaqueta.

Eles se encararam por um segundo, tenso e ofegante, antes de ambos perceberem que nenhum deles havia tentado atacar o outro. Chekov tinha acabado de confirmar o que Steve havia adivinhado; ele era tão forte quanto ele, talvez até mais forte.

“Desculpa,” murmurou Chekov, desviando o olhar.

“Minha culpa,” disse Steve. "Não deveria ter agarrado você."

Houve outro momento de silêncio constrangedor.

“Não acho que você seja um peão descartável”, disse Steve.

Chekov era quase humano demais, na verdade. Ele estava explodindo com uma emoção crua que lutava para esconder atrás de uma parede de suavidade. Ele era desconcertante, sombrio e brilhante, era um pessimista misantrópico que estava prestes a embarcar em uma jornada maluca para salvar a raça humana, e foi o suficiente para Steve se livrar da apatia de três décadas sem sentir nada.

“Eu não acho que você é dispensável. Não posso aceitar em pensar desse jeito. Não quando você está aqui, colocando sua vida em risco pelo resto de nós.

Ele se aproximou um pouco mais. “E também não posso aceitar que a missão esteja fadada ao fracasso. Eu simplesmente não vou. Na semana passada, senti que toda a esperança estava perdida. Agora... agora, temos uma chance. Uma chance real. Mas não posso me trancar com você se não me quiser lá.” Ele sabia tudo sobre equipes desmoronando por falta de confiança. Ele sabia tudo sobre os perigos do confinamento e das lutas internas. Sem o apoio de Chekov, não fazia sentido. "Por favor. Eu quero estar lá. Não me faça ficar para trás. E por Deus, não me obrigue a fazer isso sozinho.”

Chekov parecia confuso. “Você ficaria se eu pedisse?” ele perguntou.

“Eu tô pedindo que não”, respondeu Steve vividamente.

Chekov olhou diretamente para ele por um instante ou dois - parecia que ele estava apontando uma arma para ele, fez a pele de Steve se arrepiar, o deixou sem fôlego - então Chekov baixou os olhos novamente.

“Não,” ele murmurou, então estremeceu e passou a mão pelo rosto; seus ombros caíram. “Não, claro que não vou. Você tem razão. Me desculpa."

Steve se sentiu tão aliviado que não pôde deixar de sorrir para ele. "Obrigado", disse ele, tentando transmitir o quanto ele estava sendo sincero.

Os olhos de Chekov se ergueram para ele novamente, e ele sorriu de volta, um pouco; era um sorriso pálido e enferrujado, mas era real, e seu rosto sombrio parecia quase doce assim - olhos enrugados, lábios hesitantes se curvando, e tanta seriedade. Quase infantil. Não durou, voltando rapidamente à tristeza e exaustão novamente; mas ainda durou o suficiente para o coração de Steve se contorcer no peito.

Ele tinha a sensação de que Chekov não sorria muito.

“Mas então você tem que dormir pelo menos cinco horas por noite”, disse Chekov de repente, “e terminar seu prato em todas as refeições.”

Steve piscou. "... Você está me chantageando?"

“Estou,” disse Chekov facilmente. “Se isso for o que é preciso.”

“Você já me deu sua permissão, não pode retirá-la.”

"Mas eu ainda posso fazer você passar por um inferno."

Steve ainda estava sorrindo. Chekov deveria assustá-lo - Steve ainda não sabia ao certo qual era o problema com ele - mas não importa o quão confuso e sem emoção ele se esforçasse para ser, havia algo tão agradável sobre o cara. E Steve também não conseguia deixar de confiar nele, assim como não conseguia deixar de respirar.

O relógio de Chekov apitou; ele o encarou, então desligou. “Vamos, então, Rogers.”

"Pra onde vamos?" perguntou Steve, seguindo-o pelo corredor.

"Pro futuro."

 

 

 

 

 

 

 

Chapter 3: Homens loucos, raptores do sol

Notes:

Me desculpem pela demora para postar, estive ocupado nas últimas semanas, mas aqui está, aproveitem :)

Chapter Text

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O futuro começou com ainda mais comida.

Eram apenas cinco da manhã e o café da manhã só seria servido em apenas duas horas; mas Chekov, com o rosto inexpressivo como sempre, invadiu a cozinha com habilidade infalível e arrastou Steve, perplexo. Eles vasculharam os armários por alguns minutos, depois se sentaram no balcão com pão e geleia em vez do cereal com textura de papelão que deveriam comer. O pão estava velho e congelado e provavelmente valia mais que ouro no momento — Steve não via um havia quase cinco anos.

Chekov desembrulhou sem cerimônia e colocou no micro-ondas para descongelar.

Steve estava sem prática com a torradeira e queimou completamente o pão na primeira tentativa; estragou muito na segunda também, mas o cheiro de pão torrado o deixou com fome, com fome de verdade. Estava crocante e queimado nas bordas e ainda muito quente, e a geleia estava fria, pegajosa e açucarada, e era tão boa que deixou sua cabeça agitada.

“Melhor quando é roubado”, foi tudo o que Chekov disse.

Ele estava assistindo Steve comer como se tivesse visto o nascer do sol.

 

 

*

 

 

Os próximos dias pareciam uma trégua. Steve ainda estava lutando para entender Chekov, mas sentiu que Chekov agora estava pelo menos tentando ajudá-lo nessa jornada; e havia parado com suas tentativas passivo-agressivas de afastar Steve da Endurance — ou de si mesmo. Ele estava se esforçando para ser mais aberto, quase visivelmente lutando contra sua própria natureza silenciosa, mas obviamente odiava falar sobre si mesmo. (Quando Steve perguntou se ele já havia estado no espaço, Chekov respondeu secamente: “Acho que sim”, o que realmente não fazia o menor sentido.)

Steve não pôde deixar de sentir que Chekov estava sendo enigmático apenas para se divertir; mas então ele se repreendeu - o cara estava se esforçando tanto. Steve simplesmente não tinha certeza do que havia feito para ganhá-lo. Talvez fosse apenas porque eles teriam que se dar bem uma vez que estivessem presos juntos no meio do nada.

Estava começando a cair a ficha - eles iriam deixar esta terra. Salvar o mundo não era nada estranho pra Steve, mas isso era diferente. Isso era pegar o mundo nas costas e mergulhar no desconhecido.

Ele fez o melhor que pôde para voltar ao auge da sua saúde. Ele ficou quase magro - o mais magro que pôde, desacelerando seu metabolismo aprimorado por tanto tempo. O volume recém-reformado de seus músculos o fazia se sentir desconfortável, enorme e desajeitado, como se fosse grande demais para sua própria pele. Isso o lembrou dos primeiros dias depois de ter sido injetado com o soro. Danvers não fez nenhum esforço para facilitar a transição, assobiando para ele nos corredores; na verdade, ajudou um pouco - o fez rir e o reafirmou de que era assim que ele deveria estar. Bruce não comentava abertamente sobre isso, mas sempre tinha um lanchinho para Steve comer sempre que eles se cruzavam. (Na maioria das vezes, eram mirtilos secos - Bruce parecia ter suprimentos infinitos disso em seus bolsos, o que era uma escolha estranhamente específica.)

Dormir, porém, era outra história.

Steve não conseguia simplesmente enfiar sono goela abaixo e esperar que desse certo igual fazia com a comida. Chekov, quieto e sombrio, obviamente levou para o lado pessoal por algum motivo estranho - mais um mistério a acrescentar à lista. Ele ficava perguntando a Steve se ele tinha dormido e parecendo melancolicamente chateado quando Steve dizia não, ou, é, algumas horas.

Por fim, Steve declarou que tentaria dormir no dormitório com a equipe da SHIELD. Chekov estava um pouco mais alegre naquele dia - o que não dizia muito -, mas a noite de Steve foi um fracasso retumbante. A equipe soltou uns risinhos e sussurrou quando ele entrou na sala. Steve ficou bem acordado, apesar de todos os seus esforços, por umas boas quatro horas. Ele conseguiu pegar cerca de trinta minutos de sono, acordou com um sobressalto, passou alguns minutos ouvindo todos dormindo ao seu redor antes de sentir que o estavam irritando; e saiu de fininho do quarto para ir ver o nascer do sol, apesar do vento violento que soprava areia em seu rosto.

No dia seguinte, ele voltou para seu quarto vazio com quatro lugares. Chekov não disse nada sobre isso.

Até dois dias depois, quando Danvers anunciou que a tripulação da Endurance dormiria no mesmo quarto nos últimos quinze dias antes da decolagem.

"Ah, sério?" perguntou Steve.

Ele olhou para Chekov que estava sentado perto da janela com os braços cruzados, decididamente não olhando para ninguém.

Danvers reuniu os quatro na sala de aula de Bruce para seu pequeno anúncio; ela estava sentada na mesa do professor, as botas firmemente no assento da cadeira. Dos quatro, ela era a mais violentamente colorida. Bruce ainda se vestia como da primeira vez que Steve o conheceu, com uma camisa desbotada e calças velhas; Chekov sempre usava preto, e Steve geralmente usava camisetas brancas lisas e fardas cor de areia. Danvers, porém, vestia vermelho, dourado e preto-azulado, e a metade direita de sua cabeça estava tão bem raspada como nunca, o cabelo loiro caindo do outro lado.

“De quem foi a ideia?” perguntou Steve.

“É um procedimento,” disse Danvers alegremente.

Steve tinha quase certeza de que era mentira.

"Tudo bem se todos nós nos mudarmos para o seu quarto?" ela continuou. “Eu fico com a beliche de cima, professor.”

“Não vou brigar com você por isso”, respondeu Bruce com um leve sorriso. "Mas você não precisa dormir com a gente."

“Só porque não vou embora com vocês, não significa que não faço parte do time.”

Fazia sentido que pessoas que se preparavam para ficarem juntas se espremessem em um pequeno espaço por um longo período, para experimentar essa proximidade forçada; mas deveria ter demorado mais para que o experimento valesse alguma coisa. Steve tinha quase certeza de que isso era coisa do Chekov.

Bem, pelo menos assim eles poderiam ver se alguém roncava. Steve não tinha muita coisa, exceto suas roupas, escova de dentes e a caneca vermelha de Chekov, que ele nunca devolveu, na pequena prateleira sobre sua cama; ele não tinha argumentos contra a mudança deles.

Eles fizeram aquilo naquela mesma noite, com abordagens totalmente diferentes.

Danvers: ficou com o beliche superior, jogando suas coisas na cama de frente para a de Steve antes de subir a escada, já sem vestir nada além de uma boxer e uma camiseta grande da SHIELD. Ela não demorou muito para dar boa noite a Steve e virar as costas para ele, enterrando-se sob as cobertas. Ela adormeceu quase na hora e Steve se sentiu estupidamente com inveja.

Banner: não entrou antes das duas da manhã, de meias e sem trazer nada; olhando para ele, você pensaria que ele estava morando em um cortiço, em vez de estar se preparando para uma viagem interestelar. Ele apenas tirou as calças antes de ir para a cama, escolhendo a que estava embaixo da de Danvers, e mexeu no tablet por mais uma hora antes de finalmente colocá-lo de lado para dormir.

Chekov: nunca apareceu.

 

 

*

 

 

Ele também não apareceu na noite seguinte, nem na próxima. Na verdade, ele desapareceu quase totalmente. Steve só o via de relance durante o dia, cruzando com ele nos corredores ou no setor médico; mas isso foi tudo. Chekov havia se transformado em fantasma mais uma vez.

Steve ficou desproporcionalmente ferido e se odiou por isso. Ele se sentia abandonado, e a pura irracionalidade desse sentimento não o impedia de estar ali, encaixado entre as costelas de Steve e pesando em seu peito, um pouco mais pesado a cada noite que Chekov não aparecia.

Danvers nem se importou. Quando Steve finalmente achou tempo para mencionar isso a ela, quando se cruzaram no corredor, ela deu de ombros. “Eu disse que ele não era muito sociável.”

“Achei que fosse um exercício obrigatório”, protestou Steve, sentindo-se como uma criança tendo um ataque de raiva, já que, por que isso importava?

“Olha, Steve”, disse Danvers – o tom de aço que Steve ouvira na voz dela no primeiro dia estava de volta. “James Chekov está sofrendo de uma forma profunda de Transtorno de Estresse Pós-Traumático.”

Não deveria ter sido uma surpresa, mas o estômago de Steve ainda se contorceu.

“Há um século, ninguém teria deixado ele entrar num programa espacial. Mas não podemos nos dar ao luxo de ser exigentes.” Ela sorriu agressivamente. “E Chekov é um puta astronauta, Steve. Ele sabe como manter a cabeça fria, é um piloto brilhante e de verdade, ele sabe como trabalhar com as pessoas. Ele simplesmente prefere ficar longe deles tanto quanto possível. Não é minha função repreendê-lo por isso.”

“E quando estivermos na Endurance? Para onde ele irá então?” perguntou Steve. Era uma objeção lógica e razoável, mas ele se sentia ainda mais ridículo do que antes. Ele não deveria ter ficado tão fissurado com isso, realmente não deveria.

“Existem dois habitats”, Danvers encolheu os ombros. “Eu te disse, a Endurance foi originalmente planejada para abrigar uma dúzia de pessoas. Na verdade, vocês terão espaço suficiente para que ele fique fora do caminho se sentir necessidade.”

Mas foi ele quem sugeriu que todos nós dormíssemos juntos, pensou Steve com raiva. Ele não deveria saber disso - ele nem tinha certeza se estava certo – e ele já tinha feito papel de bobo o suficiente, então tudo o que disse foi: "Sim, senhora."

“Bem,” disse Danvers facilmente. "Por assim dizer."

Ela se virou e foi embora.

Mas Steve nunca foi muito bom em deixar as coisas passarem. O fato de Chekov ter aparentemente voltado a apatia robótica dos primeiros dias – sem sequer olhar nos olhos de Steve – certamente não ajudou.

Eles não se falavam direito há quase três dias, quando Steve decidiu abruptamente que não aguentava mais. Chekov podia ter Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Chekov podia ser um maldito misantropo, mas isso não explicava inteiramente o modo como ele se comportava com Steve — abrindo-se num dia e fechando-se no dia seguinte. E Steve estava ficando cansado de ser tratado por todos como uma criança desadaptada, quando obviamente não era o único com problemas.

Steve não estava dormindo de qualquer maneira; poderia muito bem fazer algo de útil de noite.

 

 

*

 

 

Danvers adormeceu com a mesma rapidez e facilidade de sempre naquela noite. Bruce demorou um pouco mais, mas, eventualmente, Steve teve que presumir que estava dormindo - ele não se movia há mais de uma hora. Steve afastou as cobertas silenciosamente e saiu da sala, perfeitamente silencioso em pés descalços.

Ele teve a noite inteira para encontrar Chekov. Ele não tinha certeza do que faria depois, mas não aguentaria mais uma noite sem dormir se perguntando onde estava.

Os corredores estavam escuros e vazios. A areia que cobria a Terra não conseguia penetrar no prédio tão facilmente como acontecia na fazenda de Clint, mas ainda havia uma fina camada de sujeira cobrindo o chão; parecia macio e granulado sob a planta dos pés. O vento uivava lá fora. Por instinto, ele caminhou em direção à sala de aula de Bruce.

A porta estava fechada; Steve a abriu com um cuidado exagerado, tanto que demorou quase um minuto — mas pelo menos, fez isso em completo silêncio. A sala estava preenchida pela luz prateada do luar que entalhava grandes quadrados na escuridão. Steve ficou ali, ouvindo, mas o vento soprava ainda mais forte ali, fazendo as janelas tremerem. Depois de um tempo, ele se convenceu de que não havia ninguém lá dentro. Se virou e continuou andando pelo corredor.

Então ele parou e olhou para o chão.

Havia pegadas na poeira. Grande demais para ser as de Danvers, e Bruce não usava botas – ele estava sempre descalço ou de meias.

Steve se virou novamente para a sala de aula. Ele deixou a porta entreaberta e não teve problema em empurrá-la para se esgueirar.

Debaixo da mesa, pensou ele, ele sempre gostou de se esconder embaixo da mesa. Era um pensamento muito estranho que parecia ter sido vomitado por seu cérebro reptiliano – um conhecimento instintivo tão antigo e natural quanto a necessidade de respirar.

Ele caminhou até a mesa como se estivesse em um sonho e então contornou-a suavemente.

Chekov estava lá. Ele estava enrolado no chão com um braço cruzado sob a cabeça. Ele ainda estava com as botas e as roupas. Ele estava dormindo como um soldado em uma zona de guerra, silencioso e imóvel.

Ele parecia terrivelmente jovem.

Steve de repente se sentiu muito desconfortável, observando-o dormir como um completo idiota. Ele queria chamar seu nome, pelo menos deixá-lo saber que estava aqui; mas por uma fração de segundo ele foi absolutamente incapaz de lembrar, como se duas línguas diferentes estivessem lutando pela predominância em sua mente, como se sua boca estivesse tentando formar dois nomes diferentes ao mesmo tempo.

Então os olhos de Chekov se abriram — e ele era Chekov novamente.

“Tвою мать!”

Ele se levantou tão de repente que Steve recuou até um armário de suprimentos e quase o derrubou. Ele tentou firmá-lo com uma mão enquanto estendia a outra para provar que ele não era uma ameaça – de repente ele não conseguia se lembrar no que diabos estava pensando. O que ele estava fazendo? Chekov nem sequer era tão amigável com Steve – na verdade, deixou bem claro que queria ser deixado em paz – então por quê?

Foi como se um transe tivesse sido quebrado. Steve lembrou-se agora de que não conhecia Chekov e que Chekov não lhe devia nada.

“Merda”, repetiu Chekov, desta vez em inglês. Ele engoliu em seco e se firmou visivelmente, depois fez uma careta. "Me assustou pra caralho."

“Me desculpa”, gaguejou Steve. Ele estava vermelho de vergonha. "Me desculpa mesmo. Eu estava... eu só...” — Ele estremeceu. “Eu estava procurando por você”, ele disse sem muita convicção.

Chekov olhou para ele por um longo tempo. Ele não parecia zangado. Apenas extremamente cansado.

Depois de um minuto de silêncio, ele balançou os longos cabelos e se afastou para abrir espaço atrás da mesa. “Vem cá, Steve”, disse ele, cansado.

O uso indiferente de seu primeiro nome deveria ter soado estranho, mas não soou – ele fisgou dolorosamente em seu peito, como uma fome, uma saudade. Steve sentou-se calmamente ao lado dele, sem nunca desviar o olhar dele. Chekov retribuiu o olhar, e Steve não deveria ter ficado tão aliviado com isso, mas lá estava ele, pateticamente preso as migalhas de atenção que Chekov lhe daria. Ele não entendia nada sobre o que estava sentindo.

“Sinto muito”, disse Chekov abruptamente. “Eu sei que você está confuso. Eu também estou."

Ele passou a mão pelo cabelo bagunçado.

“Eu sei que não sou fácil de conviver, mas estou tentando melhorar isso.”

Steve de repente se sentiu o maior idiota do mundo. "Não é sua culpa." Ele hesitou, mas, quem não arrisca... né? “Se vale de alguma coisa, gosto de estar perto de você.”

“Bem, você está sozinho há muito tempo”, brincou Chekov, “seus padrões não devem ser muito altos”.

Steve deu um meio sorriso ao ouvir isso. Então ele suspirou e encostou-se na mesa, olhando para o teto iluminado pela lua. Ele se lembrou de Sam Wilson, há mais de oitenta anos.

“Cama muito macia, hein?” ele disse.

“O chão também é muito macio”, disse Chekov.

Houve um longo silêncio.

“Estamos indo para as estrelas”, disse Steve lentamente. “Vamos deixar a Terra em duas semanas. Sinceramente, nunca em minha vida imaginei que isso fosse acontecer.”

“Confie em mim”, murmurou Chekov, “nem eu”.

Steve olhou para ele novamente. Ele sentiu como se algo estivesse remexendo em seu interior novamente, o instinto de passar o braço em volta dos ombros dele. Para dividir o calor. O cara parecia tão frio o tempo todo.

“Você, ah. Quer invadir a cozinha?” ofereceu Steve.

Chekov olhou para ele, um pouco surpreso; mas então o fantasma de um sorriso emaranhou-se em seus lábios. "Sim", ele murmurou, "okay."

A cozinha não ficava longe e invadir foi fácil, como sempre. Era muito cedo para o café da manhã e nenhum dos dois estava com fome, é claro. Então eles fizeram chocolate quente e foi a melhor coisa que Steve já bebeu.

Eles beberam por um tempo em um silêncio amigável, então Steve pigarreou.

“Eu tenho que dizer - que sinto que você ainda está tentando me proteger de alguma coisa.”

“Eu estou”, disse Chekov.

Sua franqueza foi um alívio. Steve assentiu e disse: “Olha, não vou te perguntar o que exatamente. Eu… eu confio em você, sabe? Mas eu posso cuidar de mim mesmo. E estou pensando que talvez... talvez você devesse confiar em mim. Você não precisa cuidar de mim o tempo todo.”

Chekov olhou para ele. “Você estava morrendo de fome”, disse ele. "Você estava morrendo de fome e não estava dormindo."

Ele parecia tão arrasado com isso, irritado e angustiado ao mesmo tempo - mas tudo isso de uma forma reprimida, atenuada, como se ele continuasse se sufocando mesmo agora.

“Você não precisa cuidar de mim”, repetiu Steve.

Chekov não negou que era isso que ele estava fazendo. Houve outro silêncio, mais longo e pesado que o primeiro. Então ele disse em voz muito baixa: “James”.

Steve piscou. "O que?"

"Se você vai me chamar de alguma coisa", ele lambeu os lábios, "que seja de James."

Outro silêncio.

Então Chekov — James — disse, bem lentamente: “O beliche acima do seu está livre, certo?

Steve tentou reprimir o grande sorriso que ameaçava surgir em seu rosto. “Hm... sim”, disse ele. “Cê precisa de ajuda para tirar o colchão?”

James pareceu pego de surpresa; mas então ele encolheu os ombros. "Claro."

Eles voltaram para o quarto. Steve estava quase tonto, sem nenhuma razão concebível. Danvers ainda dormia profundamente, roncando um pouco; Steve não tinha muita certeza sobre Bruce, mas se ele estava acordado, não demonstrou. O colchão foi removido e James subiu no beliche acima do de Steve sem dizer uma palavra ao se deitar no compensado áspero e bruto. Ele não tirou a roupa nem os sapatos, apenas se enrolou ali e ficou imóvel.

Steve deitou-se em sua própria cama. “Obrigado,” ele murmurou. "Boa noite."

Houve um silêncio, depois a voz rouca de Chekov respondeu hesitantemente: “Boa noite”.

Steve fechou os olhos, se perguntou o que Danvers teria a dizer sobre tudo isso, mas nunca descobriu por que adormeceu abruptamente.

 

 

*

 

Quando ele acordou na manhã seguinte, a luz do dia entrava pela janela. Steve sentiu-se tão desorientado que demorou um minuto para entender o que havia acontecido. Bruce estava sentado na cama de frente para ele, trabalhando em seu tablet; ele sorriu para Steve.

“Qu...” Steve se levantou, piscando. "Que horas são?"

“Onze horas da manhã”, disse Bruce alegremente.

A boca de Steve caiu aberta. “E você me deixou dormir?”

"Sim. A propósito, feliz aniversário.”

Demorou mais um minuto para registrar.

Deus. Ele havia esquecido. Era 4 de julho. Ele tinha cento e setenta e oito anos. Em exatos treze dias, ele seria lançado ao espaço em direção a um buraco de minhoca que levaria a outra galáxia.

Bruce jogou para ele uma pequena caixa de plástico. “Aqui seu presente.”

Steve o abriu; era um mp3 prateado, completo com um conjunto de fones de ouvido.

“Eu mesmo fiz”, disse Bruce. “Usando um dos designs antigos de Tony. Você pode recarregá-lo com o calor do corpo – só de deixá-lo no bolso já deve adiantar. E, uh, já tem dois terabytes de música nele.”

Steve olhou para ele.

“Bruce”, disse ele, perplexo. "Obrigado."

Bruce sorriu para ele. "É pra isso que são os amigos?"

Ele se desdobrou da posição de pernas cruzadas e levantou-se do beliche. “Falando nisso”, disse ele, “Chekov disse para deixar você dormir, sob pena de morte, e ele tem espantado os técnicos de laboratório pelas últimas três horas. Você deveria dizer a ele que ele pode descansar agora.”

 

 

*

 

 

 

James ainda ficava quase mudo em um dia bom, mas ele estava novamente, uma presença sólida, silenciosa e constante ao lado de Steve, e Steve não poderia estar mais grato. Pela primeira vez em muito tempo, seus dedos ansiavam por um lápis. Ele se pegava continuamente olhando para James sempre que podia, absorvendo suas feições e seu andar, a maneira como seu cabelo caía e a maneira como ele se portava. Ele pensou que provavelmente não deveria fazer isso.

A maior parte da SHIELD concordava. Eles obviamente não conseguiam entender como alguém poderia apreciar a companhia contínua de um homem tão sombrio e sinistro. Chekov era um fantasma residente; ninguém falava com ele e ele não falava com ninguém.

Eles não sabiam como, à noite, Steve levantou um de seus fones de ouvido até o beliche de cima para que uma mão de metal o pegasse; eles não sabiam como Steve adormeceu ao som da batida lenta de Blue Jeans Blues, sabendo que James também estava ouvindo do outro lado. Eles não sabiam das batidas noturnas na cozinha ou das sessões bem tardes na academia. Eles não sabiam do humor inexpressivo de James e não sabiam que Steve dormia a noite toda com mais frequência graças a ele.

Principalmente, eles não sabiam o que James fizera pelas emoções entorpecidas de Steve. Parecia que o sangue retornava a um membro adormecido. Irritante, sim, desconfortável, às vezes ainda estranho, mas no final das contas tão insuportavelmente bom.

James parecia o certo. Ele parecia... parecia real, como nada mais e ninguém mais parecia. Steve quase pensou que podia senti-lo, sentir a vibração de sua existência sem precisar olhar para ele. Tudo nele era mais vívido. Talvez fosse por isso que ele estava constantemente esvaziando a voz e desviando os olhos – para não machucar ninguém com a intensidade queimando em seu âmago. Foi estúpido e sentimental, mas Steve não pôde deixar de pensar nisso; ele sabia que sentia que ia pegar fogo toda vez que James olhava para ele por mais de dois segundos seguidos.

E Steve sabia que sua obsessão por James era quase certamente um péssimo sinal — tinha gosto de loucura. Mas ele continuou dizendo a si mesmo que estava exagerando. Porra, pode até ser verdade. Trinta anos de solidão ampliariam até as amizades mais sem sentido.

De qualquer forma, James parecia não se importar em sair com ele.

 

 

*

 

 

As últimas duas semanas antes da decolagem foram as mais agitadas pelas quais Steve já havia passado – e ele já esteve em diversas guerras. Os três astronautas passaram até que bem - James estava quieto e estoico como sempre e Bruce a própria imagem do relaxamento - mas todos os outros estavam em histeria. Steve treinava até dezesseis horas por dia; o traje espacial era como uma segunda pele para ele agora, e ele tinha certeza de que conseguia desmontar a Endurance e reconstruí-la até dormindo.

Então chegou o dia do teste de criogenia.

Steve sabia há muito tempo que esse dia chegaria, mas não estava nem um pouco ansioso por isso. Ele sabia que a conservação em criogenia era essencial para longas viagens no espaço. Ele sabia que não era nada como ficar preso em um avião afundando com água gelada o incapacitando, lenta e inexoravelmente.

Ainda.

Foi um marco importante para todos, como se colocar os astronautas num estado alterado os aproximasse um passo do vazio estrelado. Quando Steve se levantou - Bruce e Danvers já estavam a caminho - ele olhou para o beliche de James sem pensar e ficou surpreso ao encontrá-lo sentado ali, de costas para a parede, os olhos um pouco arregalados e as mãos cerradas desigualmente em punhos.

James nunca estava lá de manhã - ele dormia menos do que Steve agora e geralmente ia para a academia para treinar cedo, esperando Steve se levantar para que pudessem tomar café da manhã juntos.

"James?" perguntou Steve.

Sem resposta.

"James? Você vem?"

James estremeceu e depois olhou para Steve. Ele soltou um suspiro trêmulo que parecia ter segurado por muito tempo. Ele se encostou contra a parede, abaixando a cabeça para não bater no teto, como se estivesse tentando se encolher. Ele abriu a boca para recusar, mas fisicamente não conseguia falar então balançou a cabeça violentamente.

Uma forma profunda de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, a voz de Danvers ecoou na mente de Steve.

James era obviamente cauteloso com relação aos cuidados médicos - Steve o viu hesitar por uns cinco minutos antes de se sentar na cadeira do dentista, segurando um recuo toda vez que alguém com jaleco se aproximava dele. Ele também não suportava que ninguém tocasse seu cabelo ou sua cabeça e odiava os capacetes dos trajes espaciais. Ainda assim, ele nunca teve um ataque de pânico desses antes.

Steve hesitou. Ele sabia que alguns veteranos eram claustrofóbicos, mas James parecia não conseguir se encolher o suficiente, encolhendo-se cada vez mais — como ele tinha se encolhido embaixo da mesa — e encostando-se no canto da cama.

Talvez tenha sido por isso que Steve achou que não havia problema em perguntar: “Posso subir?”

James não reagiu por alguns segundos, tempo suficiente para que Steve se arrependesse de sua oferta; mas então ele assentiu bruscamente.

Subir a escada foi como regressar a uma infância há muito perdida. Steve não se lembrava muito da sua e não pensava nisso, mas enfiar-se no espaço entre o teto e a estrutura metálica da cama era algo natural. Ele não tentou tocar James mais do que parecia necessário, contente com suas coxas e a lateral de seus corpos se pressionando. Isso pareceu ajudar um pouco James, e ele exalou trêmulo novamente.

“Missões no inverno?” perguntou Steve eventualmente.

James engoliu em seco, e então novamente. "Algo parecido."

“Eu fiquei congelado uma vez”, disse Steve.

"Eu sei."

Steve sorriu um pouco. “Claro que você sabe. Você é meu fã número um, sempre esqueço.”

James estava olhando para um ponto fixo o tempo todo, mas então se forçou a olhar para Steve. Seus olhos estavam arregalados e assombrados.

"Você não tem medo?" ele perguntou em voz baixa e rouca.

“Estou”, disse Steve honestamente. "De verdade. Bastante. Mas de qualquer maneira, tudo isso de viagem espacial me aterroriza. E, elas não são geladas. As camas. A Danvers disse. Elas não são geladas de verdade.”

James estava tremendo. Steve se pegou pensando que ele realmente não estava em condições de ser colocado em uma estação espacial, não se ainda estivesse lutando ativamente contra seus fantasmas - mas ele afastou esse pensamento. Ele não tinha o direito de pensar isso, não quando ele próprio estava tão confuso. Não quando eles tinham a porra do Hulk com eles. Isso não era diferente dos Vingadores, de pessoas que não deveriam ter permissão para serem heróis, mas que eram heróis de qualquer maneira.

Além disso, Steve não achava que conseguiria ir pro espaço sem James Chekov.

O pensamento era enorme e incongruente — ele só conhecia James por — toda a sua v— por três — três séculos — três a— três seg— por três semanas, três malditas semanas, mas Steve poderia se preocupar com isso mais tarde, porque James parecia como se estivesse desmoronando.

“Ei,” disse Steve suavemente.

Ele estendeu a mão timidamente, depois parou no meio do caminho. Ninguém tocava em James, e a última vez que ele tentou não deu muito certo. Ele olhou para o braço de metal de James. Estava totalmente a vista hoje – James ainda ia para a cama totalmente vestido, mas ultimamente ele começou a pelo menos tirar a jaqueta; por baixo, ele usava uma regata preta que revelava o metal brilhante e as placas vibrantes.

Steve fechou os olhos e os abriu novamente. Algo se remexeu dentro dele, como engrenagens girando e clicando ao contrário.

Ele estava olhando para o braço. Foi a primeira vez que ele realmente tinha visto inteiro, e ele estava vendo algo que não tinha visto antes. O ombro havia sido arranhado, roído, com marcas profundas e irregulares. Onde deveria ter tido um símbolo. Estava riscado. Deveria haver algo.

“Está faltando uma estrela”, disse Steve com uma voz estranha.

Sua visão se estreitou em um túnel à prova de som ao seu redor, pulsando junto com seu coração, batendo em seus ouvidos. Ele ficou hipnotizado pela mancha brilhante no ombro. Sua cabeça doía.

“Está faltando uma estrela”, ele repetiu, com a testa franzida em concentração. Sua própria voz parecia vir de muito longe. Havia algo no limite do seu alcance – na ponta da língua. A enxaqueca estava ficando mais aguda.

Alguém estava conversando com ele. Alguém emoldurou seu rosto, forçando-o a desviar o olhar. Steve piscou lentamente para os olhos que agora olhavam para ele – a emoção bruta naqueles olhos, a tristeza e o pânico.

“Não, meu Deus, Steve, não, isso não”, a voz era rouca e frágil, engasgada, “não por causa disso, Steve, meu Deus, porra...”

Algo estalou e Steve piscou, a visão voltando ao normal em um susto. O zumbido em seus ouvidos parou. James estava bem aqui, pálido como a morte, sem fôlego, realmente pálido, como se alguém tivesse enfiado a mão em seu peito e agarrado seu coração. Ele estava... ele estava segurando o rosto de Steve.

"James?" perguntou Steve, alarmado. “James, algum problema? O que aconteceu?"

James olhou para ele com os olhos arregalados por alguns segundos; então ele caiu contra Steve, respirando ofegantemente no que se transformou em uma espécie de risada.

“Nada”, disse ele, “nada. Nada aconteceu."

Suas mãos escorregaram e se transformaram em punhos na camisa de Steve.

“Rogers, Chekov?” chamou Danvers do lado de fora da sala. “Bora!”

“James”, insistiu Steve em total confusão.

Mas James o afastou abruptamente e passou as pernas pela beira da cama para pousar suavemente no chão; então ele saiu praticamente correndo da sala.

 

 

*

 

 

Steve ainda não estava vestido; ele perdeu vários minutos vestindo seu traje de criogenia e alcançou James bem a tempo de vê-lo sendo posto para dormir.

A expressão no rosto de James o assustou. Ele não se preocupou de usar um traje de criogenia – ele estava com uma boxer; seu corpo parecia que não via o sol há muito tempo. Sua expressão estava mais vazia do que nunca, com algo animal gritando no fundo de seus olhos. Ele olhou para Steve quando ele entrou, depois desviou o olhar e não o encarou novamente, obviamente tentando ao máximo controlar a respiração.

Ele não resistiu quando o deitaram na cama criogênica, não recuou, apenas olhou para o teto com os olhos arregalados até fecharem a bolsa em volta dele como um cadáver. Disseram que ele já estava dormindo quando a água o inundou e a concha de plástico se fechou em torno dele. Steve esperava que fosse verdade. Ele se sentiu enjoado, muito enjoado, como se estivesse traindo James – como se devesse ter impedido que isso acontecesse de alguma forma.

Quando o soltaram, menos de dez minutos depois, James ficou sem resposta por um longo minuto. Steve queria ir até ele, mas os técnicos do laboratório não o deixaram passar e ele não podia insistir sem fazer uma cena, mesmo estando convencido de que James estava em estado de choque.

Então James acordou do transe, sacudiu a água do cabelo, não olhou para ninguém e saiu da sala imediatamente.

E de repente Steve se deparou com sua própria câmara criogênica.

“Eu...” ele disse, de repente.

Ele conseguiria, pensou. Se James conseguiu superar seu trauma, Steve também conseguia. Mas ele também achou que James estaria . Ele olhou para a cama, olhou para o respirador que eles enfiariam em sua garganta, olhou para o saco plástico que se fecharia em volta dele e já sentia como se não conseguisse respirar.

“Capitão Rogers”, alguém chamou.

A cabeça de Steve estava uma bagunça. Ele queria voltar para James e perguntar o que havia acontecido no quarto – ele teve um ataque de pânico? Steve teve um ataque de pânico? Ele honestamente não conseguia se lembrar – estava tudo muito confuso. Ele não queria fazer isso agora, mas não podia simplesmente pedir que adiassem. Eles não tinham tempo. Eles não tinham tempo para nada.

“Steve”, disse uma voz muito mais suave e gentil.

Foi Bruce. Ele devia ter ido primeiro; ele segurava uma toalha nos ombros, os cabelos ainda úmidos, mas parecendo calmo como sempre. “Precisa de um minuto?”

Steve olhou para Bruce com olhos suplicantes. “Eu... não”, ele mentiu. "Estou bem. Só... você pode... você vai...?

“Vou ficar aqui”, disse Bruce calmamente, olhando-o nos olhos. "Eu prometo."

Steve engoliu em seco. Isso ajudou um pouco, mas o que ele realmente queria era o peso sólido da presença de James — a realidade disso, como se isso pudesse ancorar Steve no tempo e garantir que ele não dormiria por mais setenta anos.

"Okay", ele disse, "Okay."

Ele fechou o zíper do traje criogênico e entrou cautelosamente na cama de plástico. Parecia horrivelmente um caixão; quando se deitou, Steve teve que lutar contra uma explosão de pânico e mordeu o respirador que colocou em sua boca. Parecia errado. Ele queria que tudo acabasse.

Fecharam o plástico em volta dele e Steve não aguentou – ele desapareceu mentalmente, mentiu para si mesmo, fingiu que estava acontecendo com outra pessoa.

Por alguns minutos que pareceram uma eternidade, ele ficou no escuro. Ele não estava consciente, mas também não estava inconsciente. Ele estava preso, incapaz de se mover.

Então a vida voltou a fluir em suas veias, e ele estava se levantando para o brilho cegante da luz médica, água escorrendo de sua boca, eles já haviam aberto a câmara de criogenia, estavam ajudando ele a sair aos tropeços, e lá estava Bruce pelo canto de sua visão, fazendo perguntas, e Steve só assentiu e negou e continuou repetindo que estava bem até que o deixaram sozinho e ele pôde sair pelo corredor, longe da atenção de todos, e correr para o banheiro, cair de joelhos e vomitar no banheiro.

Ficou ali muito tempo, engasgando, chorando, com o cheiro azedo da própria sujeira enchendo seu nariz. Uma mão gentil passou por seu cabelo, afagou seu pescoço, e ele se sentiu ao mesmo tempo envergonhado e miseravelmente grato por quem estava ali.

“Ei”, disse alguém com a voz rouca.

Steve se engasgou e depois ergueu os olhos. Era James, agachado ao lado dele. Ele estava tão perto. De repente, ele era quase real demais, de uma forma que Steve não conseguia compreender, como se o resto do mundo fosse feito de fumaça.

“Sinto muito,” murmurou James. Seus olhos estavam úmidos e vermelhos.

Steve, desajeitadamente, agarrou a mão que colocou em seu ombro e apertou-a. Ele não se importava mais; ele estava feliz por estar aqui. Quando James apertou de volta, Steve estremeceu, lambendo os lábios. Ele queria puxar James para perto e segurá-lo, mas não deveria fazer isso.

"Merda, Steve, vem cá." E então os braços sólidos de James o envolveram e Steve poderia ter chorado de alívio. Ele apenas fechou os olhos e respirou fundo na camisa.

“Sinto muito”, repetiu James com a voz estrangulada.

“Obrigado”, exalou Steve. “Não vá. Por favor. Eu só... é como se... tudo ficasse muito... muito mais fácil quando você está por perto... e nem sei por quê. Sinto que deveria... eu deveria saber. Ele enrolou os dedos na camisa de James. “O que está acontecendo, Buck?” ele perguntou melancolicamente, sem fôlego, sentindo como se a sala estivesse girando em torno deles. "Que merda tá acontecendo?"

James o segurou com mais força.

“Estou bem aqui”, disse ele, em vez de responder às perguntas sem sentido de Steve. Ele parecia bravo consigo mesmo. “Vou ficar bem aqui.”

 

 

*

 

 

Naquela noite, James enfiou-se na cama de Steve sem perguntar. Steve não protestou, apenas se mexeu desajeitadamente no colchão estreito para abrir espaço enquanto Bruce e Danvers fingiam não notar. Eles dormiam de costas um para o outro, como soldados preservando o calor. Steve adormeceu com uma espécie de gratidão desesperada, ainda tremendo um pouco contra as costas de James de vez em quando.

Quando ele acordou, sua mente estava mais clara e ele se sentiu mais fundamentado. Deitado muito imóvel no colchão, com James contra ele, ele relembrou os acontecimentos do dia anterior.

Ele se lembrou da câmara de criogenia, mas o antes e o depois estavam confusos. Algo sobre o braço de James. Um deles teve um ataque de pânico. Provavelmente Steve. Ele se lembrava vagamente de ter vomitado e balbuciado bobagens. E algum tipo de raiva e impotência na voz de James enquanto ele abraçava Steve, enquanto prometia que ficaria...

De repente, Steve percebeu como eles eram. Dois homens inexplicavelmente atraídos um pelo outro e alojados juntos em um prédio cheio de camas vazias.

O pensamento tirou o ar de seus pulmões, principalmente porque nunca havia passado por sua cabeça antes e ainda assim a possibilidade não era tão improvável, considerando todas as coisas. Ele simplesmente não estava acostumado com isso – ele nunca teve tempo para isso em sua vida. Nunca quis, na verdade. Depois de um tempo ele começou a pensar que talvez Peggy tivesse sido uma exceção, talvez ele não conseguisse sentir essas coisas com a mesma facilidade que os outros. Mas agora Chekov estava despertando velhas dúvidas.

Foi essa a razão pela qual eles chegaram tão perto tão rapidamente? Dava pra ser explicado por algo tão trivial?

Steve pressionou-se insensivelmente contra as costas de James e se perguntou clinicamente como seria se virar e beijá-lo. Como ele reagiria. Steve não conseguia imaginar nada além do habitual olhar indiferente de James, e isso fez seu peito apertar.

O mundo estava acabando. Que a medida de um lampejo de intimidade? Tudo era maior que eles. Tudo era maior que isso. E daí se Steve se virasse e beijasse nos lábios rachados do sargento James Chekov? Isso não impediria que a atmosfera se enchesse de nitrogênio e não salvaria Bruce de seu destino. Não faria nada pela humanidade e pelos amigos que Steve havia perdido.

Ele fechou os olhos e esperou que alguém acordasse e iniciasse o dia.

 

 

*

 

 

Mas o pensamento não saía de sua mente tão facilmente. Steve estava começando a entender exatamente o quão fechado James tinha sido até então. Toda a SHIELD estava completamente perplexa com a amizade deles e estavam sendo cada vez menos sutis sobre isso.

Não ajudou o fato de aparentemente todos esperarem uma briga de gatos entre o veterano sombrio e o novato sem noção. Em vez disso, Chekov e Rogers tiveram a ousadia de se dar bem. As pessoas sussurravam com eles nos corredores e às vezes apontavam abertamente para eles quando comiam juntos. Várias vezes, Steve se deparou com um bando de cientistas sussurrantes que calaram a boca abruptamente e se dispersaram ao vê-lo. A cada dia ficava mais óbvio que todos presumiam que Steve Rogers e James Chekov estavam dormindo juntos.

Steve teve que admitir que essa era a razão mais provável para uma proximidade tão repentina e inexplicável. Ele ficou esperando Danvers se sentar com ele e ter uma conversa sobre fraternidade, mas isso nunca aconteceu.

James parecia não se importar em nada com o que as pessoas diziam sobre ele.

 

 

*

 

 

Faltavam apenas seis dias para a decolagem.

“Alguma despedida?” perguntou Bruce no almoço.

Eles estavam comendo sozinhos; James estava fazendo uma corrida no simulador. Steve balançou a cabeça.

“Não tenho ninguém”, disse ele. “Já falei para o meu vizinho que ia embora, para ele tomar conta da minha roça. Não vou deixar ninguém para trás.” Um instante, então ele perguntou: "E você?"

Bruce deu-lhe um pequeno sorriso. "Também não." Ele esperou e depois disse baixinho: — No final das contas não ajuda muito, não é?

Steve pensou sobre isso.

Após a morte de Sam, ele parou de procurar novas pessoas, mantendo-as à distância porque não suportava a ideia de perder mais ninguém. Ele esperava que assim pudesse alcançar o esquecimento sem se matar. Mas, a longo prazo, talvez tivesse sido melhor ter companhia, ter corrido o risco, mesmo que isso significasse aprender a chorar com as perdas de novo, e de novo e de novo. Certamente teria sido mais corajoso.

Bruce não teve escolha; o Hulk não o deixaria acabar com a própria vida. Ele sabia disso há mais tempo do que Steve, e talvez isso o tenha ajudado um pouco a aceitar isso - depois de uns cem anos de solidão, ele tinha um controle tão perfeito sobre suas emoções que Steve não ainda não poderia lê-lo.

“Bruce”, disse Steve do nada.

Ele se conteve por um mês, mas agora... agora ele simplesmente não conseguia mais ficar em silêncio. “Eu sei que você não precisa que eu lhe diga isso, mas tenho que dizer. Eu… eu não consigo aceitar isso. O buraco negro. Você não merece isso.”

“Você não sabe o que eu mereço”, respondeu Bruce calmamente. Ele hesitou e depois acrescentou: “Se eu encontrar o que procuro, isso me permitirá sair do buraco negro. Teu tenho que fazer isso, se quiser enviar os dados de volta para Danvers.”

"Bruce, caralho!" protestou Steve, horrorizado. “É suicídio completo! Você teria deixado Tony fazer uma merda dessas?

O rosto de Bruce caiu um pouco e Steve se arrependeu de suas palavras.

“Desculpe”, ele disse. “Mas, Bruce... tem que ter outro jeito. Eu não posso...” Ele conteve as palavras. Se ele não pudesse fazer isso, não teria por que fazer parte da missão. Capitão, não é sua decisão.

Mas toda vez que tentava imaginar apertando o botão que enviaria a cápsula de Bruce em direção ao desconhecido, ele sentia um enjoo no estômago.

Bruce suspirou e passou a mão pelos cachos despenteados.

“Eu entendo onde você quer chegar. Eu posso te prometer uma coisa. Se eu achar outra maneira, vou tentar. Isso não é suicídio.” Ele sorriu. “É sacrifício.”

E bem, Steve não pôde dizer nada sobre isso então sorriu um pouco, como se dissesse: você me pegou. Mas os sacrifícios deveriam acontecer no calor do momento, sem tempo para arrependimentos. Isso... isso era lento e prolongado, e devia ser um peso esmagador e insuportável de carregar. Steve sabia que isso o deixava louco toda vez que pensava nisso.

“Como vão as coisas com Chekov?” perguntou Bruce do nada.

Steve piscou para ele. Era uma pergunta inocente, mas Bruce estava olhando, os olhos suavemente divertidos, com uma sugestão de sorriso nos lábios.

“…Bom,” disse Steve cautelosamente. "Por que você pergunta?"

Bruce encolheu os ombros. “Eu o conheço há cinco anos. Você o conhece há um mês.

As implicações eram dolorosamente óbvias, mas a última coisa que Steve queria era reconhecê-las. E claro, Bruce estava tentando mudar de assunto.

“A missão era para ser só vocês dois”, rebateu Steve. “O que ele pensa sobre jogar você em um buraco negro?”

“Não tenho ideia”, disse Bruce calmamente. “Não conversamos muito.”

 

 

*

 

 

“As pessoas estão comentando”, Steve disse a James uma noite.

Eles estavam sentados lado a lado na cama de Steve, compartilhando novamente os fones de ouvido dele. Wish You Were Here estava tocando baixo em seus ouvidos.

James encolheu os ombros, imperturbável como sempre. "Deixa eles falarem. Vamos sair do planeta em dois dias.”

Steve tentou processar essa informação, cair a ficha, mas não conseguiu. A coisa toda parecia absolutamente irreal, não importa o quanto ele estivesse treinando para isso. Era difícil compreender a vastidão do espaço quando ele estava escondido naquele quartinho quente, espremido contra James em um beliche, como se aquilo fosse um acampamento de verão.

“Não quero jogar Banner num buraco negro”, disse Steve em voz baixa. “Eu sei que o destino da humanidade depende disso e tal. Mas não está certo. A gente nem sabe ao certo se vai ser bom para alguma coisa.”

James não disse nada. Ele concordou com a missão muito antes de Steve aparecer. Mas ele deixou Steve se chatear com isso e, bem, isso já era alguma coisa.

We’re just two lost souls swimming in a fish bowl, cantou Pink Floyd. Year after year.

“Você não quer saber o que estão dizendo sobre nós?” perguntou Steve, voltando à conversa anterior - caramba, James teria que falar sobre pelo menos uma dessas coisas.

“Já sei o que eles estão pensando”, disse James.

"O que você está pensando?"

James não disse nada. Ele olhou para a caneca vermelha que deu a Steve, ainda na pequena prateleira encostada na parede; então seus olhos se desviaram.

How i wish, cantou a música. How i wish you were here.

 

 

 

*

 

 

 

Erskine sorriu para Steve e abriu a máquina de Howard para ele entrar.

Quase um século e meio depois, Danvers sorriu para Steve e fechou a porta do Ranger atrás dela. Eles nunca mais a veriam, exceto talvez em vídeos, conversando através do vazio.

Parecia irreal.

Parecia muito real.

Steve viveu tanto tempo, mas tudo estava acontecendo rápido demais. Ele fez as últimas listas de verificação no modo automático, grato por seu treinamento ter sido ensinado o suficiente para que ele pudesse fazer isso sem pensar.

“Okay, meninos”, disse Danvers no comunicador. “Iniciando contagem regressiva...”

DEZ, gritaram os alto-falantes. NOVE. OITO.

Provavelmente é tarde demais para ir ao banheiro, certo? pensou Steve, e sorriu um pouco dentro do capacete.

James estava à sua esquerda, respirando normalmente. Bruce estava no banco atrás de James, drogado até os dentes. Parte do procedimento, embora Danvers não o deixasse fazer isso durante as simulações. O assento atrás do de Steve estava vazio. Eram apenas os três. Seriam apenas os três de agora em diante.

SETE. SEIS. CINCO.

“Não adentre a doce noite apenas com ternura”, murmurou Steve sem pensar.

QUATRO. TRÊS. DOIS.

“Essa é uma frase adorável”, uma voz fria, suave e familiar disse em seu ouvido.

Steve parou de respirar.

Ele olhou para trás.

UM.

Loki sorriu para ele e murmurou: “Decolar”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Chapter 4: Homens à beira da morte

Notes:

Oi amores, estou vivo, peço mil desculpas pela demora e por deixar esperando, prometo que vou finalizar essa tradução, não me abandonem, por favor ~

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

 

 

 

 

 

 

 

 

O que mais chocou Steve foi como James reagiu com calma ao que aconteceu - Steve sabia em primeira mão o quanto ele poderia ser de sangue frio, mas ainda não havia percebido até que ponto. Os olhos de James se voltaram para o intruso e depois para o painel de controle.

“Aqui é o Ranger acelerando em direção a Endurance, pronto pra desacoplar o foguete auxiliar.”

A aceleração já os tinha pressionado em seus assentos, mas liberar o primeiro estágio do foguete foi como ter duas toneladas de chumbo no peito. Steve não conseguiria se sentar, mesmo que tentasse; Loki não parecia estar nem um pouco perturbado com isso. Ele estava inclinado para a frente em seu assento - o quarto assento, o que deveria estar vazio - o suficiente para descansar no encosto do assento de Steve, com os braços cruzados sob o queixo. Steve mal conseguia respirar, quem diria processar tudo disso, não enquanto o Ranger se afastasse da Terra com um rugido poderoso.

Do lado de fora da janela, o céu azul estava empalidecendo, a cor diminuindo cada vez mais até se tornarem transparentes e, de repente, Steve pôde ver através dela, pôde ver os pontinhos das estrelas contra a escuridão fria do espaço infinito.

“Pronto para liberar o segundo foguete auxiliar”, disse James com os dentes cerrados.

“Aquele é o Barnes?” sussurrou Loki no ouvido de Steve. “Meu Deus, como ele cresceu.”

Steve mal o ouviu antes que o segundo desacoplamento o esmagasse em seu assento e expulsasse todos os pensamentos da sua mente. As simulações o prepararam um pouco para isso, mas a realidade sempre era diferente. Ele fechou os olhos e se concentrou em respirar até que essa aceleração desumana terminou de repente e o peso desapareceu de seu corpo.

Ele lentamente abriu os olhos.

Do lado de fora da janela, a Terra curvava-se suavemente através do vidro, brilhando em azul, branco e verde, gigantesca e deslumbrante em sua fina aura prateada.

Órbita alcançada com sucesso Ranger”, disse Danvers nos comunicadores. “Preparar atracação.”

A gravidade zero deixou Steve tonto, como se seu sangue não soubesse para onde ir em seu corpo. Ele estava amarrado ao assento e não conseguia flutuar, mas Loki se ergueu, com cabelos negros esvoaçando atrás dele. Steve esticou a cabeça para vê-lo, pronto para desafivelar e lutar; se Loki fizesse alguma coisa para impedir a atracação—

Mas, inesperadamente, Bruce estendeu a mão vagamente e agarrou o tornozelo de Loki, depois o trouxe suavemente de volta para o assento vazio ao lado dele, como um garotinho puxando seu balão.

O sangue de Steve disparou em suas veias – Loki e Banner, por Deus – mas Loki apenas olhou para Bruce com um olhar surpreso, então encolheu os ombros e permaneceu em seu lugar. Bruce ainda estava drogado e provavelmente nem percebeu que era Loki que estava realmente lá.

“Steve,” disse James em um grunhido. “Preciso de sua ajuda para acoplar.”

A cabeça de Steve girou, o treinamento voltando ao lugar. “Ah — ok. Tô aqui."

Ele acionou o procedimento de atracação automática enquanto James manobrava o Ranger para a posição correta; momentos depois, um choque atingiu todo o navio quando ele se prendeu a Endurance e se fixou no lugar.

“A atracação foi bem-sucedida”, disse James secamente no comunicador.

Ele os desligou, então se virou para encarar Loki e houve um momento silencioso e extenuado enquanto todos apenas olharam para ele.

“Você deveria estar morto”, disse Steve finalmente, com o coração disparado.

Loki encolheu os ombros. “Sendo justo, você também.”

Ele parecia cansado. Abatido e magro como o resto deles, com o mesmo brilho assombrado nos olhos, apesar da juventude impecável de suas feições e de seu sorriso inabalável. E então — teria sido a inflexão de sua voz? — foi quando Steve percebeu.

"Espera. Foi você”, disse ele, arregalando os olhos. "No rádio."

Uma leve ruga apareceu na testa de Loki. Ele não parecia saber do que Steve estava falando, mas James interrompeu todos dizendo: “Sai”.

Até Bruce parecia chocado. Loki apenas ficou lá sentado e torceu a boca em um sorriso feroz. “Você tem certeza de que quer começar uma briga?”

James levantou-se da cadeira para se aproximar dele. “Eu sei quem você é”, ele rosnou, “e não quero você aqui. Você pode se arriscar lá fora. Aposto que você sobreviveu a coisas piores.

“Eu também sei quem você é, Sargento”, disse Loki calmamente. “Eu poderia resolver isso.”

Houve um silêncio mortal.

Steve ficou confuso e se virou para James para perguntar o que ele queria dizer, mas o que quer que ele fosse dizer ficou preso na garganta quando viu seu rosto. James nunca foi muito bronzeado, mas ele estava sem cor.

Loki mostrou os dentes como se quisesse reivindicar sua vitória. "É isso."

James fez um gesto repentino, mas Bruce o impediu cutucando Loki no peito. “Ainda tá vivo,” ele balbuciou, “ele chamou”. Ele acenou para James. "T’do bem. Ele só ameaça. Ele só está com medo, apenas... assustado.

Loki afastou a mão com uma leve expressão de desgosto. “O brilho nas drogas é uma coisa interessante.” Ele olhou para James. “O que você estava dizendo, Sargento?”

Steve pensou ter visto James irritado depois da primeira vez deles no simulador, mas isso não era nada comparado a agora. Ele estava lívido, com a mandíbula cerrada e as pupilas contraídas com a raiva. Ele olhou para Loki e Loki olhou para ele.

E então James visivelmente cedeu.

Ele se sentou para poder ligar o comunicador novamente. “Olá, aqui é o Ranger”, disse ele com uma voz aparentemente emburrada e desapaixonada. “Alguém pegou uma carona, e parece que ele veio para ficar. Embarcando na Endurance agora. Câmbio."

"O que?" chiou o rádio. “O que você quer dizer com carona?”

Mas James levantou-se novamente da cadeira para voar em direção à câmara de descompressão. Bruce estava lentamente tirando o cinto. Ele projetou a própria droga e provavelmente precisaria de algumas horas antes que o efeito passasse completamente. Curiosamente, Loki o ajudou e depois o seguiu em direção à câmara de descompressão como se tudo isso fosse completamente normal.

“Ranger, como assim! É um alienígena? Tem a ver com o buraco de minhoca?”

“Aqui é o Rogers”, disse Steve. “Não tenho ideia se é sobre o buraco de minhoca. Mas é um Asgardiano.”

Houve um silêncio.

“Os Asgardianos estão mortos.”

“É o Loki”, retrucou Steve.

Ele ouviu cochichos do outro lado da linha, sussurros apressados e murmúrios.

“Ele mais ainda. Ele foi dado como morto há oitenta anos.” Danvers parecia indignada com o fato de seu conhecimento histórico poder estar gravemente errado.

“É, eu sei disso,” murmurou Steve.

“Ele tá sendo hostil?”

“Eu realmente não sei”, disse Steve. “Te mantenho informada.”

Houve um bipe alto quando a câmara de descompressão se abriu entre o Ranger e o Endurance. “Indo para a estação agora. Atualizações a seguir. Câmbio”, disse Steve, em seguida, atravessou a pequena cabine em direção à câmara de descompressão.

 

 

*

 

 

O interior da Endurance parecia exatamente como nas simulações – apertado, mas funcional. James e Bruce já haviam tirado os capacetes e trajes espaciais, e Steve rapidamente fez o mesmo; ele se sentiu melhor quase instantaneamente, mas também mais consciente de que apenas finas paredes de metal o separavam do vácuo do espaço.

James estava pairando sobre o painel, parecendo indiferente como sempre, mas Steve o conhecia bastante bem – muito bem, na verdade, por tão pouco tempo – e sabia que ele ainda estava furioso por dentro. Ele também estava assustado, o que não era surpreendente. Uma surpresa dessas nessa missão era a última coisa de que precisavam.

James fez a nave girar com movimentos ligeiros, sem dizer uma palavra, e nem mesmo avisou, antes que a gravidade artificial trouxesse o peso deles de volta.

A sensação era mais do que desagradável, mas Steve mal percebeu, mantendo toda a atenção em Loki. Aparentemente indiferente a isso, Loki caminhou até a janela para observar a visão da Terra e das estrelas rodando.

Ele notou Steve o encarando e sorriu. “Você ainda está bravo por causa de Manhattan, Capitão? Foi há tanto tempo.”

Era a última coisa sobre a qual Steve queria falar. “Você vai nos contar o que você está fazendo aqui?”

“Você quer dizer aqui ou no geral?” disse Loki com um leve sorriso.

Steve o encarou fixamente e Loki ergueu as mãos em um gesto conciliatório. "Justo."

Em Stuttgart ou no Aero porta-aviões, ele andava pretensiosamente, de um lado para outro em sua jaula como um leão, usando uma armadura que alargava seus ombros e exagerava cada gesto seu. Agora, ao atravessar a cabine para se sentar, ele andava na ponta dos pés — como se ainda esperasse flutuar a cada passo. Ele não vestia nada além de um moletom verde e calças pretas; seu cabelo estava desgrenhado e manchado de poeira.

Basicamente, ele estava malvestido e quase modesto, e tinha uma aparência insanamente estranha para ele. Isso e sua feição cansada fizeram Steve se perguntar ainda mais o que havia acontecido com ele.

Loki sentou-se de pernas cruzadas em uma cadeira, depois passou as duas mãos pelos cabelos antes de colocar de volta no colo e encará-los por alguns segundos vazios.

“Eu fingi minha morte”, disse ele abruptamente. “Oitenta anos atrás. Deu um encerramento aos outros e me deu paz.”

Ele passou a mão pelo cabelo novamente. “Quanto ao motivo de estar aqui...” Ele encolheu os ombros. “Eu estava na Terra quando o Ragnarök começou. Estou preso lá desde então. Eu queria ir embora. É bem simples, na verdade.”

"Ragnarök?"

“O fim do mundo, querido Capitão”, disse Loki com um sorriso triste. “Ou você não percebeu? É verdade que as tradições avisaram que a destruição de Midgard seria mais prolongada, mas...”

“Há apenas um excesso de nitrogênio em nossa atmosfera”, rebateu Bruce lentamente. “As pragas fúngicas…”

“Sim, sim, e Asgard foi atingida por um meteoro gigante”, disse Loki, beliscando a ponta do nariz. “Não vamos discutir sobre os porquês e comos. Está acontecendo."

“Por que você estava na Terra?” perguntou Steve. “Onde você esteve todo esse tempo?”

“Não é da sua conta. Eu estou aqui agora." Ele ergueu a mão para calar James quando ele abriu a boca novamente. “Eu tenho observado a SHIELD há algum tempo. Eu sei da sua missão e sei que essa nave foi projetada para abrigar quinze humanos normais. Vai ser suficiente para nós quatro. Estou aqui e é melhor você aceitar.”

A postura de James estava variando. Era sutil, mas eficiente, de uma forma fria e profissional que causou um arrepio na espinha de Steve. Ele estava se preparando para atacar.

“James,” murmurou Bruce, colocando a mão no ombro de James.

Steve foi pego de surpresa. Na verdade, ele nunca tinha visto Bruce falar diretamente com James, muito menos tocá-lo; e o próprio Bruce confirmou que eles não se falavam normalmente. E aqui estavam eles agora, Bruce inclinando-se para a frente para ser ouvido claramente através da névoa da droga.

“Vai ficar tudo bem”, disse ele. “E um Asgardiano do nosso lado é uma coisa boa. Aumenta as chances de sobrevivência. Você sabe disso."

Ele falou baixinho, com tristeza, como se estivesse falando com um animal assustado ou com uma criança de luto, e isso fez o coração de Steve apertar. A expressão no rosto de James – confusa, irritada e assustada – o fez querer tranquilizá-lo, exceto que ele não tinha a menor ideia do que realmente estava se passando aqui. Definitivamente tinha algo acontecendo entre James e Loki, mas também entre James e Bruce, e possivelmente até entre Bruce e Loki.

Steve sentiu como se estivesse sendo excluído de algum tipo de conversa velada, mas a impressão era fraca o suficiente para não ousar expressar suas dúvidas em voz alta.

“Certo,” murmurou James na voz muito baixa e neutra que ele usava para se disfarçar. Ele passou a mão pelo cabelo despenteado. "Que bom. Nada mais a ser feito, não é?

Ele se levantou. “Mas você vai entrar na criogenia primeiro”, disse ele, apontando para Loki. “Isso não é negociável.”

Loki apertou os lábios. Obviamente, ele não estava feliz com isso, mas já sabia que não o deixariam ir por último.

Ele olhou para Steve e disse: “Quero sua palavra”.

"Minha palavra?" repetiu Steve, surpreso.

“Você é o único aqui em que eu posso confiar pra mantê-la. Me dê sua palavra de que não vai me deixar dormir para sempre.”

Steve sentiu o olhar de James sobre ele e cuidadosamente não o retribuiu. A sensação incômoda de que ele estava sendo mantido fora da rodinha provavelmente foi o que o fez se arriscar.

"Ok. Você venceu."

James cerrou os punhos, mas não disse nada.

Loki sorriu, um sorriso travesso que Steve não gostou nem um pouco. “Você não vai se arrepender, Capitão.”

 

 

*

 

 

“…Então vocês vão levar ele? Eu não gosto disso, Steve.”

“Nem eu”, disse Steve enquanto vestia seu traje criogênico. “Ele não nos deixou muita escolha.”

O suspiro de Danvers soou como uma rajada de vento nos alto-falantes. “Acho que o Bruce tá certo. Ele é um recurso incrível pra se ter por aí. Se ele estiver realmente disposto a ajudar.”

“Ele é o último da espécie”, disse Steve. “Ele não queria morrer sozinho em um mundo estranho. Eu entendo ele.”

"Você o confia demais."

Steve pensou na mão de Bruce no braço de James e no sorriso astuto de Loki quando disse: Eu sei quem você é, Sargento.

“Não, não é isso”, ele murmurou, fechando o zíper do terno até o pescoço. “Tudo bem, hora de ir. Falo com você em dois anos, Danvers.”

"Boa sorte. Estaremos esperando.”

Ele encerrou a comunicação; quando ele olhou para cima, James estava na porta. Ele parecia nervoso, inquieto e ficava checando as saídas com olhares rápidos, embora claramente não houvesse nenhuma. Ele desviava o olhar toda vez que avistava as estrelas girando pela janela.

"James?" disse Steve, levantando-se.

“Colocamos Loki para dormir,” disse James, rigidamente. “Achei que você poderia querer ir depois.”

O estômago de Steve embrulhou, mas ele havia se preparado para isso. “Certo”, disse ele. "Certo. Estou indo."

Ele caminhou em direção à porta, mas em vez de recuar para deixá-lo passar, James ficou lá e Steve teve que parar para não tropeçar nele. Ele esperou, erguendo as sobrancelhas, mas James nem olhou para ele, olhando teimosamente para o chão, irritado e infeliz.

“James”, repetiu Steve suavemente.

James engoliu em seco, a sombra da garganta movendo-se para cima e para baixo, e olhou para Steve. Seus olhos eram do mesmo azul que a Terra passando pela janela atrás dele. O peso total de seu olhar direto ainda deixou Steve sem fôlego - talvez porque James raramente o olhava nos olhos, mesmo agora.

“Você vai querer manter sua palavra, não é?” murmurou James.

“Claro”, disse Steve. “O que mais eu tenho aqui?”

James fez uma careta, como se esperasse aquela resposta e estivesse furioso por estar certo. “Merda, Steve.” Ele parecia um pouco desesperado. “Ele é perigoso. Você sabe disso."

“Todos nós somos”, Steve encolheu os ombros. “Vai ficar tudo bem.”

“Ele tá escondendo alguma coisa.”

"É, bom, agora ele não é o único, né?"

James ficou pálido; ele engoliu em seco, com um clique na garganta, e desviou o olhar. Ele parecia estar se preparando para um soco, e isso esgotou a frustração de Steve contra seu melhor julgamento.

“Eu te disse”, falou mais calmamente, “que confio em você e não vou perguntar o que está acontecendo”.

James olhou de volta para ele, desconfiado, e ocorreu a Steve que ele ainda não tinha motivo real para se sentir assim; mas quebrar a cabeça com isso revelou-se inútil. Ele afastou o pensamento.

“Mas não pode me pedir pra colocar alguém em coma”, continuou ele, “só porque essa pessoa pode estar mentindo para mim”.

James sorriu, muito fracamente. “Nunca disse que eu não era hipócrita.”

Steve sentiu uma mistura estranha de raiva e alívio. James podia estar escondendo algo dele, mas pelo menos não estava mentindo na cara dele sobre isso. Ele ainda parecia frustrado, como se honestamente esperasse que Steve concordasse e mantivesse Loki em êxtase até o fim dos tempos.

Steve achava que sabia qual era o problema, mas era ridículo — ele não podia realmente...

"James?" ele disse novamente, aproximando-se um pouco mais. "Eu vou ficar bem."

James olhou para baixo, como se tivesse sido pego em flagrante. Bingo. Ele ainda estava preocupado com Steve — de forma inexplicável e obsessiva, provavelmente tanto quanto Steve estava preocupado com ele.

Eles estavam muito próximos; e, apesar de tudo, Steve pensou novamente — como se outra pessoa estivesse pensando isso por ele — como seria fácil se inclinar para frente e beijá-lo. Era isso que James queria?

(Era isso que Steve queria?)

Steve estendeu a mão, lentamente, parando e recomeçando, sem ter certeza do que estava fazendo. Os olhos de James se arregalaram, mas ele não se moveu; apenas ficou ali, petrificado, olhando para o chão, e deixou os dedos de Steve roçarem sua mandíbula e prenderem uma mecha de cabelo atrás da orelha.

O coração de Steve batia forte e sua garganta estava seca. Jesus, isso definitivamente estava ultrapassando algum tipo de limite. Certo?

Ele não tinha ideia do que fazer agora. Por um momento ou dois eles ficaram ali, com aquele espaço vazio pulsando entre eles. Então James recuou – e de repente ele era Chekov novamente, fechado e sombrio.

“Esquece,” ele murmurou. "Vamos."

 

 

*

 

 

Quando eles entraram na câmara de criogenia, encontraram Loki já dentro de sua cápsula criogênica. Steve podia ver partes dele pelo nanovidro, cabelos pretos flutuando em volta do rosto, membros roçando as paredes curvas. Sua pele parecia azul através do líquido. Bruce estava verificando seus sinais vitais com uma leve carranca.

 

 

"Ele foi assim tão fácil?" — perguntou Steve — em parte porque estava genuinamente surpreso e em parte porque queria ter certeza de que Bruce não notasse o quanto ele ainda estava confuso.

“Eu fiquei surpreso também”, disse Bruce suavemente. Ele fez uma pausa e acrescentou: “Há também o fato de ele ter passado pelo menos trinta anos na Terra e nunca soubemos disso”.

“Isso é estranho”, concordou Steve. “E se ele esteve em Asgard antes, por meio século, como é que o Thor não sabia?”

“Talvez ele soubesse”, disse Bruce, desta vez quase inaudível, como se lhe doesse expressar em voz alta suas dúvidas sobre um amigo falecido.

Era uma possibilidade. Mas pelo que Steve sabia sobre Loki, não havia como ele ter ficado escondido o tempo todo sem ser notado de uma forma ou de outra, independentemente dos segredos que Thor guardava dele.

E a maneira como Loki os abordou foi estranha – no último minuto, como um passageiro clandestino vergonhoso. Como se ele estivesse com tanto medo de ser abandonado que esperou até o dia da decolagem para que eles não tivessem outra escolha a não ser mantê-lo. E, por último, mas não menos importante, ele estava permitindo que o colocassem sob controle, quando poderiam muito bem optar por deixá-lo em coma artificial para sempre e pronto.

Ele devia estar desesperado para ir embora.

"Você não confia nele, não é?" perguntou James sombriamente, olhando para Bruce.

“Não, não confio”, murmurou Bruce. “Mas se passaram oitenta anos. Não acho que ele teria passado por tudo isso só pra nos destruir, quando podia facilmente ter explodido o Ranger lá na Terra.

James bufou e Steve se forçou a olhar para ele. "Você conhece ele?"

“Eu sei quem ele é”, foi tudo o que James disse.

Mais uma vez, Steve queria perguntar exatamente quantos anos ele tinha, mas James não quisera responder a essa pergunta antes e não tinha motivos para respondê-la agora. Steve lançou um último olhar para a silhueta flutuante de Loki no líquido azul, depois se virou para sua própria cápsula e tentou parecer corajoso.

“Quem...” ele limpou a garganta. “Quem vai depois? Depois de mim, digo?

“Vou ajudar James”, assegurou Bruce.

Não foi isso que Steve perguntou, mas era exatamente o que ele queria saber. Ele se perguntou por que se preocupava tanto com James Chekov e porque todo mundo parecia saber disso.

Seus dedos ainda estavam formigando com o breve toque que deram apenas alguns minutos atrás.

Ele olhou por cima do ombro novamente. James encontrou seu olhar diretamente. “Tô aqui”, ele prometeu em voz baixa.

“Ok,” exalou Steve. Ele se forçou a sorrir de volta. "OK. Vejo vocês do outro lado.”

Steve subiu em sua cápsula e se deitou.

Foi bem fácil, até quando o líquido entrou e Bruce fechou o zíper do saco plástico em volta do seu corpo. Steve só fechou os olhos e mordeu um pouco o respirador, depois respirou fundo e deixou o gás preencher seus pulmões até pegar no sono.

O frio o tomou como já o havia tomado antes. Sua audição foi a última a desaparecer. Ele ouviu a voz abafada de Bruce, a resposta monótona de James; e então ele não ouviu absolutamente nada. Ele estava morto para as estrelas e se afastando da Terra.

Ele estava sonhando.

 

 

*

 

 

Steve está perseguindo o Soldado Invernal pelas ruas de Washington.

Há um brilho metálico, um brilho prateado no sol. Sam está aqui. Nat está aqui. Ele não consegue acordar, por mais lúcido que esteja; a criogenia vai mantê-lo lá. Ele sabe que está sonhando, mas seu eu dos sonhos não consegue parar de pensar que deve ser um sonho, embora ele já saiba disso. Tem algo a ver com o brilho do metal e o que ele viu atrás da máscara. Ele não consegue se lembrar do que viu atrás da máscara.

 

Steve está sozinho na fazenda de Clint e está tentando se matar com a navalha dele, mas não consegue e nem sabe por quê.

 

Steve está sendo entrevistado por um repórter sem rosto. Sam não está aqui. Nat não está aqui. Perguntam sobre sua juventude no Brooklyn. Ele diz que foi um momento difícil. Ele supõe que seja a resposta certa, mas fica surpreso ao perceber que na verdade não se lembra muito disso.

 

Steve não se lembra de sua juventude. Steve não se lembra de nada antes do soro. Steve não se lembra de quase nada sobre a guerra. Dizem que ele estava apaixonado por Peggy e é verdade. Dizem que ele marchou sozinho num acampamento da HIDRA e isso também deve ser verdade. Mas ele também não se lembra muito disso. Ele nem consegue se lembrar exatamente por que fez isso.

 

Steve está cuidando de suas plantações e elas estão morrendo. Steve está olhando para o céu com um lenço no rosto para se proteger da areia do vento. Steve gostaria de parar de respirar, mas seus pulmões continuam bombeando o ar cheio de nitrogênio para dentro e para fora, para dentro e para fora, e eventualmente ele volta ao trabalho. Tudo acabará em breve, ele pensa consigo mesmo.

 

Steve está na Torre Stark folheando os canais. Alguns deles não são nada mais do que uma tela azul. Ele pergunta a JARVIS por quê. JARVIS diz que o conteúdo desses programas pode ser um gatilho para ele. Steve pergunta o que eles são. JARVIS diz a ele. São todos canais de notícias ou canais de história. Steve supõe que Tony está sendo superprotetor novamente.

 

Steve está jogando um avião no oceano Ártico. No rádio, Peggy implora que ele não faça isso, e ele balbucia algo sobre sair para dançar. Ele deveria estar pegando um paraquedas. Ele deveria estar subindo nas dezenas de pequenas aeronaves que esperavam na parte de trás. Ele deveria estar se levantando e se salvando. Ele fica lá e deixa a água o afogar.

Pensando bem, ele não consegue descobrir o porquê.

 

Steve está perseguindo o Soldado Invernal pelas ruas de DC. O brilho do metal o está atrapalhando. Está descolorindo sua visão, seu cérebro e tudo dentro dele, deixando-o branco.

Steve está mudando de canal e a tela fica totalmente branca.

Steve está sendo entrevistado por um repórter cujo rosto é um vácuo branco.

Steve está olhando para o céu e o céu está branco.

Todo o sonho de Steve colapsa e fica totalmente branco.

 

Ele se vira e olha.

Existe uma quinta dimensão no sonho de Steve. Como se ele fosse um personagem de quadrinhos capaz de olhar de repente para fora da página e diretamente para o leitor. Ele nem deveria ser capaz de conceber esse ângulo, mas é um sonho, então ele o faz.

Tudo muda bruscamente como um carro saindo da estrada e

 

Steve

 

está

 

perseguindo o Soldado Invernal pelas ruas de Washington D.C.

Não é um sonho.

É uma memória.

 

Ele pode sentir o cheiro do sol no ar e sentir o gosto da Terra jovem em sua língua. Ele pode se sentir correndo, pode sentir seus passos no chão e o peso de seu escudo e seu coração bate forte e rápido em seu peito. Ele respira e o ar não cheira a ferro. O Soldado Invernal tem um braço de metal e uma máscara preta cobrindo sua boca, mas quando ele ataca Steve, Steve o ataca de volta e o joga por cima do ombro, arrancando a máscara.

E é o Bucky. Claro que é o Bucky. Steve sabe quem é Bucky, então ele não insiste nisso. Todo mundo sabe quem é o Bucky. Certo? Não há necessidade de se perguntar sobre isso. Ele pode simplesmente ir no piloto automático. A memória continua de qualquer maneira, então sua mente segue.

“Bucky”, diz Steve, mas Bucky não sabe que ele é o Bucky. Ele diz isso a Steve, então tenta matar Steve e quase consegue.

 

Steve está parado em um cemitério com a nítida sensação de que alguém acabou de morrer ou voltou à vida, como se fosse a mesma coisa (e que pensamento estranho de se ter). Há uma pasta de papel em sua mão.

“Você está indo atrás dele”, diz Sam Wilson, e isso não é uma pergunta. "Quando começamos?"

 

Eles começam quando Bucky aparece na porta de Steve, não duas semanas depois.

Ele parece terrível, pálido e abatido com o cansaço estampado em seu rosto. Sam está imediatamente mirando nele e alegando que ele é perigoso e alertando Steve para não ir até ele. Ele diz que talvez o Soldado ainda esteja lá em algum lugar. Ele diz que a HIDRA pode muito bem tê-lo encontrado novamente e o enviado como uma armadilha. Todos esses são pontos válidos.

Bucky parece confuso. Ele levanta as mãos, piscando para Sam como se não soubesse por que está mirando nele, mas acha que está certo.

Steve hesita. Ele sabe que isso pode ser uma armadilha. Mas Bucky o tirou do rio Potomac.

Bucky olha para Steve, suplicante, e pergunta: “Steve?” com uma voz tão tímida e infeliz que Steve empurra a arma de Sam para baixo e desce as escadas correndo.

Abraçar Bucky faz parecer que todo o seu mundo está voltando ao lugar. Ele o agarra e respira trêmulo e diz que tudo ficará bem agora. Tudo ficará bem.

Então ele sente algo frio e duro penetrar em seu estômago.

Ele olha para Bucky. O Soldado Invernal olha para ele com olhos vazios.

A bala fratura a costela de Steve, rasga seus órgãos internos e perfura seu pulmão. Sam grita. Ouve-se outro tiro e ele não grita mais.

 

Quando Steve acorda, ele está amarrado a uma cadeira de metal. Suas entranhas o estão torturando, como se um ferro em brasa tivesse sido enfiado em seu estômago e esquecido ali. Isso significa que ele está se curando. Ele abre os olhos.

O Soldado Invernal está aqui. Ele está em uma caixa de vidro.

Steve olha para ele vagamente. Então alguém entra em sua linha de visão, com um símbolo vermelho da HIDRA bordado na manga. Eles andam ao redor dele, falando em vozes monótonas que ele ainda não consegue entender. Ele luta contra a cadeira. A cadeira o segura.

Na caixa de vidro, o Soldado o observa. Seus olhos estão opacos, mas quando um dos homens tira um frasco com o sangue de Steve, a testa do Soldado se transforma em uma expressão confusa.

"O que,” ele disse. Ele parece não ter certeza de como falar, lento e hesitante. Há um sotaque russo presente em suas sílabas. "O que você está fazendo com ele?"

“Impressionante”, diz alguém. “Ele já está fragmentando. Tivemos sorte de ele ter voltado com o Rogers. É um milagre que a última limpeza tenha durado.”

“Quero tentar algo”, diz outra pessoa.

Eles enterram um bastão de choque entre as pernas de Steve e o ligam.

Quando Steve para de gritar, ele percebe que o Soldado está batendo no vidro. O vidro segura. Provavelmente foi projetado especialmente para isso.

“Para”, o Soldado está gaguejando. Ele parece selvagem e em pânico como um animal torturado. Ele obviamente não consegue entender o que está acontecendo. Ele ainda quer que isso pare.

“Faça de novo”, diz um dos dois homens. Eles ligam o bastão de choque novamente e o mantêm funcionando por vários segundos.

Quando Steve volta a si, Bucky está soluçando. Ele ainda está batendo contra o vidro, mas com mais força. Mais uma vez, ele implora que parem, com a voz hesitante. Mas eles queriam que ele assistisse; é por isso que o colocaram lá.

Steve entende isso de maneira vaga, antes de tomar outro choque. Quando para, eles perguntam a Bucky seu nome.

Ele pisca e gagueja que não sabe. Eles dão outro choque em Steve.

Eles perguntam seu nome. Ele diz Bucky. Dizem que Steve contou isso a ele e isso é trapaça. Eles dão outro choque em Steve.

Eles perguntam seu nome. Ele grita que não sabe e implora que parem, por favor, parem, só não o machuquem mais.

Eles dão outro choque em Steve. Eles movem o bastão entre as coxas, para cima até a virilha, aumentam a força dos choques e controlam a intensidade quando Steve começa a se debater com muita força. Quando seus olhos conseguem focar novamente, ele vê que Bucky está puxando o próprio cabelo. Seus olhos estão arregalados e selvagens.

Ele está repetindo a mesma coisa indefinidamente. James Buchanan Barnes. Sargento. Três dois cinco cinco sete dois quatro um.

Ele diz isso de novo e de novo e de novo, e então se dobra e vomita no chão. Então ele olha para cima, limpa a sujeira do rosto e pergunta com voz abatida se ele se saiu bem.

Quando eles não respondem, ele pergunta qual é a sua missão. Quando ficam em silêncio, ele repete em russo, num tom cada vez mais apavorado. Ele pede desculpas repetidamente, com a voz trêmula, lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Eventualmente ele para de falar e fica ali sentado, com os olhos arregalados, tremendo.

O primeiro homem dá de ombros e diz que o prazo de validade da Propriedade já passou há muito tempo. Eles discutem sobre o procedimento padrão para acabar com ele. Falam em gás, depois em banho ácido, para ter certeza. Então eles encolhem os ombros novamente e decidem que podem esperar até terminarem o que estão fazendo. Eles dizem que estão curiosos com o resultado.

Steve não consegue se mover. Sua metade inferior está paralisada pelos repetidos choques que sofreu. Seus músculos viraram água. Ele não consegue reagir quando eles fecham algum tipo de capacete em volta de seu crânio e colocam um protetor bucal entre seus dentes.

Ao ver isso, Bucky sai de sua apatia e grita não para eles, fica de pé e bate no vidro repetidas vezes, se joga contra as paredes até sangrar e grita em meio aos soluços Steve, Steve, STEVE!

Há um estalo elétrico em cada lado da cabeça de Steve e de repente—

 

 

 

—Steve acorda em uma cama de hospital. Ele tem a sensação de que esteve aqui não faz muito tempo.

Natasha está aqui. Ela diz que Sam não está aqui porque foi baleado, mas está vivo. Foi ele quem tocou o alarme depois de se arrastar de volta para dentro de casa. Eles chamaram Tony Stark e encontraram Steve a tempo e mataram todos os agentes da HIDRA que viram.

Então ela olha nos olhos dele e diz que Bucky tem queimaduras de ácido de terceiro grau, mas eles o tiraram de lá e ele está se recuperando.

Steve franze a testa um pouco e pergunta: “Quem?”

 

 

 

Steve acorda em uma cama de hospital. Ele tem a sensação de que esteve aqui não faz muito tempo.

Alguém está conversando no corredor. Sua cabeça dói e as palavras ecoam em seus ouvidos.

“Ele deveria estar se recuperando”, Sam está dizendo. “Por que ele não está se curando? Tem uma razão pra terem apagado a memória do Barnes repetidamente. Porque não durava. Por que tá durando com ele?

 “Tem que ser uma coisa mental. Psicossomático, digo, não... não físico. Acho que é um mecanismo de defesa.”

“Stark…” diz Natasha, parecendo cansada.

“Espera, me escuta. Só de ver o Rogers foi o suficiente para quebrar a programação de Barnes, certo? Isso porque Rogers é a razão do Barnes viver. Olha, eu sei que isso soa ridículo. Só tô dizendo - que é o oposto para Rogers.”

"O que?"

“Barnes é a razão do Rogers morrer. Ele já se matou três vezes por causa dele. Quando ele saiu para resgatar o 107º batalhão sozinho; quando ele caiu com aquele avião mesmo com os paraquedas e apoio aéreo; e quando ele caiu no rio Potomac. O Capitão América nunca desiste, a não ser quando se trata do Sargento Barnes. Ele é a fenda naquela armadura estrelada.”

Há um silêncio.

"Onde você quer chegar?"

"Como eu disse. É um mecanismo de defesa. É um instinto básico de sobrevivência. O objetivo do soro é maximizar a expectativa de vida. O soro de Barnes o leva a lutar contra os apagões de memória – a se lembrar de Rogers. O soro de Rogers o leva a esquecer Barnes. Até não sobrar rachadura em sua armadura.”

Eles não percebem que Steve não está dormindo, exceto que neste ponto do pequeno discurso de Tony, Steve começa a ter convulsões e então eles notam, um pouco.

 

Steve acorda em uma cama de hospital. Ele tem a sensação de que esteve aqui há não muito tempo.

Por alguma razão, as pessoas foram proibidas de conversar em seu quarto ou perto dele. Ele fica entediado rapidamente, então liga a TV e assiste a uma reportagem sobre os acontecimentos em DC. Há imagens do Soldado Invernal e—

 

Steve acorda em uma cama de hospital. Ele tem a sensação de que esteve aqui há não muito tempo.

Não há televisão em seu quarto.

 

“Isso o reinicia toda hora”, alguém está dizendo. “Você não pode simplesmente continuar tentando. Já se passaram seis meses. Meio ano da vida dele parando e recomeçando. Você não acha que ele já perdeu tempo suficiente?”

“Teve um progresso. Ele consegue ouvir o nome agora. Ele até consegue ver algumas fotos dele.”

“Mas ele ainda não tem ideia de pra quem está olhando, Wilson. Tudo o que você está fazendo é suavizar os gatilhos. É uma coisa boa, mas você está apenas curando os sintomas aqui. Você não pode se enganar e chamar isso de progresso.”

“Mas e o Ba...” Sam abaixa a voz. Ele não quer ser ouvido. Steve não tem certeza de quem eles estão falando. É ele? Já se passaram seis meses? Seis meses desde o quê?

“O sargento”, diz Tony incisivamente, “concorda comigo. Ele quer que você pare. Diz que será melhor para todos.”

A voz de Sam é baixa e rosnante – Steve nunca o ouviu soar assim. “Isso é besteira e você sabe disso.”

“Eu concordo. Nunca fui fã desse tipo de argumento.” Steve também nunca ouviu Tony falar assim, tão quieto e sério. “Mas tá claro dessa vez, Sam. Você está fazendo com que ele perca a memória dia sim, dia não. Agora só de dizer que ele tem amnésia já é suficiente pra engatilhá-lo. Você está adicionando camadas e mais camadas de confusão e isso está piorando tudo.”

Há um silêncio. Então Tony fala novamente. “Você tem que superar isso. Não foi sua culpa.”

Sam respira pesadamente por um tempo. Quando ele fala novamente, parece terrivelmente cansado. “Tony Stark está sendo a voz da razão? Em vez do Steve Rogers?”

“Golpe baixo”, sorri Tony, mas parece pálido e cansado também.

Então eles estão falando sobre ele, pensa Steve, e ele pensa sobre tudo o que acabaram de dizer e—

 

Steve acorda em uma cama de hospital. Ele tem a sensação de que esteve aqui há não muito tempo.

Ele pode ouvir Marvin Gaye ao fundo. Se relembrando de tudo lentamente. O Soldado Invernal, certo. DC. HYDRA e Fury que não estavam realmente mortos. O que mais? Sua cabeça está confusa. Quanto tempo faz?

“À esquerda”, ele diz a Sam.

Sam sorri para ele. Ele parece abatido.

"Pronto pra ir pra casa?" pergunta Steve. Ele disse de brincadeira, mas, meu Deus, Sam parecia que deveria estar na cama do hospital em vez de Steve. Afinal, por que ele está em uma cama de hospital? Ele não tem nenhuma ferida física.

“Sim”, diz Sam lentamente.

Ele se desdobra na cadeira como um velho. “Tudo bem, Rogers. Vamos para casa.”

 

 

Eles dizem que ele estava em coma após os acontecimentos em DC. Eles perguntam se ele se sente pronto para voltar a ação agora. Steve diz que sim. O que mais ele vai fazer?

 

Na próxima vez que os Vingadores se reúnem, algo está errado. Pode ser engano de Steve, mas ele sente que todos ficam o encarando quando pensam que ele não está olhando.

 

Steve está chorando enquanto dorme. Ele não tem certeza do porquê. Ele nunca mais se lembra dos seus sonhos, mas quando acorda o travesseiro está molhado de lágrimas. Ele se sente um pouco envergonhado e mais ainda, confuso, então não menciona isso a ninguém.

Continua por um tempo e depois para.

 

Steve sai para passear no Brooklyn um dia sem motivo algum. Disseram que ele morava lá. Ele acorda na sombra de um beco com uma pequena multidão reunida ao seu redor.

Eles dizem que ele desmaiou. Dizem que provavelmente foi uma insolação. Steve nunca sofreu insolação depois do soro, mas não se lembra bem do que aconteceu e não sabe o que mais poderia ser. Ele bebe e agradece a água que lhe dão, depois volta para casa.

 

Quando ele finalmente se atreve a contar a Sam sobre isso, Sam diz a ele um pouco cansado que são as consequências do coma e que ele não deveria se preocupar muito com isso. Além disso, que talvez Steve devesse parar de frequentar o Brooklyn, mas esse conselho não faz muito sentido.

 

Steve está vivo.

Steve está inegavelmente e indestrutivelmente vivo. É comemorado como uma espécie de vitória por aqueles que ainda estão aqui para comemorar. Mas eventualmente não sobra ninguém para comemorar e Steve começa a pensar que talvez gostaria de não estar mais vivo.

Ele não quer chamar isso de pensamentos suicidas. Ele não quer se matar. Ele simplesmente não quer viver para sempre.

 

Há cartas se acumulando no correio, todas endereçadas a Sam Wilson. A escrita nos envelopes é terrivelmente desajeitada e quase infantil, como se o correspondente de Sam tivesse tido que aprender a escrever novamente em algum momento de sua vida. Talvez tenha tido um derrame ou talvez seja um veterano deficiente.

Steve não abre as cartas porque não são para ele, mas se sente mal pela pessoa que as escreve. Eventualmente, ele abre uma, apenas para ver o nome do remetente no topo da página, e escreve uma breve nota informando que Sam Wilson faleceu há três semanas e que Steve lamenta muito pela perda. Só depois de postar a carta é que ele percebe que não tem ideia de qual era o nome – ele a leu e guardou na memória por tempo suficiente para escrevê-la no envelope, mas isso lhe escapou logo depois.

Ele nunca recebe uma resposta, mas as cartas param de chegar.

 

Steve está olhando seu reflexo no espelho da fazenda de Clint com uma navalha na mão, mas não consegue nem fazê-la tocar sua pele e não sabe por quê.

 

Steve para de dormir e de comer e diz a si mesmo que é isso que ganha por morar sozinho e que deveria cuidar melhor de si mesmo. Mas ele precisa se sentir um pouco mais leve e se sua mente não puder ajudá-lo com isso, então terá que ser seu corpo. De qualquer forma, ele não vai morrer de fome de verdade. Ele ainda pode sobreviver.

 

Ouve-se um baque surdo no sótão e números traçados na terra por uma mão invisível. Há uma esperança surda batendo no peito de Steve e um poema invisível o guiando pela terra.

Lá está Bruce Banner e doze pessoas alinhadas em uma parede. Há uma voz no ar e areia no vento.

Existe um portal no tecido do espaço. Há uma nave pronta para desbravar as estrelas.

Há um cara de cabelos castanhos com um braço protético que suaviza a voz e desvia os olhos o melhor que pode, torna-se brando, torna-se comum, murmurando: “Eu sou James”.

 

Há um homem dentro de uma caixa de vidro gritando para ser solto, gritando Steve Steve STEVE—

 

 

 

“Steve? Vai com calma."

Steve tossiu um bocado de líquido criogênico. Durante um minuto terrivelmente longo, ele não tinha ideia de onde estava e do que havia acontecido com ele; ele tateou cegamente em busca de apoio no tempo e no espaço, vasculhando seu cérebro em busca de uma pista. Então ele lembrou que tinha olhos e os abriu.

A sala estava mergulhada em uma semiobscuridade, apenas o suficiente para não machucar os olhos de Steve após dois anos sem uso. O líquido criogênico tinha gosto ácido e picante como suco de limão. Do lado de fora da janela havia estrelas girando, uma visão de um vazio perfurante; e então um planeta gigante, amarelo, laranja e branco com anéis amarelo-claros, atravessando a janela como uma baleia cósmica.

Steve apenas ficou boquiaberto, ainda sem fôlego, com líquido escorrendo de seu cabelo. Então ele olhou para Bruce, que sorriu um pouco para ele.

“Chegamos”, disse ele com sua voz suave. “O buraco de minhoca fica a apenas algumas centenas de quilômetros.”

Steve engoliu em seco e assentiu. Já faz dois anos. O pânico tentou embrulhar seu estômago, mas ele pegou essa sensação e a transformou em antecipação. Emoção, até. O planeta cruzou a janela novamente e Steve olhou o máximo que pôde.

Saturno.

Ele se sentiu tonto.

Ele desviou o olhar, sentindo que, caso contrário, ficaria olhando para sempre. “Hum,” ele murmurou. Ele limpou a garganta. Ele também não a usava há dois anos. "Onde estão…"

Ele franziu a testa. Sua cabeça estava confusa e ele tinha dificuldade para lembrar nomes. Uma forte dor de cabeça começava a zumbir sob seu crânio.

“...James,” ele finalmente conseguiu dizer. “E, ah. Loki?”

“Pensei em acordar você primeiro”, disse Bruce suavemente.

Ele havia acordado sozinho, confiando apenas no cronômetro de sua cama criogênica para tirá-lo da estase. Steve estremeceu com o pensamento e se perguntou se Bruce realmente tinha acabado de acordar minutos atrás, ou se ele tomou algumas horas para aliviar o pânico - ou olhar para o enorme planeta multicolorido e brilhante lá fora. Ou apenas aproveitar o silêncio.

"Quer me dar uma mão para tirar o James?" perguntou Bruce.

Steve piscou para ele e depois assentiu. "Sim. OK. Apenas…"

"Sem pressa."

Ele sentou-se um pouco mais, ainda tonto e dolorido, mas o enjoo do espaço estava passando rapidamente. Ele nem sequer cambaleou quando saiu da cama e tirou o traje criogênico.

Bruce desviou o olhar enquanto Steve se trocava, depois entregou-lhe uma garrafa de algo que parecia suspeitosamente com Gatorade. Era espesso e açucarado como um xarope, mas também incrivelmente refrescante e Steve engoliu tudo em três goles. Ele secou o cabelo com uma toalha e seguiu Bruce pela sala, sentindo-se mais acordado a cada passo.

Bruce colocou a mão na câmara de James e parou. Ele olhou para Steve, abriu a boca e hesitou. Seus olhos suaves pareciam incertos.

"Danvers te contou sobre James, né?" ele perguntou finalmente.

Steve não tinha certeza do que ele queria dizer — era uma pergunta estranhamente aberta, como se o próprio Bruce não tivesse certeza do que Steve sabia. Ele pensou em se fazer de bobo por um segundo, mas desistiu logo em seguida.

“Ela me disse que ele tinha Transtorno de Estresse Pós-traumático.”

Bruce assentiu, destrancando a tampa e iniciando o processo de liberação. “Dois anos de estase é muito tempo. Ele pode precisar de ajuda para se equilibrar.”

“Posso fazer isso”, disse Steve acima do barulho do líquido criogênico sendo drenado.

A tampa se abriu lentamente como uma flor desabrochando e Steve prendeu a respiração.

James estava completamente imóvel, os olhos fechados, pálido como a morte, o rosto meio escondido pelo respirador que envolvia sua mandíbula como uma focinheira. Steve odiava vê-lo assim. Ele queria acordá-lo. Ele queria ouvir sua voz.

Bruce puxou lentamente o respirador da garganta de James, franzindo a testa em concentração. O líquido escorreu da boca de James assim como aconteceu com Steve.

Seus olhos se abriram.

No segundo seguinte, ele pulou da cama, caindo no chão espirrando líquido criogênico e encolhendo em pânico.

“Не трогайте меня,” ele resmungou, a voz tão rouca e trêmula que mal era inteligível. Ele se encolheu num canto, tremendo, sem fôlego. “Пощадите. Нет, не надо опять.”

Steve não tinha ideia do que estava dizendo, mas o tom de sua voz deixava claro que ele estava apavorado. Ele estava boquiaberto com algo que não estava lá e se encolhendo como se esperasse um golpe.

“James, ei, James”, disse Steve, dando um passo à frente. “James, olha pra mim.”

James olhou pra cima de repente e ele se desdobrou bruscamente - de repente tão cheio de violência enrustida que Steve não conseguia entender como ele não havia percebido antes, James havia sido treinado para combate letal. Sua prótese zumbia ameaçadoramente e era ainda mais óbvio que não era apenas um braço de metal; era uma arma.

“Steve”, disse Bruce com a voz tensa. "Toma cuidado."

Steve não estava surpreso e não estava com medo. Ele não tinha ideia do porquê. Mas ele não estava com medo.

“James”, ele repetiu, ajoelhando-se lentamente para olhá-lo nos olhos.

O olhar selvagem de James o seguiu à medida que descia. Ele estava tão imóvel que tremia um pouco, tenso, armado e pronto para explodir. Sob a camada dura de agressividade, ele parecia totalmente confuso e assustado, sem fôlego.

“Estamos na Endurance”, disse Steve calmamente, olhando-o nos olhos. “É o ano de 2099. Seu nome agora é James Chekov. Ninguém aqui vai te machucar.”

Ele não sabia por que disse “seu nome agora” – algo em James o lembrava de Natasha, talvez. James olhou para ele com os olhos arregalados, o peito arfando rapidamente enquanto ele ofegava. Então ele piscou e piscou novamente.

“Steve,” ele murmurou.

“Sim”, disse Steve encorajadoramente, aproximando-se um pouco mais. "Sim, Buck, sou eu."

Ele ouviu Bruce respirar fundo atrás dele - talvez ele pensasse que Steve estava indo rápido demais, mas Steve estava tão convencido de que James não iria machucá-lo que não conseguiu ficar acuado.

“Não,” gaguejou James, encostando-se na parede. "Não. É uma – é uma – é uma armadilha. Eles me fizeram fingir. Eles vão te machucar.”

“Ninguém vai me machucar.”

"Eu vou machucar você", disse James, com a voz embargada, "Steve, eles me disseram para machucar você, eu vou machucar você..."

"Não, não vai. Olha."

Steve lentamente estendeu a mão, gentilmente, e colocou o cabelo de James atrás da orelha.

James ficou boquiaberto para ele, congelando no lugar, mal respirando.

“Viu”, disse Steve. "Vem." Ele puxou James para si, lentamente, até que pudesse pegar seus ombros trêmulos e puxá-lo para perto o suficiente para unir suas testas.

Ele não teria ousado tentar isso há apenas algumas semanas – ou, dois anos e algumas semanas atrás, Jesus – mas sabia que James precisava de um chão. Steve o sentiu ficar ainda mais tenso por alguns segundos, como se esperasse um tiro; então ele soltou um som dolorido e infeliz e agarrou a camisa de Steve com a mão direita, a de metal envolvida em sua barriga.

Durou um doloroso minuto. As mãos de Steve se moveram dos ombros de James até sua nuca, fazendo pequenos círculos com os polegares. James não estava realmente se acalmando; ele estava tremendo como se quisesse chorar, mas não se permitia. Eventualmente, ele respirou fundo, estremeceu e olhou para cima.

Steve olhou para ele. Por um breve momento, eles estavam muito, muito próximos.

Então James fez uma careta e o empurrou de volta.

“Pelo amor de Deus.” Sua voz ainda estava trêmula, mas ainda assim, como a de Chekov; e também eram o olhar de Chekov para Bruce quando ele se levantou, tropeçando um pouco. “Você deveria ter me acordado primeiro. Você disse que faria isso.”

“Mudei de ideia”, disse Bruce, sustentando seu olhar com firmeza.

James cuspiu um palavrão em russo e atravessou a sala para ficar de frente para uma janela, pressionando a testa contra o vidro grosso e frio. Ele respirou fundo e trêmulo, depois outro, um pouco mais suave.

Saturno passou lentamente, o transformando em uma sombra delineada contra o fundo dourado brilhante.

Steve apenas ficou sentado onde James o empurrou. Depois de um tempo, ele se levantou lentamente e olhou para Bruce, que apenas gesticulou para Steve dar-lhe um minuto. Então Steve esperou, olhando para James parado ali na frente de todo o universo.

James não se moveu, ainda dando as costas para a sala e olhando para as estrelas girando lá fora. Mas seus ombros relaxaram um pouco depois de um tempo, e foi o suficiente para Steve ir até ele. Ele quase esperou que James o mandasse se foder, mas James o deixou que fosse até ele e ficasse ao seu lado na frente da janela.

Steve estendeu a mão, hesitante, telegrafando seu movimento e dando a James bastante tempo para mandá-lo parar. Mas ele não o fez, e Steve colocou a mão em suas costas, aberta e quente. Ele a deixou lá por um tempo, depois deslizou-a para colocá-la no ombro.

James estremeceu, mas não ignorou o toque de Steve.

Houve um silêncio.

“Você teve algum sonho?” perguntou James em voz baixa.

Steve abriu a boca para dizer que sim; seu sonho permaneceu no limite de sua consciência, esperando para ser revisto. Mas no segundo em que Steve tentou se lembrar, aquilo escapou dele como água de mãos em concha, escorrendo para o esquecimento.

Ele fez um gesto impotente e frustrado. "Não. Digo, eu tive, mas agora... — Ele balançou a cabeça. "Não lembro."

James olhou para ele como se quisesse dizer muitas coisas; mas nenhuma delas saiu e ele desviou o olhar, para as estrelas e o planeta dourado passando.

“Sinto muito”, arriscou Steve. E ele sentia muito, embora não tivesse muita certeza do motivo pelo qual estava se desculpando.

“Não sinta,” suspirou James. “Só não...” ele balançou a cabeça. “Olha, não sei o que disse, mas não leva a sério. É tudo que estou pedindo.”

“Já esqueci”, prometeu Steve.

James bufou um som amargo e odioso que poderia ter sido uma risada. Ele se virou, escapando do abraço de Steve, e foi como se eles nunca tivessem se tocado.

 

 

 

 

 

 

 

Notes:

(É isso amores, prometo que o próximo não vai demorar tanto, bjo)

Chapter 5: E tu, suspenso em grande tormento

Notes:

Pois bem mores, voltei mais cedo dessa vez :) prometo que vou tentar manter essa frequência;
Aproveitem o capítulo e os plots babadeiros, compartilhem e deixem um comentário caso gostem.

Chapter Text

 

 

 

 

 

 

 

“Que bom ouvir vocês, Endurance.”

“É bom ouvir você também, Carol,” Bruce estava dizendo suavemente. “Estamos no cronograma?”

“Chegaram na hora certa.”

"Bom. Isso é bom." Bruce fez uma pausa. “Aconteceu alguma coisa nesses últimos dois anos?”

“Nada de importante. O buraco de minhoca ainda está lá e esperando. Lembrem-se: uma vez lá dentro, vocês poderão receber comunicações, mas não poderão enviar, por causa da atração gravitacional do Gargantua.”

Steve ouvia a conversa deles, mas era apenas um pano de fundo para seus próprios pensamentos vazios enquanto olhava para James saindo da cápsula habitacional depois de vestir roupas normais. Ele ainda estava secando o cabelo. Ele caminhou até Steve, largou a toalha e pegou um frasco de Gatorade espacial ou o que diabos era aquela coisa.

“Para de me olhar como se eu tivesse chutado seu cachorrinho,” ele murmurou enquanto se sentava ao lado de Steve. Ele passou a mão pelo rosto. “Me desculpa, ok? Eu só não sou uma pessoa matinal. E eu tô com dois anos de manhãs nas costas.”

Steve sorriu, um pouco forçado. Esse não era o problema, mas ele não disse isso. O problema é que ele se sentia como se James e ele estivessem separados por uma vidraça. Mas ele também não disse isso.

"Então, vamos acordar o esquisitão?" perguntou James mal-humorado.

Levou um segundo para Steve entender de quem ele falava. “Sim”, ele disse. “Eu dei minha palavra, não foi?”

James destampou o frasco com os dentes. "Isso é besteira." Ele tomou um longo gole, como se desejasse que fosse álcool. “Você sabe que ele não se importa com a palavra de ninguém e ainda está caindo nessa.”

Steve não disse nada por um longo tempo. Então ele disse: “Ele perdeu seu planeta natal e ficou preso no nosso”.

James bufou. “Só porque ele passou por uns perrengues não faz com que ele valha o seu tempo.”

Steve então o encarou, e James cuidadosamente não olhou de volta. Um minuto se passou na constante mudança da luz. Depois outro.

"Do que você tem medo?" perguntou Steve eventualmente. Quando James zombou, ele acrescentou: “É uma pergunta honesta. Por que ele nos machucaria?”

James mastigou o interior da bochecha. “Talvez ele queira a Endurance.”

"Pra ir pra onde? Meu Deus, Buck, isso não é Flash Gordon.”

James fechou os olhos por alguns tensos segundos, como se contivesse algo atrás das pálpebras. Steve ficou com a nítida sensação de que havia dito a coisa errada de novo, sem pensar. Ele quase achava que podia entender o que desta vez, ele franziu a testa um pouco e esforçou sua mente - mas Bruce entrou na conversa e quebrou sua linha de pensamento.

“Danvers diz que deveríamos acordá-lo.”

James reabriu os olhos e depois esfregou o rosto com a mão direita, carrancudo. “Tudo bem”, disse ele. "OK. Vamos acabar logo com isso.”

 

*

 

“Por que ele está azul?” perguntou James.

Steve abriu a boca para dizer que provavelmente era por causa do líquido criogênico; mas então ele se lembrou do corpo pálido de James dentro do saco plástico e lembrou que o líquido era incolor. Loki estava realmente azul – um azul profundo e frio, com marcas estranhas em sua pele.

Todos eles se entreolharam.

“Bem, ele é um alien e um metamorfo”, murmurou Bruce. “Seus sinais vitais ainda são os mesmos. Deve estar tudo bem.”

Ele desativou a cama criogênica e esperou enquanto a tampa se abria lentamente. Sem o nanovidro meio opaco no caminho, a cor estranha de Loki era ainda mais óbvia. Seu cabelo permanecia com o mesmo tom de tinta preta que se misturava com sua pele azul escura de forma quase imperceptível.

“Por que o líquido não está drenando?” perguntou James.

Bruce franziu a testa um pouco, depois arregaçou a manga direita e se abaixou. No segundo em que sua mão tocou o líquido, ele começou a borbulhar furiosamente com um sibilo alto e furioso de água escaldante; Bruce recuou com um grito de dor, caindo no chão.

“Bruce”, exclamou Steve, caindo de joelhos com ele. "Ei, você est-"

“Estou bem”, disse Bruce com os dentes cerrados.

Ele estava tão tenso que seus músculos se contraíam sob as roupas, e ainda enrolado em torno de si mesmo com o rosto contraído em uma careta de dor; mas a maneira como ele falava era articulada e lúcida. "Me dê um minuto."

Steve de repente se lembrou do Hulk, vividamente - e pela primeira vez ele percebeu que Bruce realmente poderia deixar o monstro sair e matar todos eles. Hulk foi o quinto passageiro. Qualquer ameaça que Loki pudesse representar era quase ridícula em comparação.

“Merda”, sibilou James, e Steve ergueu o olhar quando ouviu o som inconfundível de gelo quebrando.

James estava carrancudo e apertando sua mão de metal. Havia gelo colando as pontas dos seus dedos; as placas de metal zumbiram com o esforço até que ele as separou com força, quebrando o gelo em pedaços irregulares que quicaram no chão ao lado de Steve.

"Que merda" perguntou Steve, com os olhos arregalados.

“O líquido criogênico se transformou em uma espécie de nitrogênio líquido”, disse James. “Vai congelar tudo aqui.”

“Meu Deus”, murmurou Steve. "Bruce, te queimou?"

“—Sim,” respondeu Bruce, finalmente relaxando um pouco.

Ele olhou para a mão direita; ele não foi cuidadoso como James e mergulhou tudo no líquido. Estava azul e preto como um hematoma profundo.

“Meu Deus”, respirou Steve.

“Não dói mais”, disse Bruce suavemente. “Mas Loki...”

Todos olharam para ele. Se Loki ficou mergulhado no líquido criogênico modificado por mais de dois anos, não havia como ele ainda estar vivo, não importa como seus sinais vitais estivessem.

Como se fosse uma deixa, Loki se engasgou com o respirador, em seguida, agarrou-o para tirá-lo da boca e se sentou, espalhando líquido ao redor – as gotas fazendo pequenos sibilos quando atingiram o chão. Ele tossiu por quase um minuto, depois engoliu em seco e olhou para eles, sem fôlego.

Seus olhos estavam turvos e atordoados. Eles também estavam brilhando em um tom vermelho.

"O que?" ele disse cautelosamente, sua voz mais rouca do que o normal.

Mesmo James não sabia o que dizer. Os olhos vermelhos de Loki se voltaram para a mão machucada de Bruce e imediatamente para si mesmo. Ele amaldiçoou baixinho.

Sacudindo-se, ele saiu da cama criogênica; ele estava tropeçando um pouco como Steve e James, mas parecia muito mais consciente do que estava ao seu redor do que eles.

“Peço desculpas”, disse ele, e um brilho percorreu todo o seu corpo, tornando sua pele branca novamente. “Fui descuidado.”

Ele mergulhou a mão pálida no líquido frio, que estremeceu sob seu toque até que o ralo voltou a funcionar bruscamente e tudo foi sugado para fora de vista. Steve se perguntou por que o líquido não havia machucado Loki, então a resposta lhe ocorreu: Loki era a razão de ter esfriado tanto. Deve ter reagido ao seu corpo alienígena de uma forma que eles não haviam previsto.

Loki parecia quase envergonhado. Ele moldou o cabelo para trás com as duas mãos e olhou para Bruce, ainda enrolado no chão.

"Posso ver?" ele perguntou.

“Prefiro não”, respondeu Bruce, escondendo os dedos machucados com a outra mão. Ele tinha um pequeno sorriso nos lábios que parecia uma armadura.

“Eu não tive intenção de te machucar”, disse Loki um pouco firmemente.

“Estou ciente”, disse Bruce, e Steve não tinha ideia se estava sendo irônico ou não. Ele afastou o braço de Steve antes de se levantar e enfiou a mão congelada no bolso, o rosto impassível.

Loki não insistiu. James estava olhando para ele com ainda mais desconfiança do que antes, como se ainda fosse possível. Steve não sabia o que pensar.

“Ele vai precisar de um traje espacial”, disse Bruce em um tom estranhamente forçado e non sequitur. "Steve, você poderia...?"

Steve piscou para ele antes de entender o que estava sendo pedido a ele – e provavelmente porque isso estava sendo pedido a ele. “Sim”, ele disse lentamente, “claro. Vamos,” ele disse a Loki.

James fez um gesto repentino, mas a mão boa de Bruce apertou seu pulso com força suficiente para abafar seu protesto antes que ele passasse por seus lábios. Steve fingiu não notar o quão obviamente Bruce o estava conduzindo para fora – mas ele queria ter uma palavra própria com Loki, de qualquer maneira.

 

*

 

"Você dormiu bem?" perguntou Loki inocentemente quando eles deixaram a sala de criogenia para entrar em um dos dois habitats.

“Não me lembro”, disse Steve, pegando um traje íntimo e depois uma roupa espacial sobressalente. Ele considerou isso, então olhou para Loki. “Você realmente precisa disso?”

“Melhor prevenir do que remediar, suponho.”

Loki tentou abrir o zíper de seu traje criogênico, mas ele estragou sob seus dedos como uma teia de aranha congelada. Loki torceu o nariz e então arrancou tudo dele como se fosse papel de embrulho.

Seu corpo era magro e branco, sem nenhuma cicatriz ou marca de qualquer tipo; mesmo que Steve não o tivesse visto literalmente trocar de aparência a minutos atrás, ele teria imaginado que era uma ilusão. Ele se virou para dar alguma privacidade a Loki, olhando para as estrelas girando lá fora.

“Por que você está escondendo sua forma verdadeira?” ele perguntou.

“Fui ensinado a fazer isso”, respondeu Loki. “Além disso, parece estar na moda.”

Steve decidiu morder a isca – era melhor, na verdade. “Eu sei que Banner e Chekov não estão me contando tudo. Não é como se eles estivessem sendo sutis sobre isso.”

“Ah,” foi tudo o que Loki disse sobre isso.

Steve olhou para ele novamente – ele havia fechado o zíper do traje íntimo, que vestia nele como uma segunda pele, e agora estava colocando o traje espacial.

“Isso não me incomoda”, mentiu Steve. “O que mais me incomoda é como você sabe disso.”

Loki sorriu abertamente para ele. “Eu sei tudo, meu querido Capitão.”

“Eu realmente duvido disso.”

“Eu sei algumas coisas,” corrigiu Loki. “Sobre o seu querido sargento Chekov, por exemplo.”

Steve não se deixou influenciar por essas palavras. Loki realmente não havia mudado, mas o fato de ele ter escolhido cutucar esse aspecto específico da vida de Steve significava que sua proximidade com James não havia passado despercebida nem por ele.

"Isso é tudo?" ele disse. “Você não está se esforçando muito.”

“Não estou esforçando pra nada”, respondeu Loki, puxando as mangas de seu traje. “Estou aqui de boa fé.”

Steve bufou. “Esqueci que você é super honesto.”

Loki sorriu para ele e disse enigmaticamente: “Você esqueceu de coisas mais importantes, tenho certeza.”

Ele olhou para si mesmo. "Como estou?"

“Incomum”, disse Steve honestamente.

Vê-lo vestindo um traje espacial tinha algo de surreal. Eles não eram grandes, fofos e desajeitados como eram no século 20, mas ainda eram muito formais e tão humanos que Loki parecia totalmente deslocado em um deles.

“Sério”, perguntou Steve com uma voz mais baixa. "Por que você está aqui? E onde você esteve todos esses anos?”

Loki apenas sorriu para ele. Ele realmente parecia cansado. “Agora, por que eu deveria te contar isso?”

“Porque você está aqui agora”, disse Steve simplesmente, “com a gente. E só temos uns aos outros pra contar.”

Houve um silêncio. Loki lambeu os lábios e desviou o olhar.

“Estou comovido, capitão, realmente estou.” Ele encaixou o capacete no lugar. “Mas vocês não contam comigo, e duvido que eu possa contar com algum de vocês.”

Ele apontou para a porta. "Vamos?"

 

*

 

James e Bruce não estavam conversando quando Steve e Loki se juntaram a eles na cápsula de comando; os dois vestiram seus próprios trajes espaciais e voltaram a ignorar um ao outro educadamente, como sempre. Mas o ar estava tão pesado com o segredo compartilhado deles que Steve podia sentir o gosto.

Ele tocou o interior do lábio antes de exalar um longo e lento suspiro. Ele confiava em Bruce e confiava em James também, mas ambos estavam tornando muito difícil continuar a confiar neles. Ainda assim, quando James olhava para ele, Steve não conseguia acreditar que aquele homem pudesse lhe causar algum mal – a credulidade que se dane.

Ele olhou pela janela para Saturno passando. Ele pode nunca se acostumar com visões como essa. "Estamos prontos? Bruce, sua mão?

“Vou ficar bem”, repetiu Bruce suavemente, mas com firmeza.

“Eu realmente duvido,” murmurou Loki, mas imediatamente levantou as mãos em um gesto de desistência quando James olhou para ele. "Ok. Eu não disse nada."

James mexeu a mandíbula e depois afundou na cadeira. "Vamos."

A Endurance girou pelo espaço, deixando lentamente Saturno para trás. Passaram-se alguns longos minutos antes que o buraco de minhoca aparecesse.

Num mundo bidimensional, como numa folha de papel, a passagem seria um buraco. Em três dimensões, era uma esfera, como uma bola de vidro suspensa refletindo estrelas que não correspondiam às constelações ao seu redor. E estava pendurado ali, imóvel e misterioso, insondavelmente lindo.

“Então,” James disse a Loki, tentando ser ríspido, mas acabou soando mais tenso. “Algum conselho de última hora? Já que você está acostumado com viagens interestelares.”

Loki provavelmente teria zombado disso, mas ele tinha a mesma expressão de pavor e admiração em seu rosto. “Não estou acostumado com isso.

James lambeu os lábios e ligou o comunicador. "É isso. Vamos atravessar.”

“Entendido, Endurance. E lembrem-se. Vocês não estarão sozinhos.”

Danvers fez uma pausa e acrescentou: “Bruce?”

Bruce endireitou-se na cadeira. “Estou aqui”, ele disse suavemente.

Danvers não disse nada a princípio, e nesse nada subentendeu-se anos de trabalho, esperança e amizade. Então ela disse, suavemente, mas também com firmeza, com aquele aço subjacente em suas palavras: “Não adentre a doce noite apenas com ternura.”.

Bruce sorriu, como se não conseguisse se conter. “Não vou,” ele murmurou. “Adeus, Carol.”

Então todos ergueram o olhar, para fora do vidro, para o buraco aberto no tecido do espaço, para a esfera escura que os encarava com um milhão de olhos estrelados. James acionou os motores e eles se moveram pelo espaço, ou talvez o espaço se moveu ao redor deles, mas de qualquer forma eles se aproximaram até passarem através...

 

- através de um buraco que não

era um buraco quando um buraco não é um buraco?

Quando é uma esfera e então as estrelas começaram a derreter, líqui-

das e brilhantes brancas através do espaço preto e profundo como uma pintura de

cabeça para baixo pra baixo, está errado, está tudo errado, e totalmente impossível e de

cabeça para baixo e espelhado e invertido de outra maneira, uma maneira impossível e a nave

está realmente dobrando meu Deus, a nave está dobrando, e linhas retas estavam curvando, curvan-

do junto com o resto do tecido do espaço, girando em torno da singularidade que eles cruzaram e está

tudo tremendo tanto, vai desmantelar o navio e havia um meu Jesus Cristo, que porra era aquilo? havia uma

mão ali, um buraco borrado no tecido do espaço em forma de mão, e ia tocar James, vai tocar no Bucky, que

merda é essa, vai tocar no Bucky! e James ficou parado com os olhos bem abertos e a coisa borrada pairando

roçou seu capacete, passou por seu capacete e roçou sua mandíbula, e não doeu, por favor, Deus, faça com

que não doa e Loki estava dizendo algo em voz alta, um poema não adentre a doce noite apenas com ter-

nura, a velhice queima e clama ao cair do dia. fúria, fúria contra a luz que já não fulgura e a coisa em-

baçada desapareceu, voltou ao nada e o navio tremia tanto, tantas estrelas, tantas estrelas que

eu nunca vi, nunca soube o quão grande, quão vasto, não há nada e há nós e havia eles,

quatro deles, e era veludo preto por fora e retorcido até o ponto da impossibilida-

de e está se desdobrando, tudo está voltandoe o infinito se tornou

finito, e o impossível voltou ao possível

e eles estavam fora—

 

— fora e observando outra parede de escuridão, constelações desconhecidas, a anos-luz da Terra e de todos os seres vivos.

Havia uma estrela; e próximo à estrela havia uma enorme massa escura cercada por um anel de luz pura. Era o Gargantua. Eles estavam lá.

“…contra a luz que já não fulgura,” respirou Loki. Seus lábios estavam abertos em um sorriso, seus olhos arregalados, pupilas dilatadas.

Steve se virou para ele. "O que é isso?" ele suspirou.

Loki engoliu em seco e sorriu para ele. “Dylan Thomas, aparentemente.”

Ele apontou para uma folha de papel na parede – Steve não acreditou não ter visto antes. Bruce deve ter colado lá; Loki só estava lendo em voz alta.

“Parecia apropriado.”

 

*

 

"Você está bem?" foi a primeira coisa que Steve perguntou a James depois que todos desafivelaram e tiraram os capacetes.

“Tudo ok”, disse James. Ele parecia abalado, mas ileso. "Que porra foi aquilo?"

“Parecia uma mão. Tinha o formato de uma mão. Passou pelo seu capacete.”

“Ainda não sabemos quem é o responsável pelo buraco de minhoca”, observou Bruce. “Podem ter sido eles, estrando em contato. Quem quer que eles sejam.”

"Como se sentiu?" perguntou Loki, curioso.

James o encarou, mas respondeu mesmo assim, murmurando: “Não sei. Quente." Ele esfregou o queixo e estremeceu.

“Se eles podem nos contactar”, disse Steve, “por que não fazem agora?”

“Talvez eles só possam fazer isso no buraco de minhoca”, murmurou Bruce. "James, pode parar o giro?"

James obedeceu sem dizer uma palavra e o peso deles evaporou de novo. A vista lá fora parou de girar e eles puderam contemplar Gargantua em toda a sua aterrorizante glória. Era tão brilhante que doía olhar para ele, mesmo através do vidro escurecido e anti-UV. A estrela próxima parecia minúscula e fraca em comparação.

“Quem quer que sejam”, disse Bruce calmamente, “estão cuidando de nós”.

Steve não conseguia desviar o olhar do buraco negro. Plano A. Em alguns dias, no máximo, Bruce iria…

Era a morte, ali mesmo, esperando por ele em um disco de luz pura, ou algo pior que a morte. Steve não conseguia suportar esse pensamento. O problema era que ele ainda não havia encontrado uma opção melhor.

Algo apitou alto no painel.

“Novos dados”, disse Bruce. Ele flutuou pela sala e sentou-se – Steve não pôde deixar de notar que ele estava usando apenas a mão esquerda para fazer isso; sua mão ferida ainda estava cuidadosamente mantida fora de vista. “Os Três ainda estão emitindo.”

“Qual planeta está mais próximo?” perguntou James.

“O do Quill. Os de Daken e Chavez estão do outro lado da M-616 neste momento.”

"Do que?" perguntou Loki.

“M-616,” disse James bruscamente. “A estrela ali fora. Orbitando o buraco negro.”

“Achei que seus três planetas orbitassem o buraco negro.”

“Buracos negros sugam toda a luz e calor”, disse James num tom que por si só já soava um insulto. “Os planetas precisam orbitar uma estrela para serem habitáveis. Senão seriam só bolas mortas de rocha e gelo.”

Loki apenas soltou uma risadinha triste. “Oh,” ele murmurou, “Terráqueos.”

James estava começando a parecer silenciosamente assassino novamente e Steve estava prestes a intervir, mas então Bruce – que ficou vasculhando os dados esse tempo todo – exclamou do nada: “Merda”.

Steve piscou. Isso era tão incomum que até Loki ficou boquiaberto; mas então ele começou a rir, ganhando outro olhar mortal da parte de James.

"Que foi?" rosnou James.

“Oh, nada,” riu Loki. “Achei que vocês levariam em consideração a distorção temporal.” Ele se aproximou dos resultados que Bruce estava lendo. “É disso que se trata, não é?”

"Bruce, do que ele está falando?" perguntou Steve.

“Relatividade”, suspirou Bruce. Ele esfregou a ponta do nariz. “Eu esperava que não fosse tão ruim, mas a atração de Gargantua é forte. Basicamente, o tempo passa mais devagar quanto mais nos aproximarmos dele. Nesse momento, uma hora no planeta de Quill... — Ele rolou para baixo, franzindo a testa. “…equivale a sete anos pra nós.”

Um silêncio atordoado ecoou essas palavras.

“Não podemos pousar o Ranger lá”, disse Steve. “Não dá pra fazer Danvers esperar esse tempo todo.”

“Atualmente, os planetas do Daken e da Chavez estão fora da zona de distorção do Gargantua”, disse Bruce. “Mas Quill está enviando leituras excelentes. Tem água no planeta dele. Água líquida."

Steve ficou em silêncio. Isso era incrível, era uma notícia surpreendente e todos sabiam disso.

Eventualmente, James disse calmamente: “O que os outros dois dizem?”

Bruce estremeceu. “Os resultados do Daken são… bons também. Os da Chávez um pouco menos.”

“Mas ambos os planetas são habitáveis? E estão fora da zona de distorção de tempo agora?”

"Sim."

“Então não vamos arriscar”, disse James “É a coisa sensata a fazer.”

Ele tocou no painel e abriu um mapa digital, adicionando rapidamente elementos para corresponder aos dados de Bruce. Gargantua estava no meio, com um fino círculo azul ao redor para marcar o horizonte de evento da distorção temporal. M-616 estava atualmente à sua direita, com três planetas orbitando ao seu redor. O de Chávez era o mais próximo dela, depois o de Quill e depois o de Daken.

Todas as três órbitas cortavam a fatídica linha azul; no momento, porém, apenas o de Quill estava dentro da zona. Os de Daken e Chávez estavam do outro lado de sua órbita, com a M-616 entre eles e o buraco negro.

James tocou no círculo azul. “Contornamos o Gargantua”, disse ele, “no limite do horizonte de eventos da distorção temporal. Vamos verificar primeiro o planeta do Daken, já que é o mais próximo. Gostaria que você estivesse junto, doutor.”

Bruce respirou fundo antes de dizer: “Seria mais rápido...”

“Você devia visitar o primeiro planeta com a gente. Você fica.”

Ele não olhou para Bruce enquanto dizia isso. Loki estava olhando para ele, parecia saber exatamente o que James insinuava. Steve não tinha certeza se sabia — não tinha certeza até que ponto ele tinha os espionado na Terra.

“Se o planeta do Daken não for bom, vamos para o da Chávez. E no caminho…”

“Você vai jogar o Banner,” finalizou Loki sem caridade.

Certo. Ele sabia, então.

James o lançou um olhar inexpressivo, o que preocupou Steve mais do que as caras feias que ele fazia.

“Sabe”, disse ele, “para alguém que a vida depende de nós, você está dificultando muito não arrancar sua espinha”.

Loki respondeu com um sorriso malicioso. “Não é corajoso o suficiente para enfrentar suas próprias decisões, é?”

James levantou-se da cadeira, levantando-se ameaçadoramente em sua direção. “Vou te dizer uma coisa,” ele disse com aquela voz estranhamente calma. “Você vai voltar pra a criogenia.”

Loki olhou para ele. De repente, ele não estava mais sorrindo. "Acho que não."

“Você está agindo como se tivesse escolha”, disse James.

Seu rosto era insípido e sua voz inexpressiva. Ele virou o ombro esquerdo e seu braço se calibrou de forma audível, zumbindo em uma posição menos flexível, mas muito mais sólida. “Vai levar três dias para chegar no planeta do Daken. Não quero você por perto enquanto a gente dorme. Você vai voltar, você queira ou não.”

Loki mostrou os dentes e repetiu: “Não.”

James parecia ter esperado por essa resposta. Seus olhos estavam sem alma e totalmente calmos agora. Ele apoiou um pé no painel e...

Steve se inclinou para a frente para apertar o botão direito e a Endurance começou a girar sobre si mesma novamente – devolvendo brutalmente o peso deles. James e Loki, que flutuavam cada vez mais próximos um do outro, caíram de volta no chão.

“Se acalmem”, disse Steve severamente. “Não viemos até aqui para lutar agora.”

James pareceu tão surpreso com essa ação que foi quase engraçado. Loki, porém, não riu; ele estava pálido e ainda olhava para James com uma tensão inabalável.

“Obrigado”, disse Bruce com excessiva educação, como se Steve o tivesse dado a palavra em um simpósio de química. “James: Agradeço sua preocupação, mas posso lidar com Loki. Na verdade”, ele sorriu, “vou dormir com ele”.

Loki ainda estava preso na agressividade de James e não conseguia evitar que seus olhos se arregalassem como nunca antes. "Perdão?"

“Você não pode me machucar enquanto durmo”, disse Bruce quase alegremente. “E vou ficar de olho em você. Dessa forma, ninguém voltará à criogenia e todos poderão dormir em paz.”

Nem James nem Loki pareceram particularmente entusiasmados com a sugestão. Bruce, obviamente, não estava nem aí. Ele deu um pequeno sorriso para Steve e de repente, Steve ficou extremamente feliz por estar aqui.

 

*

 

O piloto automático podia ser programado para circundar Gargantua sozinho. O procedimento exigia que todos os astronautas descansassem um pouco logo após saírem do sono criogênico, para garantir a recuperação de seus ritmos circadianos. Depois de uma refeição desidratada – James ainda observava Steve comer pelo canto do olho, fingindo ser sutil – as luzes se apagaram; Bruce recuou para a primeira cabine junto com um Loki sombrio, mas resignado, e deixou a segunda cabine para Steve e James.

Havia duas camas no minúsculo quarto, estreitas e funcionais. Steve e James não falaram mais do que algumas palavras superficiais; eles apenas ficaram imóveis e em silêncio, e tentaram dormir.

Apenas 30 minutos depois, Steve sentiu como se estivesse sufocando.

Ele se levantou da cama, deslizando a porta para voltar para a cápsula de criogenia e respirar bem livremente. Gargantua passou pela janela, banhando toda a cápsula com uma luz branca implacável, e então a escuridão retornou.

Steve fechou os olhos. Suas têmporas estavam úmidas de suor e ele passou as mãos pelos cabelos, respirando profunda e lentamente, sentindo-se magro e atormentado pela asma novamente.

(Como ele sobreviveu por tanto tempo por conta própria, naquela época—?)

Quando ele reabriu os olhos, lentamente, ele notou um brilho luminoso no limite de sua visão. Ele olhou para cima e percebeu que a porta da outra cápsula não estava totalmente fechada. Um raio dourado estava escapando. Ele podia ouvir vozes abafadas.

“...porque eu não tinha outra escolha. Mas não vou voltar pro sono artificial. Ele ia me deixar lá.” Loki quase parecia estar falando sozinho, usando a presença de Bruce como desculpa para fazê-lo.

“Queria que você contasse pra nós o que realmente quer”, disse Bruce com sua voz cuidadosamente controlada. “Isso certamente deixaria James mais à vontade.”

Loki zombou. “Barnes não está nem aí para mim, doutor. Ele não tem outra saída para sua frustração; isso é tudo que existe para fazer.”

Barnes, murmurou Steve. Loki também ligou para ele da última vez. O nome parecia…

Uma dor de cabeça estava começando a inchar atrás de seu olho direito. Steve aplicou pressão na têmpora e aproximou-se um pouco mais da luz.

"Como você sabe sobre ele?" Bruce estava perguntando.

“Oh, não se faça de bobo, isso não combina com você,” suspirou Loki, parecendo abafado como se estivesse esfregando o rosto. “Thor contou a você sobre minha morte muito oportuna, simultânea à súbita mudança de opinião de Odin em seu reinado. Certamente você juntou as peças.”

Bruce não reagiu às suposições de Loki, a não ser dizendo: “Isso não explica por que você sabe sobre o James”.

Steve percebeu que havia parado de respirar completamente e puxou fundo o ar, mas parou novamente no segundo seguinte. As funções subconscientes de seu corpo estavam cessando. Ele teve que se esforçar para lembrar como respirar e como piscar. Ele tinha que se lembrar...

Gargantua iluminou novamente todo o ambiente, pintando-o com cores que não pertenciam à noite, mas que também ficariam deslocadas durante o dia. Então escuridão novamente. Pontos negros prejudicavam a visão de Steve. Ele tentou afastá-los. Ele se engasgou; ele havia parado de respirar novamente sem perceber.

“Eu observei vocês,” admitiu Loki, cansado. “Eu estive observando todos as minhas cobaias, até o Ragnarök acabar com isso. Vi suas tentativas de dar a Barnes outra razão para viver.

Ele se mexeu na cama, um farfalhar de lençóis. “O retorno do Rogers deve ter sido o veneno mais doce que ele já provou”, disse ele. “E se a culpa—”

"O que você está fazendo?" murmurou James, colocando as mãos sobre os ouvidos de Steve.

Steve deveria ter se assustado, provavelmente, deveria ter se virado e empurrado as mãos de James para longe; mas ele se sentiu hipnotizado, à beira de algo tão enorme e aterrorizante como o buraco negro lá fora. Uma dor aguda e penetrante latejava em sua cabeça.

"Eu…"

Ele vacilou. Suas pernas iam ceder. Sua cabeça doía. Uma luz brilhante se espalhou pela sala, atingiu suas pupilas e desapareceu novamente, deixando-o daltônico e atordoado.

"Vem cá." James gentilmente o puxou para trás, para o retiro seguro da sua própria cápsula; fez Steve sentar no beliche e fechou a porta com o pé, sem acender a luz. Estava totalmente escuro – tão escuro que nem mesmo a visão aprimorada de Steve conseguia compensar o suficiente para ver alguma coisa.

Ele sentiu as mãos de James deslizarem de suas orelhas para seu rosto. O quarto era tão pequeno e o espaço entre as duas camas tão estreito que suas pernas batiam. Os olhos de Steve estavam arregalados, mas ele não viu nada; ele apenas sentiu o calor de James e a realidade sólida de sua presença.

“Ei,” sussurrou James. "Me diz. Qual o seu nome?"

“Eu...” Steve engoliu em seco. “Steve. Steven Grant Rogers.”

"Em que ano estamos?"

“Mil novec-” Ele engoliu em seco. Pensou melhor. “Dois mil e noventa e nove.”

"Onde estamos?"

Sua voz estava calma e uniforme no escuro. Ajudava.

“Na...” Steve estremeceu. “Na Endurance.”

"Quem sou eu?"

Ele tentou encontrar o rumo de algo que não sentia que estava perdendo. A escuridão total teria tornado tudo difícil, mas as mãos de James eram quentes e firmes, os polegares roçando levemente suas maçãs do rosto, o mantendo firme no momento.

“James,” ele sussurrou.

“James o quê?” perguntou James, tão suavemente que Steve mal o ouviu.

Sua voz era rouca, reconfortante e familiar. Steve hesitou por um longo tempo, embora não soubesse por quê.

“…James Chekov,” ele disse eventualmente.

Ele ainda não conseguia ver nada, mas sentiu James exalar, um pouco trêmulo. Steve engoliu em seco e piscou várias vezes, o que se mostrou inútil contra a escuridão. James estava ali com ele, as pernas apoiando as de Steve, emoldurando seu rosto. Steve desejou ter visto a expressão em seus olhos; tudo o que ele conseguia fazer era sentir o tecido áspero de suas calças, a suavidade de sua mão de metal e o calor da outra.

"Eu tive..." Ele engoliu em seco novamente, tentando organizar seus pensamentos. “Eu tive um ataque de pânico?”

“Algo do tipo,” murmurou James.

Ele segurou o rosto de Steve por mais um momento de silêncio. Então ele o beijou.

 

Steve não tinha como prever isso. Era macio e quente, apenas um toque de lábios, mas naquele momento era todo o seu mundo - não importava a vastidão do espaço; tudo se resumiu a esse único ponto de contato.

Quando James se afastou, ele sussurrou “Desculpe”, e Steve sentiu a palavra em sua boca também. Então as mãos de James foram embora – suas mãos e seu calor foram embora, e houve um farfalhar de lençóis e Steve percebeu que ele havia se deitado na cama, virando as costas para ele.

Ele ficou sentado ali por um longo tempo, perplexo.

Eventualmente, ele sentiu frio, então puxou as cobertas em volta de si. Eventualmente, ele se sentiu rígido e deitou-se de lado. Eventualmente, ele se sentiu cansado e adormeceu.

 

*

 

Quando ele acordou, as luzes já estavam acesas e a gravidade artificial desligada. Ele estava flutuando a uns cinco centímetros do colchão, emaranhado nas cobertas. James estava escovando os dentes; ele acenou com a cabeça para Steve antes de engolir a pasta de dente - não dá pra cuspir no espaço - e colocou água para enxaguar a boca.

“Banner queria ver melhor o disco de acreção do Gargantua, então pararam de girar”, disse ele como forma de explicação. "Aqui."

Ele jogou uma escova de dente para Steve; que girou preguiçosamente pela minúscula cápsula até Steve pegá-la. Seguido por um frasco de água e um tubo de pasta de dente. Ele os pegou também.

"Dormiu bem?" perguntou James sem olhar para ele, amarrando seus longos cabelos. "Eu ouvi você se levantando em algum momento."

Steve apenas olhou para ele.

Ele percebeu, com um horror lento e crescente, que não tinha ideia se suas lembranças turvas da noite anterior tinham sido um sonho ou não. James estava com o rosto inexpressivo como sempre, agindo como se nada tivesse acontecido. E talvez fosse a verdade. Steve simplesmente não sabia.

Ele quase o questionou. O que realmente aconteceu? Mas ele não teria suportado ver a incompreensão em seus olhos, não teria encarado o fato de ter inventado tudo só porque estava obcecado por James.

Ele olhou para seus lábios carnudos, muito coloridos em seu rosto pálido. Ele olhou para as linhas nítidas de suas feições, contrastando com seus olhos estranhamente emotivos. E a força de seu corpo, o foco e o poder vibrando dentro dele — tão terrivelmente em desacordo com seu cabelo despenteado e a barba mal feita, com a casual negligência que ele tinha por si mesmo. Steve sofreu com a súbita certeza de que James estava de alguma forma se punindo. Como Steve fez, quando parou de comer e dormir. Punindo-se por não ser suficiente. Por não estar lá. Por permitir a dor e permitir a morte, e não ser capaz de salvar o que importava.

Desculpe. Steve ainda podia sentir a palavra sussurrada em seus lábios. Ele inventou aquilo? Ele tinha sonhado isso?

E se ele não tivesse?

Então isso significava que James estava mentindo na cara dele. Esperando convencer Steve que ele havia sonhado com tudo. Ou — e Steve não tinha certeza de qual opção ele temia mais — ele realmente esperava que Steve tivesse esquecido completamente.

"Eu me levantei?" perguntou Steve, o mais casualmente que pôde, abrindo a pasta de dente. “Não me lembro.”

James apenas deu de ombros e se virou. Seus olhos pareciam mortos e cansados novamente.

 

*

 

No final, as dúvidas de Steve o impediram de falar abertamente. Talvez tenha sido o melhor. Eles tinham uma missão a cumprir; e a mente e as emoções confusas de Steve não ajudariam em nada, nem se ele decidisse reconhecê-las, em primeiro lugar. Então ele não disse nada.

Após uma breve discussão, eles optaram por manter a rotação desligada, já que a gravidade zero não incomodava muito nenhum deles, e assim poderiam observar o espetáculo terrível e maravilhoso que era Gargantua. Steve tentou desenhá-lo – ele trouxe um caderno e alguns lápis – mas só acabou frustrado e com fiapos de borracha flutuando por toda parte. Então ele estava desenhando pessoas; elas eram tão fascinantes quanto. Isso o manteve ocupado durante os três dias de viagem.

Ele começou rascunhando as pessoas de que se lembrava. O rosto de Sam ainda estava firmemente gravado em sua mente, ainda brilhando com generosidade mesmo quando ele ficou mais velho, seu cabelo curto ficando grisalho, seus olhos enrugados, tão tristes e gentis que era doloroso de desenhar. Peggy estava começando a ficar mais abstrata, mas deixou sua marca. Ele desenhou seus lábios jovens e escuros e pupilas penetrantes, rosto emoldurado por cachos. Depois veio Tony – a alegria em seus olhos, sempre muito mais gentil do que aquela em seus lábios. Seu cabelo espetado, seu cavanhaque bobo, graxa manchando sua pele. Clint, sorrindo, mais feliz do que ele se permitia, estendendo a mão sobre as costas para pegar uma flecha. Depois Natasha. Ela sempre foi a mais complicada de desenhar, suas microexpressões eram impossíveis de capturar, mas Steve tentou, falhou, tentou de novo, salpicando as páginas com esboços mais frágeis que teias de aranha.

Steve não desenhou Thor. Ele não conseguia invocar o pensamento dele sem ver seus olhos vazios e pele sem sangue.

Em vez disso, ele esboçou Danvers, seu moicano e roupas brilhantes, sua energia radiante e sua determinação de aço. Então ele desenhou Bruce, flutuando sozinho no espaço confinado de uma cápsula. Ele desenhou espaço ao seu redor até o limite da página, para mostrá-lo encolhido ali como uma explosão esperando para acontecer, ou como uma criança no útero. Ele desenhou Loki em seguida, apenas seu retrato em uma página inteira, desenhou seu cabelo tão escuro que acabou com meio centímetro do lápis, e uma pele tão polida que era apenas papel em branco. Ele o desenhou sem sorrir, olhando pela janela — fora da página, para algo que ninguém mais conseguia ver.

Então ele desenhou James.

Ele o desenhou olhando diretamente para quem quer que visse o desenho. Ele deixou seus olhos claros e impactantes, como se estivessem assombrados pela luz; ele esboçou o rosto com linhas nítidas, sem hesitação, os lábios tensos de raiva, as maçãs do rosto acentuadas pela magreza. Ele acrescentou a sombra da barba por fazer sob o queixo, a sombra do cansaço sob os olhos, mas não queria esconder nada atrás do cabelo comprido, então fez um corte mais curto.

Era um desenho brutal, cheio de sentimento puro, e Steve percebeu que não conseguiria olhar para ele depois de terminar — não conseguiria olhar para ele mais do que conseguiria olhar para o sol. Quando Bruce os chamou para conhecer o planeta de Daken, Steve guardou seu caderno com uma sensação de alívio, mas também de pesar – como se tivesse acabado de escapar de algo extremamente perigoso, mas terrivelmente atraente.

Ele empurrou-se pela cápsula de comando até se juntar a Bruce perto da janela. Ele sentiu uma pequena pontada quando percebeu que Bruce ainda estava escondendo a mão direita no bolso do moletom. Ele não deixava ninguém ver.

Steve sabia que perguntar a ele sobre isso era inútil, então ele simplesmente parou ao seu lado e perguntou: “Onde está?”

“Bem a frente”, disse Bruce. "Consegue ver?"

Loki e James se aproximaram, Loki posicionando-se à direita de Bruce e James à esquerda de Steve – pelo menos os dois tiveram o bom senso de não se aproximarem. À medida que a Endurance se aproximava, todos puderam ver uma esfera prateada brilhando contra o vazio negro, bem ao lado da forma maior e mais brilhante da M-616.

“Por que é tão brilhante?” perguntou James.

Bruce esperou alguns segundos antes de admitir: “Está coberto de gelo”.

 

Ele se encolheu um pouco quando Loki e James olharam para ele. "Não é minha culpa. É o mais distante da estrela. Mas os dados de Daken dizem que a superfície é habitável.”

Loki soltou uma risada desagradável. "Vocês estão desesperados mesmo."

"Sim", rosnou James, "tipo você, não é?"

Loki nem mesmo o notou. Ele estava olhando para o planeta prateado com os mesmos olhos frios e ardentes que Steve acabara de desenhar outro dia. Sua determinação era perturbadora — principalmente porque Steve não conseguia desvendar o significado por trás.

 

*

 

“Sinto muito pela questão do gelo”, murmurou Bruce para Steve enquanto todos se afastavam para se vestir.

Steve deu-lhe um leve sorriso. "Tudo bem. Vou me adaptar.”

"Sim", suspirou Bruce, "você sempre faz isso."

A melancolia em sua voz fez Steve agarrar seu braço e puxar seu corpo leve para trás por impulso. “Bruce”, ele disse. “Você está escondendo alguma coisa de mim.”

Bruce não tentou negar, assim como James antes dele. Ele olhou de volta, sem sequer tentar desviar os olhos ou inventar um pedido de desculpas. E, assim como aconteceu com James, a impaciência de Steve desapareceu tão rápido quanto surgiu. "Só..." ele implorou, "pelo menos me diz que você tem um bom motivo."

“Não tenho certeza se isso é bom”, disse Bruce calmamente. “Mas é a única escolha que temos.”

E por Deus, Steve acreditava nele. Bruce o acordou antes de James e pediu-lhe que ajudasse James a se livrar do choque de dois anos de criogenia. Obviamente significava alguma coisa, embora a tentativa parecesse ter falhado. Steve se sentiu terrivelmente frustrado, não com Bruce, James ou mesmo com Loki, mas consigo mesmo - sentindo-se como um rato preso em um labirinto, como se algo fosse esperado dele, mas ele continuava se chocando contra as paredes.

“Não vou desistir”, disse ele, sem saber quem estava tentando alertar.

Então ele soltou Bruce para atravessar a cápsula em busca de seu próprio traje espacial.

 

*

 

Os quatro se acomodaram no Ranger com equipamento espacial completo. A Endurance foi colocada em órbita estacionária acima do sinal de Daken; esperaria por eles. Através do para-brisa, o planeta brilhava em tom prateado.

Sem dizer uma palavra, James separou o Ranger da estação e o manobrou para longe. Então ele colocou os propulsores a todo vapor em direção ao planeta de Daken, M-616 brilhando ao lado e Gargantua atrás deles.

Steve ainda estava cheio de frustração e raiva por causa de sua breve conversa com Bruce, mas quando a atmosfera do planeta os engoliu, ele não conseguiu mais se ater nessas preocupações; seu coração estava cheio de uma sensação estranha de animação. Ele teve uma vida longa e viu muitas maravilhas, mas isso era outro planeta.

Outro mundo.

O céu já estava perdendo sua escuridão inescrutável, tornando-se — não azul, mas uma espécie de cinza claro e translúcido. Ele apagou Gargantua de vista, mas M-616 brilhou ainda mais forte como o sol que era. Quase parecia um lar, até que deixou de ser.

Debaixo deles havia uma massa indomável de branco manchado de azuis e cinzas como mármore antigo. Ele havia congelado em cristas e bordas, formas que eram cruéis e estranhas, mas estranhamente familiares de uma forma que Steve não conseguia identificar. As mãos de James cerraram-se nos comandos quando ele percebeu que eles estavam muito mais próximos do que o previsto – eles esbarraram na crista afiada de um iceberg tão perto que os tirou do curso. O barulho de raspagem fez todos pularem; soou ainda mais alto depois do silêncio suave do espaço.

“Que porra,” disse James em voz baixa, corrigindo o curso do Ranger rapidamente. “A superfície já? A gente acabou de entrar na atmosfera.”

“Isto não é uma geleira”, murmurou Loki.

Ele estava olhando para a paisagem gelada com olhos frios e penetrantes. “São nuvens congeladas.”

Steve viu então – agora que Loki colocou em palavras, era óbvio. Eram nuvens, enormes, ameaçadoras e cheias de gelo, até onde a vista alcançava.

“Como a gente sabe que dá pra pousar?” ele respirou.

“Seguimos o sinal”, disse Bruce com total serenidade.

James parecia igualmente calmo enquanto assentia. Pessoas – algumas pessoas, como Steve ou Loki – conseguiam extrair emoções dele; mas um planeta alienígena o deixou tão frio quanto as nuvens congeladas raspando a barriga de sua aeronave.

“Aqui está”, ele murmurou.

O coração de Steve disparou quando viu as cores da nova SHIELD flutuando sobre uma pequena base portátil. Foi uma coisa tão extraordinária de se ver, em meio a esse deserto alienígena congelado no outro extremo do universo.

O Ranger pousou com uma suavidade surpreendente – o solo era esponjoso e estalou sob o peso da aeronave. Steve respirou fundo e verificou seu capacete. Todas as leituras indicaram que a atmosfera não era respirável.

“Que tipo de homem é o Daken?” perguntou Steve enquanto eles se desafivelavam.

“Morto, provavelmente,” respondeu James em um tom neutro.

“Akihiro foi nosso primeiro voluntário”, disse Bruce, mais gentilmente. “Um dos últimos sobreviventes da praga do gene X.”

Steve parou e olhou para ele. “Tiveram sobreviventes?”

“Não muitos”, disse Bruce em voz baixa. “Era extremamente contagiosa e todos éramos portadores. A única maneira de sobreviver era se isolar de qualquer contato humano e esperar que o vírus morresse.”

“Mas a praga X durou quase vinte anos.”

“Sim”, disse Bruce, simplesmente. “Conheci Akihiro em um bunker abandonado em algum lugar de Alberta e voltei para lhe oferecer o emprego alguns meses depois. Achei que ele gostaria de ter a oportunidade de ir embora.

Ele se levantou da cadeira, verificando seu capacete. “Ele estava cheio de determinação. Muito valente."

Loki sorriu sombriamente. “Você faz parecer um elogio.”

Eles abriram a porta do Ranger e saíram. O sol brilhava no céu branco, mas não lhes trazia calor. Ocorreu a Steve que talvez um deles devesse ter preparado algumas palavras, mas teriam soado idiotas sem ninguém além deles para ouvir. Ainda mais porque havia um alien entre eles. Não havia ninguém para impressionar. Antes que ele percebesse, ele já havia pisado na neve de qualquer maneira.

É um pequeno passo para o homem…

Steve olhou para a M-616. Foi um grande passo, na verdade.

Ele seguiu na frente sem pensar e percebeu que talvez não devesse ter feito isso, mas era tarde demais; James já o estava seguindo, assim como havia feito tantas vezes durante as simulações, os olhos examinando os arredores. Steve sentiu uma emoção indefinível apertar seu coração e tentou se livrar dela. Havia assuntos mais urgentes em questão. Os outros entraram em sintonia.

O gelo, ele percebeu enquanto avançavam, não o incomodava tanto quanto ele pensava. Esse não era o oceano Ártico. Era infinitamente mais perigoso.

Chegar à base levou alguns minutos. Loki ficou em silêncio; todos eles ficaram. Quando entraram no prédio frágil, não encontraram nada além de uma cápsula criogênica trancada.

Eles tiraram os capacetes e depois se entreolharam. Steve assumiu a liderança novamente – caminhou em direção à cápsula e destrancou a fechadura. O som do líquido sendo drenado começava a soar familiar.

“Há quanto tempo ele está aqui?” ele perguntou baixinho.

“Difícil dizer, com a distorção do tempo”, murmurou Bruce. “Provavelmente vários anos.”

A tampa abriu. Lá dentro estava um homem pálido, com cabelos curtos e pretos, surpreendentemente jovem. Steve o reconheceu; ele passou por sua foto centenas de vezes na Terra. Tatuagens tribais se curvando pelos seus braços. Seus olhos estavam fechados, seus lábios apertados ao redor do respirador. Steve o removeu e esperou.

De repente, Daken tossiu, levantando-se e agarrando-se ao acaso na beirada da cama para se erguer. Seus olhos oblíquos se abriram – piscaram algumas vezes – e depois se concentraram em Steve. Ele olhou para ele por um momento de completa quietude.

No segundo seguinte, ele estava segurando seu traje e soluçando em seu peito, soluços fortemente contidos que fizeram seu rosto fazer uma careta de dor.

“Está... está tudo bem”, disse Steve, surpreso. Ele passou um braço desajeitado em volta dos ombros de Daken. "Tudo bem. Tudo bem."

Daken respirou fundo algumas vezes.

“Reze para você nunca ter que descobrir...”, disse ele com a voz embargada, “como é bom poder ver outro rosto”.

 

*

 

“Eu não tinha muita esperança pra começar. Depois de tanto tempo, pior ainda.”

Daken bebeu um pouco de água quente. Sua voz parecia um monte de fumaça – velada e etérea ao mesmo tempo. Steve se perguntou se ele sempre soou assim ou se adquiriu de alguma forma, neste mundo estranho.

“Eu nem tinha marcado uma data pra acordar.” A sombra de um sorriso curvou seus lábios finos. “Você literalmente me acordou dos mortos.”

Ele olhou para eles como se os estivesse vendo de verdade pela primeira vez. “Professor Banner. Sargento Chekov. Então a Endurance chegou, afinal.” Ele baixou os olhos para sua bebida novamente. "Isso é bom."

“Nos conte sobre o seu mundo”, pediu Steve.

"Meu mundo." Aquele sorriso trêmulo novamente. “É frio e áspero, mas é lindo. Os dias duram sessenta e sete horas, frios o suficiente para matar você em segundos. As noites são sessenta e sete horas muito mais frias. Estamos nas nuvens neste momento; aqui em cima há muita amônia no ar para respirar. Mas lá na superfície – e existe uma superfície – o cloro se dissipa. Ar respirável. Calor. Possivelmente até a vida.”

Steve ficou sem palavras. Então era isso?

Lar. Era isso.

“Nós, hum...” Bruce tossiu. “Vamos precisar de… ambientes seguros então. Para habitat.”

Daken assentiu. “Eu conheço alguns.”

“Também temos que enviar uma sonda pelo buraco de minhoca”, disse James. Foi a primeira vez que ele falou. “Para informar Danvers pra ir pro planeta de Daken.”

“Sua nave está bem perto?” — perguntou Daken, levantando-se da cadeira e deixando a bebida de lado. “Podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo.”

Bruce estava carrancudo. Seus olhos se voltaram para Loki, que ergueu ligeiramente as sobrancelhas. Steve percebeu imediatamente que algo devia estar errado – algo que ambos notaram.

“Vou ficar aqui”, disse Bruce, “para ver seus resultados mais de perto”.

"O que?" protestou Daken. "Certamente-"

“Preciso dar uma olhada no ombro de Chekov de qualquer maneira”, disse Bruce casualmente. “Você me disse que sua prótese reagiu mal ao frio.”

"Oh." James piscou. "Sim."

Steve se levantou e agarrou o ombro de Daken. "Vamos então."

“Eu vou com vocês”, disse Loki inocentemente.

 

*

 

Assim que saíram com os capacetes novamente colocados, Steve ativou o rádio e murmurou, desviando o rosto de Daken: “O que está acontecendo?”

“Nossas leituras preliminares da órbita não mostraram nenhum tipo de superfície secundária”, respondeu Bruce. “Pensamos que eram as nuvens. James vai me ajudar a examinar os dados de Daken. Só mantenha ele ocupado até sabermos ao certo o que está acontecendo.”

Steve desativou seus comunicadores e abaixou as mãos, voltando-se para Daken e esperando que seu gesto tivesse sido sutil o suficiente.

“Você não tem família, não é?” ele perguntou.

Uma sombra silenciosa ao lado deles, Loki bufou suavemente com sua óbvia tentativa de distração.

Os olhos escuros de Daken não vacilaram. "Eu não. Era uma exigência. Tudo que eu tinha era meu pai, e ele morreu da praga X.”

“Não consigo imaginar como você sobreviveu a isso”, disse Steve suavemente.

“Me acostumou com a solidão. De certa forma”, sorriu Daken, “aquelas duas décadas enfurnadas em Roanoke foram o início do meu treinamento de astronauta”.

A antiga culpa de Steve ressurgiu, ainda fresca depois de todos esses anos. Ele poderia ter impedido, ele simplesmente sabia que poderia. Ele não tinha sido perfeito, no final. Ele não tinha sido o herói que todos diziam que era.

“Mas mesmo sem pessoas próximas, te prometo que o desejo de estar com outras pessoas é notável”, continuou Daken. “Essa emoção está na base do que nos torna humanos.”

Ele olhou para Steve. “Você sabe por que não podíamos enviar máquinas?” ele perguntou. “Porque você não pode programar o medo da morte. Nosso instinto de sobrevivência é nossa maior fonte de inspiração.”

Ele olhou para frente novamente. Eles estavam se aproximando do Ranger.

“E, cruelmente, foi a sua ruína”, disse ele. “Fazendo você perder tudo o que você sempre gostou, só para que você pudesse respirar por mais um minuto.”

Steve franziu a testa. "Do que você está falando?"

Daken parou de andar e olhou para ele.

“Eu sei quem você é, capitão. Eu te reconheci à primeira vista. Eu nunca teria sonhado que seria você que viria atrás de mim.”

Ele se virou para Loki e disse categoricamente: “Você eu não conheço”.

E ele o esfaqueou através do capacete, quebrando-o e rasgando sua bochecha.

Loki soltou um grito que se transformou em um estertor mortal quando a amônia penetrou em seu capacete. Ele caiu de joelhos, tentando recuperar o fôlego, derramando sangue no gelo que congelou imediatamente.

“Não se mexa, capitão.” Três garras estavam marcando a garganta do traje de Steve, assim como as que perfuraram o traje e a carne de Loki. Eles estavam saindo dos ossos de Daken, pelo que Steve imaginou. Mutante. Ele nem tinha se perguntado sobre suas habilidades antes disso.

Os olhos de Daken estavam insondavelmente escuros. “Me dói dizer isso, mas nunca considerei realmente a possibilidade de que o meu planeta não era o certo.”

Seus olhos se voltaram para o céu e depois para Steve. “Resisti à tentação durante anos. Mas bastava apertar um botão e alguém viria me salvar.”

Ele sorriu, aquele fantasma de um sorriso. “Nada acontece do jeito que é pra ser."

Steve já estava se preparando para atacar — mas atrás deles, a menos de um quilômetro e meio de distância, a frágil base explodiu — lançando um enorme cogumelo de fogo e cinzas em direção ao céu vazio.

Os pensamentos de Steve se transformaram em um único grito de puro horror.

"BUCK!" ele gritou.

Snikt, e três garras frias cravaram-se em seu estômago.

“Nenhum de nós é exatamente humano”, disse Daken enquanto Steve desmaiava. “Mesmo assim, mantivemos nossas deficiências humanas.”

Ele olhou para Loki, que havia parado de se mover; depois, para a cratera fumegante na base. “Seus amigos não puderam deixar de examinar meus dados fraudados; você não conseguiu evitar se distrair com a perda deles; assim como não pude deixar de enviar uma sonda positiva. Eu não consegui.”

“Você”, disse Steve com a voz rouca, curvado em torno de seu estômago sangrando, “maldito covarde...”

“Sim”, disse Daken com tristeza. "Sim. Mas não me julgue. Poucos homens foram testados como eu.”

Ele esfaqueou Steve novamente, bem abaixo do coração, e torceu as garras para rasgar sua carne até ouvi-lo gritar. Então ele os retraiu, deixando Steve sem conseguir falar, cuspindo sangue dentro do capacete, olhando para ele com os olhos arregalados.

“Sinto muito”, disse Daken com verdadeira dor na voz, segurando o capacete de Steve. "Sinto muito. Vou concretizar o Plano B, prometo. Vou honrar sua memória.”

Ele se virou e saiu correndo em direção ao Ranger, deixando Steve na neve ao lado do corpo de Loki.

 

 

 

 

 

 

 

Chapter 6: Olhos cegos, reluzindo como meteoros

Notes:

Olá querides, voltei
Peço desculpas pela demora, estive muito atarefado nos últimos meses, mas não vou desistir desse projeto, não percam a fé em mim
No mais, aproveitem o capítulo e me contem o que acharem nos comentários, sem spoilers, mas esse é o capítulo que mais me impactou quando li pela primeira vez, tem coisa importante por aqui o.o

Um beijo e um queijo...

Chapter Text

Steve teve uma vida muito longa e, não muito tempo atrás, ele teria dado qualquer coisa para que ela chegasse ao fim. Mas esse universo era tão cruelmente irônico quanto o outro, porque Steve finalmente estava morrendo e, meu Deus, ele não queria.

Ele está fugindo. Se Daken entrasse no Ranger, se ele decolasse, não adiantaria nada. Supondo que algum deles sobrevivesse, eles estariam praticamente mortos de qualquer maneira, deixados para perecer em uma nuvem congelada.

Um leve barulho sibilante fez Steve erguer os olhos. Ele piscou, se perguntando se não estava tendo alucinações.

Loki estava rastejando pela neve, arrastando a massa mortificada de seu corpo em direção a Steve. Sua pele estava azul, não por causa do frio ou da asfixia, mas como havia sido na cama criogênica. O sangue que cobria sua bochecha cortada era preto como tinta.

“Juro por Hela”, ele murmurou com uma voz que soava como pedras batendo umas nas outras. “Se você não matar ele, eu mato você.”

Ele estendeu a mão e seus dedos roçaram o peito de Steve. Houve um clarão verde, uma onda repentina de calor líquido seguida por uma picada insuportável de frio, e a dor desapareceu.

Steve estava de pé um segundo depois e correndo como nunca havia corrido antes, acelerando-se pelo gelo em direção ao Ranger no qual Daken já havia desaparecido. Seu traje havia sido perfurado pelas garras e ele começava a sentir gosto de amônia no ar que respirava, mas só corria mais rápido, arrancando pedaços de neve a cada passo e fazendo-os voar atrás dele.

A porta do Ranger estava quase fechando quando Steve finalmente chegou; ele se lançou para frente e deslizou pela abertura estreita pouco antes de ela desaparecer. Ele se esforçou para ficar de pé, mas o Ranger decolou e a aceleração jogou Steve de volta no chão, o prendendo como se ele estivesse sendo fisicamente segurado por uma mão gigante.

Durou dez, talvez doze segundos terríveis, até que Steve de repente se libertou de todo o peso e se levantou novamente, voando pela cabine.

Daken desafivelou-se com uma mão, guiando o Ranger com a outra até que pudesse soltar os comandos – momentos antes de Steve alcançá-lo, ele se levantou da cadeira e suas garras cortaram o ar, forçando Steve a pular para trás.

Daken se jogou para frente, ágil e como um predador na maneira como se movia – suas garras sibilaram perto da orelha de Steve, que pulou para trás novamente. Steve não tinha arma e não estava acostumado a lutar em Gravidade Zero, mas era mais pesado que Daken e tentou usar isso a seu favor, jogando-o de volta contra as paredes de aço, tentando estourar suas costelas, quebrar seus ossos, esmagar seu plexo, esmagar seu crânio. Mas Daken sempre se esquivava para atacar novamente, como uma máquina. Seus olhos eram escuros, frios e totalmente calmos.

Steve vacilou. Por um segundo, ele o viu com um braço de metal.

Não, ele se enfureceu com seu cérebro dissonante, agora não! Mas a dor de cabeça estava lá, e a confusão assolava seu crânio, gritando-lhe algo numa língua que ele não entendia mais.

Do lado de fora, o céu prateado havia se tornado preto novamente, estrelas salpicavam o vazio até que a terrível luz do Gargantua invadiu a cabine. Isso não era bom – eles estavam indo rápido demais; o Ranger estava programado para atracar com a Endurance, mas eles deveriam ter começado a desacelerar há uns três minutos.

“Você precisa parar”, gritou Steve, “ou nós dois vamos morrer! Vamos bater na Endurance e nós dois vamos morrer!”

Era a verdade e Daken devia saber disso, mas continuou atacando Steve, porque também sabia que se baixasse a guarda por apenas um segundo, seria o seu fim. Suas garras atingiram Steve na barriga, arrancando um filete de carne – bolhas de sangue cor de rubi derramaram-se, oscilando pela cabine. Steve desejou subitamente seu escudo, embora não o segurasse há mais de trinta anos. Ele tropeçou para trás, apoiou-se contra a parede, olhou Daken nos olhos e pensou

você não é o James

e quando eles se atacaram, Daken esfaqueou seu bíceps esquerdo, mas Steve agarrou sua cabeça e quebrou seu pescoço.

Steve soltou um gemido de dor, mais sangue escorrendo de seu braço lentamente em bolhas espessas. Os olhos de Daken ainda estavam entreabertos, escuros e ligeiramente surpresos, o pescoço em um ângulo gritante. Steve fechou os olhos, ofegante, e engoliu em seco.

Ele não matava alguém há muito tempo.

Ele reabriu os olhos, agarrou o pulso flácido de Daken e libertou-se das garras de osso, engolindo um grito de dor. Ele chutou pela cabine e mergulhou no assento do piloto. Deus, eles já estavam tão perto, alarmes disparando por toda parte para sinalizar o acidente iminente.

“Aqui é o Rogers”, ele gritou desesperadamente nos comunicadores. “Alguém na escuta?”

A Endurance estava ficando cada vez maior através da janela. Ele só havia feito isso nas simulações, ou com a ajuda de James, e em velocidade normal. Se ele atracasse errado, isso destruiria ambas as espaçonaves com ele junto.

Houve um ruído nos comunicadores. “Steve? Steve?”

O coração de Steve pulou no peito. "James?" ele chamou, frenético. "James!"

“Steve!” A voz rouca de James estava embargada de alívio. “Oh, porra, graças a Deus, Steve! Você está bem? Cadê o Daken?

James estava vivo. Nada mais importava. Ele estava vivo.

“Morto”, ofegou Steve. “James, onde é que você está? Cadê os outros?"

Foi Bruce quem lhe respondeu, parecendo muito urgente pela primeira vez. “Estamos na Endurance, estamos vendo você – Steve, você está se aproximando rápido demais!”

"O que?" exclamou Steve. "Como vocês chegaram aí?"

“Eu os trouxe a bordo”, disse o silvo gutural que substituíra a voz suave de Loki. “Eu não farei isso de novo.”

"Mas como?"

“Agora não é...” Houve um barulho estranho, como se Loki tivesse desmaiado. Steve ouviu exclamações; no segundo seguinte, Bruce estava falando no rádio, provavelmente apoiando o peso de Loki, pelo que sua voz tensa indicava.

“Steve, você precisa ir mais devagar”, ele disse hesitante. “Use os retrofoguetes.”

“Eu —” Steve se atrapalhou com os comandos, “Eu não consigo. Eu tô indo tão rápido que ia gastar todo o meu combustível pra parar a tempo. Eu só... não vou acoplar.

“Steve,” esbravejou James. “Se você fizer o que fez com o Valkyrie de novo, eu juro por Deus!”

Steve não pôde deixar de soltar uma risada trêmula, apesar da dor latejante e dos alarmes ainda gritando para ele - e do medo repentino de que ele estivesse tendo alucinações com tudo isso, porque James não deveria saber o nome do avião em que Steve havia derrubado no oceano há cento e cinquenta anos.

“Não”, ele disse, “não. Eu — eu vou dar uma volta no planeta, ok? Aí vou tempo para desacelerar.”

"Ok", disse Bruce, se esforçando para manter a calma, "ok, isso talvez funcione, só faça agora antes que..."

Steve guinou e o Ranger saiu do caminho, desviando-se da Endurance por umas centenas de metros. Steve retraiu os propulsores para aderir à órbita, contornando o planeta gelado, então desligou os motores para deixar o impulso esgotar enquanto economizava seu precioso combustível.

"Tempo estimado de chegada em sete minutos", disse Bruce.

"Ok", disse Steve. "Ok." Ele ainda estava tremendo de tensão e se deu um segundo para se acalmar — não muito, no entanto; tudo o que ele ganhou foi um descanso de sete minutos. "Vocês estão bem? E a explosão?"

"O Hulk aguentou o tranco", disse Bruce placidamente, como se fizesse isso todos os dias. "James teve muita sorte de estar atrás de mim."

Steve exalou. "E quanto ao Loki? Ele está bem?"

"Pelo amor de Hela", disse Loki, que aparentemente havia se recuperado. "Estou bem."

"Ele vai ficar bem", respondeu James, que parecia irritado e grato apesar de tudo. "O frio não machuca ele; foi a amônia que realmente fez um estrago nele. Isso, e nos teletransportar para a órbita."

"Se ele sempre conseguiu fazer isso, por que ele está aqui então?", Steve se perguntou.

Loki soltou uma risada seca ao fundo. "Você realmente não tem noção de—"

Steve viu um brilho no painel — e se levantou do assento milissegundos antes de Daken poder rasgar sua garganta.

Ao invés disso, as garras afundaram profundamente entre seu pescoço e ombro, e Steve soltou um grito que ficou mais alto quando Daken quebrou sua clavícula, libertando sua mão.

O rádio estava gritando com ele, mas Steve não tinha ar suficiente nos pulmões para que soubessem o que estava acontecendo. Ofegante de agonia, ele se empurrou para trás apenas para encontrar a parede. Seu sangue inundava a cabine em um fluxo vermelho e gelatinoso. Ele não conseguia ver através dele.

"Não consigo!", gritava Loki, "Não consigo, não de novo, não mais uma vez, não consigo!"

Foi tudo o que Steve ouviu antes de Daken se lançar sobre ele novamente. Ele havia se curado completamente — ele havia voltado à vida, porra — e Steve estava com tanta dor que mal conseguia se mover. Ele bloqueou o primeiro golpe por algum tipo de milagre, agarrando o pulso esquerdo de Daken; mas as garras de sua mão direita afundaram profundamente no antebraço esquerdo de Steve, combinando com os três furos que já marcavam seu bíceps. Steve torceu o braço para impedi-lo de soltar a mão e ficou ali, ofegante e tremendo de dor.

"Akihiro", ele arfou. "Não precisa ser assim."

Com o rosto impassível, Daken puxou o antebraço perfurado de Steve, tentando libertar suas garras. Steve cerrou os dentes, lágrimas de dor escorrendo de seus olhos. "Nós podemos ajudar você", ele disse hesitante. "Podemos terminar a jornada juntos. Nós cinco. Não precisamos nos matar.”

“Você já me matou uma vez,” disse Daken friamente.

Ele tentou se libertar novamente, mais violentamente, e Steve gritou. Sua cabeça estava girando. Sua visão estava vermelha e turva, e ele não sabia se era uma alucinação ou realmente seu sangue correndo diante de seus olhos.

Ele estava muito fraco. Ele deixou de se alimentar por anos; e um mês de treinamento e alimentação forçada sob os olhos atentos de James estava longe de ser o suficiente para compensar. Steve renegou seu corpo — fez com que ele suportasse toda a punição de sua vida, e agora ele estava sendo punido em troca. Ele iria morrer aqui orbitando um planeta alienígena, morto por outro ser humano no fim do universo.

Através da janela veio a luz crua e brutal do disco de acreção do Gargantua. Eles haviam contornado metade do planeta.

Steve piscou lágrimas de seus olhos; elas se afastaram dele, pérolas translúcidas se misturando com seu sangue flutuante. Daken tentou se libertar novamente, enviando pontadas de dor que atravessaram seu braço esquerdo e desenharam um véu vermelho sobre sua visão.

Então um flash de luz verde atravessou a nave — e James se materializou atrás de Daken.

Ele o arrancou de Steve — que gritou novamente quando as garras escorregaram de seu braço — e o jogou através da cabine. As garras de Daken deslizaram contra o teto e ele conseguiu diminuir a velocidade o suficiente para não bater na divisória que separava a cabine do piloto e os motores. James se jogou atrás dele como uma bala de canhão, batendo em seu peito e quebrando várias de suas costelas antes de pular para trás para desviar de um golpe mortal.

As costelas de Daken já estavam se reconstruindo em um ritmo alarmante, visivelmente voltando ao lugar sob seu traje espacial. Seu fator de cura estava ficando mais rápido a cada novo ferimento, acordando após anos de hibernação. Steve não conseguia nem se mover, só conseguia assistir enquanto Daken golpeava James, que deslizava para trás, as garras rasgando seu traje espacial sem machucá-lo — ambos já tinham um controle terrível sobre combate em gravidade zero. James chutou Daken no estômago, fazendo-o bater na parede oposta novamente. Daken nem ficou atordoado, mas James pulou pela cabine para se agarrar a ele e acertar seu punho de metal em seu rosto. Houve uma explosão de sangue quando o nariz e a testa de Daken se abriram; James o segurou para obter alavancagem para que pudesse desferir seus golpes e continuou batendo nele, batendo em seu crânio de novo e de novo e de novo com uma selvageria desenfreada — até que houve um estalo diferente.

James não parou mesmo assim, rasgando o corpo de Daken em pedaços e olhando ao redor com olhares rápidos e frios, como se estivesse calculando algo. Steve ficou horrorizado ao ver que Daken estava se regenerando — quase mais rápido do que James conseguia despedaçá-lo, regenerando membros, dentes e seus olhos escuros furiosos.

Steve finalmente ouviu os alarmes gritando no painel — eles tinham passado pelo planeta. Eles estavam prestes a colidir com a Endurance novamente.

Steve cuspiu sangue e então se arrastou para o assento do piloto. Não havia como atracar na estação — eles ainda estavam indo rápido demais, e ele mal conseguia enxergar direito de dor, eles iriam colidir e não havia tempo — ele desviou do caminho novamente, enviando o Ranger para fora da órbita, mas uma fração de segundo tarde demais; a traseira do Ranger pegou o anel da Endurance e o golpe os sacudiu com força suficiente para quebrar ossos.

“Steve,” gritou James, “solte a parte de trás!”

Steve teria obedecido a essa voz mesmo que lhe dissesse para pular de uma ponte. Ele encontrou o botão certo no painel e o apertou com toda a força. Houve um choque ainda maior com o impulso adicional e a nave inteira começou a girar, saindo completamente do curso e entrando no vazio escuro do espaço.

E de repente, silêncio.

As estrelas giravam sem parar do lado de fora da janela, vaga-lumes perseguindo uns aos outros pelo vazio preto aveludado.

Steve permaneceu em seu assento, ofegante, sentindo novamente o calor profundo de sua agonia enquanto a adrenalina o abandonava. Ele sentiu que ia vomitar e rapidamente tirou o capacete, mas percebeu que estava respirando uma mistura de amônia e oxigênio todo esse tempo; uma lufada de ar da cabine foi o suficiente para sua cabeça clarear.

Ele ouviu um barulho atrás de si e se empurrou para fora do assento — direto para os braços de James, que exalou um suspiro trêmulo e o abraçou com tanta força que o machucou ainda mais. Mas Steve não teria dito para ele recuar por nada no mundo.

Ao que James se afastou, apenas para beijá-lo com uma boca ardente com gosto de sangue. Steve retribuiu o beijo fervorosamente, o coração martelando em seus ouvidos e em suas feridas. James terminou rápido demais para seu gosto, e Steve o puxou para perto novamente, saboreando o momento com tudo o que tinha. Era tudo o que ele tinha. Ele não queria mais nada.

Isso não era um sonho. Doía demais para ser um sonho.

"James", ele suspirou contra os lábios. "James."

"Sim", murmurou James. "Estou bem aqui."

Steve provavelmente teria desmaiado se não fosse pela microgravidade; ele simplesmente caiu no abraço de James e o exalou, com o rosto no côncavo de seu pescoço.

"Onde está o Daken?", ele murmurou.

"Se foi com a parte de trás da nave."

 

Steve respirou fundo e olhou por cima do ombro de James. A partição mostrava apenas o vazio do espaço através de sua janela redonda. O planeta de Daken passou girando, brilhando prateado como uma lua gigante; a meia-nave contendo Daken e sua loucura já não era mais visível. O impulso que as metades receberam da separação foi o suficiente para enviar Daken através da linha da órbita, para cair no planeta que ele tentou tão desesperadamente deixar.

"Ele se regenerava rápido demais", murmurou James. "Ele sempre voltaria. Não consegui pensar em mais nada."

"Como", murmurou Steve. "Como você está aqui? Você está mesmo aqui?"

"Eu estou aqui", prometeu James novamente em um sussurro.

Ele ajudou Steve a se recostar em seu assento. Mesmo em microgravidade, era bom ter algo sólido sob seu corpo.

"Loki me teletransportou", ele explicou, procurando algo sob o assento de Steve. "Ele dizia que não iria conseguir fazer de novo, mas eu realmente não lhe dei escolha."

"Está acabando", disse Steve aleatoriamente. "A magia dele. Está acabando junto com o resto."

Ele não tinha certeza de como sabia disso — talvez tivesse ouvido em algum lugar? — mas James não disse nada, voltando com um kit de emergência.

Steve tinha dificuldade para respirar. Seu braço esquerdo estava matando-o, e os arranhões em seu peito eram mais sérios do que ele pensava. Mas foi o ferimento profundo entre seu ombro direito e pescoço que descompassou sua respiração. Sua clavícula quebrada latejava a cada movimento. Provavelmente era um milagre um de seus pulmões não ter colapsado. Ele estava meticulosamente começando a se curar, é claro, mas seu corpo faminto estava se devorando tentando se regenerar, e ele estava começando a tremer de exaustão física.

"Não se mexa", murmurou James. Ele puxou uma tesoura forte do kit e começou a cortar o traje espacial de Steve pela manga. Era incrivelmente perigoso tirá-lo enquanto estava dentro do Ranger — ainda mais um meio-Ranger — mas ele já estava perfurado e cortado de qualquer maneira.

James cortou o suficiente para ajudar Steve a despir seus braços e peito; então ele cortou o traje interno também, retirando-o do torso de Steve. A pele de Steve estava escorregadia e vermelha, embora a maior parte do sangue estivesse flutuando e eles frequentemente tinham que enxotá-lo. James franziu o cenho ao ver o ferimento profundo no ombro de Steve; ele o remendou primeiro, depois o braço esquerdo de Steve, silencioso e sombrio como tinha sido nos primeiros dias.

Ele também estava coberto de sangue, grudado em seu cabelo e pele, entre as rachaduras de seu braço de metal, e Steve não conseguia nem dizer se era dele ou de Daken. Quando terminou, James tirou seu próprio traje espacial rasgado e tentou limpar o que havia de pior, antes de enrolá-lo em uma bola e enfiá-lo sob o assento do copiloto.

Eles ficaram em silêncio por vários minutos quando Steve finalmente disse o que ambos estavam pensando. "A parte de trás da nave."

"Sim."

"Eram nossos motores."

"Sim," murmurou James.

Steve virou a cabeça lentamente e olhou pela janela. As estrelas lá fora ainda estavam girando; sua nave estava girando sobre si mesma através do espaço, cada vez mais para dentro do vazio, mostrando o planeta de Daken e M-616 um pouco menores a cada giro.

"Mas," disse Steve em uma voz que soou distante para seus próprios ouvidos. "Bruce vai vir atrás de nós. Não vai?"

James balançou a cabeça, então estendeu a mão por Steve para ligar o rádio.

“Bruce?”, ele chamou baixinho.

Demorou vários segundos até Bruce responder.

Ei,” ele disse, soando suave e cansado. “Vocês estão bem?”

“Steve está ferido,” respondeu James no mesmo tom cansado. “Mas nós dois estamos vivos, e Daken se foi. E vocês?”

“Loki não responde. Eu o coloquei no oxigênio, mas acho que mandar você embora drenou tudo o que ele tinha.” Ele fez uma pausa. “A Endurance está, hum, um pouco danificada. Perdemos uma das cápsulas com o motor.”

“Você ainda consegue nos ver?” perguntou Steve. Sua própria voz soou deslocada para seus próprios ouvidos, alta demais em comparação com seus tons abafados e lamentosos. Como se ele estivesse se recusando a ver o que Bruce e James já sabiam.

"Não consigo", admitiu Bruce. "Vocês se afastaram. Não tenho ideia de onde estão."

Por um segundo, Steve não conseguiu entender o real significado.

Certamente, não podia ser o fim — tão repentino e tão estupidamente simples. Devia ter uma maneira de saírem disso. Loki não poderia mais vir atrás deles. A Endurance não poderia vasculhar o espaço todo e esperar encontrá-los, não sem desperdiçar todo o combustível sem nenhuma chance real de realmente ter sucesso.

Eles estavam mortos. Simples assim. Steve não conseguia sentir pânico. Ele estava atordoado demais para isso; a coisa toda era irreal demais para ele perceber completamente as implicações. Ele se sentiu indiferente, cansado e talvez quase aliviado.

Ou ele teria ficado, se estivesse sozinho.

Ele fechou os olhos e pressionou a testa contra a de James. "Seu idiota." Ele bateu no peito sem nenhuma força real. "Seu completo idiota."

James não comentou.

"Eu vou manter contato", disse Bruce. "Eu vou pensar em alguma coisa."

Eles não responderam nada. Todos sabiam que era um tiro no escuro. A comunicação terminou com um leve barulho estático, e então eles estavam sozinhos em sua pequena caixa de metal, girando pela confusão do vazio. Houve um longo e desanimado silêncio.

"Você deveria comer alguma coisa", disse James finalmente.

"Pra quê?", perguntou Steve.

"Por que...", disse James, tirando itens de sobrevivência do kit de emergência e colocando-o nas mãos de Steve, "você precisa de combustível para queimar se quiser se curar. E se você acha que vou ficar sentado aqui e assistir você sangrar, tá se enganando."

Steve não conseguiu evitar sorrir. "Ainda roubando comida para mim, hein?"

"Óbvio que sim." James se acomodou no assento do copiloto. "Agora coma."

Ele observou Steve comer e se recusou a pegar qualquer coisa para si, exceto um pouco de água quando Steve realmente insistiu — e mesmo assim, ele usou a maior parte para lavar o braço e o cabelo. Depois de um tempo, Steve começou a se sentir um pouco melhor. Seu braço esquerdo e ombro direito ainda estavam rígidos com a dor, mas ele tinha quase certeza de que o sangramento havia parado. Ele comeu o último pedaço lentamente, tentando fazê-lo durar.

Então ele se inclinou para frente e beijou James novamente.

James parou de surpresa no início, mas retribuiu o beijo timidamente segundos depois. Suas mãos se levantaram como se fossem envolver Steve, mas ele acabou roçando nos seus braços desajeitadamente. Ele nunca relaxava completamente. Quando Steve se afastou para olhá-lo, franzindo um pouco a testa em um questionamento silencioso, James apenas olhou para baixo.

Steve não insistiu, mas ficou perto dele, compartilhando seu calor. "Quanto, hm...", ele disse, "quanto oxigênio ainda temos?"

"Umas três horas", disse James em voz baixa. "Eu acho."

Steve pegou as mãos de James nas suas, a de carne e a de metal. Ele acariciando em círculos nelas por um tempo.

"Queria que você não tivesse vindo me buscar. Tô muito feliz que você esteja aqui — mas eu queria que você não estivesse."

James sorriu para ele, aquele sorriso cansado e triste. "Até o fim da linha, amigo."

Steve olhou para ele.

Olhou de verdade.

"Bucky?", ele se ouviu dizer.

Uma sombra de dor cintilou nos olhos de James; seu sorriso corajosamente não vacilou.

Mas Steve — Steve não conseguia desviar o olhar. Algo estava se agitando e inchando dentro dele como um maremoto.

Era como se ele tivesse descoberto outra direção para olhar — uma quinta dimensão — como se as memórias estivessem lá todo esse tempo, mas ele simplesmente tivesse escolhido não reconhecê-las, apenas olhando para elas por engano de vez em quando, sem realmente prestar atenção. Como se ele tivesse uma palavra na ponta da língua sem nunca a encontrar. Mas agora ele a havia encontrado.

Elas iriam morrer e não havia mais razão para seu subconsciente continuar — como Daken havia dito — perdendo tudo o que você mais amou, só para poder respirar por mais um minuto. E Tony, Tony Stark, há muito tempo, é um mecanismo de defesa, mas não havia mais nada para defender agora, havia? Os portões estavam abertos, em uma última onda de vida, lançando uma luz brilhante sobre tudo o que era empoeirado e escuro no passado de Steve, e —

Bucky parecia hesitante agora. "Steve?"

Bucky,” disse Steve, e então ele teve que enxugar as lágrimas dos olhos, a voz tremendo, “Oh, meu Deus. Oh, meu Deus.”

“Steve?” repetiu Bucky com a voz trêmula. Ele pareceu aterrorizado de repente, mal ousando falar. “Steve? Você—você tá—?”

“É você,” Steve arfou. Ele olhou para James tantas vezes durante o mês passado, mas era como se o estivesse vendo pela primeira vez de novo—mas não era a primeira vez, claro que não era.

Bucky não se moveu, não falou, apenas olhou para ele com os olhos arregalados.

“Eu me lembro”, disse Steve, as memórias apenas começando a se recompor, mas amplamente ofuscadas pela confirmação do que ele sempre soube, eu o conheço, eu o conheço, eu sempre o conheci, uma vertigem estonteante, “foi você, foi você o tempo todo, sempre foi você, Jesus Cristo no céu, James, James Buchanan Barnes—”

Lágrimas já estavam escorrendo dos olhos de Bucky, mas quando Steve disse seu nome, ele ficou completamente destruído — Steve nunca o tinha visto chorar daquele jeito. Sua memória ainda estava caótica, mas ele tinha certeza de que nunca, nunca tinha ouvido Bucky soluçar daquele jeito antes.

“Sinto muito”, ele lamentou. “Steve, sinto muito, porra, me desculpa!” Ele estava soluçando e arfando tanto que literalmente não conseguia respirar, engasgando com o ar rarefeito, tremendo tanto, "Eu queria te contar faz tempo — me desculpe — eu sinto m-m-m-muito —" outro suspiro, "Foi minha culpa — eu — eu te trouxe lá — eles me fizeram assistir — e quando eu percebi — quando eu reconheci — era tarde dem-mais e eu —"

Steve esqueceu seu braço mutilado e esmagou Bucky em um abraço apertado como se isso pudesse impedi-lo de desmoronar. "Não é sua culpa", ele arfou, "não foi sua culpa. Não foi sua culpa."

Ele se lembrou, brilhante e claro como gelo, da cadeira, do protetor bucal — então um flash de luz branca. O cheiro de sangue e vômito. Por favor, pare, por favor, só não o machuque mais.

Bucky ainda estava lutando para respirar de verdade, como se ainda estivesse enjaulado naquela tenebrosa caixa de vidro, sufocando nos braços de Steve, tanto que Steve o implorou "Respira, Buck, respira, porra, vamos lá."

Bucky respirou fundo, trêmulo e superficialmente, mas saiu em soluços novamente. Steve acariciou suas costas, piscando para afastar as próprias lágrimas. As memórias continuavam chegando como um poço infinito de déjà vu. Em algumas partes, sua memória estava muito cheia, em outras ainda falha e vazia, com grandes pedaços faltando. Isso o deixou tonto, e sua cabeça doía terrivelmente, mas Bucky ainda tremia de desespero contra ele e nada mais importava.

“Não foi sua culpa”, disse Steve novamente, piscando para afastar as lágrimas ardentes dos olhos. “Não foi sua culpa. E foi você quem ficou para trás.” Sua garganta estava tão apertada que doía. “Por Deus, Bucky, onde você estava? Você ficou—” sua voz falhou, “você ficou sozinho esse tempo todo?”

Bucky não conseguiu responder, tremendo nos braços de Steve. Ele estava tentando falar, no entanto, tentando ao máximo ser ouvido sobre seus soluços dilacerantes. “Eu—” ele conseguiu suspirar, “Wilson estava t—tentando ajudar você, mas m—minha cabeça ainda estava confusa e você n—não conseguia nem ouvir meu nome sem—sem recair.” Ele estava agarrado a Steve como uma criança pequena, suas palavras tão quebradas que mal eram ininteligíveis. “Natalia e S—Stark me mantiveram em c—custódia por um a—ano até que eu fosse d—desprogramado. E depois disso eu só—”

Ele engoliu em seco, engoliu em seco novamente, conseguiu suavizar um pouco a respiração. “Eu só p—parti. Você tinha S—Sam para cuidar de você. Ele me mantinha informado sempre que eu tinha um endereço de trabalho. Banner me encontrou eventualmente, disse que eu devia me juntar à SHIELD—disse que eles poderiam me usar.”

Ele estava tremendo de exaustão e tristeza.

 

"Mas... espera", disse Steve, enxugando as próprias lágrimas, tentando se lembrar, "então foi você? No Brooklyn? No dia em que desmaiei de insolação?"

Bucky soltou algo entre uma risada e um soluço. "Você me viu te observando." Ele ainda respirava com hesitação, mas sua fala não estava mais tão quebrada. "Correu atrás de mim como se eu tivesse... como se eu tivesse roubado seu dinheiro do almoço. Mas quando você me viu..." Ele balançou a cabeça. "Engatilhei você de novo. Mantive distância depois disso, embora o Sam continuasse me escrevendo e dizendo que você já estava dessensibilizado, que estava tudo b-bem."

Steve o puxou para mais perto, ainda afagando as costas de Bucky, seu pescoço, passando a mão pelo cabelo. "Como Danvers pôde me deixar entrar no programa? Como ela pôde me enviar para você?"

Outra risada molhada. "Ela nunca soube quem eu era." Bucky fungou. "Ela me disse que você era um novato de última hora e que eu tinha que treiná-lo. Nem sabia seu nome até te ver no corredor.”

Steve de repente se lembrou do olhar atordoado no rosto de Banner. Tudo será diferente agora.

Bruce sabia.

Ele sabia desde o começo. Ele tentou reativar as memórias de Steve por todos os meios possíveis. Provavelmente foi ele quem propôs que todos dormissem no mesmo quarto lá na base. Ele até acordou Steve do sono criogênico antes de Bucky para deixá-lo enxergar por baixo da persona de Chekov.

“Eu estava tão assustado,” Bucky suspirou. “Você estava bem ali, e você estava tão magro. Aquele maldito olhar em seus olhos—”

Você está se matando de fome. A dor e a raiva na voz de Chekov. Você está se matando de fome.

“Sinto muito,” murmurou Steve. “Sinto muito.”

Bucky apenas balançou a cabeça, agarrando-se a ele ainda mais. Steve o envolveu ainda mais forte, como se pudessem se tornar um, como se pudessem compensar os anos perdidos e duas vidas de sofrimento.

"Eu nem tive a chance de me desculpar pelo que fiz em D.C.", bufou Bucky. "Eu não conseguia nem te dizer..." ele respirou fundo, então disse com uma voz derrotada, "Eu não conseguia nem te dizer nada."

Steve se afastou para olhar para ele. A sede que ele sentiu todo esse tempo deveria ter sido saciada pelo retorno de suas memórias; mas ela foi ampliada em vez disso. Ele precisava olhar para Bucky, vê-lo respirar, ouvi-lo falar, sentir o calor de seu corpo, precisava beber tudo até se afogar.

"Meu Deus", ele respirou, "Buck, você é tão lindo."

Bucky fechou os olhos e se afastou um pouco. "Steve..."

"Não", disse Steve com um brilho em sua voz, "É verdade. Jesus, olhe para você. Eu não sei como você conseguiu. Não sei como você conseguiu passar por tudo isso.”

Bucky estava empurrando Steve para longe agora, balançando a cabeça, com o mesmo olhar que tinha quando parou de beijá-lo mais cedo. “Não.” Sua voz estava rouca. “O que quer que você está vendo, não sou eu. São só os fantasmas na sua mente dizendo para você gostar de mim.”

“Chekov—”

“Chekov era falso,” cuspiu Bucky, “a porra de uma casca vazia. Eu não sou ele. Eu também não sou Barnes. Jesus, Steve, já faz décadas. Você não sabe o que eu fiz—quem eu sou. Eu não—eu não posso—”

“Não ouse,” rosnou Steve, “não ouse dizer coisas assim. Eu sei que você é outra pessoa. Você acha que eu não mudei? Você acha que eu espero que você seja alguém de quem eu mal me lembro até agora?”

Bucky pareceu pego de surpresa, e Steve continuou quase desesperado: "Não é... nós dois fomos desfeitos e remontados. E... e... e eu nem tenho certeza se não é algo que acontece de qualquer maneira, com todo mundo. É a porcaria do fim do mundo. Você cresce, envelhece, perde pessoas e se transforma em outra pessoa. Você olha para quem era há um mês, para alguém que estava... se matando de fome e que perdeu a esperança, e não consegue se reconhecer porque tudo mudou muito." Ele estava chorando de novo e enxugou as lágrimas com raiva com a mão trêmula. "E eu não ligo pra nada disso agora. Não posso deixar você me afastar assim a três horas da morte por causa de... de algo que nem importa. Eu também já fui uma dúzia de pessoas diferentes, Bucky, e porra, cada uma delas amou cada versão sua."

Bucky fechou os olhos e tentou sorrir. "Sempre com seus discursos, idiota." Ele engoliu em seco e então exalou trêmulo, "Senti tanta saudade." Ele fechou os olhos com força, franzindo a testa para não começar a chorar de novo, mas era uma batalha perdida. "Senti tanta saudade."

"Eu também", exalou Steve, e eles estavam se abraçando perto e forte novamente.

Era verdade, mesmo que Steve não soubesse. Havia algo faltando, todo esse tempo, algo que o fez esperar, algo que o impediu de se matar e ele não sabia o que.

Agora — talvez ele soubesse.

 

*

 

Depois de um tempo, Steve pegou o mp3 prateado que ele mantinha no bolso, e eles ouviram umas músicas juntos como costumavam fazer na base, jazz que parecia fluir para longe deles e para o vazio do espaço. Steve estava distraidamente desembaraçando os nós no cabelo de Bucky com a mão direita; seu braço esquerdo estava enrolado em volta dele, mantendo-o próximo. Os olhos de Bucky estavam com as pálpebras pesadas. Ele estava traçando padrões ociosos na pele de Steve, roçando os arranhões em sua barriga.

O Ranger tinha a capacidade de órbita-superfície e foi projetado para suportar qualquer tipo de condição atmosférica extrema que pudesse encontrar; como resultado, seu isolamento era extraordinário e os protegia das temperaturas flutuantes do lado de fora. Mas eles estavam enfrentando o problema oposto. Seu sistema de resfriamento havia sido arruinado com os motores quebrados, junto com sua unidade de evaporação. A meia-nave estava esquentando lentamente com o calor residual dos sistemas de trabalho que eles ainda tinham. O calor irradiando de seus corpos não ajudou, embaçando a janela e o para-brisa, transformando o sangue flutuante em uma névoa vermelha se acumulando perto do teto.

As estrelas ainda estavam girando lá fora, e Steve só podia ser grato por não estarem de frente ao Gargantua, senão eles estariam sendo cegados a cada dez segundos, mesmo através da névoa se acumulando no vidro reforçado.

A próxima música começou.

"Não tem realmente nada que a gente possa fazer?" perguntou Steve suavemente.

Bucky deu de ombros. "Talvez Banner pense em alguma coisa."

Sua voz era branda. Ele realmente não acreditava no que estava dizendo, e Steve percebeu que ele também não.

Ele se perguntou o que Bruce faria agora. Executar o plano B? Ele esperava que sim. Ele esperava que Bruce percebesse que não poderia de maneira decente, se jogar em um buraco negro sem ninguém para criar uma nova humanidade no planeta de Chavez. Ele teria que adiar seu sacrifício, começar o programa de embriões, esperar as primeiras dez crianças crescerem, ajudá-las a criar a próxima geração. Ele nunca mais ficaria sozinho.

E talvez — talvez fosse o suficiente para ele abandonar a ideia de se matar completamente.

Steve o imaginou parado no meio de um bando de crianças correndo atrás dele como patinhos, e o pensamento o fez sorrir mesmo sem querer. Bruce não queria filhos? Ele teria muitos deles agora. Ele seria pai de uma humanidade totalmente nova, e os criaria muito bem, e os ensinaria a amar até os monstros, até os perdidos, até os solitários. Especialmente os solitários.

Steve olhou para as estrelas girando lá fora. Ele mal conseguia vê-las através da janela embaçada. Ele tentou não imaginar Bucky no lugar de Bruce, rindo sob o ataque de um bando de crianças, mas então percebeu que na verdade, não conseguia pensar em mais nada.

"Eu não quero que você morra", ele disse, com a garganta apertada. "É tão injusto. Você merecia muito mais. Eu não quero que você morra."

Bucky não disse nada. Steve fechou os olhos com força, depois os reabriu e se forçou a respirar fundo, bem fundo. Ele encerrou a música.

"Eu não escrevi uma carta para você?", ele continuou baixinho. "Depois que Sam morreu?"

"Sim." Bucky fechou os olhos. "Quase me deu um ataque cardíaco."

"Você poderia... você poderia ter respondido."

Bucky balançou a cabeça, os olhos ainda fechados. "Não. Era demais." Ele parecia Chekov novamente — mais velho, mais frio. "Eu não queria mais pensar em você. Eu queria me anestesiar. Eu até pensei em voltar para a HYDRA, para que eles fizessem isso ir embora."

O coração de Steve apertou tanto que ele só conseguiu gaguejar: "Não diga isso."

"É verdade." A voz de Bucky estava vazia. "Você não estava melhorando — você não se lembrava de mim, então qual era o sentido de ser Bucky Barnes? Ninguém mais o conhecia. Além disso, ia ser muito egoísta da minha parte me forçar na sua vida. Você não se lembrava, então não sentia minha falta. Você estava bem.”

“Eu não estava, Buck—”

“Eu me forcei a parar de investigar você depois que Sam faleceu. Pensei que era minha oportunidade de finalmente deixar tudo para trás. Funcionou tão bem que depois de um tempo, eu perdi completamente o seu rastro.” Ele olhou para Steve. “É isso que eu quero dizer quando digo que mudei, Steve. É desse tipo de merda que eu sou capaz. Eu não sou uma boa pessoa.”

“Então eu também não sou,” disse Steve com raiva. “Só levei um segundo para te esquecer, quando setenta anos não foram o suficiente para você me esquecer.”

Eles se encararam por um segundo; então Bucky bufou uma risada triste. “Oh, quem eu quero enganar. Eu simplesmente não fui corajoso o suficiente para continuar tentando. Eu simplesmente desisti de você.” Ele esfregou o rosto com as duas mãos. “Porra, quando eu te vi ali na SHIELD, você estava radiante igual a um maldito sol. Eu pensei que tinha acabado, mas você estava lá, e eu não conseguia nem olhar diretamente para você.”

“Eu deixei você cair daquele trem miserável e não fui te buscar,” disse Steve entre dentes. “Eu deixei você passar setenta anos no inverno sozinho. E então quando eu tive outra chance, eu estraguei tudo também. Eu te abandonei primeiro.” Seus olhos estavam queimando de novo. “Eu não te culpo por ir embora. Eu não sei como você conseguiu, Buck, eu realmente não sei.”

Bucky olhou para ele, então se ajoelhou para enxugar as lágrimas de Steve com o polegar. Steve olhou de volta com os olhos vermelhos.

“Quer saber,” murmurou Bucky após um longo silêncio. “Nós só temos duas horas e não é assim que eu quero acabar.”

Steve deu um pequeno sorriso. “Tem algo em mente?”

Bucky olhou-o nos olhos por três segundos inteiros antes de se inclinar para frente.

Ele parou a centímetros dos lábios de Steve, como se ainda não conseguisse acreditar que tinha o direito — e foi Steve quem o beijou. Bucky parou novamente; mas dessa vez, ele retribuiu o beijo, abrindo os lábios, tão devagar e tão suavemente, e arrepios percorreram a pele de Steve até sua espinha.

"Nós nunca fizemos isso antes, né?", ele respirou contra sua boca. "Lá na Terra."

Bucky balançou a cabeça sem palavras. Então ele disse: "Só para você saber, eu ainda tenho meus próprios problemas de memória." Eles ainda estavam tão próximos que compartilhavam respirações. "Mas acho que eu teria me lembrado disso."

Então isso era novo. Steve gostou da sensação. Não importa o quanto eles tivessem esquecido, ou o quanto eles se lembrassem, isso não mudava nada no que eles estavam sentindo agora. Não importa quem eles tinham sido, esse momento era todo deles.

Steve o beijou novamente, deslizou as mãos por baixo da camisa para subir pelos lados — o que acabou por empurrá-lo em direção ao teto antes que Bucky agarrasse o pescoço de Steve e se puxasse de volta para baixo.

"Já fez isso em gravidade zero?", ele brincou.

"Aposto que te faço ver estrelas", retrucou Steve.

Bucky sorriu, então se inclinou para frente, esfregando lentamente a ponta do nariz no maxilar de Steve, fazendo seus olhos se fecharem.

"Provavelmente é uma má ideia", ele disse em voz baixa. "Nosso sistema de resfriamento está quebrado. Se a gente se esforçar, vai esquentar muito rápido."

"Mm", disse Steve, tentando se concentrar mesmo quando os lábios de Bucky roçaram sua pele. "Você não parece muito chateado."

Bucky se endireitou um pouco e se puxou contra Steve, perto o suficiente para montá-lo embora um empurrão fosse o suficiente para fazê-lo pairar novamente.

"Sério", ele disse. "Você está ferido..."

"Acho que não me importo", disse Steve. "Não me importo nem um pouco."

Bucky olhou para ele por alguns segundos.

"Ok", ele disse suavemente. "Ok."

 

*

 

Não havia tempo, mas eles foram devagar ainda assim.

Não havia outra escolha, realmente — Steve estava gravemente ferido, eles não tinham nada para facilitar, e a microgravidade realmente não estava ajudando. Eles tiveram que se segurar para não se afastarem ao se deslocar, e eles não tinham uma amplitude grande de movimento. Eles esbarraram nas paredes e um no outro, tirando o resto de suas roupas, deixando-as flutuar por aí suavemente. Steve não tinha certeza se o oxigênio já estava acabando ou se ele estava apenas esquecendo de respirar, mas também não conseguia se importar com isso.

No começo, Bucky manteve sua mão de metal fora do caminho, tocando apenas com sua mão direita, até que Steve se forçou a parar de tremer o suficiente para agarrar os dedos prateados e entrelaçá-los com os seus, segurando a mão de Bucky perto do coração. Ele se deixou ser persuadido a se abrir, tremendo, tentando relaxar, tremendo de novo, a cabeça girando, as estrelas girando lá fora.

Bucky estava certo. Com o sistema de resfriamento quebrado, o calor de seus corpos aprimorados sob estresse fez a temperatura subir a temperaturas desumanas. Mas ambos não ligaram. Quando Steve finalmente incitou Bucky, sussurrando que ele estava pronto, vamos lá, Buck — quando eles conseguiram se apoiar contra a parede o suficiente para obter firmeza, Bucky o beijou longa e suavemente antes de se alinhar e se empurrar.

 

Doeu antes que eles finalmente conseguissem se encaixar, e houve suspiros, estremecimentos e pedidos de desculpas sussurrados. Ambos estavam brilhando de suor na cabine agora superaquecida, os metabolismos aprimorados funcionando como fornalhas, com corações e o sangue em frenesi. O braço de metal de Bucky era mais quente e suave do que o de pele, e incrivelmente gentil enquanto ele afastava alguns fios grudados na testa de Steve.

"Ok?" ele murmurou.

Steve assentiu, tremendo, incapaz de falar, capaz apenas de sorrir para ele, de trazer seus corpos ainda mais perto, de beijá-lo mais ofegante do que já estava. Ele se sentia queimando e gelado, como se estivesse com uma febre alta. Ele não tinha certeza se era por causa da dor latejante em seu ombro, ou por causa da ofegante morte vindo em sua direção ou das estrelas girando lá fora ou — ou simplesmente porque ele nunca encontrou tempo para fazer isso, nem uma vez em cento e oitenta anos de existência. Era novo, avassalador e invasivo, e isso era quase intenso demais para ele, quase demais. Quase, mas não totalmente, e ele respirava naquele limite, tremendo, nenhum dos dois se movendo, apenas permanecendo ali, entrelaçados um no outro e mais próximos do que nunca.

"Ok?" perguntou Bucky novamente, e ele parecia tão ansioso que Steve o envolveu em seus braços, beijou seus lábios, seu pescoço, sua bochecha, a linha de sua mandíbula.

"Sim", ele respirou. "Sim. É incrível. Você é incrível, Buck." Um deles se moveu, fazendo os dois girarem lentamente, e Steve sentiu uma descarga de prazer elétrico bem no fundo. Ele arfou e Bucky o beijou, forte e desesperado, os dois tremendo tanto que teriam se esgotado se não fosse um pelo outro.

Eles nunca começaram a se mover de fato. Ficar perto, ficar pele com pele parecia mais importante do que qualquer outra coisa. A cabana estava tão quente agora que ele sentiu como se estivessem derretendo um no outro. Steve estendeu a mão e colocou o cabelo de Bucky atrás da orelha, fazendo-o sorrir involuntariamente.

Por Deus, Steve não queria que ele morresse. Queria que ele vivesse a vida que lhe foi negada por tanto tempo. Queria que ele tivesse mil filhos e um planeta totalmente novo para viver. Ele se lembrou de sua memória mais antiga de Bucky, o garoto convencido do Brooklyn, lembrou de sua risada despreocupada e do brilho animado de seus olhos, e seu coração teria se partido em um milhão de pedaços se Bucky não estivesse tão perto, tão quente, tão esmagadoramente real.

"Eu te amo", Bucky exalou, soando quase com dor, "eu te amo tanto."

E apesar da imensidão existindo eternamente ao seu redor, Steve sentiu como se isso — esse calor compartilhado e a maneira como Bucky tremia ao mínimo movimento de Steve, quando Steve passava os dedos pelos seus cabelos, quando seus lábios se acariciavam — que isso não podia ser sem sentido. Ele sentiu que o amor tivesse que ser parte do universo, entalhado em seu próprio tecido como as leis da física; como se o amor pudesse superar o vazio que os encarava e dar sentido ao vácuo do espaço.

"Eu também te amo", murmurou Steve, pressionando beijos trêmulos em sua pele novamente, "eu te amo".

Porque se isso realmente não tivesse significado, então nada tinha. E se nada tivesse, então tudo na existência tinha o mesmo valor, e o amor rasgando seu coração importava tanto quanto as estrelas, tanto quanto as galáxias, os buracos negros e as supernovas; e tudo nesta meia-nave sem ar e superaquecida era tão maravilhoso, tão misterioso e tão infinito quanto a totalidade do próprio Universo.

A respiração de Steve era superficial e, dessa vez, era definitivamente porque o oxigênio estava acabando. Bucky o beijou como se quisesse lhe dar seu ar, o trouxe ainda mais perto como se pudesse protegê-lo da própria morte.

"Não", ele suspirou, "Steve, fica comigo".

Steve respirou fundo o dióxido de carbono quente e o beijou de volta. "Não vou a lugar nenhum. Não sem você".

Pontos pretos estavam manchando sua visão. Bucky agarrou-se a ele, sacudiu seu ombro e a pontada aguda de dor trouxe Steve de volta a si por mais alguns segundos.

"Buck", ele chamou, e Bucky estava lá, beijando-o novamente, queimando de desespero. A luz ofuscante do Gargantua de repente fluiu pela cabine, iluminando a névoa vermelha em uma maravilha cor de rubi brilhante. Era impossível, porque eles não estavam de frente para o buraco negro, mas a luz estava entrando com força, tão crua e violenta que era quase sólida.

Steve estendeu a mão para Bucky, mas mesmo estando tão perto, ele não conseguia tocá-lo. Ele tentou novamente, mas também não conseguia vê-lo, e que, na verdade, não conseguia respirar.

 

*

 

Steve se recuperou e viu uma rigorosa onda de luz branca que queimou suas pálpebras.

Ele respirou fundo e percebeu que alguém estava segurando uma máscara contra seu rosto. Seus olhos se abriram. Bucky estava lá, inundado de luz, sua pele sem cor e seus olhos completamente vermelhos. Ele estava dando a Steve o pouco oxigênio que restava do traje espacial que ele havia tirado antes.

Steve levantou uma mão terrivelmente pesada e empurrou a máscara do rosto com os dedos desajeitados. Bucky entendeu e a tirou, tão devagar e tão estranho, tudo pairando ao redor deles, roupas e comida e gotas de água e sangue, como uma explosão congelada. Como se estivessem presos no lugar pela luz implacável. Bucky permitiu que o plástico cobrisse sua boca e nariz, respirou brevemente e então o devolveu a Steve.

Ele estava olhando pela janela e Steve seguiu seu olhar com um esforço terrível.

A nave havia parado de girar. Gargantua estava do lado de fora, e por um momento Steve se viu como se não houvesse nave alguma — como se ele estivesse lá fora, flutuando no vácuo com nada além de imensidão ao seu redor, sozinho com o buraco negro nesse silêncio desumano, nesse infinito espaço.

Ele não conseguia falar e não conseguia se mover. Ele usou o que restava de sua força para devolver a máscara a Bucky, mas ela apenas pairou para longe dele, vazia.

Havia uma escuridão vindo em sua direção, bloqueando até mesmo aquela luz brutal, bloqueando todo o resto.

 

 

 

 

 

 

 

Chapter 7: O sol à deriva, rumo ao seu destino

Notes:

Quem é vivo sempre aparece, me desculpem de novo pela demora, sou CLT agora :=(
Demorei pra engatar na tradução desse capítulo, mas finalmente veio aí, espero que gostem, e vou fazer de tudo para postar o próximo o mais rápido que puder
Bjos

Chapter Text

 

 

 

 

 

 

 

Steve abriu os olhos em um quarto abençoadamente pequeno.

O travesseiro estava macio sob sua bochecha, os lençóis lisos sobre seu corpo nu. A luz estava apagada, mas a porta de correr estava entreaberta e ele podia ouvir vozes sussurradas.
Antes mesmo que seus pensamentos encontrassem um rumo, ele se empurrou para fora da cama, cambaleando um pouco com seu próprio peso — sem gravidade zero. Ele esbarrou na parede e uma dor lancinante explodiu em seu ombro, atordoando-o por um instante. Certo.

Certo.

Certo, pensou de novo, mas por mais que repetisse isso para si mesmo, a confusão em sua mente não desaparecia. Ele sabia que estava ferido e se lembrava vagamente de ter um bom motivo para isso, mas o motivo lhe escapava no momento. Foi se tornando gradualmente consciente de outras dores mais leves: costelas machucadas, espinha dolorida, uma pontada entre as pernas. Algo mais parecia estranho, fora do lugar — ou talvez fosse apenas ele, incapaz de encontrar equilíbrio. Mas isso voltaria quando a névoa mental se dissipasse.

Havia roupas dobradas aos pés da cama. Ele as pegou e se vestiu devagar. Sua clavícula quebrada disparava dores agudas, e seu braço esquerdo mutilado estava rígido e ardente; mas o ferimento profundo acima de seu ombro direito havia cicatrizado o suficiente para que ele conseguisse vestir a camisa, com muito cuidado. Quando terminou, segurou o batente da porta e olhou ao redor.

Foi só então que começou a se livrar da dormência. Estava na Endurance. Podia ver o interior do módulo de comando pela porta entreaberta.

As estrelas do lado de fora giravam lentamente, M-616 passando ao longe, curiosamente pequena, e então Gargantua, parecendo terrivelmente maior que tudo e tão perto que Steve poderia tocá-lo — mais perto do que a estrela. Ele se forçou a desviar o olhar.

A primeira pessoa que viu foi Loki. Ele estava deitado em uma maca de emergência, olhos fechados, pálido como a morte e respirando de forma irregular com a ajuda de um respirador preso ao rosto.

Atrás dele, em silhueta contra as estrelas, estavam Bruce e James conversando em tons baixos. Quando Steve deslizou a porta e entrou totalmente no módulo, os dois se levantaram.

— Steve — disse Bruce. — Você não devia estar de pé—

— James — arfou Steve ao mesmo tempo — você está bem?

Os olhos de James se arregalaram em um choque absoluto e agonizante — tão real e tão cru que a mente de Steve travou.

Bruce colocou a mão no braço de James, com aquele toque leve que só se vê em funerais.

E, como alguém em um funeral, James parecia não sentir absolutamente nada. Estava ainda mais pálido que Loki. Visivelmente tentava se conter, chamando desesperadamente de volta sua máscara de indiferença, mas o desespero era grande demais para ser contido. Os dedos de Bruce apertaram mais seu braço.

Espera. Espera. Tinha algo errado ali. Algo definitivamente errado.

Bruce olhava de um para o outro, hesitante. Por fim, abriu a boca "Steve, você não devia—"

Steve levantou a mão para mandá-lo calar. Dessa vez não. Dessa vez não. Estava ali. Estava na ponta da língua. Se ele apenas conseguisse — caramba — caramba, se ele apenas

"Bucky," soltou, como se tivesse explodido de dentro dele. "Bucky."

Tudo voltou de uma vez só, como um tapa, e ele vacilou, quase perdendo o equilíbrio. Bucky se levantou para ajudá-lo a se firmar, e Steve agarrou seus braços.

"Me desculpa" disse febrilmente, segurando-o com força. Respirou fundo. "Jesus, me desculpa. Me desculpa. Eu tô aqui agora."

Bucky soltou um suspiro trêmulo que se transformou numa risada fraca. "Porra, Steve. — Ele tremia.

"Eu sei," murmurou Steve. "Eu sei. Me desculpa." Envolveu-o nos braços. "Eu tô aqui, Buck."

Outro suspiro escapou de Bucky, soando muito mais como um soluço. Steve o segurou por um longo minuto, depois se afastou apenas o suficiente para olhá-lo, e então pressionar seus lábios contra os dele. Não queria esquecer de novo. Bucky exalou contra sua boca, moldou o rosto de Steve com as mãos e retribuiu o beijo de um jeito que fez Steve querer levá-lo para a cama e ficar lá até as estrelas se apagarem.

Ao desviar o olhar, seus olhos encontraram Bruce, que apenas o encarava de volta com uma alegria genuína nos olhos que Steve nunca tinha visto antes. Aquilo o atingiu com força total — o quanto Bruce tinha lutado para que ele se lembrasse, o quanto Bruce tinha continuado com esperança quando nenhum dos dois conseguia — Bucky esmagado pela dor e culpa e Steve esquecendo que havia algo pelo qual esperar.

"Isso é graças a você" disse Steve, e ele queria ter mais do que palavras para expressar sua gratidão.

"É graças a você mesmo" corrigiu Bruce suavemente.

"Não, seu idiota intrometido" resmungou Bucky. "É graças a você." Sua voz vacilava com emoção. "É tudo graças a você."

Bruce parecia um pouco atônito. Compreensível. Décadas como uma casca vazia sob o controle da HIDRA deviam ter deixado Bucky desconfiado de qualquer conexão, e essa misantropia havia se perpetuado com o tempo — o suficiente para Danvers mencionar isso como sua característica principal. Mais fácil ficar insensível. O próprio Bruce tinha o hábito de manter as pessoas à distância; e os dois conscientemente haviam se mantido afastados um do outro, mantendo uma distância emocional para facilitar a despedida quando chegasse a hora de Bucky deixar Bruce rumo ao seu destino. Talvez também tivessem reconhecido e respeitado o desejo mútuo de serem deixados em paz.

Mas Bruce tinha dado a Bucky um propósito, por mais sombrio que fosse; e assim o manteve vivo, talvez até contra sua vontade, tempo suficiente para que ele visse este dia. E assim, Bruce havia salvado a vida de Steve e de Bucky.

A atenção pareceu deixar Bruce um pouco desconfortável; ele esboçou um sorriso rápido, pigarreou e olhou para baixo. Steve percebeu, então, que ele ainda estava escondendo a mão direita. Não havia se curado? Ele tinha se transformado no Hulk no planeta de Daken. Não deveria ter sido o suficiente para…

O nome de Daken desencadeou outra onda de memórias, e Steve de repente se deu conta de como era absolutamente impossível que eles estivessem ali. Por Deus, eles estavam na Endurance.

Ele olhou em volta. “Bruce, o que aconteceu? A gente tava… nós estávamos…”

Sua voz falhou novamente. Nós estávamos morrendo.

“Eu encontrei vocês”, disse Bruce, simplesmente.

Steve se lembrou vagamente de uma grande sombra obscurecendo a luz brutal do Gargantua. Ele se lembrou de que eles pararam de girar e se viraram para encarar o buraco negro, o que significava que algo os havia resgatado.

Bruce continuou: “Vocês estavam longe demais para serem vistos e pequenos demais para o radar. Mas estavam quentes o suficiente.”

“O quê?”

“Vocês estavam quentes o suficiente”, repetiu Bruce. “Queimando de calor, na verdade. Quando vocês apareceram no infravermelho, a temperatura dentro da nave estava perto dos 70°C. Vocês estavam pulsando de calor.”

“O sistema de resfriamento quebrou”, disse Steve, mas sentiu as bochechas corarem.

Quando esteve nos braços de Bucky, Steve pensou que o amor certamente devia ser algo mais do que um sentimento passageiro, algo que pudesse impactar o universo; mas não esperava que fosse se confirmar de uma forma tão imediata e literal. Eles fizeram amor, e foi assim que Bruce os encontrou.

Ele não tinha certeza se deveria se sentir envergonhado. Percebeu que, na verdade, não se importava — não de verdade. Sua mente ainda lembrava do que tinham feito, de como tinha sido a sensação, o cheiro e o gosto. Era uma lembrança tão vívida, intensa e brilhante que ele não conseguia se sentir constrangido.

Bruce não parecia se importar, de qualquer forma. Ele tinha o mesmo brilho nos olhos que tinha quando perguntou inocentemente a Steve, lá na base, como estavam as coisas com Chekov. Mas a alegria não durou muito; a luz brutal do Gargantua invadiu a cabine e foi como um banho frio.

Todos olharam para fora, para o monstro passando.

"Temos um problema", admitiu Bruce baixinho, após um momento de silêncio.

Ele respirou fundo e disse: "Tínhamos quatro motores cheios. Um deles foi destruído quando fomos atingidos pelo Ranger desgovernado. Outro já estava meio vazio, e eu usei tudo para chegar até vocês. Vocês estavam girando rápido demais, e demorei muito para acoplar o que restou do Ranger. E mesmo assim, precisei usar os retrofoguetes para parar a rotação. No fim, nós perdemos outro tanque cheio."

Ele olhou para Steve. “Como eu estava dizendo pro James, o que nos resta não é suficiente para tentar os planos A e B. Isso significa que temos que escolher entre as pessoas que ficaram na Terra e a nova humanidade que estamos carregando.”

Houve um silêncio. Bruce se virou para Loki, que ainda respirava com dificuldade em sua maca. “E há o problema com o Loki.”

“O que tem de errado com ele?”

“Não sei ao certo”, admitiu Bruce. “Talvez a amônia tenha danificado os pulmões dele permanentemente. Ele está muito fraco; tudo o que podemos fazer aqui é manter ele no oxigênio e torcer para que ele melhore.” Ele passou a mão boa pelos cachos. “Não sei por que ele veio com a gente, ou o que ele queria conseguir, mas mesmo assim arriscou a vida para nos salvar. Não podemos abandoná-lo.”

Bucky não aprovou, mas também não discordou, o que era um grande avanço em sua atitude em relação a Loki. Todos o encararam por um instante, tão pálido e abatido sob a máscara, sua respiração ofegante e difícil apesar do respirador fornecendo oxigênio.

"Bem, então", disse Steve. "Acho que isso é motivo suficiente para descartar o plano A. Vamos todos para o planeta da Chavez."

"Você desistiria da Danvers?", perguntou Bruce suavemente. "Você desistiria de todos os outros?"

Como nenhum dos dois respondeu, ele suspirou. "Eu sei que vocês são contra o plano A, e eu entendo. Sei que parece suicídio. Mas eu juro que não faria isso se não achasse que tenho pelo menos uma pequena chance."

Steve se lembrou da fúria da Danvers. "Capitão, não é sua decisão."

Ele escolheu bem as palavras antes de falar. “Se é isso mesmo que vocês querem fazer”, disse ele, “então, não tenho o direito de te impedir. Mas vocês também não nos deixariam pra trás sem combustível e sem recursos. Precisamos encontrar um jeito de fazer os dois planos darem certo.”

Bruce pareceu ficar cada vez mais frustrado. “Eu sei. Só não sei como.”

“Eu sei”, disse Bucky.

Eles se viraram para ele e ele abriu novamente um mapa virtual de Gargantua, com M-616 e seus três planetas ao lado.

“Deixamos Gargantua nos puxar para perto e usamos o efeito estilingue para nos lançar pro planeta da Chavez.”

Naturalmente, Bruce já havia pensado nisso. “Estamos muito pesados”, disse ele. “Nem todo o nosso combustível ia ser suficiente pra escapar da zona crítica quando atingirmos velocidade suficiente.”

Bucky sorriu, um sorriso fino e malicioso que Steve não via há muito tempo. “Então, reduzimos nosso peso.”

Bruce franziu a testa e, em seguida, abriu um holograma da Endurance ao lado do mapa. Ele riscou três dos módulos de motor na esteira giratória, e também o Ranger, antes acoplado ao módulo de pouso para formar o eixo central. Ele esperou um segundo, provavelmente calculando peso e aceleração mentalmente, e então disse: “Ainda não está certo. O módulo de pouso e um motor não vão ser suficientes nem para tirar os restos da Endurance para fora do horizonte do Gargantua, muito menos chegar até o planeta da Chavez.”

Bucky estendeu a mão e riscou todos os outros módulos, depois o próprio anel.

“Vai ser suficiente quando a gente se livrar do peso pra escapar da gravidade. E por peso, quero dizer tudo — a enfermaria, os módulos habitacionais… a Endurance inteira. É só peso. Pra onde nós vamos, não vai ser preciso — o que a gente precisa é de uma cápsula de pouso pra chegar na superfície.”

Bruce olhou para o holograma por um longo tempo. O que restava parecia um bastão com cápsulas em ambas as extremidades e o módulo de pouso no meio.

“Sim”, disse ele finalmente, parecendo um pouco atordoado. “Funciona.”

Ele se levantou. “Mas se a gente quiser que a gravidade nos dê velocidade suficiente, vamos ter que chegar perto.” Ele apontou para a linha azul ao redor do Gargantua. “Além da distorção temporal do horizonte de evento.”

Eles ficaram em silêncio por um minuto.

“É isso, ou abandonar completamente os habitantes da Terra”, disse Steve por fim.

Ele olhou para eles. “Vamos nessa.”

 

*

 

Eles pararam a rotação para economizar o máximo de combustível possível, e Bucky aproveitou a oportunidade para transferir Loki para a cápsula de pouso que usariam, empurrando sua cápsula flutuante à frente. Steve o seguiu, pairando para perto e observando com preocupação o Asgardiano doente. Ele colocou a mão na testa, que estava lisa e fria. Não fazia ideia se aquilo era normal ou não.

"Você precisa de ajuda com ele?", perguntou a Bucky quando entraram no módulo de pouso. "Preciso chegar à criogenia."

Bucky grunhiu em concordância e começou a cápsula de Loki no chão. Steve continuou flutuando pelo anel, cápsula após cápsula após capsula, até chegar à criogenia. Os embriões estavam lá, assim como os preciosos úteros artificiais que usariam para dar à luz as primeiras gerações. Ele teve que fazer várias viagens de ida e volta antes de trazê-los todos para dentro da cápsula. Era uma nave maior e mais robusta que o Ranger, menos reativa, mas poderosa o suficiente para arrastar um peso leve para longe da força de atração do Gargantua. Contanto que não se aproximassem demais.

Steve prendeu seus preciosos pertences no lugar e saiu da nave de pouso para retornar ao anel e percorrer cápsula após cápsula até voltar à cápsula de comando. Bruce não se moveu, intensamente concentrado em seus cálculos.

Ele digitava apenas com a mão esquerda.

"Bruce", disse Steve baixinho.

Esperou que ele olhasse para cima antes de perguntar: "Posso ver sua mão?"

Bruce o encarou por um longo tempo; então tirou os óculos, deixando-os flutuando perto da cabeça. Pareceu hesitar por mais alguns segundos, e então tirou a mão direita do bolso.

Steve sentiu náuseas ao vê-la. Não estava roxa como antes, mas preta. E parecia vazia, como uma luva de couro, amassada e gasta.

“Ressecou, com o congelamento”, disse Bruce com leveza, guardando-o de volta no bolso. “Está morta. Nem se eu me transformar no Hulk conseguiria regenerar.”

“E dói?”, perguntou Steve.

Bruce balançou a cabeça com um pequeno sorriso. “Não. Perdi toda a sensibilidade. Parece uma folha seca.”

“Talvez você devesse deixar o Loki dar uma olhada.”

“Ah, ele não teria feito nada para me ajudar”, disse Bruce calmamente, virando o holograma da Endurance com a mão esquerda.

Steve ficou surpreso. A hostilidade de Bucky em relação a Loki não era segredo, mas a desconfiança indiferente de Bruce foi mais inesperada. Ele e Loki sempre haviam sido cordiais um com o outro. Steve ainda tinha dificuldade em se lembrar da conversa que ouvira algumas noites atrás, mas se lembrou de ouvir um tom educado e talvez até de alguma honestidade da parte de Loki.

“Como você sabe disso?”, perguntou ele. “Ele se esforçou ao máximo para nos ajudar.”

“Ele está morrendo, Steve”, disse Bruce. “Ele já estava antes mesmo de pisarmos no planeta do Daken. Amônia não é tóxica; ele parece mais ter um câncer generalizado. Seus órgãos estão falhando. Sua força vital se esgotando. Ele guardou sua magia esse tempo todo; não ia desperdiçar ela comigo.”

Steve ficou em silêncio, atônito, por um instante. Então, rebateu: “Ele trouxe todos vocês para a Endurance.”

“Porque precisava de alguém pra cuidar de seus ferimentos, e isso não era possível lá no planeta.”

Steve ponderou por um segundo. “Certo”, disse ele, “Certo, mas e o Bucky? Eu só estou vivo porque o Loki não mandou ele para o espaço, o que ele podia ter feito. Ele podia ter aproveitado a oportunidade para se livrar de nós dois ao mesmo tempo; em vez disso, mandou Bucky para mim, como ele pediu. Ele não precisava desperdiçar sua magia com isso.”

“Sim, ele precisava”, rebateu Bruce calmamente, “porque ele é inteligente o suficiente para perceber que eu não teria continuado sem vocês dois.”

Steve ficou em silêncio. Bruce continuou, seu tom ainda completamente sereno: “É o oposto do que James temia. Loki nunca esteve aqui para nos destruir. Ele está aqui para garantir que nossa missão tenha sucesso. Ele precisa que seja bem-sucedida.”

“Por quê?”

Bruce pensou por um instante, depois olhou para Steve e sorriu. “Não sei.”

Ele pegou os óculos com a mão esquerda e os colocou de volta, depois tocou no mapa holográfico da Endurance para fazer todo o peso extra desaparecer novamente. Com as peças restantes, parecia que o módulo de pouso tinha ganhado dois braços retos com cápsulas no lugar das mãos.

"Certo, então", murmurou ele, "como estamos?"

"Bucky está acomodando Loki naquela ali", disse Steve, tocando na cápsula de onde viera. "E eu trouxe os embriões para o Módulo de Pouso."

"Legal. Eu vou pra outra quando terminar aqui", respondeu Bruce, apontando para a cápsula oposta. "Acho que devemos manter a Endurance intacta até estarmos o mais perto possível do Gargantua; quanto mais pesados ​​estivermos, mais rápido vamos. Então, a gente se livra do peso extra, mas não da minha cápsula — ainda não. Deixamos a separação final pro último minuto, pouco antes de cruzarmos o horizonte. Isso deve dar à sua cápsula e ao Módulo de Pouso um impulso final para cruzar a linha, e permitir que eu fique sob a força de atração e seja engolido."

"Certo", disse Steve. "Parece que funciona."

Ele teve que se conter e não dizer mais nada. Não tinha o direito de dizer mais nada. Bruce estava determinado a tentar, e Steve não tinha esse direito. Realmente não tinha.

“Então”, ele se forçou a continuar, “quando vamos?”

“Duas horas”, disse Bruce. “Descanse um pouco. Você está desidratado e exausto. E eu ainda preciso calcular nosso peso exato e quando liberar. Nós vamos estar bem na beira do buraco negro; vai ser um equilíbrio muito, muito delicado de manter. Se eu errar e todos nós cairmos lá dentro—”

“Bruce”, disse Steve.

Bruce piscou para ele, parecendo um pouco surpreso.

Steve hesitou, mas, droga, ele não teria outra chance de dizer aquilo. Ele pigarreou. "Eu... eu quero te agradecer. Por ter vindo nos buscar. E por..." Ele ficou sem palavras novamente; suspirou e tentou de novo. "Isso é injusto. Com você. Você fez tanto por todos nós e não recebeu nada em troca."

Bruce o deixou falar, mas tinha um sorriso fino e autodepreciativo, e Steve sabia o que aquilo significava. Bruce carregava seus pecados nos ombros. Ele achava que estava retribuindo o mal que o Hulk havia causado. Achava que não merecia nada melhor. E a poucas horas do fim, era tarde demais para ajudá-lo — tarde demais para pensar em outra solução.

"Eu realmente espero que isso funcione", disse Steve. "Espero que você encontre o caminho de casa. Vamos sempre esperar por você."

"Obrigado", respondeu Bruce suavemente. "Eu também espero."

Ele estendeu a mão esquerda e cumprimentou Steve. Seu aperto de mão foi firme; a palma da mão estava quente e seca. "Foi uma honra."

 

*

 

Steve percorreu as cápsulas do anel giratório mais uma vez até chegar à cápsula de pouso. Loki continuava na maca, ainda inconsciente e com dificuldade pra respirar. Steve o encarou e pensou em tudo o que Bruce havia dito.

Loki não se mexeu. Havia algo estranho nele, mas Steve não conseguia identificar exatamente o quê.

Bucky ainda estava lá; ele havia trazido os poucos pertences dele e os de Steve de volta da cápsula habitacional e folheava um pequeno caderno que Steve reconheceu instantaneamente. De repente, sua boca ficou um pouco seca.

"Ei", disse ele.

Bucky olhou para cima. Parecia atônito.

"Você fez isso?", ele perguntou.

A pergunta era retórica, mas Steve assentiu com a cabeça. Bucky virou as páginas novamente, e Steve pôde ver os esboços que ele havia feito de todos eles, seus amigos, perdidos e reencontrados para alguns. Bucky se fixou no desenho de Bruce, encolhido no meio da página como um bebê no útero.

“O que Bruce disse?” perguntou Bucky, baixinho.

“Vamos partir em duas horas”, disse Steve. “Eu… nós nos despedimos.”

Bucky assentiu. Se ele sentia que também deveria se despedir de Bruce, não disse. Se concordava com Steve que aquilo era suicídio, também não disse. Provavelmente, tudo já havia sido dito no silêncio que compartilhara com Bruce ao longo dos anos.

Ele virou a página e encontrou Loki olhando pela janela — havia algo estranho em Loki, se Steve conseguisse descobrir o quê — então virou a página novamente e se deparou com seu próprio retrato.

A respiração de Steve parou. Agora que se lembrava, reconheceu o desenho. Não fora apenas seu capricho que o fizera dar a James um corte de cabelo mais curto e o olhar intenso; era uma lembrança. A lembrança de Bucky na base italiana da HYDRA, depois que Steve gritou para ele ir embora, sair dali.

Não, não sem você!

Era a mesma imagem: Bucky olhando diretamente para ele com fúria e determinação nos olhos. Steve percebeu que já o amava. Eles se amavam há muito tempo.

Quando se livrou do devaneio, Bucky o encarava com tanta preocupação que Steve teve vontade de se bater.

"Desculpe", disse ele. "Ainda estou aqui, Buck."

A tensão se esvaiu dos ombros de Bucky. "Desculpe", disse ele. "É só que..." A linha tensa de seus lábios se contraiu. "Você ainda pode ter uma recaída. Já aconteceu tantas vezes."

Ele parecia sofrer tanto ao dizer isso que Steve se aproximou da cápsula e se sentou ao lado dele. Esperou um segundo, mas Bucky não olhou para cima, então Steve segurou seu queixo e o forçou gentilmente.

"Mesmo se eu tiver uma recaída", murmurou ele, "não muda muita coisa. Eu te amei mesmo quando não sabia quem você era, sabia?"

Bucky se forçou a sorrir. "Você amava o Chekov? Ele era um babaca."

Essa foi fácil demais. "O quê, e você não é?"

Dessa vez, o sorriso de Bucky pareceu tê-lo pego de surpresa. Ele empurrou Steve de leve e balançou a cabeça. "Meu Deus, palhaço."

"Idiota", disse Steve suavemente, pouco antes de beijá-lo.

Os lábios de Bucky estavam rachados e ressecados; suas bocas se roçaram levemente quando se separaram. Steve se aproximou dele, pegou o caderno de suas mãos e o abriu novamente na página de Bucky. "Além disso", disse ele, "eu sempre me lembrei de você. Só não sabia disso."

Bucky olhou para o desenho por um segundo.

"Você me chamou de Bucky", ele deixou escapar, mordendo o lábio com força como se não tivesse a intenção de dizer aquilo. "Você... às vezes... me chamava de Bucky. Você nem... percebia."

Não havia muito o que Steve pudesse dizer, exceto outro pedido de desculpas que ele sabia que Bucky não aceitaria. Ele entrelaçou seus dedos e apertou, e Bucky apertou de volta, com tanta força que doeu.

"Você quer que eu te chame de James?", perguntou Steve, hesitante.

"Não", disse Bucky rapidamente. "Não. Eu... Bucky está bom." Ele olhou para baixo. “Ninguém me chama assim há… faz tempo.”

Houve um silêncio.

Então Bucky deu um suspiro exagerado e apoiou a cabeça no ombro de Steve. “Então”, disse ele em voz alta. “Como você acha que vai ser o planeta da Chavez?”

Steve ficou um pouco surpreso e respondeu automaticamente: “Bem, de acordo com os dados da Chavez—”

“Não, que se foda os dados”, disse Bucky. “Quero saber o que você acha. Como você imagina?”

Houve um silêncio preenchido apenas pela respiração ofegante de Loki. Steve tentou não pensar que talvez Chavez tivesse mentido como Daken – que talvez não houvesse nada esperando por eles além de outro planeta morto, e que era por isso que Bruce estava tão determinado a executar o plano A.

“Okay”, começou Steve. “É o mais próximo da M-616, então não vai estar congelado como o planeta do Daken. Na verdade, eu ficaria até surpreso se a gente achar gelo lá. Uma pena.”

Bucky sorriu.

“Então, hum”, continuou Steve, fazendo círculos com a palma da mão, “tendo apenas um sol e uma atmosfera como a nossa, o céu seria igual ao nosso, claro, brilhante e azul, e a terra... a terra provavelmente seria vermelha, laranja e amarela, igual no Grand Canyon.”

Ele se lembrou de uma noite fria nos Alpes, um sorriso rápido, o brilho de uma fogueira. Quando tudo isso acabar, Stevie, eu quero ir pro Grand Canyon.

“Acho que vai ser bem seco. Mas tenho certeza de que vai ter água. Talvez, lagos bem fundos, de um azul bem escuro, entre as rochas, com água pura e gelada que daria pra beber.”

“Você é bom nisso”, murmurou Bucky.

“Mas, o mais importante, você vai estar lá”, disse Steve. Ele gaguejou um pouco. “Você vai estar lá, e... e você finalmente vai poder viver sua vida. Tudo para você, o sol, o céu e a terra.”

Houve um silêncio.

"Qual é, bobão", disse Bucky, afastando-se de Steve, "você tá me deixando com sede."

Ele não encarou Steve ao que lhe jogou um frasco de água e tomou pequenos goles do seu. Steve fechou os olhos e percebeu que estava morrendo de sede. A água gelada foi como um bálsamo para sua língua e garganta; ele decidiu se concentrar nisso por um instante.

Depois de um longo minuto, percebeu que havia mantido os olhos fechados esse tempo todo e que seus pensamentos haviam diminuído, pesados ​​com o cansaço. Quanto tempo havia se passado desde a última vez que dormira?

Ele reabriu os olhos e observou Bucky — observou de verdade, viu as olheiras, as rugas de preocupação e o peso da exaustão que o consumia agora que a adrenalina havia passado. Steve bebeu o resto da água e disse: "Você vem? Estou acabado."

Bucky piscou para ele, mas não disse nada enquanto flutuou sobre a pequena cápsula para se juntar a Steve. Havia duas camas dobradas na parede; sem nem questionar, Steve abriu apenas uma e deslizou para dentro do saco de dormir com alças. Ele o abriu e Bucky se aconchegou com ele. Era apertado, e eles entrelaçaram os membros até ficarem confortáveis, aninhados nos braços um do outro. Bucky soltou um suspiro profundo e trêmulo.

Steve se lembrou de como eles dormiram na Terra depois do ataque de pânico dele, com as costas se tocando; e beijou o topo da cabeça de Bucky antes de enterrar o nariz em seus cabelos. Era muito melhor assim.

Os minutos se arrastavam. Do outro lado da cápsula, Loki lutava por cada suspiro. O fator de cura de Steve ainda estava terrivelmente lento, e sua clavícula quebrada apenas começava a cicatrizar, causando-lhe uma dor lancinante cada vez que ele movia o braço direito. O esquerdo não estava muito melhor, o bíceps e o antebraço ainda marcados com três buracos irregulares cada. Pelo menos Bucky não estava ferido.

"Você tá bem?", perguntou Bucky, suavemente.

Steve franziu um pouco a testa. "Como assim? Claro que estou bem."

"Eu quis dizer aqui."

Bucky empurrou a perna um pouco entre as coxas de Steve, autoexplicativo. Steve ficou surpreso com a sensação que isso lhe proporcionou.

No Ranger, ele não tivera tempo de processar seu próprio prazer; o sexo fora quase incidental — apenas uma maneira de expressarem o que não conseguiam colocar em palavras. Steve não estava acostumado a ser tocado por uma mão que não fosse a sua, e até mesmo seu próprio toque se tornara estranho à medida que sua libido se dissipava no grande vazio que o engolia. Agora que o desespero não nublava mais seus sentidos, a perna entre as suas era impossível de ignorar — intrusiva da maneira mais sedutora.

“Estou bem”, disse ele, falando bem baixo. Então sorriu. “Acho que cento e oitenta anos não é um recorde tão ruim assim. Um número redondo e bonito.”

Bucky levou um segundo para entender o que ele queria dizer. Quando entendeu, se afastou um pouco para poder olhar para Steve boquiaberto. Ele parecia incrivelmente mais jovem assim — sem qualquer amargura no rosto, pela primeira vez, apenas puro espanto.

“Não”, disse ele. “Você está brincando.”

Steve deu de ombros.

Puta merda”, sussurrou Bucky, agora horrorizado. “Por que você não me contou? Eu ia… por que…”

Steve aproximou os corpos deles novamente, entrelaçando as pernas ainda mais, e apoiou o queixo no topo da cabeça de Bucky. “Não se assusta”, disse ele. “Definitivamente valeu a pena esperar.”

“Eu…” gaguejou Bucky. “Steve, eu—”

Ele ficou sem palavras por alguns segundos; então, seu corpo inteiro se curvou contra Steve, e ele bufou trêmulo. “Meu Deus. Você é inacreditável.”

“Hum”, sorriu Steve. “É assim que se elogia alguém.”

Bucky soltou outro suspiro incrédulo. Ele ficou ali por um segundo — Steve podia sentir seu coração batendo forte na palma da mão — então se mexeu para olhar para Steve novamente. “Sério?”, perguntou, com a voz tensa de ansiedade.

“Eu estou bem”, repetiu Steve suavemente. Ele pressionou suas testas juntas. “Mais do que bem.”

Bucky pareceu acreditar um pouco mais nele. Olhou para ele por um longo tempo, depois fechou os olhos e murmurou como um pensamento tardio: “Puta merda, Rogers.”

Steve apenas sorriu e o puxou para perto novamente, passando um braço em volta de sua cintura. Bucky se aproximou ainda mais e enterrou o rosto na curva do pescoço de Steve.

Eles ainda estavam em apuros, mas a situação deles não era mais desesperadora. Eles não tinham sido abandonados para morrer. Estavam vivos. E estavam juntos.

Foi mais do que Steve tinha esperou receber em muito, muito tempo..

 

*

 

As duas horas pareceram ter passado num instante. Quando chegou a hora, eles se desembaraçaram e saíram da cama, tirando calças e camisas, dobrando a cama de volta para a parede. Ajudaram um ao outro a vestir os trajes de baixo e, em seguida, vestiram os novos trajes espaciais que haviam tirado do estoque de reposição.

Steve notou um brilho metálico flutuando perto do chão e se abaixou; as plaquinhas de identificação de Bucky haviam escorregado junto com a camisa. Steve as desembaraçou do tecido e as examinou pensativamente, passando o polegar sobre o metal arranhado.

"Por que Chekov?", perguntou em voz alta.

Bucky lançou-lhe um olhar rápido e deu de ombros. "Stark e Romanov escolheram. Eu ainda tinha sotaque russo na época. Eles me reinseriram como um veterano do Iraque ferido com uma bomba caseira.”

Steve piscou e lembrou-se do que Bucky lhe contara no Ranger — que Tony e Natasha o mantiveram trancado até que ele fosse desprogramado. Steve pensou como tudo tinha acontecido, mas teve o cuidado de não perguntar. A voz de Bucky havia ficado terrivelmente monótona naquele instante.

"Pode ficar com elas", disse Bucky quando Steve os devolveu. Ele deu de ombros novamente, fingindo indiferença. "Sabe. Se quiser."

Steve olhou para ele, mas Bucky estava repentinamente muito interessado em seu capacete. Steve colocou as plaquinhas, guardando-as com segurança sob o traje; ele percebeu como isso aliviou a tensão nos ombros de Bucky.

Ele se aproximou, pressionando as costas de Bucky, o abraçou por trás e sussurrou na curva de seu pescoço: "Obrigado."

Bucky estremeceu, fechando os olhos; então se sacudiu e se desvencilhou do abraço de Steve. "Pare. Vou me distrair depois e matar todo mundo."

Ele se agachou ao lado de Loki e começou a examinar seu traje; Steve fechou o zíper de seu traje espacial e se abaixou para ajudar. Como se viu, o traje de Loki estava intacto e pronto para mais uma rodada, exceto pelo capacete quebrado, que precisaram trocar. Tiveram que remover sua máscara de oxigênio para isso; ele resmungou um pouco quando sentiu as mãos de Steve levantarem sua cabeça e tentou se esquivar. O profundo corte que as garras de Daken abriram em sua bochecha quase se fechou, deixando apenas uma fina linha prateada marcando a pele de Loki.

Mais uma vez, Steve sentiu-se inquieto, como se algo ali estivesse lhe incomodando, mas ele não conseguia identificar o motivo. Estava bem diante de seus olhos, ele simplesmente sabia, mas era tão incapaz de enxergar quanto fora de se lembrar de Bucky.

Depois que colocaram o capacete no lugar, Loki voltou à sua letargia, franzindo levemente a testa, sua respiração lenta e ofegante. Ele definitivamente precisava de atendimento médico urgente, mas eles não tinham tempo, nem conhecimento, nem recursos para ajudá-lo naquele momento.

“Certo”, disse Steve pelo comunicador, depois de lançar-lhe um último olhar preocupado. “Bruce? Estamos prontos.”

“Ainda estou na cápsula de comando”, respondeu Bruce. “Defini a trajetória, mas teremos que nos desprender manualmente — com tantas variáveis, é muito perigoso deixar tudo para um comando automático.”

“Entendido”, disse Bucky. “E o que você precisa que a gente faça?”

“Que se coordenem comigo”, respondeu Bruce. “Vamos romper nossas respectivas seções do anel ao mesmo tempo. Quando isso acontecer, eu só preciso acionar a liberação da minha cápsula na hora certa.”

O desprendimento do anel era explosivo e podia ser feito simplesmente apertando um botão, mas liberar uma cápsula mecanicamente exigia muita força — a alavanca hidráulica era difícil até mesmo para as mãos de Steve, como ele havia constatado nas simulações. No entanto, era algo que qualquer pessoa normal conseguiria fazer, e Steve sabia que Bruce era mais forte do que aparentava, mesmo quando não estava verde.

“Certo”, disse Steve. Ele engoliu em seco, tentando conter a recusa que ainda insistia em sair de sua boca. "Certo. Vamos lá."

Sentiu a vibração profunda em seu estômago quando o motor restante da Endurance ligou e toda a estação começou a se mover pelo espaço. Pela pequena janela, Gargantua já parecia maior. A coroa brilhante de seu disco de acreção machucava os olhos de Steve, mas a esfera negra e vazia no meio era infinitamente mais aterrorizante.

"Certo", disse Bruce depois de um instante, "estou em posição."

"Entendido", respondeu Bucky.

E Steve não conseguia mais conter seus pensamentos. Será que o Hulk realmente poderia salvar Bruce de um buraco negro? O disco de acreção sozinho era mais quente que uma estrela. Bruce teria que sobreviver à travessia desse mar brilhante de plasma derretido antes mesmo de poder rezar para sobreviver ao que o aguardava além — a própria singularidade. O pouco que se sabia sobre buracos negros não havia nada além de destruição total. A gravidade era tão intensa que qualquer coisa que cruzasse o horizonte só se poderia esperar que seria despedaçada e reduzida a nada. Steve não conseguia conceber como algo poderia sobreviver a uma travessia tão mortal, muito menos ter esperança de observar a singularidade por dentro. Sem volume e com densidade infinita.

Paradoxalmente, a única esperança de Bruce residia justamente nessa impossibilidade. Havia algo ali, algo mais, algo que eles não entendiam. E talvez, só talvez, aquilo que eles não entendiam abrisse espaço para o Hulk sobreviver e permitir que Bruce compreendesse o que havia encontrado lá dentro — compreendê-lo e usá-lo para retornar.

Era um plano terrível, terrível, mas era apenas um pouco mais suicida do que a outra opção: ir para o planeta de América Chavez e esperar que realmente pudesse ser um lar.

Eles estavam indo cada vez mais rápido, embora fosse difícil perceber — pela janela, as estrelas distantes estavam imóveis e Gargantua não parecia muito maior. Mas ele começara a atraí-los, e eles voavam em direção a ele como uma mariposa seduzida por uma vela, incapazes de desviar.

Eles não estavam indo direto para ele — isso teria sido suicídio para todos — mas se aproximando gradualmente, como se fingissem contorná-lo. Apenas o suficiente para não serem sugados; apenas perto o suficiente para serem afetados por sua gravidade, puxados para a frente ao longo de sua curva. O efeito estilingue já era significativo com um mero planeta; Com algo tão gigantesco quanto Gargantua, era tremendo, e eles teriam que ter cuidado para não ir muito rápido — para que a nave não se desintegrasse em pleno voo.

Steve começou a sentir no estômago a força, a aceleração, e se perguntou se estava imaginando ou se Gargantua realmente estava abrindo a boca para devorá-los. O círculo de acreção parecia mais fino, o vazio escuro no meio mais profundo, maior. Mas a ilusão não durou; eles definitivamente estavam se aproximando, cada vez mais rápido, e a cápsula começou a tremer com o esforço da velocidade sobre-humana.

E isso era apenas acompanhando o fluxo. Eles teriam que ir ainda mais rápido para escapar da força gravitacional.

Steve demorou demais para perceber que não estavam mais em gravidade zero — estavam sendo realmente afetados pela gravidade de Gargantua. Na verdade, ele só se deu conta quando Bucky gritou: "Steve, senta aí!"

Só então Steve se livrou de seu fascínio horrorizado o suficiente para se sentar e afivelar o cinto de segurança. Tudo parecia estranhamente emocionante — a sensação era semelhante à de uma decolagem, só que ele não estava sendo esmagado no assento, mas puxado dele, como se alguém tivesse pisado no freio de repente, só que a sensação era prolongada. Era quase como se ele estivesse tentando ir em frente, atravessar a janela e voar para se atirar nos braços do Gargantua.

O disco de acreção estava ficando maior e mais brilhante a cada segundo. O capacete de Steve era projetado para escurecer contra a luz, mas ainda não era suficiente. Tudo era tremendamente enorme, inconcebivelmente enorme, e todos os instintos de Steve gritavam para ele diminuir a velocidade e se afastar, mas o garoto imprudente e magro com o lábio rachado que vivia dentro dele não conseguia desviar o olhar do anel de sol derretido que vinha em sua direção, e ele nunca se sentira tão vivo, nem mesmo antes ou durante a guerra. Eles estavam no fim do universo, usando uma estrela colapsada para se lançarem rumo ao desconhecido, e ele nunca se sentira tão intensamente vivo.

"Muito bem", disse a voz de Bruce. "Preparem-se para atravessar a zona de distorção temporal do horizonte de evento."

O estômago de Steve deu um nó repentino.

"Em três... dois... um... agora!"

Por ingenuidade, ele quase esperava uma linha azul como a que eles costumavam desenhar, mas não havia nada. A força antinatural que sentia só aumentava, se intensificava, como se suas próprias entranhas estivessem tentando chegar lá antes dele.

Números voavam na tela do painel, e Steve levou um segundo para perceber que eram anos, anos que estavam deixando para trás à medida que se aproximavam da singularidade.

Danvers, pensou ele por um instante, mas já era hora de prestar atenção novamente.

"Prontos para nos livrarmos do peso", disse Bruce, que parecia um pouco ofegante, mas, de resto, razoavelmente calmo. “Só mais um pouquinho…”

Bucky fez exatamente o que Steve tinha feito, há muito tempo, na primeira simulação: preparou-se para romper o anel em ambos os lados da cápsula para que ela se desprendesse completamente, só que desta vez seria o anel que giraria para o espaço enquanto as cápsulas permaneceriam presas ao eixo central junto com o módulo de pouso.

Eles estavam indo a uma velocidade assustadora, tão rápido que toda a Endurance tremia e eles precisavam gritar para se ouvir. O disco de acreção era um rio de ouro derretido pela janela, glorioso e rico como ambrosia celestial.

“Velocidade máxima atingida!”, gritou Bruce. “Vamos sair daqui, ao meu sinal!”

“Preparar!”, gritou Bucky.

“Três, dois, um... AGORA!”

Bucky acionou a autodestruição do anel, e o anel de cápsulas se desprendeu brutalmente deles e girou pelo espaço, perdido para sempre. O impulso que receberam foi impressionante — e desta vez, Steve foi jogado para trás em seu assento. Eles estavam escapando da força que ainda tentava sugá-los. Estavam conseguindo sair. Gargantua não os engoliria.

Não todos.

“Essa manobra vai nos custar cinquenta e um anos!” gritou Bucky.

“Nós já somos velhos pra caramba, não importa muito” Steve gritou de volta, quase tonto.

Lá fora, um inferno de luz passava velozmente em fileiras de fogo. Steve podia literalmente sentir o calor, mesmo através do metal da cápsula. Mas então — então — tudo começou a girar. Gargantua desapareceu, substituído pelo vazio negro do espaço, depois Gargantua de novo, e então o vazio.

"O que está acontecendo?" gritou Bucky. "A gente tá rotacionando!"

"Está tudo bem", respondeu Bruce. "Não soltamos o cinto exatamente ao mesmo tempo dos dois lados, e isso nos deu um impulso rotacional. Não muda nada, nossa trajetória ainda está correta."

"Você tem certeza absoluta?"

"Não muda nada", repetiu Bruce. "Nos estabilizamos em torno da nossa parte mais pesada. As duas cápsulas estão girando em torno do módulo de pouso."

Steve visualizou brevemente o módulo de pouso com as cápsulas em ambas as extremidades de seus braços, girando em torno dele como carrinhos de parque de diversões em torno de seu eixo. Lembra de Coney Island...?

"Não consigo ver porra nenhuma!" gritou Bucky.

A constante alternância entre a escuridão profunda e a luz insuportável realmente dificultava a visão. Steve piscou para as telas, e então seus olhos se arregalaram ao ver as informações.

"Bruce, estamos perto do horizonte de evento!", gritou ele. "Vamos embora logo!"

"Eu sei", respondeu Bruce, com a voz embargada. "Eu sei." Respirou fundo novamente. "É isso, a gente se vê do outro lado."

"Sim, isso aí!", gritou Steve. “Se vai fazer isso, então vai!”

"Sim, eu—"

E então ele parou abruptamente.

"O quê?", gritou Bucky. "Banner, que porra é essa?"

"Não consigo", respondeu Bruce, com a voz apavorada e horrorizada com a própria estupidez. "Meu Deus, eu não consigo. Preciso das duas mãos para puxar a alavanca de liberação!"

Bucky já estava se desabotoando. "Tudo bem, eu vou te ajudar!"

“Nem fudendo!” gritou Steve, lutando para se soltar também.

Mas Bucky segurou seu rosto para falar com ele o mais perto possível, considerando o que seus capacetes permitiam. “Steve, eu vou ficar bem”, disse ele, falando tão rápido que Steve mal conseguia entendê-lo. “Eu prometo que não vou entrar na cápsula do Bruce, vou ficar no módulo de pouso, vou separar a cápsula dele do módulo de pouso, não haverá nenhum risco para mim!”

“Você consegue fazer isso?” ofegou Steve.

“Claro que consigo. Eu prometo, não haverá nenhum risco para mim. Vou ficar no módulo de pouso. Vou sobreviver, aconteça o que acontecer. Eu prometo.”

“Eu posso ir no lugar dele—”

“Não, não pode. Você não tá com força suficiente no braço direito pra puxar a alavanca. Seu braço esquerdo também está ferido. Steve, fique aqui, você precisa ficar aqui. Eu te amo”, ofegou ele, “está bem? Eu te amo. Vai ficar tudo bem.”

“T-tá bom”, ofegou Steve, embora cada parte dele gritasse que não, “tá bom. Tá bom.”

Bucky o soltou e abriu com força a porta deslizante da cápsula, correndo em direção ao eixo para alcançar o módulo de pouso. Steve ficou parado, consumido pelo terror, com o coração martelando nos ouvidos. Seis eternos segundos se passaram antes que ele ouvisse a voz de Bucky no comunicador.

“Ok, estou no módulo de pouso, estou aqui! Bruce, só me diz quando!”

“Estamos rotacionando”, gritou Bruce, “assim, as duas cápsulas correm o mesmo risco de serem sugadas! Você precisa liberar isso ao meu sinal — quando minha cápsula estiver mais perto do Gargantua!”

Steve conseguia visualizar a cena em sua mente: a rotação alternadamente aproximando cada cápsula da boca de fogo escancarada e afastando-a, como uma provocação constante — essa ou aquela? Essa ou aquela? Essa…

“Entendi”, gritou Bucky. “Entendi, não vou fuder com tudo, só me diz quando!”

“Então”, disse uma voz rouca e horrível atrás de Steve.

Steve não se assustou.

Pelo contrário, sua mente de repente se iluminou em compreensão. Ele finalmente sabia o que havia de errado com Loki, tão pálido e aparentemente tão doente.

Era exatamente esse o problema. Ele estava pálido demais. Sua pele era branca. Mas quando perdeu o controle de si mesmo — quando ficou inconsciente na câmara criogênica ou gravemente ferido por Daken no planeta gelado — ele perdeu o controle de seu glamour e sua pele voltou ao seu azul escuro natural.

E, no entanto, ele permaneceu translúcido e pálido durante todo esse tempo. Ele não estava inconsciente.

Na verdade, ele estava olhando pela janela com o mesmo olhar gélido e obstinado que tinha quando observava o planeta de Daken, ou no desenho que Steve havia feito dele — olhando para além, para algo que nenhum deles conseguia ver. Cada respiração dele ainda soava como se fosse ser a última, e ele tinha dificuldade para se manter em pé.

"Você era de longe o melhor candidato", disse ele com a voz rouca. "Talvez você até goste disso de alguma forma."

Ele tinha as mãos na alavanca de liberação.

"Você nunca se importou com sacrifícios."

Antes que Steve pudesse se mover, Loki puxou a alavanca com toda a sua força, no exato momento em que a luz de Gargantua inundou o local novamente e Bruce disse: "No três—"

A cápsula de Steve se separou do módulo de pouso com um som igual ao de um tiro.

O módulo de pouso e a cápsula de Bruce, ainda acoplados, foram impulsionados para frente em um impulso formidável que os lançou para além da órbita crítica, livres da força gravitacional do Gargantua, girando para longe e cada vez mais para o espaço; a cápsula de pouso de Steve foi arremessada para o outro lado, diretamente em direção ao vazio escuro emoldurado por chamas.

Por um segundo, os outros não entenderam.

E então Steve ouviu Bucky gritar.

“NÃO!”

Gritar com toda a sua força.

“NÃO! NÃO! NÃO! O QUE ACONTECEU? MEU DEUS, O QUE ACONTECEU? O QUE FOI QUE EU FIZ? STEVE! STEVE! STEVE!”

“Não foi sua culpa”, gritou Steve pelo comunicador. “Bucky, você não fez nada, foi—”

“Ele não pode te ouvir, Capitão”, disse Loki com a voz rouca. “Lembre-se, Gargantua só permite comunicação unilateral.”

Steve se virou e deu um soco tão forte no rosto dele que algo estalou; Loki cambaleou para longe enquanto Steve gritava: “Me manda de volta!”

“STEVE!” Bucky gritava: "Steve, Steve, Steve, não, não, não, por favor, não", e de repente sua voz falhou de agonia: "Meu Deus, por favor, não, traz ele de volta, traz ele de volta pra mim, oh Deus, por favor, não leva ele embora, por favor, por favor, não..."

Ele soluçava como uma criança. "Não, por favor... Steve..."

"Me manda de volta", disse Steve, desesperado. "Me manda de volta agora!"

Loki desligou o rádio com um estalar de dedos.

"Você pode me bater de novo", ele sussurrou, com os olhos ardendo. "Mas você tem um inimigo maior para enfrentar."

Steve seguiu seu olhar e olhou pela janela — para o fogo que vinha em sua direção. Quando olhou para Loki novamente, o glamour do deus estava se dissipando — junto com seu traje espacial, revelando o azul escuro de sua pele sob as calças pretas e a túnica verde. Steve piscou e percebeu que estava chorando, lágrimas que nem conseguia enxugar por causa do capacete. Ele estava sem fôlego, em choque, completamente perdido, sem saber o que fazer.

"Concentre-se, Steven", murmurou Loki. "Agora é a hora de ser mais do que humano."

Steve olhou para ele com um ódio que nunca sentira antes, depois virou a cabeça para olhar pela janela novamente. Um fogo infinito avançava em sua direção, brilhante o suficiente para mascarar até mesmo a escuridão além, por ora, um anel de puro sol devorando o espaço.

"Perdi poder te curando e transportando seus amigos por aí", disse Loki com a voz embargada, "não me decepcione."

Ele se moveu para trás de Steve e colocou as mãos em seus ombros. Steve nem sequer reagiu, hipnotizado pela visão infernal que se aproximava, mas o gelo escaldante ainda o fez franzir a testa de dor — as mãos de Loki não eram apenas frias, elas estavam sugando seu calor, sua energia, tudo o que ele havia reconstruído com tanto esforço após anos de debilidade.

“Me dê sua força”, ofegou Loki, “me dê sua força e nos deixe passar, Capitão, direto ao ponto, vamos!”

E Steve foi dominado pelas chamas que queimavam seus olhos, pelo frio que penetrava sua carne e pela lembrança dos gritos de Bucky, e então ele aceitou, no fundo, em seu coração, quase por pirraça, isso ou a morte, tanto faz, ele aceitou a violação da energia de Loki drenando a sua. Loki soltou um grito vitorioso como se pudesse senti-lo; e então algo apareceu diante dos olhos de Steve — um campo de força verde crepitando com energia, fraco e oscilante, mas rapidamente se fortalecendo graças a uma força dourada que Steve supôs ser sua.

“De novo”, gritou Loki, “de novo, mais, mais, de novo!”

Apesar do horror que uivava dentro dele, Steve sentiu seu peito se encher de uma excitação insana e histérica. O espaço se abria para que eles se lançassem, e eles iam — lutavam para entrar, um soldado ferido e um deus insano, lutando com tudo o que tinham. não adentre a boa noite apenas com ternura.

Aquela noite não era boa, nem ruim; simplesmente era, grande demais para ser algo além de si mesma, e Steve não passaria além do véu apenas com ternura.

Ele desejou que sua própria força se fundisse com a de Loki, conscientemente desejou que o frágil feitiço — o último feitiço de Loki — funcionasse, que se fortalecesse, que se alimentasse dele, e o campo de força cresceu, cresceu e cresceu até ficar grande demais para permanecer lá dentro com eles, até que Steve não conseguisse mais vê-lo e presumisse que estivesse cercando a cápsula, envolvendo-a em luz verde e dourada.

"Lute!" gritou Loki. "Lute para abrir caminho! Faça isso comigo!"

Eles se chocaram contra o disco de acreção e Steve gritou de dor quando tudo na cápsula ficou queimando de calor — cada fio metálico de seu traje espacial queimava sua pele, as plaquinhas de Bucky estavam em brasa, tudo que era de plástico derretia, fervia, enchendo a cápsula com um cheiro horrível de queimado que quase o sufocou.

E, no entanto, aquilo não era nada comparado ao que deveria ter acontecido. O disco de acreção estava quente o suficiente para vaporizar toda a cápsula e Steve junto com ela. Mas o campo de força de Loki os protegeu, ainda que imperfeitamente — foi uma tortura e Steve estava sem fôlego de dor, mas ele não estava morrendo, eles estavam passando por um anel solar e ele não estava morrendo.

"Sim", disse Loki com a voz rouca, cujas mãos frias agora eram uma bênção, "sim, você pode ser mais, você pode fazer mais, continue!"

Loki tremia de exaustão; estava a segundos da morte — Steve podia ouvir isso em sua voz, ainda rouca e seca como um rio seco. Steve também conseguia ouvir o feitiço em sua cabeça, em nórdico antigo que ele, de alguma forma entendia, e acrescentou palavras próprias, um mantra improvisado que fez o calor terrível diminuir à medida que o campo de força se intensificava. Eu te ofereço minha força para que você a use, te ofereço minha força para que você a use, te ofereço o sol e as estrelas que há em mim, te ofereço o infinito, a matéria negra e os átomos que há em mim, te ofereço o tempo que posso sentir e o espaço em que posso viver, te ofereço o amor que há em mim, mas isso só o torna maior, estou vivo e te ofereço a vida que há em mim—

“Nem tudo”, riu Loki acima dele, ofegante, rouco e desgrenhado, mas extasiado, “nem tudo ainda, Steven, o pior ainda está por vir. Você consegue ver? Consegue ver vindo em nossa direção?”

Steve podia sentir, a força que já o teria esmagado se não fosse pelo feitiço de Loki, o coração pulsante das trevas abrindo um buraco no tecido da realidade. Estava os atraindo e eles corriam através das chamas e do fogo para encontrar o vazio.

Ele ouviu. Era uma nota grave e pulsante que fazia o próprio vazio estremecer até o âmago, como o rugido prolongado de um Leviatã.

"Agora", rugiu Loki, soando insano e onipotente ao mesmo tempo, "agora, Capitão, me dê tudo!"

Estou ofereço o sol e as estrelas que há em mim, pensou Steve novamente, e quando Loki gritou "MAIS!", ele cerrou os dentes contra a dor e pensou num fluxo caótico de pensamentos: ofereço o Brooklyn e o sorriso da minha mãe, ofereço Tony Stark e seu gênio irritante, ofereço o herói que foi Clint Barton, ofereço Natasha Romanov e a beleza de sua alma, ofereço Sam Wilson e sua infinita bondade, ofereço a esperança de Carol Danvers e a coragem de Bruce Banner, ofereço Bucky Barnes e tudo o que ele é, ofereço o amor que tenho por todos eles, e ofereço o amor que tenho—

"Eu ofereço o amor que tenho", ofegou ele.

"Eu ofereço o amor que tenho", disse Loki em uma língua que Steve não deveria ter entendido, e a proteção deles brilhou mais forte que o fogo enquanto mergulhavam juntos além do horizonte da escuridão.